quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6958: Algumas fotos de camaradas do BCAÇ 3872 (Manuel Carvalho Passos)

Lisboa > 18 de Dezembro 1971 > Militares do BCAÇ 3872 a bordo do navio Angra do Heroísmo


1. Mensagem de Manuel Carvalho Passos*, ex-Soldado do Pel Rec do BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/73, com data de 4 de Setembro de 2010:

Camaradas
Vamos lá ver se começo a fazer o trabalho de casa, pois também tenho histórias para contar da minha passagem pela Guiné.

Quando no dia 24 de Dezembro de 1971 cheguei a Guiné, juntamente com o BCAÇ 3872, fui logo para Cumeré.
O calor era tanto só queríamos estar debaixo dos chuveiros, e nunca mais me esquecerei daquele espaço dos chuveiros em que o chão era liso e escorregadio.

Fincávamos os pés numa parede e empurrávamos o corpo para a outra parede. O Ivo, o Ferreira, o Silva, o Caramba, o Léo e eu brincávamos como se fôssemos meninos de escola. O nosso amigo Juvenal ainda não estava bem dentro do sistema do PEL REC, mas passado uns dias, já era nosso professor nas mais variadas brincadeiras.
Não era este santo que nos parece agora, nem nós éramos os santinhos que tentamos fazer crer aos nossos filhos, mas camaradas, são essas brincadeiras que hoje, quando nos juntamos nos almoços anuais, são os temas principais das nossas cavaqueiras . São os momentos de brincadeiras e alegria que temos que recordar, para continuarmos a viver sem pesadelos, porque a vida não é fácil.

Tentamos assim dar uma ideia aos nossos amigos e familiares que somos normais, não como ex-combatentes que nos querem e como apanhados pelo stress da guerra, para justificarem as injustiças que nos fazem.

Tanto suor e sangue deram pelo país para hoje serem esquecidos pelos nossos ilustres políticos, mas adiante. Vamos mas é falar de nós que somos os verdadeiros artistas.

Amigos, anexo umas foto dos, na altura, periquitos em GALOMARO, a caminho do café do Regala, que se não estou errado, era o nome do café.

Nas próximas histórias o dito café aparecerá mais vezes.

Por hoje fico por aqui.

Sem mais, por agora um grande abraço a todos os camaradas sem excepção.
Manuel Passos

Do lado esquerdo: Passos, Ferreira Silvestre, Sertã, Caramba. Do lado direito: Félix, Furriel Santos, Castro e Sacristão.

Os periquitos: Sertã, Ivo, Passos, Leo, Canário e Amado, a caminho do regado
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6166: Tabanca Grande (212): Manuel Carvalho Passos, Pel Rec Inf/CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/73 (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P6957: Ser solidário (85): Saneamento básico em Bissau: dúvidas de amigos brasileiros


Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 1 de Agosto de 2010 > Título da foto: Amindara vai ter água potável; Data da foto: 25 de Junho de 2010; Palavras-chave: Saúde familiar.

"A Associação Tabanca Pequena [de Matosinhos,] Portugal, garantiu o financiamento da construção de um poço de água à tabanca de Amindara, no Parque Nacional de Cantanhez, dotando-o de um sistema de captação solar.



"Era a principal dificuldade da população desta tabanca, que vai passar a dispor de água de boa qualidade para o seu consumo e higiene pessoal, assim como para a rega de legumes durante a época seca.

"De registar que um dos principais sinais da mudança climática na Guiné-Bissau é a rápida baixa do lençol freático nos poços, ou mesmo a sua seca logo no primeiro trimestre do ano. Este tipo de apoios é o mais solicitado pelas populações locais".

Foto (e legenda): Cortesia de AD - Acção para o Desenvolvimento (2010). Todos os direitos reservados

1. Mensagem de Isabel Araújo
Data: 9 de Setembro de 2010 02:00
Assunto: Saneamento básico em Bissau- dúvidas dos Brasil[eiros]


Olá, camarada da Guiné!
Somos brasileiros e estamos participando de um concurso de projeto para uma escola no bairro de São Paulo em  Bissau.
Apesar de muitas buscas por informações sobre as condições sanitárias e a cultura construtiva da região, ainda não encontramos muitas informações.

Pode nos ajudar?
Nas regiões alagadiças (7 metros acima do nível do mar), os terrenos permanecem alagados por toda a estação das chuvas?  O nível da água costuma ser alto?
Qual o tipo de instalação feita para os banheiros, latrinas e chuveiros onde não há rede de esgoto? É comum usarem fossas? De onde puxam água para uso residencial e para onde canalizam os dejetos?
Caso não saiba, conhece alguém da cidade ou do bairro que poderia nos ajudar/informar?
Saudações!
Isabel de Lourdes Araújo
Ligia Almeida Souza
Fernanda Mendes e Silva
Henrique Francesconi Scarabotto

2. Comentário de L.G.:

Cara Isabel, é um prazer podermos comunicar em português e um privilégio fazermos parte de uma cada mais dinâmica e orgulhosa comunidade de falantes da língua a que pertencem escritores de talento, universais, como por exemplo Cecília Meireles, João Ubaldo Ribeiro, Herberto Helder, Mário Cláudio, Mia Couto, José Craveirinha, Eugénio Tavares, Ondjaki, Pepetela...

O seu pedido fica no ar, certamente que haverá na nossa comunidade bloguística que se aproxima já do meio milhar de membros,  gente com saber e  competência (nas áeras da saúde pública, engenharia sanitária, arquitectura, planeamento urbano...) para lhe dar a informações que nos pede. Somos um blogue essencialmente de memórias mas também também de afectos e de solidariedade(s) (*). Desejo-lhe, a si e à sua equipa, boa sorte no concurso. L.G.

PS - Sugiro-lhe que, em Bissau, contacte também os nossos amigos da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento.
__________

Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série > 5 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6939: Ser solidário (84): Sarau cultural para angariação de fundos a favor da Guiné-Bissau (José Teixeira / José Rodrigues)

Guiné 63/74 - P6956: Notas de leitura (147): A Tradição da Resistência na Guiné-Bissau (1879-1959), por Peter Karibe Mendy (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,
Era indispensável uma referência ao trabalho do Peter Mendy, a adaptação da sua tese de doutoramento, a despeito de enormidades panfletárias inaceitáveis a um investigador com os seus pergaminhos, é de uma grande importância para se entender a vida intranquila da presença portuguesa até 1936, e depois.

Um abraço do
Mário



A tradição de resistência na Guiné-Bissau
(1879-1959)


Beja Santos

O livro “Colonialismo Português em África: A Tradição de Resistência na Guiné-Bissau (1879-1959)” é uma versão adaptada da tese de doutoramento apresentada por Peter Karibe Mendy na Universidade de Birmingham, Inglaterra (editado pelo INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau, 1994).

A ideia principal que o estudioso desenvolve na sua tese é de que a luta armada empreendida no país entre 1963 e 1974 deve ser interpretada como a culminação de uma longa tradição de resistência dos povos da Guiné. Os portugueses encontraram uma oposição feroz entre os africanos pelo que procuraram estabelecer relações amigáveis com alguns desses povos. Com altos e baixos no relacionamento, com base em compromissos sempre instáveis, construíram-se fortes em Cacheu e Bissau, mais tarde as bases comerciais ampliaram-se até ao Sul e ao centro da Guiné. Recorreram, não poucas vezes, ao uso de alianças de etnias contra outras. Os colonos brancos não tinham saúde para estar muito tempo expostos ao clima duríssimo da Guiné pelo que precisaram da colaboração dos cabo-verdianos, regra geral bem preparados em termos culturais.

Peter Mendy começa por fazer uma introdução sobre a tradição de resistência ao domínio colonial na África negra e a curiosidade, em muitos casos, é da cronologia dos acontecimentos (rebeliões, resistências, revolta das elites, greves...) coincidir com os diferentes territórios coloniais. Em seguida apresenta os povos e sociedades da Guiné e o povo de Cabo Verde, distinguindo os dois processos de colonização e destacando a questão fundamental do mestiço culto de Cabo Verde.

Entrando propriamente dos antecedentes da resistência na Guiné, descreve o estabelecimento da capitania de Cacheu, os presídios de Farim e Ziguinchor, a fortificação de Bissau (sobretudo ao tempo da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, acontecimentos que ocorrem fundamentalmente entre os séculos XVI e XVIII.

Que toda esta presença era frágil e contingente atesta o chamado desastre de Bolor ocorrido em 1878, um massacre perpetrado pelos Felupes. Em 1879 a Guiné separa-se de Cabo Verde e devido aos ditames da Conferência de Berlim (1884 – 1885) Portugal foi obrigado a proceder à ocupação efectiva das suas colónias. É este o período melhor documentado da resistência dos povos da Guiné. A região do Geba vai estar no centro dos primeiros grandes incidentes. Os povos da região, sobretudo os biafadas puseram a região a ferro e fogo e cortaram a navegação, com trágicas consequências para a economia da colónia. Em 1886, a 12 de Maio, é assinado o tratado Luso-Francês pelo qual a França passou a controlar o território a Norte do Rio Cacheu e a Sul do Rio Cacine. É nesta fase que as autoridades de Bolama fazem e desfazem alianças e para aplicar correctivos ou punir insubordinações recrutam numerosas forças de auxiliares fulas e mandingas. O autor enumera as diferentes campanhas punitivas com resultados sempre precários ou por vezes gravemente desfavoráveis para Portugal.

A situação muda substancialmente com as campanhas de pacificação ou de conquista militar. De 1913 a 1915, o capitão Teixeira Pinto com o apoio de Abdul Injai consolida posições em Mansoa e no Oio, depois reprime os manjacos, os cancanhas, os balantas e os papéis. Contribuiu para o sucesso o uso de armamento moderno e a total incapacidade dos resistentes constituírem uma frente unida. A segunda campanha de pacificação irá centrar-se nos Bijagós entre 1917 e 1936. Foi assim que terminou a resistência armada ao colonialismo português que pôde passar a aplicar uma nova doutrina: lógica de missão civilizadora, definição do indigenato (até com a legalização do trabalho forçado), criação de figuras como os civilizados, os assimilados e os indígenas. É nesta época que começam a preponderar os funcionários coloniais cabo-verdianos, muitas vezes mais escolarizados que os brancos e por vezes dotados de uma brutal mentalidade racista.

E estamos chegados a uma nova fase colonial, de ascensão nacionalista, com um novo quadro económico, um compromisso entre a exploração dirigida por escassas empresas e o apoio das autoridades gentílicas. Tratou-se de uma economia colonial limitada ao descasco do arroz, extracção de óleos de amendoim e palma, produção de sabões e madeiras. Entrara-se num patamar de contestação aos impostos, ao trabalho forçado, ao serviço militar e é nesse contexto que vai emergir a subversão e a contestação directa cujo expoente mais chocante é dado pelo massacre do Pidjiquiti. É nesse contexto que muito provavelmente se poderá analisar a adesão de grandes grupos populacionais à luta armada, sobretudo o que se passou no Sul da Guiné, logo em 1963. Os insurrectos eram os mesmos de sempre, camponeses tratados como bestas de carga. Ao tempo em que eclodiu a luta, os manjacos tal como os Felupes preferiram a neutralidade e os fulas e mandingas puseram-se do lado português. Mas isso são questões que já não cabem no historial da resistência, com base na história de longa duração.
__________

Nota de CV:

Vd. poste de 8 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6950: Notas de leitura (146): A Questão de Bolama, de António dos Mártires Lopes (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6955: Memória dos lugares (98): Xitole e Ponte Carmona sobre o Rio Corubal, Abril de 2010 (Eduardo Campos)


1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos, em 30 de Agosto, mais uma mensagem narrando-nos mais alguns pormenores da sua recente viagem à Guiné.

Xitole e Ponte Carmona - Abril 2010
Camaradas,

Depois de umas férias aí vão mais algumas fotos da minha viagem à Guiné.

No Xitole não foi possível tirar fotos pois é quartel das F.A.G. (Forças Armadas da Guiné).

O José Rodrigues, que tinha cumprido a sua comissão no Xitole, conhecia a poucos quilómetros desta localidade, o que resta de uma ponte de nome Carmona e, através de uma picada bem dura, na qual até troncos tivemos de deslocar (para ser possível a progressão), conseguimos chegar lá e passar à “descoberta” da mesma.

Chegados à margem do rio Corubal encontramos a dita ponte, que segundo informações (contraditórias), foi construída nos anos 30 e, mais tarde, destruída pelas NT.

A ponte é muito bonita e as fotos que anexo não mostram a beleza dos seus arcos.














Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCAÇ 4540
Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
__________

Nota de M.R.:

Vd. também sobre a Ponte Carmona o poste de:
Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P6954: Parabéns a você (149): Nossa amiga tertuliana Filomena Sampaio (Editores)

Estamos aqui, neste dia 9 de Setembro de 2010, a festejar o aniversário da nossa amiga tertuliana Filomena Sampaio*, esposa do nosso camarada Manuel Castro Sampaio, ex-1.º Cabo TRMS que pertenceu à CCS/BCAÇ 3832 (Mansoa, 1971/73), infelizmente falecido, não há muitos anos.

Manuel Sampaio nunca fez parte da nossa Tabanca Grande, mas em compensação temos o grato prazer de ter connosco, desde Maio de 2009, a sua companheira de jornada.

Como a vida tem que continuar apesar dos momentos trágicos, infelizmente inerentes, desejamos à nossa amiga Filomena o melhor dia de anos possível, junto das suas filhotas, e demais familiares e amigos.

Como vai continuar a participar com os seus comentários sempre oportunos e neutros, sem a paixão própria de quem viveu os momentos menos bons daquela guerra, marcamos desde já encontro para os próximos anos.
Cada dia que passa, o número de amigos que aqui tem aumentará, sendo maior o carinho e a consideração que lhe dedicaremos.


Cara Filomena, receba um enorme abraço dos homens e mulheres que compõem a tertúlia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, e votos de uma longa vida cheia de saúde.

Os Editores
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6688: In Memoriam (47): Manuel Castro Sampaio, ex-1.º Cabo de Transmissões da CCS/BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73 (Filomena Sampaio)

Vd. último poste da série de 5 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6936: Parabéns a você (148): José Marcelino Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5 (Os Editores)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6953: Estórias avulsas (41): A captura do incaracterístico guerrilheiro Malan Mané, no decurso da Op Nada Consta (Salvador Nogueira)



A Guiné "by air"... Um privilégio que não era para todos... O custo/hora de um helicóptero era equivalente ao vencimento (mensal) de dois alferes milicianos, cerca de 15 contos, no princípio de 1969... Foto do ex-Fur Mil Ap Inf Arlindo Teixeira Roda (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) que deve ter apanhado uma boleia até Bissau...

Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


A. O nosso leitor SNog [Salvador Nogueiera,], no seu "auto-exílio" na província, é avesso a publicidade, e raramente me autoriza a publicar as mensagens que trocamos há já uns bons tempos (*). 

Em 30 de Julho de 2009, veio à baila a Op Nada Consta, em que ele participou como oficial pára-quedista do BCP 12, quando passou pelo TO da Guiné, em 1969. Mandou-me então a narrativa da captura do "incaracterístico" roqueteiro Malan Mané, que haveria mais tarde de ser ferido ao meu lado, na Op Pato Rufia, em 7 de Setembro de 1969... Nessa altura o SNog não me autorizou a sua divulgação, por razões que só ele conhece, e que entende não explicitar (nem eu sequer lhas perguntei).

Mais recentemente (7 de Julho de 2010) o SNog terá mudado de ideias, ao escrever-me o seguinte, depois de me dar o nega a um pedido de publicação de uma outra mensagem dele (com referência ao seu CV militar):

"Para publicar havia de ser a minha narrativa da captura do Malan Mané - mais circunstanciada!, lembras-te do croquis que te enviei? - mas só se alguém aparecesse de novo a divagar sobre o assunto de longe e a sonhar alto. Houve até um poeta que descrevia o piloto a soprar a mata com o rotor do héli e a gritar para avisar a tropa - azar, era eu... e li. E agora?- de que havia uns gajos emboscados... Há gente que nunca mais faz dezassete anos" (...).

Meu caro SNog (só nos conhecemos por mail...) está na altura de desencantar a tua narrativa, agora que alguém quis ressuscitar o pobre do Malan Mané (o Torcato Mendonça jura que o viu vivo, em Bissau, uns meses depois de ter quase morrido lá para os lados do Poindon, na região do Xime)... Entende isto como um pequeno contributo teu para alimentar a nosso projecto (partilhado) de reconstituição das memórias da guerra de África. Como dizem os economistas da nossa praça, não há almoços... nem blogues grátis. De resto, estavas-me a dever essa história (*)... Ela aqui vai, com um Alfa Bravo do Luís.


B. Estórias avulsas (***) > A captura do incaracterístico Malan Mané,

narrativa de SNog


1 - A história da captura do incaracterístico, até falarem tanto dele, Malan Mané... tratou-se de um guerrilheiro esfarrapado que escolheu, em vez de fazer o disparo, levantar-se com as mãos no ar da posição em que se encontrava, atrás de um RPG2 com o cão armado e que à voz ‘anda cá, pá!’ se aproximou apavorado. Era também um de três ou quatro (?), dos quais o terceiro terá fugido.

O do RPG2, este de quem se fala, ocupava a posição mais internada na mata, no extremo da linha de emboscados; do seguinte só encontrámos a cama de capim e o da extremidade mais próxima da orla, atrás de uma Degtyarev RPD, foi abatido.

Do terceiro elemento, nesta ordem, estranhamente não me lembro – não foi capturado nem abatido; terá também fugido ou ‘sonhei-o’ pois fui inspeccionar a instalação deles e creio ter visto 4 camas... adiante! Será todavia o único detalhe com algum significado que tenho consciência de olvidar. O capturado foi ainda interrogado imediatamente, no local, retardando o avanço.

No desencadear da acção, a minha equipa foi a primeira a ser colocada e avançou, a dar espaço no trilho, após a segunda colocação, a da equipa do Sarg Sofio; terá sido aproximadamente à aterragem do terceiro helicóptero que se deu o episódio que descrevo.

Se considerarmos os cerca de cinco metros entre cada homem instalado e sabendo que o Sofio se aproximou de mim para coordenação, estariamos então a uns 25 ou 30 metros da orla, segundo o esquema seguinte que,




por si só, corrige várias divagações que por aí se têm lido acerca do incidente (**).

2. (A propósito de Mamadu Indjai). O chefe de bi-grupo Sanpunhe –assim identificado pelo Malan Mané - apareceu juntamente com outro guerrilheiro perante mim no decorrer da operação, numa ocasião em que mandei parar e fui investigar um palpite dentro do mato, à nossa direita; uns vinte ou trinta metros fora do trilho apareceram dois elementos que vinham ao mesmo e que deram connosco – o Sanpunhe foi abatido cara-a-cara por disparos que fiz e/ou pelo disparo do RPG7 do homem que me acompanhava; o segundo guerrilheiro pisgou-se... (***)

Resultados: herdei uma pulseira que ainda tenho e uma Kalashnikov com que fiz toda a operação da Guiné. Compreenda-se... era difícil resistir ao ronco, apesar de então já ter estado em Angola e em Moçambique.


Texto e infogravura: Salvador Nogueira (2009). Todos os direitos reservados


[ Fixação / revisão de texto / título: L.G.]
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5464: O Nosso Livro de Visitas (74): O blogue não deve ser a Praça da Figueira (Salvador Nogueira, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1969)

(**) Vd. poste de 7 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6948: A minha CCAÇ 12 (6): Agosto de 1969: As desventuras de Malan Mané e de Mamadu Indjai... (Luís Graça)

(***) Recorde-se que a Op Nada Consta foi uma operação conjunta do COP 7 (Bafatá), da CART 2339 (Mansambo, Subsector do Sector L1), da CCAÇ 12 e do Pel Caç Nat 53 (subunidades de intervenção ao serviço do Comando do BCAÇ 2852, 1968/70, sediado em Bambadinca).

No sítio do BCP 12 (comandado do pelo Ten Cor PQ Fausto Pereira Marques, de 4 de Junho de 1968 a 5 de Dezembro de 1969), pode ler-se o seguinte sobre a sua actividade operacional no TO da Guiné:


(...) A actividade operacional do BCP 12 ao longo da sua permanência na Guiné foi intensa, conduzindo a resultados reveladores da sua aptidão para combate.

Nos primeiros anos os Pára-quedistas foram empregues fundamentalmente em operações independentes no âmbito da Força Aérea, a qual tinha meios próprios de reconhecimento, ataque ao solo e transporte das suas forças Pára-quedistas.

Os grupos de combate eram normalmente empregues em operações que exigiam grande mobilidade e rapidez de actuação. Quando um grupo de guerrilheiros era detectado ou actuava contra aquartelamentos das unidades do Exército, as forças Pára-quedistas eram colocadas no terreno, através de helicópteros, ou noutros casos, dada a geografia própria da Guiné, através de lanchas da Armada. As forças Pára-quedistas eram usadas por períodos de tempo limitado mas de grande empenhamento.

Para além de operações independentes no âmbito da FAP, os Páras participaram também em operações conjuntas com forças do Exército ou da Armada. Destas destaca-se a operação PARAFUZO, efectuada na ilha de Caiar em Março de 1967, com forças dos Destacamentos de Fuzileiros Especiais nº 4 e 7. Da acção resultou a captura de 20 elementos inimigos.

A partir de meados de 1968 e com o General António Spínola como novo Comandante-Chefe na Guiné, o modo de emprego dos Pára-quedistas foi alterado.

As Companhias [121, 122 e 123] do BCP passaram a integrar os então criados Comandos Operacionais (COP) com outras forças militares, sob o comando de um oficial superior. Muitas vezes oficiais Pára-quedistas desempenharam essas funções. As forças eram então empenhadas, durante largos períodos, conjuntamente com as Unidades de quadrícula do Exército. As companhias do BCP 12 foram assim muitas vezes atribuídas de reforço às unidades instaladas junto às fronteiras com o Senegal e a Guiné-Conakry.


Foram inúmeras as operações desencadeadas neste período: a operação JUPITER, com 4 períodos no corredor de Guileje, no âmbito do COP 2, a operação TITÃO com o COP 6, a operação AQUILES I, com o CAOP 1, a operação TALIÃO, com o COP 7, entre tantas outras, com bons resultados.

Merece particular destaque a operação JOVE, realizada em Novembro de 1969 com forças das CCP 121 e 122. No dia 18 de Novembro a CCP 122 capturou o Capitão Pedro Rodriguez Peralta, do Exército Cubano, comprovando a ingerência de forças militares estrangeiras na guerra na Guiné.

Apesar das CCP continuarem a ser atribuídas aos COP que se iam activando consoante as necessidades, o Comando do BCP esforçou-se por continuar a levar a cabo algumas operações independentes, actuando como força de intervenção em exploração de informações obtidas e seria neste tipo de operações que se obtiveram alguns dos melhores resultados do Batalhão.

Apesar dos esforços a situação na Guiné continua a degradar-se. A pressão que os guerrilheiros vinham exercendo sobre os aquartelamentos no Sul do território começou a dar resultados. 

Em Maio de 1973 os guerrilheiros desencadeiam fortes ataques a Guileje obrigando mesmo ao abandono do aquartelamento dos militares do Exército. Nas proximidades, Gadamael Porto fica em posição delicada com flagelações frequentes de armas pesadas. 

A 2 de Junho as CCP 122 e CCP 123 são enviadas para Gadamael, seguindo-se no dia 13 a CCP 121. O próprio comandante do BCP 12, Tenente-Coronel Araújo e Sá tinha assumido o comando das forças que com a guarnição do Exército constituiram o COP 5. A posição de Gadamael Porto é organizada defensivamente com abrigos, trincheiras e espaldões, simultaneamente são desencadeadas acções ofensivas sobre os guerrilheiros. A resistência e a determinação das Tropas Pára-quedistas acabaram por surtir efeito e o ímpeto inimigo foi quebrado - Gadamael Porto não caiu. 

A 7 de Julho as CCP 121 e 122 regressam a Bissau e a 17 é a vez da CCP 123, a operação DINOSSAURO PRETO tinha terminado. (...).

(Destaque a vermelho, do editor, L.G.)

Um dos álbuns fotográficos de pessoal do BCP 12 pode ver visualizado aqui.

(****) Último poste desta série > 4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 – P6933: Estórias avulsas (93): Uma história da minha guerra (António Barbosa)

Guiné 63/74 – P6952: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (26): Armando Pires encontra camaradas com a ajuda do Blogue e da tertúlia

1. Mensagem de Armando Pires, ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70, com data de 3 de Setembro de 2010:

Carlos
Camarada e Amigo.
Escrevo-te para que possas acrescentar mais uma estrela no Estandarte da Tabanca Grande.
Foi concluído com total êxito o processo de busca iniciado com o Poste 6858.

Deixa-me transcrever, em copy/paste, o texto do email que recebi, esta madrugada, do António Nobre, ex-furriel miliciano da CCAÇ 2464.

Em 2 de setembro de 2010 19:54, António Nobre escreveu:

Olá Armando Pires
Por acaso e ao visualizar o site da “Tabanca Pequena” vi uma menasagem tua. O que é feito de ti? Há dias fui a Santarém e falei no teu nome e um amigo do Banco que te conhece perfeitamente designadamente das lides taurinas…….

Ainda te lembras de mim? Sou o Nobre de Óbidos. Velhos tempos. Há cerca de 30 anos encontrei-te em Vilamoura…. Não voltei a saber nada de ti.

Se passares por Leiria contacta-me.
E a Rádio? Ainda trabalhas?

Um grande abraço
Nobre

A tempo:
- Se precisares do numero de telefone do Alves Enfermeiro aqui vai [...]



Eu não apenas precisava de saber do contacto do Alves, o Carlos Alberto, como também do António Viola, outro ex-furriel mil da 2464, que sabia trabalhar agora em Bissau.

Pois já falei com o Nobre, que me disse estar o Viola de férias em Portugal e que, por tal motivo, prepara uma almoçarada em Peniche no próximo dia 11, onde eu vou estar, e tendo também já falado com o dito Alves fiquei a saber que ela mora, em linha recta, a meia dúzia de quilómetros da minha casa.

É por isto que o mundo é pequeno e a nossa TABANCA GRANDE!

A tempo:
- Quero aqui deixar expresso um agradecimento a todos quantos cooperaram nesta operação de busca, com particular destaque para o Santos Oliveira, inexcedível nos seus cuidados.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6858: Em busca de... (139): Fur Mil Enf Carlos Alberto e outros camaradas da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, Biambe e Nhala, 1969/70 (Armando Pires)

Vd. último poste da série de 27 de Julho de 2010 Guiné 63/74 – P6798: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (25): Fátima Amado, filha do nosso camarada João Amado, encontra no nosso Blogue notícias sobre a morte de seu pai (Juvenal Amado / Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P6951: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (7): O Miranda e a sua adoração pelo Fê Quê Pê

1. Em mensagem do dia 3 de Setembro de 2010, nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), fala-nos de mais um dos seus camaradas, desta vez, do Miranda.


Memórias boas da minha guerra (7)


Cegueira e religião

Desde o CSM, em Vendas Novas, que conheço o Miranda e, também é desde essa altura, que fizemos amizade. Aconteceu que nos reencontrámos na mesma Companhia, que veio a ser a CART 1689.

A sua maneira de ser, franca e aberta, torna o relacionamento cativante. Depois… bem, depois, quando está com um “grãozinho na asa”, irradia alegria e felicidade por todos os lados. Especialmente por isso, não havia festa sem a participação do amarantino Miranda.

No entanto, não abdica da maneira como vê o mundo. Não há quem o demova das suas teimosias e, normalmente, passa grande parte do tempo envolvido em debates polémicos. Digamos que também é “cego” nas suas convicções. Escreveu um livro contra a construção da Barragem do Torrão, no Rio Tâmega e é um lutador acérrimo contra o poder (incompetente ou não) através do seu jornal.

Por outro lado, também é verdade que tem dificuldades de visão. Usava óculos bastante graduados e com armação muito encorpada. E, como ela lhe pesava no nariz ou estava larga, passava o tempo a levantar o dedo médio (em posição agressiva…), para a puxar para cima ou para a apoiar melhor sobre a cana do nariz. Este gesto tornou-se num tique que se manifestava, repetidamente, sempre que se envolvia em discussão. Ora, como ninguém gosta de ser confrontado com tal gesto, ele saía prejudicado nas suas habituais discussões. Àparte disso, ele é mesmo um bom camarada e foi um valente militar. É pena as várias situações que aconteceram devido à dificuldade de visão. Embora ele o negue, há quem diga, entre camaradas, que por vezes, durante os assaltos, lhe caíam os óculos para o chão. Ajoelhava-se e, de cu para o ar e G3 na mão esquerda, esquadrinhava o terreno em volta com a mão direita à procura deles, berrando:

- Eh pá! Cuidado com os meus óculos!!

Catió > 26 de Janeiro de 1968 > Comemoração dos 9 meses

Quando estávamos a formar o Batalhão 1913 no RASP, na Serra do Pilar, em Gaia, jantávamos à pressa, por forma a virmos apanhar as miúdas que atravessavam o Rio Douro pelo tabuleiro superior da ponte D. Luís, depois de saírem dos seus empregos na cidade do Porto. Corríamos para junto do Café/Restaurante Mucaba, onde desfilavam as mais variadas e supostas boas oportunidades.

Já era a segunda vez que nos encontrávamos com duas miúdas de Gervide: a Florinda e a Miquelina. Dada a boa receptividade, previ um bom serão e, quiçá, algo mais. Porém, ao fim de uns minutos, a Miquelina afasta-se do Miranda e vem para junto da amiga, a chorar copiosamente. O Miranda de boca aberta estava especado a olhar a cena, já com os óculos repetidamente ajustados.

- Que se passa? – perguntei.

- Não sei de nada – respondeu o Miranda, enquanto as duas raparigas confidenciavam, entre lamúrias. E, logo de seguida, despediram-se acenando com as mãos e entraram no autocarro.

No dia seguinte, no mesmo local, encontrámos a Florinda que nos trazia uma nova colega, a Florbela. Ao fim de uns minutos, verificámos que o Miranda não mostrou interesse na miúda que, por sinal, era bem mais interessante que a Florinda. O Miranda chamou-me discretamente de lado e disse-me em voz baixa:

- Vai com a tua que eu vou até ao Porto, ao Circo (da Cordoaria), porque esta miúda ainda é muito novinha e eu não quero ser acusado de lhe tirar a inocência.

Ainda estava eu a tentar demovê-lo da decisão, parou um carro à nossa beira, abriu a porta e a Florbela entrou logo de seguida.

Eu fui com a Florinda a pé, até Gervide. Logo de início ela justificou-me o que tinha acontecido no dia anterior. A Miquelina tinha ficado muito ofendida porque o Miranda lhe havia dito que ela tinha os olhos mais bonitos do mundo.

- Ofendida porquê? – questionei eu.

- É que ela, coitada, é vesga, tem um olho de vidro e nota-se bem – disse a Florinda.

Ao passar abaixo de Mafamude, junto à Real Companhia Velha, em zona de pouca luminosidade, lá estava o carro (VW) encostado, com os vidros baços da humidade interior, a baloiçar ritmadamente. Ainda me pareceu ouvir um grito dentro do carro mas, afinal, era o som do “Non soi degno de te” do Giani Morandi. Passámos mesmo ao lado, mas como a Florinda não reagiu àquele crime, eu também cobardemente, nada fiz para evitar a “violação daquela inocente”.

Ainda hoje, quando nos encontramos, normalmente na Tasca da Quelha, do Benfiquista Agostinho, rimo-nos destas cenas, mesmo com a presença da sua mulher, Maria José, com quem ele já namorava. E para se desculpar repete:

- Ó mulher, não te fies neste venenoso. Sabes bem que eu só tinha olhos para ti.

Miranda no Encontro de Crestuma a ser servido na recepção

Miranda no Encontro de Crestuma, ao lado do Conselheiro da Revolução, Sousa Castro, que nos honrou com a sua visita surpresa.

Aproximava-se Abril, que é o mês em que fazemos o encontro anual da CART 1689 e, como dessa vez era eu que o organizava, fui a Amarante visitar o Miranda e pedir-lhe o apoio quanto aos contactos, uma vez que ele sempre esteve mais ligado à organização.

Bem perto do Arquinho, na baixa de Amarante (Rua 31 de Janeiro), a porta da entrada para o jornal “A Tribuna de Amarante” estava aberta. Subi a escadaria de madeira, com muito cuidado, para apanhar de surpresa o Director do Jornal, Sr. Carneiro de Miranda.

- Eh caralho! Que andas aqui a fazer? – gritou ele, que logo acrescentou: - Ó mulher, olha quem está aqui, aquele doudo do Silva... Sim o da tropa.

Seguiu-se então o período de “partir mantenha” à moda do norte, com mais ou menos caralhadas de permeio.

- Agora reparo, porque estás tão engalanado, que mais pareces um chulo, ou melhor, um Ministro de Lisboa? – observei eu, para o provocar.

Prontamente reagiu:

- Tu lá como é que falas porque estás no norte mais puro e mais português. E estás na terra de grandes homens como Teixeira de Pascoaes e Amadeo de Souza Cardozo. Terras do S. Gonçalo e do melhor binho do mundo, o berde de Gatão. Ainda queres que te mostre mais, onde estamos?

E apontava para um grande quadro, do FCP, devidamente bordado em tecido. Por baixo deste quadro estava uma grande fotografia do Presidente “vitalício” do FCP, com a respectiva dedicatória. Nas paredes, viam-se vários quadros com equipas do FCP, aquando das suas famosas conquistas internacionais.

Esticou-se, para se mostrar melhor. Vestia “blazer” azul, com um emblema do FCP em ouro na lapela, camisa com monograma do FCP, gravata do FCP com alfinete do FCP, botões de punho do FCP. Na mão esquerda exibia um anel do FCP e, sobre a secretária, estava uma caneta dourada do FCP e um “Dragãozinho”- pisa-papeis, colocados ao lado do monitor do computador.

A sua mulher, que também já andava vestida com as cores exclusivas do FCP - azul e branco (cores da Naçom desde a Restauraçom) - interroga-me:

– Então não sabe quem vem cá hoje? É dia do aniversário da filial do FCP de Amarante e o “Papa” nunca falta.

Fiz-me despercebido e indaguei: - Qual “Papa”?

- Sim pá, - adiantou logo o Miranda - o “Papa”, o nosso querido “leader”, o homem mais valioso do Portugal contemporâneo! O único que enfrenta aquela corja de mamões e corruptos da capital, que só nos tem prejudicado. É conhecido e respeitado em todo o mundo! O homem que foi recebido em Roma, no Vaticano e com uma gaja, enquanto que o nosso Presidente da República, não conseguiu que a sua esposa (por sinal uma ”Dragona” algarvia) o acompanhasse na sua Visita Presidencial a Roma.
Portanto:

- “Papa” só há um – o Pinto da Costa e mais nenhum. E mais: - a “Nossa Senhora” é sempre a gaja com quem ele andar. Eu seja ceguinho se isto não é a melhor religião do mundo!

Silva da Cart 1689
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6926: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (2): Alferes do QP Henrique Ferreira de Almeida da CART 1689 / BART 1913

Vd. último poste da série de 12 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6846: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (6): O Cabo Felgueiras

Guiné 63/74 - P6950: Notas de leitura (146): A Questão de Bolama, de António dos Mártires Lopes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,
Nas minhas andanças pela Feira da Ladra lá consegui este livrinho alusivo a uma conferência por sinal bem interessante.
Goste-se ou não, este diferendo diplomático contribuiu para consolidar a presença portuguesa na região, quebrou alguns sonhos aos britânicos que pretendiam confrontar-se com a França, a potência rival da África Ocidental.
Foram sonhos que se modificaram, reconfigurando-se, não se perdendo.

Um abraço do
Mário


A questão de Bolama
Pendência entre Portugal e Inglaterra


Beja Santos

Em 13 de Janeiro de 1968, no Centro de Estudos da Guiné, em Bissau com a sala literalmente cheia e sessão presidida pelo Governador e Comandante-Chefe, General Arnaldo Schultz, António dos Mártires Lopes preferiu uma conferência na data em que, 98 anos antes, havia sido solenemente assinado o protocolo pelos ministros plenipotenciários de Lisboa e Londres, confiando ao Presidente dos Estados Unidos da América, escolhido pelo Governo de Londres, a arbitragem no diferendo entre Portugal e Inglaterra sobre a posse da ilha de Bolama. O Presidente dos Estados Unidos, Ulysses Grant, em 21 de Abril de 1870 preferiu a sentença favorável a Portugal. Em 1970, comemorando a efeméride, a Agência-Geral do Ultramar publicou a intervenção de António dos Mártires Lopes. É hoje um livro raro que vai ficar a pertencer à biblioteca do nosso blogue.

E vamos aos factos. Philip Beaver, oficial da Marinha inglesa, concebeu o plano de estabelecer em África uma colónia que teria por fim “a cultura das terras por gente livre, como meio de civilizar os negros”. William Pitt, o ministro inglês, acolheu o projecto. Beaver aportou na ilha de Bolama em Maio de 1792, à frente de uma expedição de 275 ingleses. Os Bijagós atacaram a feitoria e Beaver negociou com dois régulos da região a chamada cessão da ilha de Bolama, onde se instalou, tendo também adquirido um território fronteiro mediante uma declaração de dois régulos biafares que lhe cediam a soberania a sul e oeste duma linha que se estendia de Guinala até chegar ao mar. O plano de ocupação desmoronou-se rapidamente; primeiro, a maior parte dos expedicionários abandonaram Beaver e os restantes foram praticamente dizimados pela doença e pelos ataques dos Bijagós. Em 1816, Joseph Scott tentou constituir uma nova colónia, mas a reacção dos autóctones foi dissuasora. Em 1827 o Governador das possessões africanas da África Ocidental apareceu pessoalmente no Rio Grande e impôs aos régulos tratados que concediam a soberania de Bolama ao rei da Grã-Bretanha. O conflito diplomático estava em marcha. Os reis Bijagós afirmavam às autoridades portuguesas que não tinham vendido a ilha de Bolama ou outro qualquer terreno porque aquela ilha pertencia ao Rei de Portugal. Em 1830, o Governo português mandou construir uma fortaleza, não obstante a Inglaterra passou a fazer larga ostentação do seu poderio naval nas águas da Guiné. Seguiram-se escaramuças, navios apresados, bandeiras portuguesas destruídas ou arriadas, troca de notas diplomáticas, o conflito arrastou-se até 1857, data em que o ministro português em Londres propôs às autoridades britânicas que a questão fosse submetida a uma arbitragem, deixando ao Governo britânico a escolha do árbitro. A Grã-Bretanha recusou-se a aceitar a arbitragem e determinou que a ilha de Bolama fosse incorporada à colónia da Serra Leoa, em 1861. Os ingleses instalaram-se em Bolama e passaram a atacar a colónia do Rio Grande onde os portugueses tinham feitorias e estabelecimentos comerciais e agrícolas. O governador-geral de Cabo Verde procurou repelir estas agressões. E por razoes que ainda hoje não estão verdadeiramente esclarecidas, as autoridades de Londres aceitaram, em 1868, a arbitragem de Ulysses Grant.

António dos Mártires Lopes publica a sentença arbitral e procede à sua análise. O Presidente norte-americano deu como provado que a ilha de Bolama fora descoberta por um navegador português em 1446; muito antes do ano de 1792 fora fundado um estabelecimento em Bissau que mantinha a soberania portuguesa; que antes, em 1699, fora constituída uma colónia portuguesa em Guinala, no Rio Grande, que era uma povoação habitada somente por portugueses; que a linha da costa de Bissau para Guinala, passando pelo Rio Geba, abrangia toda a parte continental, fronteira à ilha de Bolama; que a ilha de Bolama era adjacente à terra firme e que desde 1752 até ao presente Portugal sempre reivindicara os seus direitos à ilha de Bolama; que as novas concessões dos chefes indígenas à Grã-Bretanha não levaram a que o Governo português abandonasse os seus direitos. E assim proferia a seguinte sentença: “Eu, Ulysses S. Grant, Presidente dos Estados Unidos, julgo e decido que estão provados e estabelecidos os direitos do Governo de Sua Majestade Fidelíssima o Rei de Portugal à ilha de Bolama na costa ocidental de África e a uma certa porção de território fronteira a esta ilha na terra firme”.

Bolama > Agosto de 2010 > Antigo Palácio.
Foto : © Patrício Ribeiro (2010). Todos os direitos reservados.

Terá jogado a favor desta decisão a própria política expansionista norte-americana numa altura em que os Estados Unidos tomavam posse do território do Oregon, com base na prioridade de descoberta do Rio Colômbia. Mártires Lopes invoca inúmera documentação comprovativa da legitimidade da posição portuguesa, toda ela com grande interesse histórico. Em 4 de Maio de 1870, em plena sessão da Câmara disse o deputado Freitas de Oliveira: “Hoje, a ilha de Bolama está restituída à Coroa Portuguesa. Trabalhou com muito desvelo e afinco neste negócio um dos diplomatas mais distintos. Refiro-me ao Sr. Conde d’Ávila. Quem veio concluir este negócio foi o Governo actual, e os louvores pertencem sempre àqueles que consumam o acto. Neste exemplo vê-se que o Governo nem sempre tem contra si a fatalidade. Há compensações”.
O Governo, reconhecendo o importante serviço prestado pelo Conde d’Ávila, nomeou-o Marquês d’Ávila e Bolama.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6945: Notas de leitura (145): Liberdade ou Evasão, de António Lobato (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6949: Convívios (269): Encontro Comemorativo do 36º Aniversário da chegada a Lisboa das 2ª e 3ª CART/BART 6523 (António Barbosa)

1. O nosso Camarada António Barbosa (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523, Cabuca, 1973/74, enviou-nos em 6 de Setembro a seguinte mensagem, marrando-nos a festa da sua Unidade:
Camaradas,
Realizou-se no passado dia 5, o Encontro Comemorativo do 36º Aniversário da chegada a Lisboa das 2ª e 3ª CART/BART 6523.
O convívio decorreu no Mosteiro de Grijó, com a celebração de uma missa em memória de todos os nossos camaradas que por variadíssimas razões já não se encontram entre nós.
Seguiu-se o almoço, com muita qualidade e óptimo serviço do pessoal, em que não faltaram as entradas, pratos de peixe e carne, fruta e doces.
Tudo regado com bom vinho verde, ou maduro branco e tinto.
Obviamente que esta parte comestiva é importante, mas, para nós os ex-militares, acima de tudo está o rever velhos os amigos e camaradas, alguns que já não víamos desde 1974.
Este ano entre eles estava o meu camarada e amigo Cunha (Açoreano), que foi Alferes Miliciano RANGER, bem como o Capelão do Batalhão que nos honrou com a sua presença.
Não faltaram também os nossos queridos familiares e alguns amigos.
Espero bem que para o ano a adesão à nossa festa seja anda maior.




Um abraço amigo,
António Barbosa
Alf Mil Op Esp/RANGER da 2.ª CART do BART 6523
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.

Fotos: © António Barbosa (2010). Direitos reservados.

__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6948: A minha CCAÇ 12 (6): Agosto de 1969: As desventuras de Malan Mané e de Mamadu Indjai nas matas do Rio Biesse... (Luís Graça)



Guiné > Zona leste >Sector L1 > CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) > Um coluna logística ao Xitole... O pessoal fazendo uma paragem na Ponte dos Fulas, destacamento do Xitole.


Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010) & Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Continuação da série A Minha CCAÇ 12, por Luís Graça (,foto à esquerda, ex-Fur Mil Ap Arm Pes Inf] (*).

Resumo (1):  A CCAÇ 12, composta por quadros e especialistas metropolitanos,  chegados à Guiné em finais de Maio de 1969 (CCAÇ 2590), e por soldados africanos, praticamente todos oriundos do chão fula que tinham feito a sua instrução básica e de especialidade em Contuboel, é dada como operacional, a partir de 18 de Julho de 1969, sendo colocada em Bambadinca (Sector L1), como unidade de intervenção, ficando pronta a actuar às ordens de qualquer um dos sectores da Zona Leste da Guiné (em especial dos Sectores L1, L3 e L5).

Durante a sua primeira comissão (1969/71), actou sobretudo no Sector L1 (Bambadinca, correspondente ao triângulo Bambadinca-Xime-Xitole, mas incluindo também, a norte do Rio Geba, os regulados do Enxalé e do Cuor onde começava o famoso corredor do Morès...). A CCAÇ 12 foi uma das primeiras unidades da nova força africana, criada por Spínola.

No subsector de Galamaro (Sector L3) a CCAÇ 12 tem o seu baptismo de fogo e os seus primeiros feridos graves, a 24 de Julho de 1969, em Madina Xaquili. Nos meses seguintes, em plena época da chuva, irá ter uma intensa actividade operacional. Em Setembro, no decurso da Op Pato Rufia (assalto a uma acampamento avançado do IN na zona da Ponta do Inglês), a CCAÇ 12 irá sofrer o seu primeiro morto.

No texto a seguir relata-se a actividade operacional relativa ao mês de Agosto de 1969, donde se destaca a Op Nada Consta, com forças da CART 2339 (subunidade de quadrícula de Mansambo, pertencente ao BCAÇ 2852, 1968/70), o Pel Caç Nat 53  e tropas pára-quedistas do BCP 12 (ao serviço do COP 7, Bafatá), no decurso da qual é feito um prisioneiro, Malan Mané,  e ferido gravemente o comandante Mamadu Indjai, entre outras baixas. (**)



Agosto de 1969: Op Nada Consta, operação conjunta da CCAÇ 12 com forças pára-quedistas do BCP 12 (Galomaro), o Pel Caç Nat 53 (Bambadinca) e a CART 2339 (Mansambo)

Candamã, tabanca fula em autodefesa do regulado do Corubal, é atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer do 30 de Julho. Esse brutal ataque (o PAIGC utilizou  um bigrupo e armamento pesado) surgiu na sequência do recrudescimento da actividade IN no tradicional triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, após a Op Lança Afiada.

Nesta operação que se realizou, de 8 a 18 de Março último, a nível de agrupamento, estiveram empenhados 1.300 homens (incluindo milícias e carregadores civis), tendo as NT penetrado em santuários do IN, como a mata do Fiofioli

Embora desarticulado o seu dispositivo na área compreendida entre a linha geral Xime-Mansambo-Xitole e a margem direita do Rio Corubal, o IN não deixaria, no entanto, de desencadear um ou dois meses depois uma série de acções de guerrilha que culminariam com um ataque, em força,  ao aquartelamento de Bambadinca, na noite de 28 de Maio de 1969.

Só no subsector de Mansambo, o IN tinha até então montado 2 emboscadas (1 com mina comandada) às NT, flagelado 5 vezes o aquartelamento de Mansambo e atacado em força o destacamento de milícias de Moricanhe (retirado a seguir). 

Desta vez (isto é, com o ataque a Candamã, a 30 de Julho),  tudo indicava que o IN se tinha instalado no regulado do Corubal, dispondo para o efeito duma cadeia de acampamentos temporários (barracas) que lhe dava ligação às suas bases mais recuadas, junto ao Rio Corubal (Galo Corubal, Mina/Fiofioli, Mangai, Ponta Luís Dias... vd. cartas do Xime, Xitole e Fulacunda).



O triângulo Bambadinca-Xime-Xitole. Pormenor do mapa do Sector L1. 

Infogravura: © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados



A missão da CCAÇ 12 era, portanto, detectar o IN. Assim, a 2 de Agosto, 3 Gr Comb (1º, 3º  e 4º) voltam a Candamã para um patrulhamento ofensivo na região de Camará. Estava-se então no auge das chuvas, o que tornava muito difícil a detecção de vestígios humanos no mato. Descobriu-se, no entanto, o trilho que o IN utilizara na retirada do ataque à tabanca de Candamã, dias antes,  e que ia dar a região de Galo Corubal / Biro (Op Guita I).


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada de Bambadinca-Mansambo. Eu e o Dalot, o Diniz G. Dalot, talvez o melhor condutor de GMC do mundo ou pelo menos o melhor que eu alguma vez conheci... Berliet e GMC nas mãos dele, carregadas de sacos de arroz, não ficavam atoladas na famosa estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, a menos que rebentassem debaixo de uma mina. Eu dizia que era preciso ser maluco para conduzir uma GMC. Ele ofendia-se: era o mais profissional dos nossos condutores auto... Reguila, setubalense, de apelido francês, apanhou logo no princípio da comissão, em Julho de 1969, cinco dias de detenção. (LG)

Foto: © Luís Graça (2005) / Blogue Lúís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



A 4 de Agosto, efectua-se a Op Belo Dia em que participa o 2º Cr Comb com forças da CART 2339, de Mansambo (Destacamento A),  para abertura do itinerário Mansambo-Xitole, interdito deste Novembro de 1968, altura em que uma coluna logística do BCAÇ 2852 sofrera 2 emboscadas (a primeira com mina comandada) no regresso a Bambadinca, a cerca de 2 km da Ponte dos Fulas,  tendo prosseguido com apoio aéreo. 

Na Op Belo Dia, não foram encontradas minas nem abatizes mas o IN emboscou 1 Gr Comb do Dest B (Xitole) na Ponte dos Fulas quando estava a reabastecer-se de água.

Entretanto, de 5 a 17 de Agosto, o 4º Gr Comb foi reforçar o Sector L2, sendo destacada 1 secção para Saré Gana e 2 para Sare Banda (subsector de Geba). Dias antes o IN fizera um ataque malogrado à tabanca em autodefesa de Sinchã Sutù.

A 6 de Agosto, 2 Gr Comb levam a efeito uma batida conjugada com emboscada na região de Candamã, não tendo encontrado quaisquer vestígios (Op Gungadim). Porém a 11, numa nova batida efectuada pelo 3º Gr Comb e e Pel Rec Inf da CCS/BCAÇ 2852 detectaram-se sinais muitos recentes do IN. De regresso a Candamã, as NT foram flageladas à distância com morteiro 60 e LGFog (, Lança-granadas-foguetes), da direcção de Camará (Op Gancho).

A 12, a CCAÇ 12 realiza a Op Gancho II. E a 15, a Op Gancho III, juntamente com forças da CART 2339, para uma batida à zona de Áfia / Camará. Às cinco da manhã, aquela tabanca em autodefesa (reforçada com 1 secção de um pelotão de Mansambo) tinha sido atacada pelo mesmo grupo IN que fora a Candamã, sofrendo a população 3 mortos e 9 feridos.

Vestígios deixados pelo IN (peugadas no capim e terra remexida pelo prato-base do morteiro 82) durante um alto ou mais provavelmente no ponto de reunião, levariam entretanto as NT à localização dum acampamento, situado na mata a sul do Rio Biesse onde foram surpreendidas pelo ruído do pilão, tendo avistado alguns elementos armados na orla da bolanha. Os efectivos das NT não eram, porém, suficientes para o golpe de mão imediato e, de resto, a sua missão era apenas de reconhecimento, pelo que retiraram o mais cautelosamente possível.

Três dias depois, a 18 de Agosto, e com base no reconhecimento que se efectou à área, forças pára-quedistas fariam um heli-assalto ao acampamento em referência, numa operação conjunta do Sector L1 e COP 7 (Bafatá). As forças do COP 7 eram constituídas pela CCP 123, a 2 Gr Com, e a CCP 122,  a 1 Gr Com, aquarteladas em Galomaro. (Op Nada Consta)


Op Nada Consta: Desenrolar da acção


Enquanto as forças do Sector L1 ficavam emboscadas nas proximidades da bolanha do Rio Biesse (a leste, a CCAÇ 12 com 3 Gr Comb dispostos em semicírculo; a norte, o Pel Caç Nat 53; a oeste, forças da CART 2339, a 2 Gr Comb; e ainda  1Gr Comb da CART 2339, na estrada Mansambo-Xitole,  junto à ponte do Rio Bissari, XIME 7A5-85 ), veio a primeira vaga de pára-quedistas que foram colocados na ponta oeste da bolanha, penetrando imediatamente na espessa mata que se estende para sul.

Cinco minutos depois, é capturado um elemento IN armado de RPG-2. Sucederam-se mais duas vagas de helicópteros, transportando outros tantos Gr Comb dos páras e a mata passou a ser percorrida de norte para sul.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Interrogatório a um prisioneiro, o guerrilheiro Malan Mané. Quem preside ao interrogatório é o Alf Mil Torcato Mendonça. A foto é do Alf Mil Cardoso, e chegou-nos à mão através do ex-Fur Mil Carlos Marques dos Santos, de Coimbra. "Pela disposição dos presentes é fácil imaginar a brutalidade do interrogatório. O militar das patilhas sou eu, na escrita" (TM).

Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


0 prisioneiro, Malan Mané, de seu nome, de etnia mamdinga, entretanto, não dera nenhuma informação que permitisse levar à localização de qualquer arrecadação de material ou acampamento importante. Confessou apenas que no local se encontravam cerca de 80 homens (dois bigrupos), sob o comando de Mamadu Indjai, dispersos em pequenos grupos pela mata, e com quem os páras estabeleceriam depois contacto, fazendo 2 mortos e capturando 3 armas automáticas (***).

0 mau tempo não permitiu o bombardeamento prévio da zona na direcção N-S, pelo que o IN conseguiu fugir da zona do heli-assalto, não obstante o fogo do helicanhão [, o Lobo Mau]. Na retirada, porém, um grupo cairía numa emboscada afastada que forças da CART 2339 tinham montado no itinerário Mansambo-Xitole, próximo da ponte sobre o Rio Bissari, e em resultado da qual ficaria gravemente Mamadu Indjai (soube-se mais tarde). Houve ainda dois mortos confirmados do lado do IN.

Devido às condições atmosféricas (péssimas, segundo os relatórios), a Op Nada Consta só começaria às 9.30h, com o heliasssalto. Sempre sob mau tempo, os páras regressam a Galomaro às 16.30h do mesmo dia.

Entretanto, o  IN retirava na direcção de Biro onde os páras foram no dia seguinte, na exploração imediata das informações dadas pelo prisioneiro, Malan Mané, capturando mais material.

O material apreendido pelos páras incluiu: 

- 1 Metr Lig Degtyarev; 
- 1 LGFog RPG-2; 
- 1 Esp Aut Kalashnikov (distribuída a um elemento IN, de nome Baio); 
- 1 Pist Metr PPSH; 
- 3 cunhetes com munições; 
- 7 granadas de RPG-2;
-  9 granadas de Mort 60; 
- diversos bormais, marmitas, fardamento e botas novas; documentos de interesse, incluindo relatórios onde se refere a ocorrência de 2 mortos e 6 feridos, por parte do IN, no ataque a Candamã, a 30 de Julho de 1969.

Pela CART 2339, foram levantadas duas minas A/C.

Entretanto, a 30 de Agosto, o 1º, o 3º e 4º Cr Comb da CCAÇ 12, num patrulhamento ofensivo à região do Rio Biesse, Demba Ioba, Sambel Bare, Sinchã Mamadi e estrada de Mansambo, percorreriam 6 acampamentos IN recém-abandonados, ao longo dum trilho principal que conduzia à região de Biro, atravessando o itinerário Mansambo-Xitole.

No primeiro acampamento, encontrou-se o cadáver dum chefe IN identificado pelo prisioneiro que servia de guia, e que teria morrido em consequência de ferimentos recebidos em combate, durante a Op Nada Consta. Em escassos dias, as formigas carnívoras e os abutres tinham-no reduzido a um esqueleto desconjuntado.

Vestia uma espécie de dolmen impermeável que ainda estava em bom estado, assim como as botas... Num outro acampamento a seguir, foram encontradas um maço de cartas escritas em árabe (ou caracteres arabizados) e uma planta do aquartelamento de Mansambo, com as posições da artilharia, localização dos abrigos-casernas, espaldões, etc.

Em virtude do guia se ter perdido, os 3 Gr Comb da CCAÇ 12 só atingiram a estrada de Mansambo no dia seguinte de manhã, tendo regressado juntamente com o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 e forças da CART 2339 que haviam ficado emboscados no trilho de Biro, paralelamente à estrada. Até Mansambo, verificaram-se numerosos casos de esgotamento físico entre os Gr Comb da CCAÇ 12 que efectuaram a Op Gancho IV.


Fontes consultadas:


História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II. 8-11.

Guiné 68/70: História do Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. Bambadinca: BCAÇ 2852. 1970. Cap. II. 102.

Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, I e II Séries

Diário de um Tuga (notas pessoais de L.G.)
__________

Notas de L.G.

(*) Vd. postes anteriores desta série:

29 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6490: A minha CCAÇ 12 (3): A única história da unidade, no Arquivo Histórico-Militar, é a que cobre o período de Maio de 1969 (ainda como CCAÇ 2590) até Março de 1971... e foi escrita por mim, dactilografada e policopiada a stencil (Luís Graça)

25 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6642: A minha CCAÇ 12 (4): Contuboel, Maio/Junho de 1969... ou Capri, c'est fini (Luís Graça)

7 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6686: A minha CCAÇ 12 (5): Baptismo de fogo em farda nº 3, em Madina Xaquili, e os primeiros feridos graves: Sori Jau, Braima Bá, Uri Baldé... (Julho de 1969) (Luís Graça)


(**) Repare-se na desproporção de meios: as forças do IN são estimadas em 60/80 elementos; as NT mobilizaram para esta operação 10 grupos de combate, ou sejam, cerca de 250/300 homens: 3 Gr Comb do BCP 12 (CCP 122 e 123); 3 Gr Comb da CCAÇ 12; o Pel Caç Nat 53; e, por fim, mais 3 Gr Comb da CART 2339.


Vd. também outros postes sobre a Op Nada Consta e o prisioneiro Malan Mané:

6 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXV: A Op Nada Consta vista pelo lado da CART 2339 (Mansambo)

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2683: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (9): O Jorge Félix e o Prisioneiro

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1011: A galeria dos meus heróis (4): o infortunado 'turra' Malan Mané

25 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P906: CART 2339 e Malan Mané, duas estórias para duas fotos (Torcato Mendonça)

(...) Só um apontamento sobre o Malan.

Em Agosto de 1969, o meu Grupo de Combate reforçado com Milícias, estava no COP 7, ou melhor, a trabalhar para a Companhia do Cap Mil Jerónimo, em Galomaro [CCAÇ 2405]. Como as Tabancas, em autodefesa, de Candamã e Afiá voltaram a ser atacadas, fomos chamados com urgência a Bambadinca. Houve uma reunião com o Comandante do Agrupamento – Coronel ou Brigadeiro Hélio Felgas -, o Tenente Coronel Pimentel Bastos, Comandante do BCAÇ 2852 e outros oficiais cujo nome já não recordo.

Recebemos a missão. Partir de imediato para Candamã / Afiá com mais um Grupo da minha Companhia. Recolhemos mais informações, com o Comandante da CART 2339, Capitão do Quadro Permanente Laranjeira Henriques, e, em coluna auto, deslocámo-nos para lá.

Na passagem por Afiá consegui convencer o Lhavo, caçador e guia em várias operações, para nos voltar a orientar. Mostrou-se relutante. Tinha as suas razões e, se bem me lembro, estavam correctas.

No dia seguinte lá partimos com o Lhavo e encontrámos a pista do IN. Seguimo-la, em progressão balanta. Vimos um local de pernoita, calculámos quantos seriam e, no fim do dia, descobrimos o possível local do acampamento. Som de pilão e outros indícios. Além disso, o local era óptimo para um acampamento.

Dois dias depois, salvo erro, forças das CCAÇ 2590 [CCAÇ 12], CART 2339 e o Pel Caç Nat 53 montaram emboscadas em possíveis locais de fuga do IN. Paraquedistas do Cop 7 assaltaram e destruíram o acampamento. Capturaram o Malan Mané. Na fuga o IN, junto á estrada Mansambo/Xitole, caiu numa emboscada da CART 2339. Sofreram baixas e foi ferido com gravidade o Comandante do PAIGC, Mamadu Indjai

A nossa tropa regressou a quartéis e eu voltei a Mansambo. Uns dias depois entregaram-nos o Malan Mané. Íamos fazer uma operação – Pato Rufia – na zona do Xime e o Malan era o guia . Ele já tinha sido interrogado, creio que em Bambadinca. Não sei como decorreu mas imagino. Pelo breve relatório que nos entregaram disse pouco.

Em Mansambo o Malan foi para um dos dois abrigos do meu Grupo. Estes abrigos tinham uma sala que servia como refeitório, local de convívio, escrita e leitura e outros fins. Ficava na parte do abrigo virada para a parada, rodeada por duas fiadas de bidões com terra e tecto de zinco e colmo.

Entrei nessa zona e o Malan levantou-se, olhando para mim com um olhar inquieto, no mínimo. Fiquei, eu e os outros militares surpreendidos com aquela reacção. Como ele não falava mandinga e o meu crioulo era fraco, mandei chamar o Lali.É o guineense que se vê a sorrir na foto. Quando sentimos que o Malan estava mais calmo, conversámos com ele durante o tempo necessário para obter muitas informações. Foram passadas, as mais importante, a muitas folhas de papel.

O Malan sabia quem eu e outros camaradas éramos porque vinham, ele e outros militares do PAIGC, espiar-nos aquando da construção de Mansambo; tinha estado na fatídica emboscada da fonte, cerca de um ano antes. Viram-me passar mas não abriram fogo pois o objectivo era a fonte. Nesse dia fui com o meu Grupo á Moricanhe onde estava o Pelotão de Milícias 145. Disse-nos que o Cmdt do PAIGC para aquela zona era o Mamadu Indjai, recentemente reforçado e tendo 120/150 combatentes, com armas pesadas etc, etc. Não sabia o que entretanto sucedera ao seu ex-comandante.

Parece um relato de um santo. Claro que não o éramos. Aplicávamos a dureza julgada necessária, a disciplina, estávamos certos que o suor poupava sangue. Além disso sobre a Convenção de Genebra… só de nome… um conjunto de Leis, será?... Genebra, a cidade Suiça e a detestável bebida!... Mantínhamos era a nossa dignidade e o respeito por quem contra nós lutava. E não só.

Voltando ao Malan Mané. No dia seguinte fomos para o Xime. Correu mal a operação. O Malan enganou-se demasiadas vezes e, além de não atingirmos o objectivo, viemos de mãos a abanar.

Essa operação foi repetida, segundo me parece e o Malan foi ferido…Encontrei-o, em Novembro de 1969 no Hospital Militar em Bissau. (...).

(***) Publicaremos, numa próxima oportunidade a versão de um oficial pára-quedista que participou nesta operação e na captura do Malan Mané. É um precioso testemunho em directo (enviada em 30 de Julho de 2009) do nosso leitor SNogueira que, por razões que desconhecemos mas que respeitamos, não quer integrar a nossa Tabanca Grande. Tal não o impede de, amiúde, ter um papel activo no nosso blogue, visualisando e comentando os postes que publicamos. Na qualidade de combatente na Guiné, é nosso camarada.

Guiné 63/74 - P6947: Caderno de notas de um Mais Velho (António Rosinha) (3): Lembrando antigos colegas de trabalho, guineenses que ficaram amigos para a vida

1. Mensagem do nosso tertuliano António Rosinha para Cherno Baldé, com data de 2 de Setembro de 2010, com conhecimento a Luís Graça:

Amigo Cherno,
Não sei se leste o poste 6916 em que digo que vou recorrer à tua boa vontade dentro da tua disponibilidade, para me localizares uns amigos guineenses com quem trabalhei na Guiné. Inclusive o amigo Balanta de Quiev.

Não sei se te lembras de ler algo meu em que digo que o meu amigo de Kiev me disse que os guineenses é que fizeram a guerra, que os angolanos não valem nada (cá vali).

Bem, já passaram tantos anos que talvez alguns amigos meus e colegas já não trabalhem no mesmo lugar, assim como sei que alguns têm ido para o estrangeiro.

Mas talvez algum, com calma e com tempo os localizes, e lhe digas que lhe mando um abraço, e ao fim de tantos anos me lembro muito bem deles, até porque tivemos uma colaboração muito boa.

Em primeiro lugar referencio-te o topógrafo SEBASTIÃO, que em 1994 estava no Ministério das Obras Públicas (O.P.), o tal balanta de Kiev, onde estudou, e que além de me explicar a Guiné, me explicou o que era Kiev. Muito corremos as estradas da Guiné a tapar buracos, durante 3 anos.

Um manjaco, engenheiro que estudou em Cuba, conhecido por LOPES, trabalhámos juntos tambem nas O.P. durante muito tempo, tenho muito boas lembranças dele. Um abraço também.

Passei um ano no Gabu a trabalhar nas estradas da região, 1987, com o meu amigo Oliveira Nhanque, engenheiro vindo da URSS, embora balanta, só tinha familiares em Farim.

Se não foi para o estrangeiro, facilmente o localizas. Um abraço também.

Tive um amigo, condutor ao meu serviço e até chegou a ter taxi, SANA JANA de nome, também como tu, conviveu em jovem com militares em quarteis e em Bissau.

Este meu amigo, se ainda tiver saúde, o que espero, encontras através da Mesquita de Bissau, pois ele tem um lugar de algum relevo dentro da hierarquia religiosa.

Dizia ele para me explicar que era com se fosse bispo na igreja católica. Este SANA JANA, é uma pessoa muito especial.

Cherno, fico por aqui para não te incomodar muito, porque foi muita mais gente boa com quem convivi.

Embora o tempo tenha passado, se localizares um deles, principalmente o SANA JANA, ele próprio te localiza os outros.

Sou apenas conhecido como o ROSINHA, da Tecnil, da Somec, da Soares da Costa e da minha passagem pelas Obras Públicas e pelo Banco Mundial.

Cherno, dentro do possível, transmite a minha estima a estas pessoas.

Para ti um abraço,
António Rosinha
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6940: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (2): Luís Cabral e a TECNIL não fizeram a cerimónia ao Irã no Poilão de Brá e a autoestrada Unidade Guiné - Cabo Verde jamais seria terminada!

Guiné 63/74 - P6946: In Memoriam (49): Elegia à Fernanda de Castro, escritora que viveu em Bolama e dedicou alguns dos seus livros à Guiné (Leopoldo Amado)



Fernanda de Cstro (1900-1994)



1. Mensagem de Leopoldo Amado, historiador guineense, membro da nossa Tabanca Grande, com data de 30 de Agosto de 2010:

Caro Vinhal,

Segue um texto para a partilha na Tabanca Grande, caso assim entendam.

A todos e, em especial para ti e para o Luís Graça, um abraço do amigo, sempre ao dispor.

Leopoldo Amado


Elegia à Fernanda de Castro

Fiquei feliz por saber da existência de uma página na Net sobre Fernanda de Castro [, 1900-1994]. Ela mais que merece.

Fui, provavelmente, o primeiro e o único africano a privar-se intensamente com Fernanda de Castro pouco tempo antes da sua morte, numa altura em que ainda concluía a licenciatura na Faculdade de Letras de Lisboa.

Vale talvez a pena que aqui recorde as circunstâncias em que travei conhecimento com Fernanda de Castro: corria o ano de 1985 e já tinha eu decidido encetar um profundo estudo sobre a imagem do Negro na literatura colonial portuguesa, durante o Estado Novo. Leituras aqui, contactos acolá, facilitadas ou recomendadas pelo meu sempre mestre, Prof. João Medina, permitiram-me que tivesse aguçado a curiosidade de conhecer alguns literatos coloniais ainda vivos na altura.

Assim, esses contactos proporcionavam-se-me, cada vez mais, a oportunidades de privar com literatos coloniais vivos. Da longa lista, efectivamente, figurava a incontornável Fernanda de Castro. Conheci-a, efectivamente, em Lisboa, pela mão de uma das suas melhores amigas, no caso, a portentosa escritora Maria Graça Freire (irmã de Natércia Freire), tal como, de resto, o era também a Fernanda de Castro.

Quando se vislumbrou pois a possibilidade de a entrevistar, já sabia, de antemão, que iria estar na presença de uma nonagenária, acamada, mas uma mulher de fibra e com uma extraordinária força interior. Aprazado o dia e a hora, não sem antes me munir de um sugestivo arranjo floral para a oferecer, lá me pus a caminho das imediações do Bairro Alto, onde então vivia Fernanda de Castro. A ansiedade e as expectativas eram mais que muitas, pelo que já no elevador da Glória, imaginava de mil maneiras a figura da escritora, pois as fotografias que dela vira, até então, datavam já de umas valentes décadas.

Quando cheguei a casa de Fernanda de Castro e conduzido depois à sua presença, tornou-se visível para todos os presentes (cerca de quatro ou cinco pessoas) a minha emoção, mas igualmente a alegria contagiante de Fernanda de Castro que, ao ver-me, cumprimentou-me efusivamente, remexendo-se, inclusivamente, da cama, como se dela quisesse erguer-se para me abraçar.

Ainda me lembro das palavras que seguiram à minha calorosa recepção:

- Sabe, Leopoldo, é com enorme prazer que lhe recebo em minha casa. É pena ter de o fazer acamada, mas espero que, por tanto, não se estranhe e que possamos conversar, pelo menos o suficiente. Sabe, estou ultimamente a escrever um último livro que talvez se intitule “Memórias In Extremis”, aliás, é isso que estava justamente a fazer, antes da sua chegada, ditando as coisas a esta minha sobrinha que vai escrevendo o que a digo, pois já não dá para ser eu própria a escrever.

- Mas quero que aqui se sinta à-vontade e que saiba que a Guiné, pelas recordações que possuo das suas gentes, pelo cheiro da terra e por muito mais, está no meu coração, e que a levarei para a minha última morada, pois lá repousa eternamente a minha mãe, que foi lá enterrada.


Enquanto devolvia com palavras simpáticas a calorosa e afectuosa recepção de que fui alvo, Fernanda de Castro prosseguia:

- Sabe, Leopoldo, a sua presença traz-me, profusamente, recordações da minha rica adolescência, vivida em parte na Guiné, em Bolama, onde meu pai chegou de servir como capitão dos portos. E digo-lho, convictamente, que éramos mais fortes. A nossa mística, sabe, ainda há-de consumar-se, pois acredito piamente no mito de um Portugal imperial e no Quinto Império, algo que seja capaz de nos irmanar na fé, na igualdade, na justiça e na crença de um mundo melhor, sem que para isso tenhamos que olhar para a cor da pele ou para a condição social da pessoa humana. É isso, aliás, que procurei plasmar nos três ou quatro livros que escrevi sobre a Guiné e sobre a África.

- O Leopoldo devia ler o meu grande poema intitulado “África Raiz” de que, aliás, lhe vou oferecer um exemplar autografado. Em boa verdade, Leopoldo, África marcou-me profundamente. Leia “O Veneno do Sol” e o “Aventuras de Mariazinha em África” ou o “Mariazinha em África”, livros meus que foram até hoje dos mais vendidos em Portugal, com tantas edições – talvez duas dezenas ou mais – já não consigo lembrar ao certo quantas.

- Sabe, Leopoldo, os dois últimos livros, “Aventuras de Mariazinha em África” e o “Mariazinha em África” são autobiográficos. Procurei neles narrar a inolvidável experiência que a África, a minha África mística, provocou em Mariazinha, de resto, personagem central a quem literariamente emprestei a minha experiência. Aliás, outros personagens, como o Vicente, também eram reais. O Vicente acabou por vir para Portugal connosco e aqui veio até veio a ser campeão de atletismo e acabou mesmo por se casar com uma portuguesa, de quem teve dois filhos.


Porém, nas semanas e meses que se seguiram, foram de intermitentes mas intensos contactos entre mim e a Fernanda de Castro, resultando tudo numa grande entrevista que a própria fez questão de caucionar e que, pela sua valia e importância, sobretudo pela sua profundidade, darei um dia desses a conhecer ao grande público.

Efectivamente, sobre Fernanda de Castro e a sua produção literária, sobretudo àquela que mais directamente diz respeito à Guiné, muito escrevi, quer em revistas científicas, quer em jornais, aqui e acolá. Fi-lo pela necessidade de dar a conhecer esta grandiloquente escritora que, um dia ou anos, que sejam, tal como Castro Soromenho o fez em relação a Angola, logrou narrar a Guiné com uma extraordinária mundividência e lucidez literárias que, não obstante ter feito recurso a um discurso oficial ou oficioso e ainda ter abordado uma realidade social matizada pela colonização – curiosamente –, os discursos ontológicos, neles subjacentes, não raras vezes, raiam os limites de um humanismo universal e mesmo universalista.

Talvez não fosse despiciendo, antes pelo contrário, a reedição na/para a Guiné de algumas obras de escritora sobre a Guiné, as quais podiam ser lançadas, quiçá, em Bolama, de resto, ilha onde repousa os restos mortais da mãe da escritora (**) e, igualmente, torrão que acolheu Fernanda de Castro e que, afinal, inspirou a componente africana da sua abundante e profícua produção literária.

Seria, sem dúvida - afora as politiquices – uma forma sublime e altruísta de, merecidamente, homenagear alguém que, no Mundo lusófono, quer se queira quer não, escreveu das mais belas páginas literárias sobre a Guiné e sobre a África.

Leopoldo Amado
Agosto de 2010.

PS: cf. o site sobre Fernanda de Castro: http://fernanda-decastro.blogspot.com/

**********

Poetisa, romancista, dramaturga e tradutora Fernanda de Castro (1900-1994) estreou-se aos 19 anos com o livro de poesia Ante-Manhã. Vence nesse ano (1919) o Primeiro Prémio no concurso de originais do Teatro Nacional, com a peça Náufragos. Com o romance Maria da Lua (1945) foi a primeira mulher a obter o prémio Ricardo Malheiros da Academia de Ciências de Lisboa. Em 1969 é-lhe atribuido o Prémio Nacional de Poesia. Fernanda de Castro foi ainda tradutora de Rainer Maria Rilke (Cartas a um Poeta), de Katherine Mansfield (Diário), de Pirandello (Uma verdade para cada um) e Ionesco (O novo inquilino).

OBS:-Retirado do Blogue Fernanda de Castro, com a devida vénia
CV
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6829: Efemérides (48): Acontecimentos de 3 de Agosto de 1959 no cais do Pindjiguiti, Bissau (3) (Leopoldo Amado)

Vd. último poste da série de 10 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6710: In Memoriam (48): Adelino da Silva Sineiro da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67 (Vasco Santos)

(**) Vd. nota biobliográfica na Wikipédia:

(...) Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros Ferro (Lisboa, 8 de Dezembro de 1900 – 19 de Dezembro de 1994), foi uma escritora portuguesa.

Fernanda de Castro, filha de João Filipe das Dores de Quadros (oficial da marinha) e de Ana Laura Codina Telles de Castro da Silva, fez os seus estudos em Portimão, Figueira da Foz e Lisboa, tendo casado em 1922 com António Joaquim Tavares Ferro. Deste casamento nasceu António Gabriel de Quadros Ferro que se distinguiu como filósofo e ensaísta e Fernando Manuel Teles de Castro e Quadros Tavares Ferro. A sua neta, Rita Ferro,  também se distinguiu como escritora.

Foi juntamente com o marido e outros, fundadora da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses, actualmente designada por Sociedade Portuguesa de Autores.

O escritor David Mourão-Ferreira, durante as comemorações dos cinquenta anos de actividade literária de Fernanda de Castro disse: “Ela foi a primeira, neste país de musas sorumbáticas e de poetas tristes, a demonstrar que o riso e a alegria também são formas de inspiração, que uma gargalhada pode estalar no tecido de um poema, que o Sol ao meio-dia, olhado de frente, não é um motivo menos nobre do que a Lua à meia-noite”.

Parte da vida de Fernanda de Castro, foi dedicada à infância, tendo sido a fundadora da Associação Nacional de Parques Infantis, associação na qual teve o cargo de presidente.

Como escritora, dedicou-se à tradução de peças de teatro, a escrever poesia, romances, ficção e teatro. (...)