sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7649: O Alenquer retoma o contacto (1): De Bissau para Mansoa com intervenções em Mansabá, Cutia, Bissorã e Porto Gole (Armando Fonseca)




O Alenquer retoma o contacto (1)

1. Mensagem de Armando Fonseca*, ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64, com data de 19 de Janeiro de 2011:

Conforme o solicitado anteriormente, vou tentar não ser enfadonho, mas deixar alguns dados do que foram os meus tempos de Guiné passados entra 1962 e 1964.

Sem ter propriamente veia de escritor, vou narrar alguns factos tal como os tenho no meu caderno de apontamentos daquela altura.

Chegado a Bissau a 28 de Maio de 1962 no Navio António Carlos, não cito aqui os arrepios da partida visto que todos nós vivemos esse suplício, o navio fundeou ao largo e fui transportado para terra numa lancha, onde esperavam GMCs para transporte até ao quartel General onde fiquei instalado.

As camas e as respectivas roupas ainda não tinham sido desembarcadas e dormi as primeiras noites numa cama de campanha apenas com uma manta para me defender dos mosquitos mas com o calor intenso que se fazia sentir, ou se morria de calor ou se era comido pelos mosquitos.

No terceiro dia lá apareceu a cama e a roupa, e a promessa de mosquiteiro que nunca chegou a aparecer, se quis evitar de ser comido pelos bichos tive que ir comprar tecido e mandar fazer um mosquiteiro num alfaiate da cidade.

O pelotão levava como missão reforçar a defesa da cidade, incluindo o aeroporto, e então o meu primeiro serviço foi exactamente piquete ao aeroporto. Fazia 24 horas de serviço dia sim dia não, garantindo a segurança das partidas e chegadas dos aviões, quer fossem civis ou militares.

Antes das aterragens ou dos levantamentos lá ia passar revista a toda a pista observando se havia algo de anormal e só depois os aviões entravam na pista.

Às vezes no dia aparecia outro biscate para fazer inclusive atender a algumas escaramuças que apareciam na cidade, visto que, aquela data o comando do PAIGC era nos arredores da cidade, no Pilão, que se situa entre esta e o Quartel General.

Permaneci assim até aos finais de Agosto de 1963, altura em que fui sorteado para ser deslocado com a guarnição do meu carro para Mansoa, porque o Bcaç 512 que aí se encontrava e tinha distribuídas Companhias em Mansabá e em Bissorã, as quais tinha que abastecer, já estava com graves problemas nas deslocações das suas colunas e então pediu o reforço de um carro de cavalaria para acompanhar essas colunas.

Cheguei então a Mansoa em 28 de Agosto e comecei de imediato a fazer escoltas, quase todos os dias saía para Mansabá ou Bissorã, e quando assim não era, havia que escoltar pessoal que se deslocava para a capinagem das bermas das estradas desses percursos.

Na madrugada do dia 3 de Setembro chegou ao quartel a notícia de que Porto Gole tinha sido atacado e lá fomos pelas seis da manhã escoltar um pelotão da Ccaç 413 para ver o que se tinha passado. Ao chegarmos encontramos um cenário desolador, haviam cinco moranças totalmente queimadas, dois cipaios mortos, tendo os guerrilheiros levado preso o chefe de posto e um colono branco.

Já não regressamos a Mansoa e no dia seguinte começou a ser erigido ali um aquartelamento visto que tinha deixado de haver a segurança, até aí feita pelo chefe de posto e pelos cipaios, e aquele era um ponto crucial para apoio aos barcos que pelo Geba se deslocavam de Bissau para o interior.

Permaneci ali até haver condições para as tropas de caçadores terem um mínimo de segurança. Durante esse período a alimentação baseou-se quase sempre em bolachas e conservas, até haver condições para começar a matar uns carneiros e umas galinhas que por lá havia.

No dia 9 regressei a Mansoa, sendo retomada a rotina de escoltas e agora também a Porto Gole porque ninguém dava um passo sem que a auto metralhadora não fosse à frente da coluna.

No dia 13 um pouco antes do almoço ouviu-se ao longe um rebentamento e passado algum tempo apareceram dois homens a informar que o rebentamento tinha sido na tabanca de Cutia e que havia lá feridos.

Seguimos para lá e deparamos com dois feridos graves, um tinha um buraco na cabeça e o outro tinha uma perna e as duas mãos cortadas, o primeiro foi levado para o hospital, e o segundo, a família não deixou que o levassem, porque quiseram que ele morresse junto deles.

Em 22 fomos chamados para socorrer uma viatura civil e uma ambulância de transporte colectivo que estava a ser atacada entre Mansoa e Mansabá. Fomos lá e quando chegamos já o IN tinha abandonado o local levando todo o dinheiro e os géneros que seguiam nas viaturas.

A partir desta data, além das deslocações militares que chegavam a ser duas por dia, apareceram também as colunas civis que já não se deslocavam sem escolta militar.


No dia 24 saímos de Mansoa pelas cinco da manhã para ir tirar umas árvores que o IN tinha colocado na estrada que ligava Porto Gole a Enxalé e a deixara intransitável, e às oito horas com 44 árvores cortadas e retiradas, encontramos uma companhia que vinha de Enxalé ao nosso encontro e que a cerca de um quilometro tinha sofrido uma emboscada, onde se encontra um pelotão com vários feridos ligeiros e um Furriel com uma perna cortada, o qual ao fim de cinco horas, sem o socorro que a situação exigia, veio a falecer.

Além dos feridos havia ainda um granadeiro atascado na bolanha que nos deu muito trabalho a retirar.

Quando regressamos a Porto Gole era já noite e apenas com o pequeno almoço das quatro da manhã no estômago; depois de comermos alguma coisa regressamos a Mansoa que distava cerca de 27 quilómetros.

Este é o primeiro episódio, outro se seguirão se acharem por bem.

Um grande abraço do camarigo
Armando Fonseca,
Soldado 452 do
Pelotão de Rec Fox 42
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(*) Vd. poste de 22 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7023: Tabanca Grande (245): Armando Fonseca, ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42 (Guiné, 1962/64)

Guiné 63/74 - P7648: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (46): Na Kontra Ka Kontra: 10.º episódio





1. Décimo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 20 de Janeiro de 2011:



NA KONTRA
KA KONTRA


10º EPISÓDIO

O nosso Alferes mandou o “Legionário” buscar as galinhas em troca da lata de atum, dando a explicação que tinha congeminado.

Nessa manhã adiantam-se os trabalhos. Chegada a hora do almoço, o nosso Alferes está de “água na boca”, não pela galinha preparada pelo “legionário”, mas por que não dizê-lo, pela sua amada.

Será que à noite, desta vez, irá ter com o João a conversa que tanto deseja?

O “legionário” esmerou-se na preparação das galinhas numa grande frigideira, como sempre fazia. Todos foram dormir a sesta e o nosso Alferes a pensar que à noite tudo se ia tirar a limpo, até passou pelas brasas.

A meio da tarde, numa certa acalmia de espírito, o nosso Alferes dirige-se à orla da mata para inspeccionar os trabalhos da demolição dos morros de baga-baga. Encontra alguns milícias a trabalhar na lavra do João Sanhá. Os morros tinham sido arrasados. No percurso cruza-se com a Bobo. Nota que já não a acha tão interessante como da primeira vez que a viu. Comparando-a com a Asmau, deixa muito a desejar.

Os milícias trabalhando na lavra do João Sanhá.

Por outro lado, estrategicamente colocada detrás do poilão, já havia uma armadilha como prevenção para um possível ataque. Assim, e com sentinelas dentro da mata, o nosso Alferes respira fundo e sente as forças retemperadas para “contra atacar”.

Depois de jantar apressa-se a ir para o local de reunião, o “bentem”. O João já estava lá. É preciso ser rápido pois todo o pessoal africano se deita cedo. Finalmente, a pretendida conversa vai ter início. Pela primeira vez, o Alferes Magalhães não está interessado em ouvir os acordes de kora do Braima, nem tão pouco repara se há trovoadas ao longe para apreciar o relampejar. Sucede-se uma autêntica rajada de perguntas.

- João, precisava de saber algumas coisas sobre os hábitos do pessoal daqui da tabanca. Podemos conversar?

– Diga o que quer saber e se eu souber…

- Para começar, com que idade costumam casar as bajudas?

– Desde que a bajuda tenha mais de treze ou catorze anos, basta aparecer um homem que tenha posses para dar o preço que os pais pedem.

- João, aqui nesta tabanca as bajudas, principalmente as mais velhas, quando casam ainda levam o cabaço?

– Duma maneira geral levam. Aqui um homem ainda faz questão que a bajuda tenha cabaço.

Neste momento o nosso Alferes recordou as conversas que tinha tido em Bafata com o Ibraim, em que este lhe dizia que lá as bajudas eram muito livres e “namoravam” com qualquer um desde que gostassem dele. Também neste aspecto em Madina Xaquili se notava a interioridade e o conservadorismo.

- João, pode-se ter mesmo a certeza que uma bajuda ainda tem cabaço?

– Um homem mais ou menos apercebe-se se tem ou não, mas de qualquer maneira as mulheres grandes, no dia seguinte vão verificar se tinha ou não.

Aqui, o nosso Alferes não percebeu o que o João quis dizer, mas também não quis que se adiantassem mais pormenores.

- João, nesta tabanca, que dote costuma um homem dar aos pais para casar com uma bajuda?

– Aqui o pessoal não tem muitas posses. Com uma vaca e três ou quatro cabras já se consegue uma bajuda.

- João, é verdade que quando uma mulher pare uma criança, tem que estar dois anos sem dormir com o homem?

– Sim. Um homem nessa altura tem que se “virar” para outro lado.

- João, o homem e a mulher dormem na mesma cama?

– Não, muitos até dormem em moranças diferentes. Quando têm só uma morança, aí sim dormem sempre juntos.

- João, há alguma possibilidade de eu conseguir uma bajuda para casar?

– Alguns dos nossos não gostam que as filhas casem com brancos mas outros não se importam. O “patacão” tem muita força.

- E quanto ao fanado? Aqui as bajudas vão ao fanado?

- Que eu me lembre nesta tabanca nunca houve festa do fanado das bajudas. Como sempre houve pouca gente e poucas bajudas, as “mulheres grandes” nunca se interessaram com isso.

- João, se algum dia precisar da sua ajuda para conseguir uma bajuda, posso contar consigo?

O João sorriu como querendo dizer que sabia de que bajuda se tratava e respondeu que sim, que podia contar com ele.

O nosso Alferes sente-se satisfeito. Tinha conseguido o seu primeiro objectivo. Teria o caminho livre para definitivamente abordar a Asmau. Agora sim, apercebe-se que relampeja ao longe e sente-se como que mais leve. Tinha saído um peso de cima dele. Logo que o João se despede e se vai deitar, o Alferes Magalhães faz o mesmo. Na morança deita-se vestido como está, em cima da cama, coloca o auscultador no ouvido, liga o pequeno gravador e não demora a adormecer.

Fim deste episódio

Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7643: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (45): Na Kontra Ka Kontra: 9.º episódio

Guiné 63/74 - P7647: Parabéns a você (204): João Graça, médico, músico e amigo da Guiné-Bissau (Tertúlia / Editores)


Os Melech Mechaya. João Graça em cima, primeiro à esquerda


1. Neste dia 21 de Janeiro de 2011 está de parabéns o nosso tertuliano João Graça, a quem endereçamos um abraço e votos de uma vida plena de êxitos nas vertentes de músico e médico, ocupações principais deste nosso jovem amigo.

João Graça esteve recentemente (em finais de 2009)  na Guiné-Bissau, numa viagem misto de turismo e cooperação. Teve contacto, como médico, com um povo que sofre e sente as mais básicas carências no campo da saúde e prevenção de doenças para nós facilmente controladas. Se o seu trabalho foi útil, a experiência adquirida foi certamente compensadora.

As fotos que publicamos são uma amostra da sua adaptação ao meio e à população, enquanto viajante/fotógrafo, médico e músico.


O viajante João Graça

Bafatá, Dezembro de 2009

Bubaque, Dezembro de 2009


O fotógrafo João Graça

Bafatá, Dezembro de 2009

Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém, Dezembro de 2009


O médico João Graça

Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém, Dezembro de 2009


O músico João Graça

Tabato, Dezembro de 2009

Bissau, Dezembro de 2009

Fotos: © João Graça (2009). Direitos reservados

Amigo João, recebe um abraço de parabéns da tertúlia e dos editores que te desejam o melhor, porque sendo tu filho de um camarada és como um filho para todos e cada um de nós.
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Notas de CV:

Postal de parabéns de autoria do nosso gráfico Miguel Pessoa

Vd. último poste da série de 19 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7639: Parabéns a você (203): Luís Raínha, ex-Alf Mil Comando (1964/66), centurião mor, fez ontem os seus gloriosos 70!

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7646: Camaradas da diáspora (5): José Oliveira Marques, condutor de White, ERC 2640 (Bafatá e Piche, 1969/71), a viver em Estrasburgo, França



Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71) >  Viatura Chaimite anfíbia com canhão. As primeiras que foram distribuídas às NT. 

Foto: © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reservados





1. Mandou-nos um email e telefonou-nos o camarada José Oliveira Marques, natural de Aveiro, a viver em França desde 1972, perto de Estrasburgo:

Caro Amigo de Bambadinca:

Eu,  José Marques,  venho por este meio lhe agradecer pelo blog, feito de tanta coisa,  riquíssima para nós, os ex-combatentes.

Estive em Bafatá de 1969 a71 e pertenci ao Esquadrão de Reconhecimento de Cavalaria [ERC 2640] do Sr Capitão Vouga. E tenho lido no vosso blog, os comentários de Fernando Gouveia, sobre Bafatá e no qual me reconheço, là no meio daquilo tudo.

Gostaria que este meu apoio chegasse até ele.

Tenho tanta coisa para contar. Fui condutor das famosas White, posto   do qual me sinto ainda hoje orgulhoso, pelo serviço que prestei ao serviço à nossa Pátria (ou ao que se dizia Nossa Pátria)-

 Gostaria que esta mensagem chegasse do Sr Gouveia, que, depois, muito mais tenho para contar,

Sr. Luís, obrigado,pela publicação, isto é se chegar às suas mãos

Desculpe os erros cometidos na escrita, porque só estou com isto [, o acesso à Internet,] desde este Natal último. A prática é pouca, mas a vontade é muita.Estou em França desde 72 mas assisto aos convívios quando posso, com o nosso correspondente Manuel Mata [ex-1.º Cabo Apontador de Armas Pesadas do EREC 2640].

Obrigado pela atenção dispensada,

Grande Abraço, de Bafatá até Bambadinca

José Marques


2. Comentário de L.G.:

Combinámos, ao telefone, seguir as regras do blogue e, portanto, usar o tratamento que é devido aos camaradas... Vê-se que o José Marques está entusiasmada com o "brinquedo" que os filhos lhe deram no Natal. Presumo que esteja reformado. Está com imensa vontade de "ir ao baú" buscar o "missal" (sic) onde escrevia pequenas notas sobre o seu quotidiano na Guiné... Prometeu-nos mandar fotos digitalizadas (quando os filhos passarem lá por casa...), de modo a regularizar a sua entrada na nossa Tabanca Grande.

O ERC 2640 tinha 4 grupos de combate, com viaturas blindadadas White e Fox (substituídas em princípios de 1971 pelas Chaimite), 3 em Bafatá e 1 destacado em Piche (em geral, faziam rotação de dois em dois meses). Lembra-se de um emboscada a 12 ou 13 de Outubro de 1970, em que um morteirada atingiu o radiador da sua White...Fala com evidente orgulho do poder de fogo da sua White e do "respeitinho" que a metralhadora 12.7 (Browning) impunha ao IN.

A rapaziada do EREC 2640 vai comemorar, em 8 de Outubro de 2011,  os 40 anos do regresso a casa, em Castelo Branco (informação confirmada ao telefone pelo Manuel Mata, que  tem sido o corpo e a alma dos encontros do pessoal; vive no Crato: telefone fixo, 245 996 260). 

O José Marques conta cá estar com o seu camarada (e nosso camarigo) Manuel Mata (que fez recentemente anos: oficialmente a 19, porque foi a data em que o registaram, na verdade nasceu a 16 de Janeiro de 1947, já lá vão 64 anos).  

A história do EREC 2640 (ou Esquadrão de Reconhecimento Fox, como também é conhecida esta subunidade de cavalaria, que é do meu tempo na Zona Leste) já aqui foi contada pelo Manuel Mata, na I Série do nosso blogue, em 2006. Já sugeri ao Manuel Mata para "refrescar" esses apontamentos e fotos de modo a podermos publicá-los nesta II Série. É natural que, ao fim de 5 anos, ele tenha mais informações sobre os camaradas que ele foi reencontrando, e sobre a os combates travados no leste.
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Nota de L. G.:

Último poste desta série > 17 de Janeiro de 2011
>  
Guiné 63/74 - P7626: Camaradas na diáspora (4): José (ou Joe) Ribeiro, natural de Leiria, a viver em Toronto, Canadá, há mais de 35 anos: Sold Inf , 4º Gr Comb, CCAÇ 3307/BCAÇ 3833 (Pelundo, Jolmete, Ilha de Jete, 1970/72)

Guiné 63/74 - P7645: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (15): Uma ida aos Nhabijões, com o coração cheio de lembranças da CCaç 12

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,


Prestes a findar a Operação Tangomau, abraço os camaradas da CCaç 12 com quem tive o privilégio de conviver.


Fui aos Nhabijões, informo quem lá habitou ou calcorreou aqueles lugares e viu nascer o reordenamento que há grandes mudanças, felizmente sente-se ali um viver com mais qualidade que no Bambadincazinho, por exemplo.


Peço desculpa pelo material dos Nhabijões não ser o mais elucidativo, já eram 5 horas, lutava contra o tempo e queria assistir ao pôr-do-sol no Bairro Joli. Mas às vezes a intenção é tudo.


Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (15)

Beja Santos

Destes Nhabijões de sangue, suor e lágrimas

1. As instruções que o Tangomau dá a Lânsana Sori são muito simples: lá em baixo no Bambadincazinho viramos à esquerda como se fôssemos para Amedalai, muito antes inflectimos para os Nhabijões, vamos só visitar o Nhabijão Mandinga. Irei recordar gente que sofreu, inopinadamente. A motocicleta lança-se no chão alcatroado, alguns quilómetros à frente avistam-se os ciclistas da região com quem se esteve a confraternizar, concretamente Sadjo Seidi, Califo Djau e Zé Finete. Novos abraços, responde-se às perguntas sobre esta presença inusitada, para eles é insólito que o Tangomau visite os Nhabijões, mesmo sendo certo e sabido que toda este território foi calcorreado até às bolanhas de Samba Silate. Como abreviadamente se conta.

Desde Missirá que se sabia que os guerrilheiros de Madina e Belel também utilizavam a cambança do Geba nestes pontos, não era só a região de Mero, em frente a Finete. Por duas vezes se tinham destruído canoas na orla do Cuor, uma vez na orla dos Nhabijões. Aqui também chegavam civis e militares afectos ao PAIGC, vindos do Buruntoni e locais afins. Os povos guineenses estavam divididos mas não se denunciavam, sobretudo quando vinham desarmados e disfarçados percorriam o quartel de Bambadinca, iam às compras e obtinham informações.

Depois veio o reordenamento dos Nhabijões, por ali o Tangomau andou com o pelotão ou deixava secções para a chamada protecção das populações, a partir de Novembro de 1969. Foi um reordenamento de vulto, dos maiores que se fizeram na Guiné: seis grandes tabancas foram construídas de raiz, com saneamento básico, escola, mesquita. À margem desse reordenamento, impunha-se policiar Samba Silate, era provavelmente a grande tabanca antes da guerra, depois deu-se a diáspora, uma parte importante foi para a guerrilha, outra derramou-se por territórios beafadas, Bambadinca e Bambadincazinho, Badora e Cossé.

Policiava-se a partir dos Nhabijões à procura de canoas e subia-se até a Amedalai. Esta era a lembrança que o Tangomau retivera, depois de regressado, em 1970. Refizera a vida e adestrara as emoções para ficar longe desse passado recente. Mas em [13 de Janeiro de] 1971 alguém lhe trouxe uma notícia infausta: houve uma mina nos Nhabijões, matou o soldado condutor Soares e feriu alguns mais, até com gravidade. Ora o soldado Soares, por força das actividades de recoveiro exercidas pelo Tangomau e sua tropa, levava-o e trazia-o por itinerários como Madina Bonco, Galomaro, Bafatá, Ponte de Udunduma, Madina Xaquili, coisas assim. Dava para conversar, cedo se apurou que o Soares era temperado, curioso e de trato irrepreensível.

Quando foi derrubado pela notícia da sua morte, o Tangomau fixou-se para todo o sempre nas leituras do condutor Soares, eram obras simples como A Peregrinação contada às crianças, romances de Júlio Dinis, sínteses da Eneida e da Odisseia. Sobre este formidável sinistro está tudo dito e redito no blogue, não se levam flores, leva-se a memória até esse caminho que mudou a vida de pessoas.



2. No passado, saia-se de Bambadinca e por caminhos sinuosos, qualquer coisa como 3 quilómetros entrava no Nhabijão Mandinga, daí passava-se para o Nhabijão Mancanha, inflectia-se à esquerda para Nhibajão Bulobate, daqui para o Imbume, depois o Bedinca e finalmente o Cau, curiosamente quem olha para o mapa, serpenteiam a rica bolanha de Samba Silate até à orla do Geba estreito.

Agora a viagem é diferente, ampliou-se o velho trilho antes de Amedalai, perto do rio Udunduma, é uma linha recta flanqueada por cajus e cabaceiras. Não é bonito nem feio, o que importa é a hora do dia, o sombreado cor de ouro, as pessoas que vão e vêm, sempre a acenar e sorridentes. E súbito, o Tangomau volta 40 anos atrás, ali está uma casa do seu tempo, muito provavelmente são as chapas ali colocadas no tempo em que o governador assistiu à inauguração. Percorrem-se vielas e travessas, sim, confirma-se que há metamorfoses mas há muitos sinais do passado. É nisto que se juntam populares, o Tangomau dá explicações, um ajuntamento ruidoso persegue-o entre o mundo de ontem e o que se construiu depois.



3. Em 1969, vimos plantar este arvoredo, estas são as casas desse tempo e quando não são guardam a lógica do reordenamento. O fundamental é que os guias perceberam que a visita incide sobre a memória do lugar, primeiro, e já se questionou onde fica a velha estrada, é importante ir ao local exacto onde se deu a deflagração e onde gente companheira experimentou um grande sofrimento.

Vão-se fazendo perguntas, há ali construções novas, cooperativas, unidades de saúde, infra-estruturas suportadas por ONG e até por missões. É o caso desta imagem, ali há muita actividade, ensina-se empreendedorismo, desenvolvimento rural,  ensina-se artesanato e algo mais. Que bom apontar-se para o futuro, para o trabalho e para o desenvolvimento humano. Tira fotografia!



4. Deste local, junto à estrada, vamos a pé, em comitiva, vamos mudar de rumo, à procura da velha estrada, onde tudo aconteceu. Sim, há boas diferenças, Lânsana Sori no regresso percorrerá esta estrada até chegarmos, por portas e travessas, ao antigo quartel.

Os Nhabijões cresceram, são o subúrbio do Bambadincazinho, mas aqui há agricultura florescente e já foi dito que a pesca traz bons alimentos. E dois quilómetros à frente, alguém exclama em voz alta: “Aqui foi mina, rebentou aqui e rebentou quando veio atrás!”. Alguém se acocora e aponta, o Tangomau, como é uso e costume, brada: “Não te mexas, o pessoal da CCaç 12 vai recordar esses momentos de aflição”. Terá sido este o local onde deixou de viver um jovem que sonhava com a família e que lia adaptações de João de Barros e António Sérgio. E o Tangomau curvou-se respeitosamente perante essa memória.




5. Aqui, segundo a descrição de quem guia o Tangomau, o Unimog terá recuado, alguém mostra a pedra chamuscada, fez-se clareira com a nova explosão, não interessa exactamente o que aconteceu, está tudo registado e é até muito provável que não tenha sido exactamente assim. O que comove o Tangomau é o afã dos seus acompanhantes, a sua expressão, imitam sons das explosões, é genuína aquela procura de reproduzir os pontos exactos onde o drama aconteceu. Alguém aponta para esse local onde a viatura voltou a explodir.

Nova imagem, se não foi exactamente assim o Luís Graça que reponha a verdade, pode ser que se esteja a descrever tudo ao contrário, não sei veio aqui com intuitos de cronista, é tudo lembrança, o Tangomau até ultimamente se tem encontrado com o Marques, que tanto penou com este acidente. Coisa estranha, o Tangomau lembra os camaradas de quarto, um tal Francisco Magalhães Moreira, que vive em Santo Tirso, um tal Abel Rodrigues, que vive em Miranda do Douro, lembra operações, colunas, fainas um pouco mais banais, perigos em comum. E capta imagem, lembrando todos, como se dessa explosão tivesse resultado mais estima.




6. Olha, diz um dos guias, aqui ficou tudo chamuscado, um meu pai contou-me que havia uma grande cratera, tapou-se, agora o mato esconde tudo. Alguém mais repara que aqui já o Unimog era um destroço, corpos à deriva, gritos de espanto e de pavor.

É nisto que o Tangomau se lembrou de um poema de Sebastião da Gama intitulado Cristo, e de forma avulsa, ajuntou alguns versos para recordar o soldado condutor Soares: “Ó meu Jesus heróico, / meu Capitão, afasta / com Tua mão direita, / afasta a Morte, afasta-a, / que ainda não a mereço (…) Era de tarde. O Vento / dava nas ervas, punha-as / de rastros, humilhadas. / Jesus passou. / -: Ergui-me.”.

Desculpa lá, ó Soares, desculpe lá ó Marques, foi o que me veio à cabeça, talvez não tenha jeito nenhum, mas é o que eu queria dar em preito à malta da CCaç 12. [Sobre uma segunda mina, duas horas depois da que matou o Soares, leia-se o poema de L.G. > Blogpoesia > À uma e meia da tarde, na estrada de Nhabijões-Bambadinca]



7.  A visita está concluída, depois desta homenagem singela. Caminha-se para o lusco-fusco, Lânsana promete um passeio de regresso com algumas surpresas. Tira-se a última fotografia dentro do Nhabijão Mandinga, pena foi não ter havido oportunidade para andar dentro da bolanha e fazer de Samba Silate o árduo caminho até Amedalai.

Felizmente que as viagens se recomeçam, para tanto basta que a curiosidade coexista com a vontade de regressar a esta terra bem-amada. Aí o José Saramago tem toda a razão: o que se vê de dia, com chuva, não é o que se vê noutro dia, ensolarado; e o que se vê em Março não é o que se vê em Setembro, e por aí adiante. Acresce que o Tangomau teve o privilégio de conhecer esta natureza em todos os segundos do dia, com chuva torrencial, com o pó a esquentar os pulmões, com o céu de chumbo dos tornados, as noites esbraseadas no auge da época seca. E à saída do Nhabijão, ele diz para si, sem que ninguém oiça: até breve, prometo voltar.



8. Sabe-se lá quando voltará o Tangomau ao Bairro Joli. A motocicleta vai à desfilada e é nisto que se apanha a última luz do dia. É que grande dia este 28 de Novembro de 2010! Primeiro a confraternização, aquela beleza, aquela ternura do Tangomau poder abraçar os seus bravos. E depois os Nhabijões.

Durante décadas, ninguém quis, nas artes plásticas, registar as nossas condições de guerra. Foi nesse contexto de indiferença que um dia um grande pintor, Manuel Botelho, se atirou à captação das guerras. Recorreu e recorre frequentemente às coisas do blogue. Hoje é o último dia em Bambadinca. Saudemos em primeiro lugar o pôr-do-sol, aquele momento derradeiro que o Tangomau nunca esqueceu. E depois mostre-se a imagem que o Manuel Botelho gravou da grande tragédia dos Nhabijões.

Entretanto, hoje é jantar de despedida, a visita bem importunou esta família do Bairro Joli, amanhã, está prometido, Fodé e Calilo Dahaba aparecerão pelas 8 da manhã. Iremos no carro de combate para a última jornada do Tangomau, em Bissau.



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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7640: Notas de leitura (191): Intervenção Rural Integrada, a experiência do norte da Guiné-Bissau, de Mamadu Jao (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 15 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7618: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (14): Aquele domingo de festa no Bambadincazinho

Guiné 63/74 - P7644: Agenda Cultural (101): A Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa e o Núcleo de Estudantes Africanos da Faculdade de Direito: Homenagem a Amílcar Cabral, hoje, dia 20, das 16h30 às 19h30, na FD/UL, em Lisboa

1. Mensagem da Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa, com pedido de divulgação:

 A  Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboavem por este  meio apresentar o seu programa para dia 20 de Janeiro na Faculdade de  Direito de Lisboa pelas às 16:30 na Sala de Audiências da Faculdade de Direito de Lisboa.

Cumprimentos Cordiais Ednilson dos Santos


Programa
A Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa (AEGBL) e o Núcleo de Estudantes Africanos da Faculdade de Direito (NEA-FDL),  com apoio da Embaixada da Guiné-Bissau em Portugal, vêm por este meio informar que no dia 20 de Janeiro de 2011 se  realizar uma Cerimónia em Homenagem a Amílcar Lopes Cabral e Heróis da luta pela libertação da Guiné-Bissau e Cabo-Verde.

Programa do Evento


Local de Evento: Faculdade de Direito de Lisboa [, Cidade Universitária,  Campo Grande], Sala de Audiências,

Hora: das 16:30h às 19:30

Tema: “Homenagem dos Heróis Nacionais da Guiné-Bissau e Cabo-Verde e a Influência do Pensamento de Amílcar Lopes Cabral nos dois Países ”

16:30 Abertura solene da Conferência

Conferencistas >

Eng. Domingos Simões Pereira, Secretário Executivo da CPLP [ , Comunidade dos Países de Língua Portuguesa];
Dr. José Luís Hopffer de Almada, Jurista e Analista político;
Prof. Doutor Julião Sousa, Professor de História e investigador na Universidade de Coimbra;
Dr. Rony Moreira, Sociólogo;
Prof. Doutor António Duarte da Silva, Professor Universitário e autor dos livros: Independência da RGB, Invenção e Construção da RGB;
Prof. Dr. Bernardo Pacheco de Carvalho, Coordenador do CIAT-CD Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa, PAIAT - ISA/UTL

Moderador: Jornalista António Lopes Soares, Tony Tcheka, Consultor Internacional em Comunicação e Jornalismo

18:00h Espaço de Debate

18:30 Encerramento: Excelentíssimo Senhor Embaixador da Guiné-Bissau em Portugal, Dr. Fali Embaló

Organização: AEGBL e NEA-FDL Com Apoio da Embaixada da Guiné-Bissau em Portugal

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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7569: Agenda Cultural (100): Fim do Império: Olhares Jornalísticos - 4.º Encontro: 18 de Janeiro de 2011, na Livraria Verney, Oeiras. Oradores: Cor Carlos Matos Gomes e o fotógrafo Fernando Farinha  

Guiné 63/74 - P7643: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (45): Na Kontra Ka Kontra: 9.º episódio





1. Nono episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 19 de Janeiro de 2011:



NA KONTRA
KA KONTRA


9º EPISÓDIO

Sentados no “bentem”, por momentos, estiveram os dois em silêncio. A essa hora nunca era demais contemplar as trovoadas ao longe, sem a preocupação das que se desencadeavam perto e que provocavam autênticos dilúvios. Por mais que lhe custasse o nosso Alferes expôs o mal estar da Kadidja e alertou para as consequências de ser a mulher do Chefe da Milícia a debandar. Por arrastamento podiam acontecer mais “deserções”.

O João ouve, nada diz, e o Alferes Magalhães espera que a conversa venha a surtir algum efeito.

O milícia Braima ainda toca o seu kora e o nosso Alferes começa a fazer planos para o dia seguinte. Ainda antes de ter a tal conversa com o João, pelo desejo incontido, iria procurar a Asmau à morança do pai, chefe de tabanca. Não sabia muito bem como abordaria o assunto nem tão pouco quem lhe iria aparecer, se a bajuda se os pais. O desejo de a rever estava a tornar-se incontrolável.

Depois de tomar o café, o Alferes Magalhães anda por ali dum lado para o outro a ganhar coragem e a pensar o que dizer, conforme quem lhe aparecesse à porta da morança do Chefe de Tabanca. Custou a decidir-se mas por fim, num repelão, arranca direito à morança da Asmau que fica no outro extremo da tabanca. Não vai pelo carreiro que serpenteia por entre as outras moranças. Vai a direito, como autómato programado para fazer um percurso entre dois pontos.

Como o calor já apertava e devido ao seu estado de alma chega ofegante. Tem que limpar o suor que lhe escorre da testa e lhe inunda as faces. Fora da morança não vê ninguém. Não tem coragem de chamar directamente pela Asmau e chama:

- Adramane, Adramane.

O Chefe de Tabanca aparece, baixando-se ao passar a porta da morança e logo pergunta:

- O senhor “Alfero precisar” alguma coisa?

O nosso Alferes sabia muito bem do que precisava, mas apesar da sua coragem como militar, neste caso vai-se totalmente “abaixo das pernas”. Para isso contribuiu também o aparecimento da bajuda Asmau, à porta. Não querendo estragar tudo logo ali no início, e porque lhe tremiam as pernas, o que lhe pôde sair da boca foi:

- “Kuma ku bu s’esta? kurpo di bo”?... Sabe, Chefe, nós andamos a comer sempre a mesma “bianda”, e para ver se variamos, queria saber se alguém da tabanca nos pode vender duas galinhas.

Tão depressa o Chefe de Tabanca mandou entrar o Alferes, como depressa a Asmau saiu. Em conversa de homens as mulheres não participam. A bajuda fugia-lhe por entre os dedos como “bentana” escorregadia.

Lá dentro o Chefe Adramane apressou-se a dizer:

- Ainda bem que me vem falar das galinhas, pois eu já estava em falta com o senhor “Alfero”, desde que aqui chegou. Tinha precisamente duas galinhas para lhe oferecer.

Depois dos respectivos agradecimentos e de conversarem de vários assuntos relacionados com a tabanca o nosso Alferes despede-se e vai reunir-se ao pessoal que iria começar os trabalhos dessa manhã. Pelo caminho congeminou que, para agradar ao Chefe de Tabanca, lhe irá oferecer uma lata de atum, das grandes, de três quilos. Aos seus homens dirá uma pequena “mentirinha”, que tinha trocado uma lata de atum por duas galinhas, para todos tirarem a barriga de misérias.

Ao regressar da morança do Chefe de Tabanca ouviu um gargalhar à porta de uma morança. Dirigindo-se para lá depara com o Dionildo mostrando a dois milícias, um baralho de cartas de jogar, daqueles com cenas pornográficas, o que provocava nos africanos daquela tabanca remota, um misto de gozo e de admiração pela depravação patente. Tinha que ser o Dionildo… O Alferes explica-lhe a “poluição” do seu acto, face à ingenuidade e pureza daquela gente, ao mesmo tempo que constata que realmente tinham vindo prevenidos. A criatividade não tem limites, pensa.

O nosso Alferes mandou o “Legionário” buscar as galinhas em troca da lata de atum, dando a explicação que tinha congeminado.

Nessa manhã adiantam-se os trabalhos. Chegada a hora do almoço, o nosso Alferes está de “água na boca”, não pela galinha preparada pelo “legionário”, mas por que não dizê-lo, pela sua amada.

Será que à noite, desta vez, irá ter com o João a conversa que tanto deseja?

Fim deste episódio

Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7637: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (44): Na Kontra Ka Kontra: 8.º episódio

Guiné 63/74 - P7642: Memória dos lugares (122): Ponta do Inglês e Gã Garneis, dois destacamentos, com tristes recordações, no subsector do Xime (Beja Santos / Manuel Bastos Soares / Manuel Moreira / José Nunes)



Guiné > Zona Leste > Subsector de Bambadinca > Xime > CART 1746 (1967/69) > 1968 > Destacamento da Ponta do Inglês >  Em primeiro plano, do lado direito, o ex-1º Cabo Mec Auto Manuel Vieira Moreira...  Foi aqui, neste destacamento, de má memória para muitos de nós, que o Manuel Moreira escreveu a sua Canção da Fome (*)...

Por detrás dos militares da CART 1746 (unidade de quadrícula do Xime), à mesa, partilhando uma refeição, vê-se uma parede revestída a chapas de bidão... que lá ficaram, quando as NT retiraram do destacamento, por ordens superiores, em finais de 1968... (LG) 



Guiné > Zona Leste > Subsector de Bambadinca > Xime > CART 1746 (1967/69) > 1968 > O Manuel Moreira Vieiria junto ao obus 10.5... A CART 1746: teve como unidade mobilizadora o GCA 2, seguiu para a Guiné em 20/7/1967, regressou em 7/6/1969; esteve em Bissorã e no Xime; comandante: Cap Mil António Gabriel Rodrigues Vaz.



Antes desta unidade de quadrícula, passou pelo Xime a CCAÇ 1550 (1966/68) (estivera antes em Farim; era comandada pelo Cap Mil Inf Agostinho Duarte Belo). À CART 1746, seguiu-se a CART 2520 (1969/70), CART 2715 (1970/71), CART 3494 (1972/73) e a CCAÇ 12 (1973/74)...


Não tenho a  certeza se a CCAÇ 21 chegou a estar no Xime.  No final da guerra estava em Bambadinca, como unidade de intervenção. Recorde-se que à CCAÇ 21 pertenceram o Tenente Graduado Comando Abdulai Queta Jamanca, o Alf Comando Graduado Amadu  Dajaló e o meu camarada, da CCAÇ 12, 1969/71, o gigante Abibo Jau, na altura soldado arvorado (ele e o Jamanca foram fuzilados em Madina Colhido, a seguir à independência, ainda em 1974, possivelmente em Setembro, ainda com tropas portuguesas em Bissau)... (LG)


Fotos: © Manuel Moreira / Sousa de Castro (2009). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do Beja Santos:

 Data: 18 de Janeiro de 2011 16:47

 Assunto: Alguns esclarecimentos sobre a Ponta do Inglês (**)

 Queridos amigos: O Manuel Bastos Soares ajudou a perceber o que eu vi na Ponta do Inglês [, na margem direita do Rio Corubal, vd. mapa de Fulacunda], mas ainda há muitas dúvidas a esclarecer. Aguardam-se outros depoimentos de quem por lá andou. É muito provável que o destacamento tenha sido extinto no tempo da CART 1746 [, a que pertenceu o ex-1º Cabo Merc Auto Manuel Vieira Moreira, membro da nossa Tabanca Grande).


Praticamente desapareceram vestígios, o de maior dimensão é a casa de Lopes da Costa, que era conhecido como o inglês, certamente pai de Constantino Lopes da Costa, penúltimo embaixador da República da Guiné-Bissau em Portugal [, e um dos actuais proprietários da "ponta", terá lá 50 hectares de terreno, segundo confidência pessoal que fez em tempos ao nosso editor L.G.]. 

Um abraço do Mário

2. Alguns esclarecimentos do Beja Santos sobre a Ponta do Inglês:



Quando descrevi a minha viagem à Ponta do Inglês, em Novembro passado (**), solicitei aos camaradas do blogue que elucidassem algumas questões sobre a criação e a vida deste destacamento sobre o qual não disponho de informações seguras: tanto o Fodé Dahaba como o Mamadu Djau, que aqui foram milícias, não chegaram a acordo sobre o aparecimento do aquartelamento e muito menos sabiam quando foi extinto. 

O que encontrei e registei da presença durante a guerra era muito pouco e as populações da Ponta do Inglês e de Gã Garneis também não ajudaram. Disseram-me existir um professor que tinha a história da região, não o consegui encontrar. 

Correspondendo ao apelo que fiz sobre datas e posicionamento do quartel, respondeu-me o nosso camarada Manuel Bastos Soares que fez a sua comissão na Guiné entre 1964 e 1966. O Manuel Bastos pertenceu à CCav 678, adstrita ao BCaç 697, como companhia de intervenção. Andou por várias localidades, entre Fá, Xime, Ponta do Inglês e Bambadinca. 

Até finais de 1964, os únicos quartéis no regulado do Xime eram o Xime propriamente dito e Amedalai, Taibatá, Dembataco e Moricanhe. Em 1963, Domingos Ramos comandava vários grupos armados a partir da mata do Fiofioli. [Imagem à esquerda, Guiné-Bissau > 1975 > Efígie de Domingos Ramos, em nota de banco de 100 pesos, moeda que já não circula hoje, como se sabe... Herói nacional, morreu em ataque a Madina do Boé, em 1966].

A ocupação da Ponta do Inglês foi tida como indispensável não só para garantir a navegabilidade do Geba (a navegabilidade do Corubal cedo ficou interdita) como importante para dissuadir a presença das forças do PAIGC num amplo território detentor de bolanhas muito ricas como o Poindom e Ponta Luís Dias.

A ocupação da Ponta do Inglês teve lugar em Janeiro de 1965, partiu uma coluna do Xime com militares da CCS do BCaç 697, a CCav 678 e forças de milícia. Inicialmente, o quartel foi feito na zona de Gã Garneis, dispunha dentro do arame farpado de abrigos escavados e cobertos com palmeiras e chapas de bidão de 200 litros.

A ocupação deste território foi inicialmente atribulada. Depois, chegaram ordens para fazer um quartel complementar junto da orla do Corubal. Daí a confusão de, durante a visita, os guias (**) me falarem da ocupação junto ao rio e de um quartel em Gã Garneis. O Manuel Bastos viveu ali entre Fevereiro e Março de 1965 e lá voltou de Outubro a Dezembro do mesmo ano. Houve portanto dois quartéis, com contingentes distintos.

É bem provável que os quartéis tenham sido desactivados no início de 1968. Facto é que quando cheguei à região, em Agosto de 1968, os destacamentos tinham sido abandonados (***).

A vida das tropas foi bem difícil, como se compreenderá. O abastecimento por estrada era uma verdadeira operação militar. Segundo o Manuel Bastos Soares, houve também baixas na região de Ponta Varela, o PAIGC esteve sempre aí muito activo. Foi nessa região que morreu o capitão Pinheiro Torres de Meireles (****), nesse sinistro morreu também um milícia e terá ficado ferido um major. 

A Ponta do Inglês era abastecida por lanchas, as tropas faziam patrulhamentos mas o PAIGC actuava prontamente, a partir da Ponta João da Silva. O Manuel Bastos Soares promete pôr mais uma fotografia no blogue. O que encontrei no Google [, fotos do Manuel Moreira Vieira] é o que se junta e creio que se justifica lançar novo apelo a todos aqueles que estiveram na Ponta do Inglês para falarem com mas rigor desse tempo. Se houver histórias de companhias que relatem a vida da Ponta do Inglês, tanto melhor.

3. Informação do José Nunes [ ou José Silvério Correia Nunes, ex-1º Cabo, BENG 447, Brá, 15Jan68 / 15Jan70, foto à direita], em comentário ao Poste P7590 (**):

Camarigo Mário,o aquartelamento da Ponta do Inglês estava operacional em Abril de 1968, quando aí nos deslocámos pra montar o grupo gerador, ficava junto ao rio e não havia cais, o Unimogue avançou rio dentro até da LDP [Lancha de Desembarque Pequena] de onde se descarregou o gerados a pulso.

A iluminação era feita [, até então,] com garrafas de cerveja com uma mecha, cheias de combustível, e as havia a servir de alarme, havia muitos macacos na zona que causavam problemas, ao agarrar o arame farpado da zona de protecção.

Foi uma permanência de horas por causa das marés.
José Nunes
BENG 447
Brá 68/70

_________________
Notas de L.G.:


(*) CANÇÃO DA FOME


Estamos num destacamento,
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês.
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.

A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da GUINÉ.

Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com bianda,
E sardinha p´ró jantar
E uma pinga acompanhar
Sempre com a velha manga.

Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos turras à cabeça,
Não sei que será de mim.

Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao Sol
Junto ao rio, a esperar
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.

A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino

...MANUEL VIEIRA MOREIRA.

 (**) Vd. poste de 11 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7590: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (13): Os mistérios da estrada da Ponta do Inglês


(***) Segundo os dados que apurei, para a elaboração da História da CCAÇ 12, ainda em Bambadinca, no no final da comissão, o destacamento da Ponta do Inglês foi abandonado pelas NT em Novembro de 1968:


Vd. História da CCAÇ. 12: Guiné 1969/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores 12. 1971. Capítulo II. 24-26. 

(...) (7.3) Op Safira Única: recuperados 15 elementos da população sob controlo IN e capturado um guerrilheiro armado na Ponta do Inglês



(...) Em 21 [de Janeiro de 1970], ao amanhecer, saem os 2 Destacamentos do Xime [ Dest A: CCAÇ 12, a 3 Gr Comb;  Dest B: forças da CART 2520]  , apoiando-se mutuamente e progredindo com o auxílio de bússola através dum itinerário previamente estudado, de maneira a evitar os trilhos que o IN utiliza.

Por volta das 15. 30h, já nas proximidades do objectivo, foram notados indícios de presença humana: trilhos batidos, moringas nas palmeiras para recolha de vinho e um cesto de arroz.

Seguindo um dos trilhos, avistou-se um homem desarmado que seguia em direcção contrárias às NT. Capturado, informou que ia recolher vinho de palma, que a tabanca ficava próxima, que não havia elementos armados e que a maior parte da população estava àquela hora a trabalhar na bolanha.

Feita a aproximação com envolvimento, capturaram-se mais 2 homens, 5 mulheres e 6 crianças. Um dos homens capturados disse chamar-se Festa Na Lona, de etnia Balanta, estar alí a passar férias e pertencer a uma unidade combatente do Gabu. Foi-lhe apreendido uma pistola Tokarev (7,62, m/ 1933) e vários documentos. (...) 


Havia 2 tabancas, cada uma com 4-5 casas, afastadas umas das outras cerca de 200 metros. Cada casa era revestida de chapa de bidon e coberta de capim. Para o efeito foram aproveitados os bidons existentes no antigo aquartelamento da Ponta do Inglês que as NT retiraram em Novembro de 1968.

Foram destruídos todos os meios de vida encontrados e incendiadas casas, a excepção das que ficaram armadilhadas.

Os 2 Dest executaram toda a acção sem disparar um único tiro. (...)

(****) O Cap Inf 247/59 - EP Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meireles nasceu em 21 de Fevereiro de 1938 na Freguesia de Castelões de Cepeda, concelho de Paredes e faleceu na Guiné, em Ponta de Varela, em 3 de Junho de 1965. Era o comandante da CCAÇ 508 / BCAÇ 697.

Os seus restos mortais estão no cemitério do Prado Repouso, no Porto. Fonte: Portal Utramar Terraweb > Mortos do Ultramar > Concelho de Paredes

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7641: Ex-combatentes da Guerra Colonial lançam uma Petição Pública On Line (3): Alerta aos camaradas que subscreveram, mas não confirmaram a assinatura (Inácio Silva)

1. Mensagem de Inácio Silva, ex-1.º Cabo da CART 2732, Mansabá, 1970/72, com data de 18 de Janeiro de 2011:

Boa tarde caros Amigos:

SOLICITO A PUBLICAÇÃO DO EMAIL E DA LISTA ANEXA*

A lista anexa contém os nomes dos subscritores que estiveram no Site PETIÇÃO PÚBLICA para assinar a petição mas NÃO CONFIRMARAM A SUA ASSINATURA, tornando nula a sua intenção. Também não deixaram o seu email para poderem ser contactados.

Da consulta à lista das assinaturas da PETIÇÃO "Os ex-combatentes solicitam ao Estado Português o reconhecimento cabal dos seus serviços e sacrifícios", verifiquei que, cerca de 26,5% das subscrições não tem a sua assinatura confirmada. Estes subscritores terão que procurar, na sua caixa do correio, um email enviado pelo PETIÇÃO PÚBLICA que contém um link para a confirmação. Depois de clicar nesse link, receberão um outro email dizendo que a sua assinatura foi confirmada.

Se já não conseguir confirmar a sua assinatura, então a subscrição será considerada nula. Neste caso, poderá efectuar nova nova subscrição. Se o fizer, informe para o email inacio.silwa@gmail.com, para ser retirada a subscrição nula.

Um abraço.
Inácio Silva
ex-CART 2732
Mansabá-Guiné


(*) LISTA DOS SUBSCRITORES CUJA ASSINATURA NÃO FOI CONFIRMADA
(Estes subscritores não deixaram o email disponível)


ABILIO DELGADO
Acácio de Jesus Seabra Conde
Adelino Nuno Marinha dos Reis e Moura
Adérito Caldeira Cordeiro
Albino Antonio Guimaraes Pereira Garcez
Alfredo Aurélio Pereira Monteiro
Amadeu José Martins Gonçalves
Amilcar Joaquim Avó Dias
Ana Maria Andrade
Ana Paula Fernandes Ginja Ferreira
Aníbal Ramos de Melo
Antonio Blayer Soares
António Camões Flores
antonio carvalho rodrigues do nascimento
ANTÓNIO CORREIA
ANTÓNIO DOS SANTOS MAIA
António José Henriques Rodrigues
Antonio Martins Moreira
António Pereira dos Santos
António Rapado Correia
Armando Benfeito da Costa
Armènio Evangelista Mendes Zagalo
Artur Jorge Gorjão da Fonseca Almeida
Carlos Alberto Frade Leitão
Carlos António Carreira da Gama
Carlos dos santos varela
Carlos Jorge Lopes Marques pereira
Carlos Manuel Gouveia Pestana
carlos Parreiras Fernandes
Catarina Joana Branco Gonçalves
Cláudio Francisco Portalegre Trindade
constantino da silva costa
Diamqantino de Almeida Santos
Eduardo Ferreira Campos
Eduardo Guilhermino Evangelista Luis
Elisa conceiçao Almeida Carvalho Leite
Emanuel João de Canha Frazão Afonso
Fernando Artur Esteves Marreiros
Fernando Guilherme Pedras de Freitas
Fernando Manuel Barros Nunes
Fernando Manuel da Silva Cabral
Fernando Manuel Gonçalves Mascarenhas
fernando martins ferreira
FERNANDO SOUSA DE MATOS PIRES
Filipe Manuel Castanho Pinheiro
Filipe Miguel Garcia Fernandes
Firmino da Silva Barros
Francisco Diogo Candeias Godinho
Francisco Gomes da Silva
FRANCISCO JORGE DE PINHO
Frederico Carlos dos Reis Morais
Geraldo dos Anjos Cascais
germano jose pereira penha
Graciano Fernando de Almeida Barbosa
Gualter ALves Vieira
Helder Duarte Rodrigues de Assunção
Helder Lourenço
Humberto Simões dos Reis
joao adelino alves miranda
João Diogo Silva Cardoso
João Elvio Freitas Faria
João Evangelista de Jesus Hipólito
joao Pedro Emauz Leite Ribeiro
Joaquim Antonio Henriques Silvério
Joaquim Augusto Neves Eliseu
joaquim da conceição paiva
Joaquim da Cruz Marques
jose antonio celestino de assis
jose antonio timoteo machado
JOSE AUGUSTO LEITE DE ARAUJO
Jose Conceiçao Batista Afonso
José Fernando Rosa Lopes
José Ferreira da Silva
José Luís Pinto Vieira
Jose Manuel Maia Mendes Sousa
jose manuel moreno de azevedo campos
Jose Paulino silva
jose rodrigues pereira
Jose Sequeira Silva da Venda
jose silva nunes
JOVINO AUGUSTO ARMADA LOURENÇO DA CHÃO
Luis Alberto Pessoa da Fonseca e Castro
luis Francisco Dias Fânzeres Martins
Luis Manuel da Graça Henriques
Luis Manuel Vieira Ferreira
Luís Manuel Vitorino Ribeiro
Luís Rodrigues Cardoso Moreira
Manuel António da Conceição Santos
MANUEL DE CASTRO BARBOSA
Manuel Diogo da Silva Gomes
Manuel Fernandes da Luz
Manuel Jorge de Carvalho Sampaio Faria
Manuel Simões Fernandes
Marcos Vitor Leonardo
Maria Alice Monteiro Grilo
MARIA ARMINDA NEVES CASTRO
Mário Fernando Lima de Oliveira
Mário Macedo Caixeiro
Mário Pedro dos Santos Aguiar
Nádia Filipa Pombo Simão
Raul Armando da Cruz Domingues Ribeiro
Ricardo Jorge da SIlva Mota
Ruy José Cardoso Pereira Branquinho
SANDRA LOURENÇO ALVES
Tiago Miguel Rebelo Tavares
Tiago Miguel Santos Duarte
Vasco de Almeida e Costa
vitor antonio de jesus ferrinho
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7625: Ex-combatentes da Guerra Colonial lançam uma Petição Pública On Line (2): Informação e incentivo (Inácio Silva / Amaro Samúdio)

Guiné 63/74 - P7640: Notas de leitura (191): Intervenção Rural Integrada, a experiência do norte da Guiné-Bissau, de Mamadu Jao (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
Este livro de Mamadu Jao impressionou-me profundamente. É preciso ter coragem para desmantelar os interesses de uma ajuda ao desenvolvimento que, regra geral, decepciona e deixa as populações numa maior amargura. Não se devia fazer cooperação, sobretudo em meios rurais (a população da Guiné, como é de todos sabido, é profundamente rural) sem ouvir os antropólogos sociais e culturais.
Estes milhões e milhões da cooperação e da ajuda ao desenvolvimento podiam ter melhor sorte desde que se conhecesse verdadeiramente as aspirações dos seus potenciais beneficiários.
Esta leitura ajuda a perceber o caudal de desastres em que tem vivido a Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário


Porque tem falhado, porque continua a falhar, o desenvolvimento na Guiné-Bissau

Beja Santos

O título “Intervenção Rural Integrada, a experiência do norte da Guiné-Bissau”, de que é autor o antropólogo Mamadu Jao, não deixa antever a riqueza da análise sobre os problemas fundamentais do desenvolvimento e como as autoridades políticas da Guiné-Bissau, desde a independência, têm sistematicamente falhado na obtenção de resultados. Seja-me permitida a ousadia de sugerir que ninguém deve ir hoje para o Governo na Guiné-Bissau, ser ali cooperante, ou até mesmo voluntário de uma organização não-governamental sem ler este livro. O que é que ele tem de tão precioso?

Logo o prefácio de Flavien Fafali Koudawo que desafrontadamente avalia o falhanço dos financiamentos externos neste país que vive de projectos mas que não tem, para o seu funcionamento orgânico, um projecto. Logo em 1974, independentemente dos sonhos e do altruísmo da governação de Luís Cabral, visão clara desse modelo foi coisa que nunca houve. As próprias orientações do III Congresso do PAIGC (1977) que se debruçou sobre a reconstrução nacional conseguiu dar substância a um projecto nacional, as promessas de desenvolvimento derramaram-se em múltiplos projectos cujos resultados apontam para o zero de eficácia. Entendeu-se o progresso como uma corrida contra o tempo, desenhava-se à régua um rumo para recuperar o tempo perdido, o desenvolvimento era encarado como um processo linear ou seja se havia atraso com boa vontade e determinação mudavam-se as mentalidades, nasciam actividades, atingiam-se metas, era tudo simples como os cálculos matemáticos, bastava usar palavras mágicas como: participação comunitária, iniciativas de bases, desenvolvimento integrado ou duradouro, desenvolvimento humano. Os representantes das agências das Nações Unidas e os cooperantes oficiavam esta missa, arrastando o Estado, as ONG, as múltiplas associações guineenses. Gastaram-se milhões em nada, o balanço é desalentador e os porquês, escreve o prefaciador, estão bem enunciados no trabalho de Mamadu Jao.

O antropólogo (que é hoje director do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa) começa por nos prevenir quanto à metodologia adoptada para análise do impacto de uma experiência de intervenção rural integrada. Ele parte de uma hipótese operacional: as dificuldades dos programas e/ou projectos de apoio ao desenvolvimento rural na Guiné-Bissau não se devem tanto às carência de ordem financeira e de recursos humanos mas são motivados sobretudo por: a incoerência na implementação das políticas de desenvolvimento; a adopção de estratégias de intervenção inadequadas; a deficiente administração e a má gestão dos recursos. Procede-se igualmente a análise de todo um conjunto de instituições que aparecem ligados ao programa, avaliam-se as suas inter-relações e procura-se saber como tudo funcionou e que resultados se obtiveram para a melhoria da qualidade de vida das populações envolvidas. O autor socorreu-se da bibliografia mais pertinente, de entrevistas e da sua própria observação.

Primeiro, o conceito de desenvolvimento rural integrado continua a ser sujeito a várias definições podendo abarcar crescimento económico, aumento de produtividade, melhor distribuição dos rendimentos, acréscimo do potencial humano no contexto das relações entre grupos sociais. Daí as receitas e os modelos para se obter esse potencial com a implementação de acções de desenvolvimento que devem partir dos interesses reais dos beneficiários. O que a prática tem ensinado é que os planificadores se substituem às aspirações e às práticas socioculturais das populações envolvidas. Quer-se desenvolver recorrendo ao capitalismo de Estado, a políticas socialistas, ignorando os usos e costumes, por puro voluntarismo. E daí o descalabro dos resultados.

Segundo, o autor apresenta-nos dados de base e percorre o historial de modelos de desenvolvimento desde a independência até ao final da década de 80. Daí parte para o desenvolvimento rural integrado na Guiné-Bissau e a ênfase política dada ao desenvolvimento rural tido como sector prioritário. Foram delineados objectivos para estes programas em várias regiões e a cooperação sueca aceitou co-financiar na região centrada em Bula um programa de desenvolvimento.

Terceiro, o autor apresenta a estratégia e depois desmonta-a em função dos resultados. Ninguém teve em consideração as questões étnicas, a preparação efectiva de quadros locais, ninguém supervisionou os transportes, a entrega de combustíveis, a formação de demonstradores, em suma tudo falhou nos sectores florestal, pecuário, social; as infra-estruturas tiveram vida efémera e não se cuidou da sua manutenção, as mulheres não foram enquadradas, não se assegurou assistência sanitária, etc. Tudo conjugado, os resultados são calamitosos, descurou-se o mau funcionamento dos ministérios (o mesmo é dizer que há um permanente bloqueio institucional) onde é proverbial a falta de definição de competências e por conseguinte nunca há coordenação efectiva de qualquer programa. Apurou-se ter existido gestão danosa de alguns dos intervenientes, cegueira na importação de equipamentos (inadaptados à realidade local e que depois se transformam em sucata pura).

Quarto, o antropólogo procede a análise de impacto, desagregando os aspectos da vida das populações que foram envolvidas, sempre com o cuidado de destacar o conflito entre a organização do poder, a organização do trabalho, a vida social e os conflitos que o programa não resolveu, daí ter-se ficado no impasse que redundou na desmobilização pura e simples das populações. Como não se cuidou da motivação no respeito dos usos e costumes, na criação de confiança, no uso de uma comunicação cultural apropriada, esta intervenção rural integrada não mudou ninguém.

Moral da história: é melhor ouvir as pessoas, conhecê-las e saber gerir as suas aspirações e não substitui-las. A ajuda ao desenvolvimento tem que mudar sob pena de agravar o descontentamento dos chamados países em vias de desenvolvimento. E a Guiné-Bissau não é excepção, bem pelo contrário.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7633: Notas de leitura (190): As Origens do Nacionalismo Africano, de Mário Pinto de Andrade (Mário Beja Santos)