terça-feira, 19 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7146: Historiografia da presença portuguesa em África (40): António Silva Gouveia, fundador da Casa Gouveia, republicano, representante da colónia na Câmara dos Deputados, na 1ª legislatura (1911-1915) (Parte IV) (Carlos Cordeiro)
















Lisboa > Câmara dos Deputados > Excertos de duas Intervenções do deputado António Silva Gouveia, representante da Guiné, em 1914, na sessão de 14 de Janeiro e depois em   14 de Maio ...).

 Fonte:  Debates Parlamentares > 1ªRepública (1911-1926) > Câmara dos Deputados > Direcção de Serviços de Documentação e Informação da Assembleia da República > Assembleia da República (2010) (Com a devida vénia...)


1. Continuação da publicação de excertos de intervenções do deputado António Silva Gouveia, empresário, fundador dsa Casa Gouveia, representante da Guiné na Câmara dos Deputados, na legislatura de 1911-1915 (*).   Pesquisa de  Carlos Cordeiro, membro da nossa Tabanca Grande, Professor de História Contemporânea na Universidade dos Açores, São Miguel, Região Autónoma dos Açores  (foto à esquerda).

No caso destas intervenções do deputado Silva Gouveia (*), em 1914, elas incidem sobre dois temas específicos da actualidade de então:

(i) Em de 11 de Dezembro de 1913, na região do Cacheu, o "administrador da circunscrição da Guiné", ao proceder ao recenseamento (arrolamento) da população local para efeitos de cobrança do "imposto de palhota" (sic), é morto, juntamente com um negociante local que o acompanhava, bem como a tripulação do escaler a vapor em que o representante da autoridades portuguesas se tinha deslocado. Chegada a notícia a Bolama, capital da colónia, o governador [, José António de Andrade Sequeira,] decidiu levar a cabo uma acção punitiva contra os felupes (presume-se)... Foi organizada uma força de "48 praças regulares e 350 auxiliares" (sic). Não sabemos o número de vítimas entre a população civil, mas do lado das forças coloniais houve 7 mortos e cerca de 3 dezenas de feridos... Os mortos eram todos soldados do recrutamento local. E é sobre as indemnizações a apagar às respectivas famílias que se centra a primeira intervenção do nosso deputado...

(ii) A segunda intervenção do deputado é um pedido de esclarecimento ao Ministro das Colónias sobre o imposto local, "ad valorem", lançado sobre as exportações da mancarra da Guiné...  Silva Gouveia fala em seu nome, como comerciante (já então com negócios com a CUF, a quem irá vender a sua empresa, c. 1927) e em nome de uma "comissão de negociantes" da Guiné...

Ficamos a saber que nessa altura já se cultivava a mancarra e que em 1913 as oleaginosas tinham baixado substancialmente de preço nos mercados internacionais, de tal maneira que o negociante pagava de imposto "ad valorem" 46$00 por tonelada na Guiné e em Lisboa não a conseguia vender por mais de 26$00...

O deputado levanta igualmente o problema da qualidade do produto: cerca de 15% da mancarra que era exportada continha impurezas, desacreditando a exportações da Guiné e lesando os interesses dos negociantes...
É de recordar que, com a abolição do comércio de escravos, em 1815, passa a haver, progressivamente,  um maior desenvolvimento do comércio dos produtos locais, o óleo de palma, o coconote, o amendoím, desde meados do Séc. XIX) e depois a borracha (desde 1890).  Em rigor, a mancarra era o único produto de cultura, os outros eram de simples colheita ou recolha. Eram estes praticamente os únicos produtos que a Guiné exportava, em troca da importação de tecidos, álcool e pouco mais...

Os principais negociantes, no terreno, eram os franceses (CFAO- Companhia Francesa da África Ocidental,  com sede em Marselha) e os alemães (Rudolf Titzck & Ca, com sede em Hamburgo).
A única empresa portuguesa implantada no terreno  era então a do António Silva Gouveia, o fundador da Casa Gouveia e deputado na 1ª legislatura da Câmara dos Deputados (1911-1915). O amendoím e a borracha iam preferencialmente para França. A borracha para a Alemanha.  Menos de 1/5 das exportações, no ínicio do Séc. XX, até às vésperas da I Guerra Mundial, tinham como destino Portugal...

De qualquer modo, é justo referir que a 1ª República se interessou pelo potencial económico que representavam as colónias portuguesas em África. Com Norton de Natos (1867-1955), Angola vai tornar-ser a "jóia da coroa" da República (**)...

A Guiné ainda vai passar por sucessivas guerras de "pacificação" até 1936, em que se destaca, entre 1912 e 1915,  a figura do Capitão Diabo, o "herói do Oio", João Teixeira Pinto (efígie em selo de 1946,  imagem à esquerda; como se sabe, Teixeira Pinto, angolano, de origem transmontana, irá morrer em 1917 no norte de Moçambique na luta contra os alemães).

A partir de 1927, a CUF, através da sua filial, Casa Gouveia, passa a ter o monopólio, de facto, do comércio externo da Guiné. Um novo regime alfandegário, agravado em 1932, vem penalizar as trocas comerciais da Guiné com outros países que não fossem Portugal... E é já no início da década de 1960 que aparece, no nosso mercado, o Óleo Fula (à revelia dos pobres fulas...), marca registada da Sovena ligada ao Grupo CUF... (LG)

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 14 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7125: Historiografia da presença portuguesa em África  (39): António Silva Gouveia, fundador da Casa Gouveia, republicano, representante da colónia na Câmara dos Deputados, na 1ª legislatura (1911-1915) (Parte III) (Carlos Cordeiro)



(**) Exposição a não perder, todos os dias, das 10h00 às 18h00, até 1 de Dezembro de 2010, na Cordoaria Nacional, em Lisboa:  Viva a República, 1910-2010

Guiné 63/74 - P7145: Parabéns a você (165): Carlos Filipe Coelho, ex-Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872 (Juvenal Amado / Tertúlia / Editores)

PARABÉNS A VOCÊ
CARLOS FILIPE COELHO

1. Neste dia 19 de Outubro de 2010, estamos a celebrar a vida, a força nos mantém nesta dimensão terrestre que vale pelo amor, amizade, fraternidade, partilha de emoções, aquilo que não sendo material é essencial à humanidade.

O nosso camarada e amigo Carlos Filipe Coelho (ex-Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), não vai defraudar quem tem por ele estima e admiração. Vamos todos torcer para que aquela brincadeira habitual dos dias de aniversário, chegar aos 100, se aplique a ele.

Caro Carlos, a tertúlia, por intermédio dos editores, está aqui a dar o seu testemunho de solidariedade e a desejar-te uma vida longa, feliz e com a melhor saúde possível, sempre rodeado dos teus familiares e amigos próximos.





2. Neste dia de aniversário, o teu particular amigo Juvenal Amado quis deixar-te as palavras que se seguem:

Meu caro Carlos Filipe
Longo caminho cheio de curvas e obstáculos desde aquela madrugada de Dezembro.
O rio naquela madrugada cinzenta levou-nos, mas não lavou as nossas mágoas.

Mal nos conhecíamos quando foste evacuado, 38 anos depois encontramo-nos aqui neste espaço e é um prazer que renovo a cada email, cada telefonema.

Não é fácil o teu percurso, mas aí tens demonstrado uma força e uma coragem que denúncia de que fibra és feito.

Nunca baixaste os braços, encaras a vida de frente, pegas a desgraça pelos cornos e isso não é para todos acredita.

Só tínhamos a Guiné (Galomaro) em comum, mas hoje temos uma amizade construída de conhecimento e respeito mútuo.

Meu caro, recebe um abraço deste teu amigo que te admira, deseja muitos anos de vida se não com muita saúde, com a que for possível, e muita força para levares a tua luta para a frente.

Parabéns
Juvenal Amado

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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

28 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3539: Tabanca Grande (100): Carlos Filipe Coelho, Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro 1971/74
e
19 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5130: Parabéns a você (36): Carlos Filipe Coelho da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74 (Editores)

Vd. último poste da série de 12 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7114: Parabéns a você (164): Jovem tertuliana Cátia Félix (Miguel Pessoa / Tertúlia / Editores)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7144: Contraponto (Alberto Branquinho) (16): Assinatura ilegível

1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 17 de Outubro de 2010:

Caro Carlos Vinhal
Estou a reenviar um texto que te é dirigido e que caiu na minha caixa de correio...
Pensei várias vezes se deveria enviá-lo para o blogue ou não.
Sinceramente, se entenderes que pode vir a ferir alguém devido ao tipo de escrita e à ortografia (apesar do P.S. que vai no final), NÃO PUBLIQUES.

Um abraço
Alberto Branquinho



CONTRAPONTO (16)

ASSINATURA ILEGÍVEL

Senhor Carlos Binhal
Eu era o soldado básico que tratava das cóisas dos ufissiais da nossa Cumpanhia.

Vossemessê num creia em tudo o qum ufissial da nossa Cumpanhia escrébe prái. Ele num é de cunfiar de tudo. Naõ era má pessua, mas ai faz muntas inbenções. Olhe que rasgaba o musquiteiro de raiba à noute e despois dezia quera eu. Andaba sempre a précurar pelas cuecas que faltabam as cuécas que faltabam as cuécas que faltabam as cuécas. Inté tinha alguma razão porqueu um dia puchei o pano pra baicho à labadeira e a gaija tinha umas cuécas dele bestidas. Embora tibesse alguma razõm às bêses ele num é de cunfiar de todo. Sou eu que o está a abisar. Sabe lá cuantas beses eu tibe capanhar os cacos das cerbeijas quêle partia contrá parede do quarto. Dábamle aquelas ráibas e despois desia que lhe faltabam os cumpremidos pra durmir que lhe roubavam os compremidos pra durmir. Cal comprimidos pra durmir aquilo era prá doudice. Gastábaos êle e num fazia contas a eles.

Mas olhe cus outros ufissiais tamém não eram milhores. Eram cuase todos das ilhas. Esses nunca os bi aí do seu computador.
Um um dia disse que cando chegasse da operação queria um copo de leite cum milho. Sabe lá vossemessê o queu passei prá arranjar o milho no quartel e quêle ficasse molinho pra pôr dentro do leite. Despois chateou-se comigo cu quêle queria era o leite com um pó castanho que tinha dentro duma lata chamada MILO.
Outro tinha à cabeceira futugrafias da namurada ou da mulher ou lá o que era e cando eu entrava era de arrecuas porquêle se chateava se eu olhasse prás futugrafias.
O outro deles às bêses berrava comigo e quando eu lhe précuraba alguma coisa ou falaba cum ele nem oubia passaba o tempo a olhar pró chão ápertar o cinto dos calções a dezapertar o cinto dos calções e só desia carássas carássas carássas.
Talbez estibessem apanhados du clima mas eu é que num tinha culpa nenhuma disso.
O que me balia era o nosso capitão quéra munto bôa pessôa.

Nunca fui pró mato mas sabe deus o queu passei por causa deles.

Com muntos comprimentos pra vossemessê e para toda a sua família mas num creia em tudo o que esse ufissial escrebe prài porque é quase tudo inbenções.
Assinasse este que num manda as futugrafias que vossemessê pede sempre queu num quero quê-les saibam.

(assinatura ilegível)

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Alberto Branquinho

(P.S. – Não se entenda o texto acima como sendo de menos consideração pelo soldado “imaginado” ou pela “sua” escrita. É só um ensaio para fazer um retrato).
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7065: Contraponto (Alberto Branquinho) (15): Chegada à Guiné (Planeta África)

Guiné 63/74 - P7143: Notas de leitura (159): Descolonização Portuguesa - O Regresso das Caravelas, de João Paulo Guerra (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2010:

Queridos amigos,
A obra do João Paulo Guerra abarca os três teatros de operações, centro-me, de acordo com a lógica do nosso blogue, no que mais importa para a compreensão dos efeitos da descolonização da Guiné.
É só um esclarecimento prévio, a descolonização é muito mais sofrimento do que aquele que irá ser vivido sobretudo pelos soldados guineenses que combateram à sombra da bandeira portuguesa.

Um abraço do
Mário


Descolonização Portuguesa - O regresso das caravelas, por João Paulo Guerra (1)

Beja Santos

“Descolonização Portuguesa – O Regresso das Caravelas”, é um relato sequencial do antes, durante e imediatamente após a descolonização. Tem notas introdutórias, de acordo com a cronologia, e alguns dos seus protagonistas mais directos tomam a palavra de acordo com o que viram e experimentaram, ouvimo-los em discurso directo, de acordo com a estrutura pré-estabelecida pelo autor. O resultado é muito lisonjeiro: ficamos com acesso a um balanço do que mais significativo ocorreu dentro das crónicas da descolonização (por João Paulo Guerra, Oficina do Livro, 2009).

A descolonização foi um processo tumultuoso e tão polémico que não se prevê a prazo uma forma de a compreender em termos consensuais, procuram-se responsáveis para as medidas tomadas na política de descolonização e no regresso de, pelo menos, meio milhão de portugueses. O que João Paulo Guerra nos oferece é um quadro alusivo à ascensão de muitos Estados à independência, entre 1955 e 1962 e a evolução da política portuguesa durante esse período. Salazar recusou negociações com os movimentos de libertação, não cedeu a quaisquer propostas apresentadas pelos seus aliados ocidentais. Se nos primeiros anos, a partir de 1961, a guerra não foi alvo de contestação no interior das Forças Armadas, irá passar a ser encarada com muita responsabilidade política e sem solução militar, vista essencialmente no teatro de operações da Guiné. Carlos Fabião, seguramente o militar português que melhor conheceu este teatro de operações refere que foi a contestação ao Congresso dos Combatentes, em Maio e Junho de 1973, que deu aos oficiais a base para novas contestações. Exactamente nessa altura, quando tudo se começa a complicar na Guiné que se começa a ouvir com muita frequência dizer, entre os militares que se chegasse a uma situação de colapso o poder político iria crucificar os militares, como na Índia. No final de 1973, disse Pezarat Correia, a derrota militar perfilava-se no horizonte, na Guiné, havia denúncias de massacres em Moçambique, a população civil insurgia-se na Beira acusando os militares. Spínola passou a escrito que a guerra não tinha solução militar, havia que encontrar a solução política adequada.

Manuel Monge, major do 16 de Março, considera que a situação era insustentável. Perdeu-se um tempo precioso em não querer negociar com os movimentos de libertação. E declara: “Eu fiz parte da delegação que negociou o cessar-fogo com o PAIGC, que pedia, nas negociações de Londres, que os portugueses permanecessem mais 6 anos na Guiné para os ajudarem. Ora nós ficámos lá mais uns 6 meses. Tudo teria sido diferente se se tivesse conseguido evitar a derrocada das instituições e se se tivesse mantido a disciplina e a operacionalidade das Forças Armadas”. As próprias condições em que se dá o 25 de Abril, o tumulto em volta do que devia ser a descolonização trouxe prontamente contradições, tensões entre Spínola e o FMA, posições por vezes opostas entre os principais partidos políticos. A força deixara de existir, um golpe de Estado como aquele que ocorreu em 25 de Abril deu automaticamente o sinal de que as guerras coloniais tinham chegado ao seu termo, o moral combativo exauriu-se. No dia 1 de Junho de 1974, em Bissau, uma assembleia de 800 militares do MFA aprovou uma moção exigindo que o Governo português reconhecesse, “imediatamente e sem equívocos, a República da Guiné-Bissau e o direito à autodeterminação e independência dos povos de Cabo Verde”. Dava-se a radicalização e indisciplina das tropas que se traduzia no terreno em pressões e exigências de vária ordem, plenários, indisciplina e até ultimatos. O testemunho de Almeida Santos sobre estes acontecimentos é elucidativo. São muitos os depoimentos das personalidades políticas e intelectuais ouvidos por João Paulo Guerra: Adriano Moreira, Cardoso e Cunha, António de Spínola, Carlos Fabião, Salgueiro Maia, Veiga Simão, Kaúlza de Arriaga, Luís Cabral, Manuel dos Santos Manecas, Mário Soares, entre tantos outros. Uns são abertamente críticos e negam a derrota militar ou a incapacidade de continuar a guerra. A generalidade defende que se fez a descolonização possível, porque tardia. Ia assim nascer um parto com imensa dor, o primeiro sinal veio da independência unilateral, em 24 de Setembro de 1973, em que o PAIGC proclamou, perto de Madina de Boé, a República da Guiné Bissau. Lisboa, a despeito do impressionante reconhecimento internacional da nova República, negou conversações. Ora acontece como reconhece o Luís Cabral, para o PAIGC a vitória não era objectivo principal: “Só lutámos para que a situação se tornasse de tal modo difícil que a potencial colonial fosse obrigada a ir para negociações. Com o 25 de Abril, convoquei o Comité Executivo de Luta do PAIGC para discutir a questão. O Amílcar, antes de ser assassinado, estava preocupado em fazer uma proposta ao Governo português. Para que a proposta fosse nova, havia que fazer uma concessão da nossa parte. Fez-se o comunicado de 13 de Maio em que se declarava que não haveria negociações sem o reconhecimento do nosso Estado e sem o reconhecimento do direito à autodeterminação e à independência ao povo de Cabo Verde e também das outras colónias portuguesas”.

Nesse dia 25 de Abril, a UNITA reacendia a guerra em Angola.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7132: Notas de leitura (158): Na Guiné com o P.A.I.G.C., de Georgette Emília (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7142: (In)citações (13): Gadamael Porto, saúda-vos! (Pepito)


Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 >  Ex-edifício do comando, com vestígios de estilhaços


Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 >  Antiga messe de oficiais e depois hospital...

[Surpreendentes são, para mim, as letras ...ASCO que encimam a parte superior da parede lateral do edifício; não conheço Gadamael Porto nem a sua história, mas dada a sua posição geográfica privilegiada, estar na zona mais rica de produção de arroz (todo o Cantanhez), e ter acesso ao Rio Cacine, é possível que este edifício fosse um entreposto comercial e tenha pertencido a um comerciante ou família de comerciantes, de apelido NOLASCO; tenho ideia de já ter lido algures uma referência ao apelido NOLASCO; não confundir com a empresa francesa NOSOCO, onde trabalhou, em Bissau, nos anos 50, o nosso camarada Mário Dias(LG)].

Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 >  Posto de sentinela junto ao porto


Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 >  Mamadu Mané, faxineiro



Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 >  Sené Mané, milícia de Gadamael, militar de Guidaje, CCAÇ 3




Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > Suleimane Dabô, amigo do Furriel Alexandre, de Braga, cuja mulher lhe mandava brinquedos [para as crianças]




Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > Laminé e Mussá



Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 >Rui Sene N'Tchasso, aluno de Nuno, Barros, Furriel Chaves, Furriel Enfermeiro Gil e de Valentes, dos Açores






Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > Suleimane Queita, soldado atirador



Fotos (e legendas):  © Pepito / AD -Acção para o Desenvolvimento (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



1. Continuação da publicação das fotos que nos mandou o Pepito, tiradas em Gadamael, no passado dia 10 (*).

Ele esteve lá, numa reunião com a população daquela zona fronteiriça. A AD está intensificar a sua intervenção na zona compreendida entre Balana a Gadamael (corredor de Guileje) no quadro do reforço da coordenação das acções ambientais transfronteiriças (corredores de animais selvagens e preservação das florestas comuns).

A população local (onde se incluem antigos milícias e militares que fizeram a guerra do nosso lado) fez questão de mostrar os vestígios do antigo quartel (que, na opinião do Pepito, estariam melhor preservados que os de Guiledje), e de enviar calorosas saudações para os militares que com quem lidaram  e de quem se tornaram amigos. 


O Pepito acaba também de nos mandar mais uma valiosa colecção de fotos recentes de Guileje, com novos "achados arqueológicos"  da passagem, entre 1964 e 1973, de tropas portuguesas por aquela tabanca e aquartelamento (abandonado em 22 de Maio de 1973).




Guiné >Região de Tombali > Gadamael - Porto > s/d > Tabanca, reordenada pelas NT. Em Maio de 1973, a guarnição de Gadamael era constituída pela Companhia de Caçadores 4743, que dependia operacionalmente do COP 5, com sede em Guileje. Havia ainda um pelotão de canhões S/R, com cinco armas, e um pelotão de artilharia de 14 cm, com três bocas de fogo. 


Foto: Autores desconhecido. Álbum fotográfico Guiledje Virtual. Gentileza de: © AD -Acção para o Desenvolvimento (2007).

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domingo, 17 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7141: Blogoterapia (162): Juventude, anos sessenta (Felismina Costa)

1. Mensagem da nossa tertuliana Felismina Costa* com data de 4 de Outubro de 2010:

Caro amigo Carlos Vinhal
Tinha pensado contar-vos esta história, que a minha memória registou, ainda com o calor do verão, por ser mais aprazível e mais facilmente entendida, mas o tempo passou depressa demais, e o Outono já se anuncia.

A história por verdadeira, não é estória, não tem absolutamente nada de ficção, trata-se da minha vivência no lugar onde cresci, e do encantamento, que esse espaço me proporcionou, apesar do isolamento quase total.
À minha volta, apenas a Natureza, de que me tornei dependente.
Foi assim, como descrevo, que vivenciava as noites magníficas, do meu verão Alentejano!
Felismina Costa


JUVENTUDE ANOS SESSENTA

Numa noite de Julho magnífica, luminosa, num céu resplandecente em toda a circunferência amplamente abrangida pelo meu olhar, a lua sorridente, lá no alto, brilhava inteira nessa noite de verão, e eu, sentada à porta do Monte, sentindo o cheiro do feno dourado, brilhante, quente, cheirando a fogo calado, (ameaçando ateá-lo).

Lá em baixo, um pouco mais abaixo, a horta brilha molhada, da rega do fim do dia, e os vegetais liquefeitos, desenvolvem-se a olhos vistos,saudáveis e perfeitos.

Um sapo, canta feliz, senhor desse espaço inteiro, e certamente encantado, por essa noite de luar e por esse espaço onde mora.

É noite de adolescência!
E, em mim, canta crescendo o futuro prometido, que me há-de trazer inteiro esse prazer dos sentidos, e, nesse próprio presente, inteiramente sentido.

Aceitando como um prémio, essa oferta Divinal, escutava surpreendida, os sons do canavial, que do outro lado da quinta, provocavam alarido.

Os gatos... ligeiros... felinos, saltavam de vez em quando, perseguindo por certo um rato, e o cão, fiel e amigo, dormia ali mesmo ao lado, sobre o chão quente... enrolado.
Dividi com ele caminhos, luz do Sol, serões de infância, e o calor da lareira, a que me aqueço à distância.
A ternura dos meus pais, o seu amor e altruísmo, seus exemplos que não esqueço... a sua verticalidade, que visto!

De tamanhas recordações, se encheu o meu passado, que se transformou num prazer, poder assim recordá-lo.

Volto lá, a cada passo, e nada mudou ali!
Só muda, o que esquecemos, mas esquecer... é o fim!

Felismina Costa
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7119: História de vida (31): Monte Novo das Flores e a minha paixão pela natureza (Felismina Costa)

Vd. último poste da série de 17 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7140: Blogoterapia (161): Pensamentos e perguntas a nós próprios (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P7140: Blogoterapia (161): Pensamentos e perguntas a nós próprios (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 15 de Outubro de 2010:

Luís, Carlos, Magalhães Briote e restante atabancados
Quando temos pouco que fazer é o que dá.

Um abraço
Juvenal Amado


PENSAMENTOS
PERGUNTAS A MIM PRÓPRIO


As memórias que agradam e não as que nos incomodam, serão sempre objecto da nossa procura mesmo que comandados pelo nosso subconsciente.
Embora o passado seja relembrado com maior o menor prazer, é sempre visto hoje como um breve instante.
Resumimos anos em breves minutos.

É prensado como quem arranja espaço no disco rígido da nossa memória. Criamos assim espaço para o Futuro que cremos ainda possível e frutífero.
Está lá tudo.
Nada o pode alterar, ficou para trás.

Valerá pelo que com ele tenhamos aprendido e nesse caso venha a servir na para nossa própria construção. Em caso contrário só fica a visão romântica, saudosista, de muitas situações, que os anos modelaram ao gosto limando as arestas.

Pensamentos quantas vezes inseguros das nossas lembranças, que nos fazem estar em Paz, o contrário só serve para azedarmos o presente e inquinarmos o Futuro.

Quando partimos, cada um transportou um sonho. Regressar, partilhar a sua vida, completar o seu crescimento, aceder ao respeito dos outros como uma conquista nossa por obrigação. Quantos ficaram pelo caminho?
Não conseguiram erguer-se depois de chafurdar na lama e na mentira que nos foi imposta?

Quanto lamentamos hoje não termos sido enérgicos e opormo-nos na altura a atitudes desnecessárias, que a guerra e a juventude só por si não legítima?
Quem nos moldou?

Carregamos na bagagem dos anos, o que absorvemos das pessoas de quem fomos aprendizes e as nossas mãos, ainda sentem as ferramentas com que pretendemos moldar o nosso futuro.

Quantas lutas em vão?
Quantas vitórias sofridas?

Vitórias essas que conseguidas mais com amor e fraternidade do que sangue, por isso muito mais valiosas.
As ilusões anseios dos nossos progenitores, que começaram a luta por uma vida num País digno muito antes de nós nascermos. Nós tentamos desbravar o nosso caminho, que afinal não é mais que a continuação do trilho que nos deixaram.

Talvez a última vitória a vejamos através dos nossos filhos, quando ela se torna o espelho do nosso amor e resultado do nosso querer.
Tentamos assim prolongarmo-nos sem nos perguntarmos se temos o direito de deixarmos essa herança talvez castradora de uma nova Era e nova mentalidade.
Terão necessidade eles de uma nova mentalidade e precursora de outra visão do Futuro, em que ele se afaste do abismo em que o tornamos?

Vamos andando mais devagar e temos mais tempo para pensar, é uma verdade indesmentível.
Cada um viverá com os seus fantasmas, se dentro de si houver espaço para isso.

Juvenal Amado


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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7047: Em busca de... (145): Informações sobre a viatura blindada Chaimite e o seu comportamento no CTIG (Juvenal Amado / Pedro Monteiro)

Vd. último poste da série de 13 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7124: Blogoterapia (160): É com orgulho que passo a vossa palavra, a vossa lição de vida (Cátia Félix)

Guiné 63/74 – P7139: Controvérsias (105): Sensatez e rigor no nosso blogue (Mário Gualter Rodrigues Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a seguinte mensagem, em 16 de Outubro passado:

Camaradas,
Pensei maduramente antes de comentar o poste P7117, da autoria do nosso camarada José Dinis, face ao tema que aborda, que a meu ver tem muita pertinência e muita matéria para alguma polémica e discussão.
SENSATEZ E RIGOR NO NOSSO BLOGUE (POSTE P7117)


Foram invocados pelo José Diniz no poste P7117, termos como SENSATEZ, RIGOR, CONHECIMENTO, SABER, SABEDORIA e INTELECTUAL, na introdução das nossas narrações ou comentários no Blogue.

Julgo que todos nós já atingimos a idade da maturação sensata e rigorosa dos nossos actos, e afirmações, embora às vezes com a irreverência e o calor dos temas, em que nos transcendemos nas análises e comentários.

Na maior parte das vezes baseados na nossa experiência de vida e na observação dos factos de que, ao longo das nossas vidas, temos sido intérpretes.

Conhecimentos e alguma sabedoria básica todos nós temos (uns mais outros menos como é evidente), lembro-me dos anciões da minha terra que os possuíam em doses enormes e poucos eram letrados. Muitos até o seu nome tinham dificuldade em escrever, mas não deixavam de narrar verbalmente os acontecimentos e factos por eles vividos e as experiências de vida por eles vividas na 1.ª Guerra Mundial, em França, e na Guerra Civil Espanhola, mais tarde.

Todos eles demonstravam aos nossos olhos, na altura, um conhecimento que nos deixavam extasiados.

Sabedoria profunda, meus caros, é um pouco mais complicado pois só os mais eleitos e as mentes mais iluminadas podem dar-se a esse luxo.

No entanto nós, os Tertulianos deste Blogue, que narramos e comentamos as nossas aventuras e desventuras de um período das nossas vidas temos o dever e obrigação de escrever de modo a que todos nos entendam, deixando de parte as filosofias intelectuais, que são formas de expressão mais elaboradas, sujeitas as mais variadas e engenhosas interpretações por vezes prenhes de má fé, distorcidas e depreciativas dos reais objectivos das peças escritas.

Meu caro José Dinis, invocaste no teu texto o livro Elites Militares, do nosso camarada Manuel Rebocho, que muita polémica tem dado entre alguns de nós.

Sendo o livro uma pesquisa, para uma tese do Autor, e que uma das finalidades é o estudo estatístico do empenho dos Militares do QP e dos Milicianos, o mesmo lança-nos dados e pistas importantes, ao longo do seu livro, para que cada um tire as análises e as ilações que entender. Não basta ler alguns extractos o livro para adquirir noções e conhecimentos para se retirar uma análise concisa deste polémico e discutido tema. É necessário lê-lo na íntegra!

Segundo me disse o Manuel Rebocho, não foi levianamente que retirou e concluiu as matérias e conclusões a que chegou e narrou na sua publicação, mas sim fruto de variadíssimos, fundados e meticulosos estudos e investigações.

De entre a bibliografia consultada, lembro-me de me ter citado, por exemplo, a seguinte literatura:

África, Vitória Traída - Joaquim da Luz Cunha
A Psicologia da Incompetência dos Militares - Norman Dixon
O Exército na Guerra Subversiva - EME (1963) 3 volumes
Resenha Histórico - Militar das campanhas da Guiné 61-74
Notas Sobre os Postos do Exército Português -Gastão Melo Matos
Porque Perdemos a Guerra - Manuel Pereira Crespo
Guerra na Guiné - Hélio Felgas (1967)
O Comportamento Político dos Militares - Medeiros Ferreira

Assim, o nosso referido camarada leu, analisou, adquiriu e reuniu os conhecimentos que lhe permitiram interpretar e compreender as diferenças entre os desempenhos dos Militares do QP e Milicianos.

Também outros livros, que tenho na memória, ajudam a perceber melhor esta controvérsia, tais como: Rumo a Fulacunda, Peão das Nicas e Uma Diligência Adiada, que me levam a concluir que têm fundamento e plena aceitação as filosofias do seu livro.

Não pretendo, com estas minhas palavras, crucificar os Militares do QP, pois, como em tudo na vida, houveram inúmeras excepções, que muito digna e honrosamente honraram as nossas Forças Armadas e o nosso país, mas sim fazer uma análise de desempenho de quem cumpriu e de quem não o soube, ou não quis fazer, mas tinha escolhido a carreira militar como profissão e, assim, assumido compromissos de dever e honra em nome dessas mesmas supremas instituições.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P7138: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (2): Matacanha (Rui Silva)

1. Mensagem de Rui Silva* (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 14 de Outubro de 2010:

Caros Luís, Vinhal, Briote e M. Ribeiro:
Recebam antes de todo o mais um grande abraço de amizade e consideração. Recebam também um forte apoio e um bem-hajam pelo magnífico trabalho tão meritoso e interessante que vêm desenvolvendo no Blogue, apesar de infiltrações despropositadas daqui e dali, às vezes, o que não será fácil de lidar e daí a sobressair a Vossa classe e personalidade na moderação.

Serve este, para enviar em anexo um trabalho meu que vem na sequência do que fiz no post 7012. Agora dedicado ao Capítulo II – Matacanha.
Rui Silva


2- Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

DOENÇAS E OUTROS PROBLEMAS DE SAÚDE (ou de integridade física) QUE A CCAÇ 816 TEVE DE ENFRENTAR DURANTE A SUA CAMPANHA NA GUINÉ PORTUGUESA
(Bissorã, Olossato, Mansoa - 1965-67)

(I) Paludismo
(II) Matacanha
(III) Formiga “baga-baga”
(IV) Abelhas
(V) Lepra
(VI) Doença do sono


Não é minha intenção ao “falar” aqui de doenças e outros problemas de saúde que afligiam os militares da 816 na ex-Guiné Portuguesa imiscuir-me em áreas para as quais não estou habilitado (áreas de Medicina Geral, Medicina Tropical, Biologia, etc.) mas, tão só, contar aquilo, como eu, e enquanto leigo em tais matérias, vi, ajuizei e senti.

Assim:
As 4 primeiras, a Companhia sentiu-as bem na pele (ou no corpo). As 2 últimas (Lepra e Doença do sono), embora as constatássemos - houve mesmo contactos directos de elementos da Companhia com leprosos (foram leprosos transportados às costas, do mato para Olossato nas tais operações de recolha de população acoitada no mato para as povoações com protecção de tropa) –, não houve qualquer caso com o pessoal da Companhia, ou porque estas doenças estavam em fase de erradicação (?), ou porque a higiene e a profilaxia praticadas pela Companhia eram o suficiente para as obstar.


MATACANHA - II
Matacanha , Bitacaia, Bicho-do-pé ou Tungíase.
Agente causador: Pulga Tunga penetrans


Logo ali mesmo em Brá começaram os termos de crioulo e outros talvez já do calão guineense a entrar-nos nos ouvidos.
Os “velhos” tropas ali sediados, julgo que uma Companhia de Comandos ou parte dela (se calhar andava por lá o Briote nessa altura (fins de Maio/princípios de Junho de 1965) e outros também já de camuflado coçado faziam do crioulo quase a língua oficial e única, e então termos como manga, manga di chocolate, ronco, catota , corpo, corpo di bó, djubi, sabe di mais, Bó cá miste, etc., eram correntes. E não havia outro modo se não entrar nessa também. Quem não aprendesse a “língua” local podia perder o comboio.
Ainda hoje nos Convívios anuais da Companhia esses termos são usados.

Quem andava por ali descalço foi também logo prevenido da matacanha. Isto já dizia respeito a um bicho que se metia nos pés… Quem andasse descalço habilitava-se assim a este hospedeiro, avisavam os “velhos”, e o que era muito chato.
Do Paludismo já éramos conhecedores até antes de embarcar e algo prevenidos ao deixarmos a metrópole, agora, matacanha?

Mas a nossa preocupação ali em Brá, na altura, era ir ao Tropical (mais abaixo ficava o Solar do Dez) comer um churrasco antecedido dumas entradas de ostras em molho picante servido num pires bem regadas com cerveja (nunca mais uma cerveja soube tão bem) e depois passar pela esplanada arborizada do Bento (5.ª Repartição).

Nos poucos meses que estivemos depois em Bissorã, isto da matacanha terá passado ao lado, pelo menos que eu me apercebesse, mas, no Olossato (longa estadia - ~1 ano-) manga dela.

Ainda sem bem conhecimento deste bicho, o passar pelo interior da Tabanca, nos regulares passeios da malta, via-se por vezes um “Bloco operatório” ao ar livre. Sentado num mocho, o paciente de perna esticada sobre outro mocho.
De volta do pé o cirurgião de bisturi na mão (pau afiado) fazia qualquer coisa. Trabalho de pedicure não nos parecia… adiante.
Indiferentes a isto (?), passávamos ao lado. Já nas bajudas a lavar a roupa em meio pipo (ou selha) parávamos mais um bocado.

Mas depois constatou-se que aquela cena de intervenção cirúrgica na Tabanca relacionava-se afinal com a matacanha e que o trabalho devia ser feito por cirurgião experiente e muito cuidadoso, isto é feito por um artista.
Os nativos tratavam e sabiam de tudo. Imaginação a quanto obrigas!

Da vegetação e do denso arvoredo do mato vinham sempre as ferramentas apropriadas (não esquecer as eficazes escovas de dentes).
Descalço então ninguém da tropa andava (já o nativo quando muito usava umas sandálias de plástico, os que as usavam), muito menos em chão de terra e poeirento (no Olossato não havia outro), já os chinelos de borracha com tira entre os dedos quase ninguém os dispensava embora houvesse que nem assim era de confiar.

Não tardou então que na Enfermaria aparecessem casos (embora raros) de matacanha.
Os enfermeiros com agulha esterilizada e com paciência (esta era bem requerida) faziam o trabalho com destreza. O novelo ou “ervilha” tinha que ser retirado sem REBENTAR, senão…
Este bichinho normalmente escolhia o dedo grande do pé e junto à unha.

Bom, tínhamos o já bem conhecido inimigo aéreo (o tal de Anopheles) e agora tínhamos de contar com o terrestre também. Esta pulga de 1mm dava um pincho de 1 metro e tinha uma facilidade de se entranhar na pele embora “avisasse” primeiro com comichão irritante. A matacanha fêmea (sempre as fêmeas, claro está) é que era o perigo. O macho morria após copular. Para nós mais valia ser o contrário, para nos livrar da peste. Aquele desgraçado mais valia deixar-se de sexo.

O perigo da matacanha era então as infecções que podia originar subsequentemente a uma operação mal sucedida, isto é, não tirar aquela “ervilha” intacta.
Na Companhia, um “poeta”, julgo que o meu amigo Furriel Belchior, chegou a fazer uma música versada que abordava a matacanha, de que só me lembro (que pena não saber hoje toda) dos primeiros acordes:

“Olha a bolanha
Que está cheia de matacanha"…


Provérbio em crioulo da Guiné (onde entra a matacanha) e sua tradução em Português:
Kusa ki mankañ kuda, tarda ki lingron sibil (O que faz a matacanha conhece-o à muito o lingueirão)

Segue duas descrições sobre a matacanha reproduzidas de sites na internete

Reproduzido, com a devida vénia, de:
www.abcdasaúde.com.br – Dermatologia-Dermatozoonoses - Tungíase
Nome popular:
Bicho-de-pé.
O que é?
É a enfermidade causada pela tunga penetrans, um tipo de pulga que habita lugares secos e arenosos, sendo muito encontrada nas zonas rurais, chiqueiros e currais.


A Pulga (Tunga penetrans)
~ 60 vezes o seu tamanho natural (este é de ~1 mm.)Como se adquire?

A pulga fêmea penetra a pele, onde suga o sangue do hospedeiro (os principais são os homens e os suínos) e começa a produzir ovos que se desenvolvem e serão posteriormente eliminados no solo. Os ovos depositados passam a alimentar-se do sangue do hospedeiro. Ao desenvolverem-se, podem chegar à dimensão de uma ervilha. Expelidos os ovos, o parasita completa o ciclo vital.

O que se sente?
Manifesta-se por discreto prurido na fase inicial, com posterior aparecimento de sensação dolorosa.

Como o médico faz o diagnóstico?
O exame mostra pápula amarelada com ponto escuro central que é o segmento posterior, contendo os ovos. As lesões são encontradas nos pés, geralmente, ao redor das unhas e planta. Pode ocorrer infecção secundária, com dor local e secreção purulenta.

Como se trata?
O tratamento consiste na enucleação da pulga com agulha estéril e desinfecção. É possível destruí-las com electrocautério ou electrocirurgia após anestesia tópica. Se houver infecção secundária, é indicado o uso de antibióticos.

O novelo ou “ervilha” (pelo tamanho). A fêmea da matacanha já em período de gestação bastante adiantado (foto reproduzida, com a devida vénia, de Wikipédia)

Como se previne?
Através do uso de calçados em áreas suspeitas e eliminação das fontes de infestação com DDT, BHC ou fogo.

Reproduzido, com a devida vénia de:
De: http://m.opais.net - Bitacaia veio com ingleses – José Kaliengue

A bitacaia foi introduzida em África em 1872 pelos tripulantes do navio inglês Thomas Michell que atracou no porto de Ambriz, Angola, vindo do Rio de Janeiro.
Este dado consta de um artigo científico do Dr. Nuno A. A. Castelo Branco publicado em 1983 no n.º 31 da Revista Portuguesa de Medicina Militar.

Na altura, Nuno Castelo Branco, hoje na reforma, era o médico chefe das OGMA (Oficinas Gerais de Material Aeronáutico) e director clínico e anátomo patologista do Centro Médico Calouste Gulbenkian. O texto foi escrito com base numa rigorosa investigação e com apoio em diversas obras de especialistas ingleses, americanos, franceses e espanhóis.

A pulga da bitacaia, a Tunga Penetrans, é referida como existindo anteriormente nas Américas onde estaria confinada nos tempos pré colombianos. No entanto, existem descrições de suspeitas da existência da T. Penetrans em África no século XIV, antes, portanto, da descoberta da América por Cristóvão Colombo. As implicações históricas que daí advêm e o facto da descrição da doença não ser absolutamente conclusiva leva-nos a considerar, por ora, como historicamente válida a data de 1872 lê-se no artigo.

Em 1526, Gonzalo Fernandes de Ovido y Valdes Oviedo, um espanhol, fez a primeira descrição precisa do parasita. Em Angola, onde a matacanha, ou bitacaia, é extremamente comum, há quem a aponte como uma calamidade com consequências económicas, além das físicas.

A fêmea grávida da matacanha, a única pulga endoparasita do homem (o macho morre após a cópula), penetra obliquamente na pele do hospedeiro e aumenta extraordinariamente de volume produzindo um enorme número de ovos que, quando maduros, são expelidos para o exterior. A pele dos pés é o sítio de eleição para a localização da matacanha.

No entanto, a matacanha pode instalar-se em quase todas as regiões do corpo. Além do homem a pulga da matacanha parasita todos os animais de sangue quente.

Pé com matacanha –fotos reproduzidas, com a devida vénia, de :nedo.gumed.edu.pl (Parasitoses-astrópodes)

Não mata

A matacanha não é um problema de saúde pública , afirmaram a O PAÍS o professor Luís Távora Tavira, médico especialista em Medicina Tropical, no Hospital Egas Moniz em Lisboa e o Dr. Mário Fernandes, médico cardiologista angolano.

Os médicos dizem que esta espécie de pulga encontra-se em locais sujos ou degradados. Na pele humana provoca uma inflamação que causa uma sensação desagradável e um género de furúnculo ou panarício. Porém, ninguém morre de matacanha.

É um problema de deterioração das condições de higiene e tem a ver com as condições sociais e de saneamento. As pessoas que andam descalças nesses lugares têm mais probabilidade de a apanhar, explicam.
Mário Fernandes adianta que além de não representar qualquer impacto sobre a economia, a bitacaia nem é um vector de transmissão do tétano, como afirmam algumas pessoas.

Segue: Formiga “baga.baga” - III
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Nota de CV:

Vd. poste de 20 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7012: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (1): Paludismo (Rui Silva)

Guiné 63/74 - P7137: Agenda Cultural (86): DocLisboa2010, 14-24 de Outubro de 2010: a pesca do bacalhau na Terra Nova como alternativa à guerra colonial (Luís Graça)

1. Amigos e camaradas da Guiné (sobretudo aqueles que têm tempo e vagar e vivem por aqui perto, na Grande Lisboa):

Começou na 5ª feira, dia 14, o DocLisboa 2010, a VIII Edição Internacional de Cinema [, imagem do catálogo, à esquerda, com uma fotografia do maliano Malick Sidibé, aqui reproduzida com a devida vénia]. 


Lisboa é a Meca do cinema documental, até ao dia 24. Imperdível, pois. Se vocês gostam de cinema, e sobretudo do cinema que fala dos problemas do nosso planeta, aqui e agora, têm mais de 200 filmes (longas, médias e curtas metragens) para ver...

Sugestão: comprem um voucher de 25 euros para dez sessões (à escolha), poupam um euro em cada sessão. O festival passa nos seguintes cinemas de Lisboa: Culturgest (Pequeno e Grande Auditório), São Jorge, Londres, Alvalade, Cinemateca... Das 10h às 23h... Sessões contínuas... A África, como sempre, está lá também, o seu pulsar, a sua gente, as suas histórias.

É a maior (e sobretudo melhor) edição de sempre: mais de 200 filmes, uma programação fantástica... Incluindo mais de quatro dezenas de documentários em português, lusófonos, nossos...

Vão ser feitas várias retrospectivas, incluindo a maior, até agora realizada em todo o mundo, a essa referência incontornável do cinema documental que foi o holandês (e cidadão do mundo)
Joris Ivens (1898-1989), de quem vi ontem, à noite, na Cinemateca, o seu último filme, feitos aos 90 anos, rodado na China, "Une Histoire de Vent" (Uma história de vento, 1988), um filme realizado a quatros mãos (co-realizadora: a sua mulher Marceline Loridan-Ivens, uma judia sobrevivente do holocausto) ... 

O Séc XX (e a história do cinema documental) confunde-se com ele: filmou em toda parte e em todas os conflitos (desde o conflito sino-nipónico à guerra civil espanhola, nos anos 30, da África  à guerra do Vietname)...  O seu cinema é um hino à enorme, fantástica,  capacidade de resistência, sofrimento, coragem e sobrevivência do ser humano, vítima da exploração do(s) outro(s) ser(es) humano(s)... 


Site oficial do DocLisboa2010:http://www.doclisboa.org/ 

Extensões do festival (que o País não é só Lisboa, felizmente) estão previstas para vários pontos do país, desde Leiria a Moura...

2. Já agora, ao lado da Culturgest, têm o Palácio Galveias onde podem ver uma exposição do grande fotógrafo do Mali, Malick Sidibé (nascido c. 1935), um dos maiores de África. São 85 fotografias, uma belíssima exposição, de referência, produzida pela Hasselblad Foundation. São  imagens dos jovens dos anos 60 em Bamako, no Mali, um dos primeiros países da África subsahariana a conquistar a independência. 

O olhar é de um dos mais importantes fotógrafos africanos. Durante os anos 60, Malik Sidibé registou os jovens da sua cidade, a dançar, a posar com as suas motas, os seus pertences, as suas melhores roupas, ávidos de imitar a civilização ocidental... Em 1958 abriu o seu Studio Malik, nos anos 70 dedicou-se ao retrato de estúdio. Em 2003 ganhou o Prémio Hasselblad. Em 2007 foi distinguido com o Leão de Ouro da Bienal de Veneza.

A iniciativa é do Doclisboa 2010 – VIII Festival Internacional de Cinema, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa. Até final de Outubro. A entrada é livre. Entretanto, Malick Sadibé, a sua arte fotográfica e muitos dos seus modelos,  são retratatos no filme de Cosima Spender (França, 2008, 59'), com o título Dolce Vita Africana (Quatro sessões no DocLisboa2010: 15, 21, 23 e 24 de Outubro).

3. Em exibição, está também (em 18 Out 2010, 19h00, Culturgest, Grande Auditório; e em 22 Out 2010, 20h45, Culturgest, Pequeno Auditório), o filme A Outra Guerra, da autoria de Elsa Sertório e Ansgar Schäfer (Portugal, 2010, 45’).


Sinopse: “Durante a guerra colonial jovens portugueses tinham de escolher entre as forças armadas ou a frota nacional de pesca do bacalhau. Ao longo de uma viagem no Creoula - o último lugre português da pesca do bacalhau - três antigos pescadores [, vd. fotograma acima,] relembram as difíceis condições de trabalho da sua juventude, as razões das suas escolhas de vida e os constrangimentos nos seus destinos".

Sobre a pesca do bacalhau, temos já algumas referências no nosso blogue.

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Nota de L.G.:

Último poste desta série > 9 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7103: Agenda cultural (85): Espectáculo de dança por Sofia Fitas, no CCB - Lisboa, dia 16 de Outubro de 2010

Guiné 63/74 – P7136: Memória dos lugares (101): O meu bu...rako em Cabuca (António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger, 1º Pel 2ª CART/BART 6523, 1973/74)


1. O nosso Camarada António Barbosa (ex-Alf Mil Op Esp/Ranger do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523, Cabuca, 1973/74), enviou-nos em 15 de Outubro último a seguinte mensagem:



Camaradas,
Cá estou de novo a enviar algumas das minhas fotos que mostram o que era na realidade o meu bura… ko em CABUCA.
Mais palavras para quê?


As fotos falam por si!
O abrigo que eu dividia com o Capitão Vaz

Um abrigo que eu próprio construiA fachada da messe de oficiais e sargentos, e o gabinete de comando

Mesa pronta na messe de oficiais e sargentos

Eu e um djubi

Chuveiro de bidon de gasóleo

Chuveiro de bidon de vinho

Radio Local em actividade Rádio NÔ TERRA

1º Grupo de Combate

Um Grande Abraço,
António Barbosa
Alf Mil Op Esp/RANGER da 2.ª CART do BART 6523



Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
Fotografias: © António Barbosa (2010). Direitos reservados.


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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

11 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5801: Memória dos lugares (69): O isolamento de Bedanda (Mário Silva Bravo, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 6, Bedanda, 1971/72)