segunda-feira, 14 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7942: Cancioneiro de Mampatá (2): Versos de Edmundo Santos (CART 2515, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, 1969/71), reproduzidos no blogue do nosso camarada Mário Pinto



Blogue do nosso amigo e  camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, dedicado aos Morcegos de Mampatá, também conhecidos por Coirões de Mampatá, que fizeram parte da CART 2515 (Mampatá, 1969/71)... A companhia passou também por Buba e Aldeia Formosa. O Mário Pinto, que vive no Barreiro,  está profissionalmente ligado à hotelaria. Tem, além deste, mais dois blogues que merecem uma visita: A Ilha do Rato (ele é um paixonado do seu rio, o Tejo)  e O Tacho ao Lume (ou não fosse ele também chef e gourmet).


1. Os Morcegos de Mampatá vão comemorar este ano os 40 anos do seu  regresso a casa, como de resto já aqui noticiámos no nosso blogue... A festa vai ser na Quinta do Branco, na Moita do Ribateja, no próximo dia 7 de Maio. A concentração do pessoal que vai chegando será  junto à estação da CP. Os Coirões que fazem parte da Comissão Organizadora são: Mário Pinto (Tel. 212051384 / Tm 931648953);  Inácio (Tel 922094072 /Tm 965268234); e Edmundo (Tm 963735598),.

2. Entretanto, de uma visita mais detalhada ao blogue do Mário Pinto [, foto à esquerda, quando jovem combatente], descobrimos três poemas que fazem parte do Cancioneiro de Mampatá (*), em boa hora recolhidos e divulgados pelo Mário. A autoria é do Edmundo Santos.

Com os meus parabéns, e a devida vénia,  a ambos, tomo a liberdade de os reproduzir aqui, de modo a poderem chegar ao conhecimento de um público mais vasto, de leitores, combatentes e não-combatebtes.  No final de cada poema, indica-se a data de publicação do poste com o respectivo link.

Fazemos, mais uma vez, um apelo para que  estas manifestações (culturais) do nosso quotidiano no teatro de operações não se percam por esquecimento, ignorância, negligência, incúria... Há um espólio (imaterial) por fazer... Essa é também a razão de ser do nosso blogue... (LG)



OS MORCEGOS
por Edmundo Santos

Aqui não temos parança,
andamos sempre a alinhar,
uns a fazer segurança
e outros a patrulhar.


Só nos resta a esperança
de um dia poder voltar.
Ai!,  uma vida pior
do que esta não há,
chamamo-nos os MORCEGOS,
mas ai, vejam lá,
a malta só nos conhece
pelos COIRÕES de Mampatá.


Todos os dias há saídas,
com o perigo sempre a rondar,
são poucas as alegrias
e muito para contar,
não há lugar p'ra sossego,
é a vida de um MORCEGO.


Edmundo Soares
Guiné 1969


ESTOU FARTO DELES,  TIREM-ME DAQUI!
por Edmundo Santos


Tenho corrido manga de estradas,
que em tão má hora eu conheci,
tenho caido em emboscadas,
Estou farto deles,  tirem-me daqui!


Noites no mato debaixo de água
são realidades que eu já vivi,
tenho a alma cheia de mágoa,
Estou farto deles tirem-me daqui!


Muita fominha tenho passado,
por causa dela me ressenti,
tenho o corpito todo enfezado,
Estou farto deles,  tirem-me daqui!


Edmundo Santos
Guiné 1969


FADO DA METRALHA
por Edmundo Santos


De pica na mão,
lá ia a maralha
com toda a metralha,
de olhos no chão;
para não haver falha,
piquem bem o trilho,
tomem atenção;
sou de opinião
que se houver fornilho
ai que Deus nos valha.


E naquela estrada,
junto ao cruzamento,
as dores que me deste,
mais uma emboscada,
no meu pensamento,
nessa mata agreste
e os bombardeiros,
fiéis companheiros,
em qualquer momento
iam atacando
e turras matando,
sem dó nem lamento.


Adeus, Mampatá,
quero-te esquecer,
fizeste sofrer
quem andou por cá,
pronto a combater,
ó maldita terra
onde nada há
e digo-te já
que toda esta guerra
foi dura a valer.


25/9/2009

[ Revisão / fixação de texto: L.G.]

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Nota de L.G.:

Vd. poste anterior desta série > 18 de Novembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3471: Cancioneiro de Mampatá (1): Hino da CART 6250, Os Unidos (Mampatá, 1972/74) (José Manuel Lopes)

Guiné 63/74 - P7941: Convívios (299): 28.º Encontro Nacional do pessoal do BENG 447, dia 9 de Abril de 2011 em Aveiro

1. Conforme o solicitado pelo nosso camarada António Fernando Lima Ferreira, ex-Fur Mil do BENG 447, Brá, em mensagem de hoje, 14 de Março de 2011, estamos a dar conhecimento do 28.º Encontro Nacional dos ex-Oficiais, Sargentos e Praças daquela Unidade, este ano no dia 9 de Abril, na linda cidade de Aveiro.


(Clicar na imagem para ampliar)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7930: Convívios (214): Almoço / Convívio do pessoal da CART 2716 (Xitole, 1970/72), dia 28 de Maio em Penafiel

Guiné 63/74 - P7940: Tabanca Grande (270): José Ferreira de Barros, ex-Fur Mil da CCAV 1617/BCAV 1897, Mansoa, Mansabá e Olossato (1966/68)

1. No dia 10 de Março recebi esta mensagem do nosso camarada José Barros, ex-Fur Mil da CCAV 1617/BCAV 1897:

Sou um ex-Fur Mil da CCav 1617 do BCav 1897. Gostava de fazer parte desta grande família. O que devo fazer?
Um abraço amigo.

Junto uma foto da construção da estrada Cutia-Mansabá.

Frente de trabalho da construção da estrada Cutia/Mansabá
Foto: © José Barros (2011). Direitos reservados

Localização (aproximada) do destacamento de Cutia na estrada Mansoa/Mansabá


2. No dia 11 de Março enviei ao nosso novo camarada esta mensagem:

Caro camarada e amigo José Barros
Muito obrigado pelo teu contacto.
Começo por justificar a palavra amigo, já que camaradas somos de certeza.
Pela foto que envias, deduzo que fizeste parte das forças de protecção aos trabalhos de construção da estrada entre Cutia e Mansabá.
Eu fui um dos passantes nessa estrada nos anos de 1970 a 1972, com algum conforto e segurança, graças ao teu esforço e ao dos teus camaradas. Estive em quadrícula em Mansabá durante 22 dos 23 meses de comissão na Guiné. És meu amigo, desde já por isso.

Para fazeres parte da nossa tertúlia, envia-nos por favor uma foto actual e outra do tempo de tropa, em formato JPEG, tipo passe, se possível.

Queremos que nos digas quando embarcaram e quando regressaram, qual a vossa Unidade, por onde andaram na Guiné, o teu posto, Especialidade e tudo o mais que nos possas contar. Poderás fazer um pequeno resumo da tua actividade que servirá como apresentação à tertúlia. Nada de muito elaborado porque somos pessoas simples como verás.

Fico a aguardar o teu novo contacto.

Recebe um abraço do camarada e amigo
Carlos Vinhal


3. No dia 13 de Março tivemos novo contacto do nosso camarada:

Caro camarada e amigo Carlos Vinhal:
Obrigado pela amabilidade das tuas palavras.

Sou:
José Ferreira de Barros, casado, natural de Godim – Peso da Régua.
Vivo em Vila Real há já 41 anos.
Tenho 68 anos e sou pai de três filhas.
Actor reformado.

Fui:
Fur Mil Atirador de Cavalaria. (carne para canhão)
Pertenci à CCav 1617/BCav 1897 que esteve em Mansoa, Mansabá e Olossato de Novembro de 1966 a Agosto de 1968.

A CCav 1617 saiu de Alcântara no “Ana Mafalda” em 30 de Outubro de 1966, tendo chegado ao porto de Bissau em 4 de Novembro, seguindo nesse mesmo dia em coluna militar para Mansoa, onde ficou aquartelada até à chegada do restante Batalhão que terá acontecido duas ou três semanas depois.

Depois dos periquitos terem recebido algum treino operacional dado pelos “velhinhos” foram assim distribuídas as companhias:

CCAV 1615, CCS e comando – Mansoa
CCAV 1616 – Olossato
CCAV 1617 – Cutia, onde ficou aquartelada até a construção da estrada Mansoa - Mansabá.

Quando a construção da estrada chegou mais ou menos ao pontão de Macombo “se a memória me não falha”, esta Companhia passou para Mansabá onde se encontrava há já algum tempo a CCS e o Comando.

O Batalhão regressou à Metrópole em 2 de Agosto de 1968.

Obrigado a vós editores e a todos os que não deixam apagar da memória o que a nossa geração sofreu e continua a sofrer.

Um grande abraço para todos.

Aqui vão as fotos de um menino e moço e as de um “Velho” alegre e dinâmico com muita vontade de viver sempre com um sorriso nos lábios mesmo nos momentos difíceis.


4. Comentário de CV:

Caro José Barros
É um bom tema para o blogue o testemunho dos camaradas da década de 60, principalmente daqueles que participaram na protecção aos trabalhos de construção de estradas alcatroadas, que tiveram um incremento nessa altura. Era notória a dificuldade na deslocação da tropa, assim como os reabastecimentos, ao longo de todo o TO mais ainda porque era fácil a instalação de minas anticarro nas estreitas picadas existentes, que ceifavam diariamente vidas e causavam muitos feridos graves.

Julgo que a tua Companhia levou a estrada até Mansabá, se não mesmo até ao Bironque. A minha Companhia participou, com outras forças, na protecção aos trabalhos de prolongamento e conclusão da estrada até à margem esquerda do Rio Cacheu, em frente a Farim. Esta importante localidade da Guiné ficou assim ligada por uma boa estrada até Bissau, numa distância superior a 100Km, em alternativa à perigosa ligação fluvial.

Na tua mensagem dizes que quando a estrada chegou ao pontão de Macombo a CCAV 1617 passou para Mansabá. Não quererias dizer Mamboncó?

Se clicares no nome das localidades sublinhadas, abrirás os respectivos mapas e poderás relembrar nomes de sítios por onde andaste.

Se quiseres colaborar na feitura das nossas memórias, particularmente no que respeita à zona por onde andámos, o Óio, manda as tuas fotos e textos com aquilo que ainda lembras para que possamos dar a conhecer à tertúlia e aos nossos leitores, que são muitos.

Antes de terminar, mando-te o abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores, e já agora, vê se te lembras do memorial que se vê nas duas fotos abaixo.

Recebe um abraço do camarada mansabense
Carlos Vinhal


Mansabá, 11OUT70 > Fur Mil Carlos Vinhal, Sold Avelino Gonçalves Pinto e Fur Mil Fernando Nunes no memorial do BCAV 1897 que assinala a sua passagem naquela localidade.
Foto: © Carlos Vinhal (2011). Direitos reservados



Mansabá, 10 de Março de 2008 > O mesmo memorial do BCAV 1897 fotografado pelo nosso camarada Carlos Silva
Foto: © Carlos Silva (2011). Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7932: Tabanca Grande (269): Manuel Alberto Cunha Bento, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do CAOP Teixeira Pinto (1969/71)

Guiné 63/74 - P7939: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (82): Na Kontra Ka Kontra: 46.º episódio




1. Quadragésimo sexto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 13 de Março de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


46º EPISÓDIO

Estabelecido a setenta quilómetros de S. Paulo, em Santos, cidade muito interessante com praia ao longo de uma avenida que faz lembrar Copacabana, tem oportunidade de conhecer toda a zona sul do Brasil. Visita as Cataratas de Iguaçú, vai à capital, Brasília, percorre a estrada marginal até ao Rio de Janeiro, passando pela maravilhosa cidadezinha de Parati com as suas casas tipicamente coloniais portuguesas.

Magalhães Faria e sua mulher apreciando a Baía de Santos

Porém, talvez um chamamento semelhante ao da negritude africana, agora a negritude brasileira faz com que esteja por períodos muito curtos em Portugal. Esta negritude vai novamente fazer mudar a sua vida. Agora é a sua mulher que se afasta, não aguentando as duplicidades. Magalhães Faria vê-se de novo em situação de KA KONTRA, semelhante à anteriormente vivida em Portugal.

A história repete-se e da mesma forma não quer também ficar dependente do agora ex-sogro. Regressa a Portugal e assume novamente a direcção da sua empresa, que vinha sendo gerida pelo Dionildo.

Ano de 2009. Dá-se a morte do Presidente Nino Vieira e do seu principal opositor, o Comandante-Chefe das Forças Armadas. Tudo aponta para que a partir de agora a democracia e a acalmia das armas vinguem. É neste contexto que Magalhães Faria toma a decisão de voltar à Guiné.

Ano de 2010. Chegado a Bissau, Magalhães Faria dá uma volta pela cidade. Bissau está muito modificada. Cresceu imenso para a periferia. O centro histórico está completamente degradado e em ruínas.

Uma rua de Bissau junto da Amura.

Vê a casa onde foi morto o Presidente Nino toda metralhada. Um Jeep de alta cilindrada, também furado de balas, está estacionado à porta desde os acontecimentos, há cerca de um ano.

A casa metralhada de Nino Vieira. 
(Foto de F. Allen)

Um jeep abandonado junto à casa de Nino Vieira.
(Foto de F. Allen)

As ruas têm os pavimentos cheios de buracos, no entanto há muito trânsito a ponto de se formarem engarrafamentos nas horas de ponta. Vê muita gente pelas ruas e pelas estradas. Na zona do mercado de rua, de Bandim, o aglomerado de viaturas e de pessoas é impressionante. Com a sua experiência empresarial começa a pensar que uma empresa ligada ao transporte de pessoas e mercadorias poderia ter sucesso. Meio dito meio feito.

O grande movimento na zona de Bandim.

Nos arredores da capital, para os lados de Safim, aluga uma casa e uns armazéns anexos, a preço muito mais em conta do que seria na capital. Começa a montar o negócio. Na sua mente já pairava a ideia de que o Dionildo o poderia ajudar muito, fazendo-lhe chegar de Portugal a desejada “mercadoria”: Carrinhas usadas. Iria concretizar-se a ideia que os dois tiveram na anterior estadia. Chegam as primeiras viaturas e o negócio prospera.

Magalhães Faria já não frequenta a “D. Berta”. Embora a velha senhora ainda esteja de boa saúde, o restaurante está decadente.

É no restaurante “O Porto”, perto do Grande Hotel agora em ruínas, que faz os encontros, quer de amizade quer de negócios, Por ali passam todos os europeus: Negociantes, cooperantes e turistas. Também por lá passam políticos guineenses com quem se relaciona. A vida parece sorrir-lhe. De quando em vez lá ouve à distância um c… f… É o Dionildo que acaba de chegar com mais uma carrinha, depois de percorrer cinco mil quilómetros África abaixo. Porém Magalhães Faria sente-se afectivamente só, principalmente à noite quando se encontra no silêncio da sua casa. O seu pensamento não deixa de fazer “paragens” na Asmau.

Nesse aspecto com o Dionildo as coisas eram bem diferentes. Todos os momentos livres aproveitava-os para estar com a sua amada Sextafeira. Amor platónico diziam alguns.

Magalhães Faria no restaurante “O Porto”.

Um dia resolve ir a Bafata, mais para reviver os velhos tempos e também os guineenses amigos que lá deixou. Na Asmau não depositava grande fé. Dada a apregoada esperança de vida dos guineenses o mais certo seria ter morrido. Se ainda viver, com cinquenta e muitos anos, deve estar velha e enrugada. Num Domingo mete-se à estrada. Passa por Safim onde é obrigado a parar por várias barreiras, policiais e do exército. São barreiras caricatas que obrigam os carros a parar com o auxílio de umas velhas cordas, com farrapos pendurados para se verem melhor. Uma pessoa é obrigada a parar e um guarda muito calmamente começa a dar voltas ao carro. Nada acontecerá enquanto o condutor não der o chamado “mata-bicho” ao polícia. Magalhães Faria depressa se apercebe como resolver a situação e passa a andar no “tabelier” com uma embalagem de barras de cereais. Em cada paragem uma barrita é suficiente para baixarem logo a corda.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de Guiné 63/74 - P7926: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (81): Na Kontra Ka Kontra: 45.º episódio

domingo, 13 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7938: Memória dos lugares (146): Bedanda 1972/73 - Natal de de 1972 (António Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada António Teixeira (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73), com data de 11 de Março de 2011:

Fotos da ceia de natal de 1972

Infelizmente, já não consigo identificar muita gente. Vejo lá o Vasco, o Revez, o capitão Gastão Silva, o Luis Nicolau, o grande Fará que era o nosso padeiro e também o Nelinho.
Agora fica aqui trabalho para o Vasco que, cripto como ele é, vai descobrir a maior parte do pessoal.

Grande abraço para todos.
Teixeira


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Nota de CV:

Vd. poste de 26 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7869: Memória dos lugares (145): Bedanda 1972/73 - Filhos da Terra / Filhos da Guerra (2) (António Teixeira)

Guiné 63/74 - P7937: (Ex)citações (132): "Continuo a ter dúvidas de que as histórias [dos combatentes da guerra colonial] devem ter o livro como destino, mas não tenho dúvida alguma de que estas histórias precisam de um sítio onde fiquem acessíveis para os vindouros" (José Vegar, conselheiro editorial, Expresso, 12/3/2011)

1. José Vegar lê, por obrigação de oficio, “centenas de originais de ficção e de não-ficção de autores portugueses não publicados”… Esse trabalho, ao serviço de editores (pelo que apurei, na Net, é “conselheiro editorial”, ele considera-o como algo de fascinante, na medida em que lhe dá um conhecimento mais profundo (e privilegiado) sobre o povo e o país que somos…







[ Foto: O nosso camarada Albino Silva, Soldado Maqueiro, CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70), escrevendo no mato possivelmente um aerograma]




Num artigo publicado no Expresso deste fim de semana (“O que eles escreve”, suplemento “Atual”, nº 2002, Expresso, 12 de Março de 2011, pp., 32-34), José Vegar (n. Luanda, 1969; jornalista e escritor, doutorando em sociologia, autor do blogue Sniper) diz que “ainda hoje há muitas pessoas a escrever", pessoas,  “dos 16 aos 80 anos, que escolheram a solidão de se fecharem diariamente durante meses em frente a um computador, tentando transformar em texto, que nunca tem menos de 100 páginas e chega facilmente às 300, uma história que os perturba ou uma experiência que querem partilhar”. São em geral autores “desalinhados”, que não pertencem a nenhuma escola ou tendência literária ou estética, intelectual ou filosófica...


O jornalista arruma-os em meia dúzia de categorias:

(i) Os autores de catarse ( escolhem a escrita para “tentar libertar, fugir, ersolver, perceber ou aprender a lidar com algo que lhes aconteceu” e que os marcou);


(ii) As testemunhas (em geral, pessoas de mais idade, que querem contar uma história, partilhar memórias)…

(iii) Os contadores de histórias para crianças e jovens;


(iv) Os autores de círculo temático;


(v) Os intérpretes da contemporeindade;


(vi) Os autores do romance histórico;


(vii) E, por fim, os inclassificáveis


Ora, no grupo de gente vulgar ,  e de mais idade (sic), que são os autores de testemunhos, “há uma subcomunidade sempre presente, a dos combatentes na guerra colonial”…


E sobre eles, diz o José Vegar esta coisa interessante:

“Continuo a ter dúvidas de estas histórias devam ter o livro como destino, mas não tenho dúvida alguma de que estas histórias precisam de um sítio onde fiquem acessíveis para os vindouros”…L.G.
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Nota de L.G.:

Último poste da série > 12 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7768: (Ex)citações (131): Saudades de quê ?... Será que sou masoquista ?... E por que é que leio o raio deste blogue e até faço comentários ? (C. Martins)

Guiné 63/74 - P7936: Os açorianos também migraram para o Ultramar (José da Câmara)

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 12 de Março de 2011:

Meu bom e caro amigo Carlos Vinhal,

Não desapareci e estou arrepiando caminho, como se dizia nas terrinhas açorianas. Espero que estejas bem na companhia de teus entes queridos.
Em seguida vou mandar-te uma pequena história, talvez um comentário muito alargado ao que o A. Rosinha escreveu sobre as Cartas de Chamada para o Ultramar. O artigo que escrevo precisa da tua ajuda e que é o seguinte:
Faz o search a este blogue

http://kabiaka.blogspot.com/2007_08_13_archive.html

e retira a história (São Jorge do Katofe ou a Décima Ilha) para completar o meu artigo. Julgo que este artigo tem muito interesse histórico pois apresenta factos, dados, nomes, pareceres, documentação fotográfica etc.

Reconheço duas coisas: o que escrevo é pesado e alguém pode tentar chamar a si alguma provocação da minha parte. Longe de mim tal pensamento, pois a minha intenção única é mostrar que outras pessoas tinham outra forma de viver e sentir o Ultramar, neste caso Angola.
[...]
Também reconheço que o artigo, bastante inclinado para Angola, tem pouco a ver com a Guiné mas poderia muito bem ter-se passado ali.

Se entenderes que não tem interesse para o blogue eu aceitarei como sempre a tua decisão.

Um abraço muito amigo do
José


Os açorianos também migraram para o Ultramar

Caros amigos,

O António Rosinha no P7917: Emigração para as Colónias, só com Carta de Chamada**, fez algumas considerações que atraíram a minha atenção. Porque sou emigrante e porque sei o que é uma carta de chamada. Porque ainda sei que cada caso é uma vida e cada vida é uma história. E cada história depende dos protagonistas que a viveram.

No meu caso a carta de chamada passou por documentos de petição, contracto de trabalho e termo de responsabilidade originados no país de acolhimento, os Estados Unidos da América.

Em Portugal, mais concretamente na ilha do Faial, Açores, para obter o passaporte português tive que fazer inspecção médica à qual não faltou o Raio X, vacinação e análises sanguíneas, e ainda o registo criminal e licença militar. Esta, a título de informação, custou-me a módica quantia de 1.060$00, uma exorbitância para o tempo, e depois de ter cumprido o meu dever para com a Nação. Não me queixo pois era igual para todos.

Com o passaporte português no bolso, lá fui para São Miguel para mais um Raio X, análises sanguíneas e inspecção médica feita em clínica reconhecida pelo consulado dos EUA, requisito essencial para obter o visto daquela nação.

Já nos Estados Unidos da América, o meu primeiro acto oficial foi adquirir o cartão da segurança social para poder trabalhar. O segundo, sorte endiabrada a minha, foi ir à Câmara Municipal de Stoughton inscrever-me no Departamento de Recrutamento Militar.

Francamente, eu que tinha aprendi na minha escola da Fazenda das Lajes das Flores, Açores, que o meu país, Portugal, ia do Minho ao Algarve e dos Açores a Timor, confrontava-me agora com a possibilidade de ter que marcar passo num exército que, na altura, nada me dizia.

Mas não é da minha experiência humana, da minha carta de chamada, que vos quero falar.

O nosso camarada Carlos Cordeiro, em dois comentários ao Post do nosso amigo “Mais Velho”, apontou algumas das barreiras que, constantemente, nos eram impostas nos Açores pelo governo da nação. E, em termos militares, acrescento mais uma: os Sargentos do QP vindos do continente para os Açores tinham direito a subsídio de guarnição, mas já o inverso não acontecia.

Estas e muitas outras barreiras eram impostas a todos os recantos do país, desde que não fizessem parte do rectângulo português europeu. Certamente que as províncias ultramarinas, tal como os Açores e a Madeira, sofreram com esses constrangimentos. Não duvido que em recantos do Portugal Continental houvesse outro tipo de barreiras. Mas nem por isso nos sentíamos menos portugueses, certamente muito mais pobres.

A nossa força, enquanto Nação, está na procura intransigente da verdade, nua e crua. Ela será tanto mais forte quanto mais límpida for a sua história. Todos nós somos peças fundamentais desse puzzle.

Aqui, em Stoughton, conheço aqueles que foram para as províncias por carta de chamada, aqueles que foram a convite do governo, aqueles que ficaram por lá após o serviço militar e aqueles que lá nasceram. Todos eles com histórias contadas e por contar. Refizeram as suas vidas. Não se queixam nem recriminam. A vida continua.

Tudo razões para me ter interessado de sobremaneira por aquilo que o nosso amigo Mais Velho, o Rosinha, escreveu. Ele, tal como nós, serviu o exército em Angola e para além disso teve experiências riquíssimas de conhecimento e circunstâncias, que lhe foram proporcionadas pelos seus afazeres profissionais em Angola e na Guiné.

Hoje, com o devido respeito por ele e por todos vós, permitam-me que vos apresente uma história vivida por alguém que um dia sonhou com uma Angola diferente, possivelmente com uma Angola independente. O seu autor, Vicente de Matos, natural de São Jorge, foi um dos açorianos que migrou para aquela ex-provincia ultramarina portuguesa.

O artigo é uma lufada de ar fresco, apaixonante, extraordinário na sua beleza sentimental e histórica. Não se vislumbra uma palavra ofensiva a quem quer que seja ou a qualquer situação ou instituição. Quando muito a mágoa pela visão de uma terra vivida e amada reduzida a escombros. Isso é evidente nas fotografias que ilustram o artigo.

Com a devida vénia ao blogue MUKANDAS DO KABIAKA


Artigo originalmente publicado em ATLÂNTIDA, VoI. XLVI, 2001, adaptado por Lúcio Flávio da Silveira Matos, filho do autor, engenheiro civil, a viver no Brasil, no Estado de Santa Catarina [Vicente Teixeira de Matos que, em 2007, à data da publicação do poste, tinha 87 e residia em Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Açores].
S. JORGE DO KATOFE
OU A DÉCIMA ILHA DOS AÇORES

VICENTE TEIXEIRA DE MATOS*

“Dos nossos olhos até à hora da nossa morte nada fará desaparecer aquele brilho húmido e doce que se acende, quando a recordamos.” (Vicente Matos)

"Quem lembra, prevalece..." (Lindolf Bell)

A Décima Ilha dos Açores, assim crismada pelo jornalista director da ANI, o terceirense Dutra Faria, é a pequena história de gente açoriana, rija e trabalhadora, espalhada "como quem não quer a coisa" pelos vales cir­cundantes do Rio Katofe e seus afluentes, atravessados pela estrada Luanda/Huambo, a 364 km da primeira e a 245 km da segunda destas cidades. No Sub Planalto de Benguela, a cerca de 1300 metros de altitude e à distância média do mar de 200km, no Concelho de Kibala, distrito de Kuanza Sul, Província de Angola.
Hesitei anos até reduzi-Ia a escrito: mas aquelas mulheres e aqueles homens, modestos e sofridos, e aquelas ruí­nas trágicas e dramáticas merecem que deles fique memória!... E assim, já tão longe daquela ardente mocidade, a minha consciência não ficaria tranquila sem lhes prestar este mais que modesto preito. Aos mortos e aos vivos, aço­rianos humildes, que lançados no meio do agreste mato angolano, rodeados de mil dificuldades, com parcos meios, edificaram aquela singela utopia!...

Antecedentes - As nove ilhas dos Açores, situadas em pleno Atlântico - O Grande Mar Poente - entre a Europa e a América, são, como sabemos, caracterizadas por um clima instável, varridas por ventos e brumas, ciclones e sismos; clima propício a diluir realidades, parir fantasmas e recriar sonhos de partir e de voltar!...
Nos fins dos anos vinte, do século que acaba de findar, quando começa esta memória, os destinos emigratórios dos ilhéus - Brasil e América do Norte - estavam saturados. Do Canadá, ainda, não se falava; havia de procurar-se outros destinos. As ilhas continuavam limitadas: "gente quanta queiram" em terra escassa, cortada pelo mar infindo e por velhas barreiras económicas e sociais. Por informações e histórias de quem lá servira ou trabalhava, começava a falar-se do Ultramar Português que, de terra de degredados e doenças mortais, se poderia transformar em "terra quanta queiram", apta a produzir riqueza desbravando o mato, sem prejudicar o legí­timo desenvolvimento dos povos nativos. Por exemplo, Angola teria sete habitantes por km2 contra mais de cem nas ilhas.

Início da Emigração - Em 1929, três jovens lavradores da Ilha de S. Jorge (Norte Grande), de nomes João Alves de Oliveira, Emílio Dias e André Alves de Olveira, irmão do primeiro, resolveram tentar a sua sorte em Angola. Foram recomendados a um jorgense - Tenente Bettencourt, deportado por razões políticas e na altura exercendo comércio na Vila da Kibala. Viriam a desembarcar em Porto Amboim (Benguela a Velha), o mais próximo do seu destino, para o qual se dirigiram numa camioneta de carga antiga, como mais uns fardos, através das terras vermelhas do Amboim, ubérrimas produtoras do café do mesmo nome, estrada barrenta de orografia muito acidentada, na qual os carros se atascavam, para desespero dos seus ocupantes. Por fim, lá chegaram a casa do seu conterrâneo. Seguidamente fizeram sociedade com o capitão Diogo Sandão, reformado e antigo pacificador daquela região, onde possuía uma fazenda, nos arre­dores da Vila. Aí, começaram nova fazenda, em terrenos contíguos, que iriam apelidar de Norte Grande. Efectuaram desbravamentos para sementeiras de milho e café e iniciaram a criação de gados bovino e porcino.

Família de Emílio Dias (Kimbaça para os nativos), 1 dos 3 pioneiros, com o primeiro tractor adquirido pela lavoura no Katofe.

Colonização - Passados cinco anos, adaptados à terra e ao clima, resolveram os três lançar-se, por sua conta e risco, estabele­cendo-se a 17 km da Kibala, junto à estrada de Luanda/Huambo, às margens do Rio Katofe; em vales de boas ter­ras para sementeiras de milho e arroz e boas pastagens para a criação de gado; fundando também um pequeno comércio, que servia de apoio e financiador da agricultura. "Boas terra para tudo, menos para os homens", opina­vam os entendidos! Na verdade o clima era duro e a terra infestada de mosquito e malária. No entanto, aqueles homens eram corajosos, não estavam dispostos a desertar! Contudo, em 1941, pelo Natal, pagaram o seu primeiro e doloroso tributo, falecendo o André Oliveira vitimado pela biliosa palúdica, que, naquela época, não perdoava...
Porém, dez anos passados - 1945 -, já possuíam lavouras de milho, de arroz, pomares e hortas e uma manada de cento e tal bovinos, dezenas de porcos e um pequeno rebanho de cabras e ovelhas; matéria prima para célebres caldeiradas de cabrito e borrego! Possuíam ainda dois moinhos hidráulicos, os únicos na área da Kibala, mercê de um açude construído no Rio Katofe, que ainda fornecia água para regar o arroz. Do rebanho de bovinos, exploravam as vacas leiteiras, cujo leite era aproveitado no fabrico de manteiga e queijo, vendidos nas vilas dos arredores.
Em 1945 admitiram um novo sócio, Vicente Teixeira de Matos, bem mais jovem, de uma família jorgense da Ribeira Seca, radicada nos arredo­res da cidade do Huambo.

O autor com 18 anos no final dos estudos no Liceu de Angra do Heroismo, quando desistiu de prosseguir estudos universitários no curso de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa e resolveu viajar para Angola.

O autor logo após a sua chegada a Angola.

O autor quando do serviço militar como furriel miliciano, em Nova Lisboa, Huambo, antes de ir para o Katofe.

O autor - Kilamba para os nativos - já na lavoura do Katofe com o trator Massey Harris da firma Oliveira & Dias.

O autor e a sua família extensa, em 1954. Da esquerda para a direita: José Teixeira de Matos (pai), Noémia da Silveira (madrasta), Vicente Matos, Zeca Matos (filho no colo), Maria Bernardete (esposa), Lúcio Matos (filho, no colo), Estêvão Silveira Coelho (sogro), Noémia de Fátima (irmã cassula), Laudelinda Cabral (sogra) e Arnaldo Silveira Coelho (cunhado).

Vicente Matos, em 1955, aos 35 anos, com dois dos seus sete filhos do Katofe.

Em 1946, chegou a Angola um Batalhão Expedicionário açoriano que, desmobilizado em 1948, deixou vários dos seus elementos em Angola, dos quais quatro vieram juntar-se ao embrião do povoamento açoriano no Katofe.
Por essa mesma altura, desembarcaram em Angola duas famílias com filhos que se dirigiram igualmente a Katofe, com a intenção de aí se radicarem. Estas chegadas vieram despoletar a ideia latente da criação de uma entidade patrocinadora do nascente povoamento.
Assim, os organizadores lembraram-se que a palavra cooperativa significava cooperar = trabalhar juntos - sem precisarem de se estender às origens dos "Pioneiros de Rochdale" - 1844, - bastando os exemplos da sua ilha natal - S. Jorge, para se organizarem de forma a apoiar os associados, em funções tão vastas como construir tudo a par­tir dos alicerces: casas, desbravamentos, compras de gado bovino, valas de enxugo e rega, fábrica de lacticínios, Igreja, Escola, Posto Sanitário, tudo o necessário para fazer funcionar uma urbe, espalhada num raio de quilómetros.
 Em 26 de Setembro de 1949, no Cartório Notarial da Comarca de Nova Lisboa (Huambo), foi assinada a escri­tura de fundação da Cooperativa de Colonização Agro-Pecuária "A Açoreana", com sede em Katofe, área do Posto Sede de Concelho de Kibala. Os Estatutos da Cooperativa foram publicados no Boletim Oficial da Província da Angola, III Série, no 48, de 1 de Dezembro de 1949. Foram dezanove os fundadores.
Os Estatutos possuíam um parágrafo (cap. I art. 2o e seu parágrafo sexto) muito sintomático e por isso o trans­crevo: "Difusão entre os nativos da região, dos benefícios conseguidos pela Cooperativa, na medida do possível e seja do interesse deles; como conhecimentos agro-pecuários, assistência sanitária, etc., atendendo ao espírito de colaboração que caracteriza a colonização potuguesa". Isto se cumpriu até ao fim!
Os povoadores que vinham chegando dos Açores, uns mais outros menos, eram portadores das poupanças e do produto da venda dos seus haveres, decididos a tudo investir na terra feiticeira da Angola... Em primeiro lugar, construíram as pequenas casas, que muitas vezes começavam por uma casa de côlmo em estilo nativo, e adquiriam algumas cabeças de gado bovino. Num caso, houve quem começasse com duas vacas leiteiras.
Sendo crescente o número de povoadores em S. Jorge do Katofe, a Cooperativa requereu ao Governo de Angola a concessão de um empréstimo de mil contos, com pagamento escalonado por quinze anos, para serem investidos na compra de gado bovino, a distribuir aos sócios fundadores. Em Dezembro de 1951 foi concedido o empréstimo pela Junta de Comércio Externo e iniciada a compra de gado bovino no sul de Angola.
O rebanho, de algumas centenas de cabeças, depressa atingiu mais de um milhar e a consequente subida da produção de lacticínios. Assim, na época, Angola viria a transformar-se de total importadora em exportadora.
Em 1950/1951, festejaram-se os primeiros nascimentos e baptizados de jorgenses de S. Jorge do Katofe, raízes lançadas em boa e generosa terra, penhores do futuro desta iniciativa de açorianos, que não parava de crescer.

Os primeiros filhos açórico-angolanos do Katofe, lamentavelmente, espalhados por Portugal, Brasil, EUA e Canadá.

O pioneiro Emílio Dias na eira de secar o milho com alguns rebentos açórico-angolanos, Lúcio Matos, São Dias, Idalina Dias, Zeca Matos, Maria Ângela Dias e Linita Dias (da esquerda para a direita).

A assistência religiosa foi desde o início prestada pela Missão Católica de Kibala, numa casa particular. Em 1 de Setembro de 1952, Sua Excelência Reverendíssima o Arcebispo de Luanda, benzeu a primeira pedra da pequena capela, que viria a ser dedicada ao padroeiro S. Jorge pelo mesmo Arcebispo, em 1954. Esta capela viria a ser reconstruída mais duas vezes, transformando-se numa bela igreja, que não envergonhou os seus construtores. Deve assinalar-se que alguns povoadores contribuíram para estas obras com quantias superiores às que dispende­ram nas suas próprias casas. Não negando a sua generosidade e a sua fé! Nela seriam baptizados e depois cris­mados os seus descendentes e continuadores. Nela acabariam por casar alguns dos novos jorgenses.


Igreja de S. Jorge do Katofe: primeira reconstrução, em Dia de Pentecostes, e segunda reconstrução, em 1970.

Alguns dos jovens do Katofe em dia de casamento, no início dos anos 1970.

A igreja depredada atesta a destruição e a desolação trazidas pela guerra insana (2003).

Em 1952, a pedido da Cooperativa, o Estado legislou a criação de uma Reserva do Estado, de 52.000 hecta­res, onde se implantariam as fazendas dos povoadores e se reservariam os terrenos para uso comunitário das aldeias nativas, como era norma do seu direito consuetudinário. No futuro viriam a ser, mais ou menos, 20.000 hec­tares para fazendas e 32.000 hectares para aldeias, os primeiros completamente aproveitados em 1975.
A fim de exemplificar o crescimento económico da Cooperativa e seus associados, à falta dos números que todos os anos eram publicados nas contas da Cooperativa (o único que conservamos, impresso, é o de 1961), socorro-me de escritos do "Diário Insular" de Angra, quase todos da pena do citado jornalista Dutra Faria, "padrinho" do crisma da Décima Ilha dos Açores. Estas crónicas, assim como conferências nas Casas dos Açores de Lisboa e Rio de Janeiro, eram produtos das suas visitas a S. Jorge do Katofe, em 1951 e 1954, e de informações epistolares.
Assim, no ano de 1949 - ano da fundação - assinala-se uma pequena produção de 1.804 kg de manteiga e queijo, no valor de 82 contos. O número de gado existente era de 400 cabeças.
Já em 1955, seis anos depois, a produção era de 6.000kg de manteiga e queijo, no valor de 311 contos, a que corresponde uma multipliçação quase por quatro vezes. Assinale-se a existência de mais de 2.000 bovinos.
Em 1958, a nove anos da existência da Cooperativa, assinale-se uma produção de 16.000 kg de lacticínios, no valor de 711 contos, a existência de 2.582 cabeças de gado, e a venda de 360 bovinos de corte, no valor apro­ximado de 500 contos.
No ano de 1961, há a registar uma produção de lacticínios de 28.000 kg, num valor de 1.313 contos; respectivamente, aumen­tos de 26 e 32% em relação a 1960, demonstrativos do progresso anual e da valorização dos produtos. Note-se que o leite foi pago aos associados a 2$60/litro, quando em 1974, treze anos depois, ainda era pago a 3$00.
O gado bovino sofreu novo aumento em 1961, arroladas que foram 4.133 cabeças (aumento anual de 33%) pela Missão de Inquéritos Agrícolas de Angola, sendo 3.978 cruzadas nativo/holandês/schwitz, 145 schwitz puras oriundas do sudoeste africano e 10 touros fornecidos pelos serviços oficiais. Pesados na balança da Cooperativa foram 404 bovinos, que deixaram 652 contos.
"Para mal dos nossos pecados", o Colonato Estadual da Cela tinha o centro a escassos 62km, e era forte demais a ambição de integrar o nosso povoamento livre - liberdade conquistada a duras penas e trabalhos - para ser absor­vido pelo "Golias Estadual", num singular socialismo de estado. Na Cela, o Estado investira mais de um milhão de contos, a ponto de transportarem para a Vila de Santa Comba uma igreja igual à de Santa Comba Dão. O Estado tudo fornecera aos colo­nos da Cela: casas, terras preparadas, gado, máquinas agrícolas; tudo apoiado por uma burocracia asfixiante. A comparação com o "pequeno David" era chocante, envergonhando Golias e seus mentores!
Os povoadores açorianos e a sua Cooperativa sempre primaram por colocar acima de tudo o seu trabalho, iniciativa e liberdade pessoais contra a mediocridade e burocracia.
Em 1958 foi inaugurada a Escola Primária e nomeada professora própria. Nessa inauguração, foi oferecido, pelo Senhor Governador Geral um instrumental para a filarmónica em formação, com "a prata da casa" abrilhan­tando as Festas do Divino Espírito Santo!
Estava programado e em breve veríamos a sua construção: o Posto Sanitário e a colocação de um enfermeiro, que iria prestar uma assistência diária a todos os habitantes da região, sem excepções.

Progresso - A década 1960/1970 foi um tempo de progresso assinalável. Passaram os tempos duros e difíceis, que Dutra Faria assinalou assim: "Em 1951 o velho Faustino possuía 2 vacas, 1 junta de bois, 1 carro de bois igual aos dos Açores; em 1954, possuía 80 cabeças de gado bovino e 1 moto nova, e podia matar 1 porco todos os meses."
"Estes descobriram também a sua Ilha! Sem uma palavra de retórica. Silenciosamente. Humildemente. Sem um gesto de propaganda, estes açorianos fizeram maior, no que lhe cabia, o mundo lusíada. Levando as vacas para o pasto, mungindo o leite, batendo a manteiga, fabricando o queijo. Podando as macieiras e os araçaleiros. Plantando as couves e os inhames, semeando o milho. E fazendo o sinal da cruz, ao sentarem-se à noite, exaustos, mas satis­feitos consigo próprios, diante de um grande prato de sopa de abóbora e batata doce, polvilhada de canela."
Em 1960, foi colocado em S. Jorge do Katofe, um ajudante de pecuária, que faria as vacinações do gado e todos os outros tratamentos que não exigiam a presença do médico veterinário, colocado na sede do Distrito, abran­gendo uma área tão grande como Portugal Continental.
Este apoio oficial foi imprescindível, ao mesmo tempo em que os povoadores desenvolviam e ensaiavam novos maneios dos rebanhos: tanques banheiros para banhos carracícidas semanais ou quinzenais, parqueamentos com arame farpado, de todo o perímetro das fazendas e sua divisão em parques, ensaios de forragens e desbravamen­tos totais ou parciais.
A Junta Provincial de Povoamento enviou para Katofe uma brigada, chefiada por um agrimensor, a qual tinha por missão medir e legalizar as fazendas, ao mesmo tempo tendo em conta os terrenos das aldeias nativas. Principiou pelas fazendas já estabelecidas no perímetro da já referida Reserva do Estado, abrangendo um raio de 20 km, englobando os vales do Rio Katofe e seus afluentes Mussoe, Kangombe, Kianza, Mussanza e outros, rodea­dos pelas cordilheiras de nomes de sabor africano, Iengo, Tongo, Midanda, Kassamba, Mussanguir, que, em dias friorentos de cacimbo (brumas nocturnas e matinais) ou em noites deslumbrantes de luar, pareciam deixar entrever a silhueta da sua ilha distante...
À medida que terminava o trabalho de campo, por despacho do Secretário Provincial do Fomento Rural, eram publicadas no Boletim Oficial de Angola as concessões provisórias, até que os concessionários comprovassem o total aproveitamento, prazo em que eram emitidos os alvarás definitivos, de plena posse. Já emitidos em 1975.
A requerimento da Cooperativa, os Serviços de Obras Públicas construíram o Internato Escolar, gerido por moni­tores educativos, destinado a receber alunos matriculados na Escola, cujos pais viviam em fazendas distantes da povoação, além de alguns de outras áreas com o mesmo problema.

A Escola e o Internato Escolar durante o interregno da guerra civil, em 1991.

Pelo Governo do Distrito foi executada a obra de abastecimento de água potável à povoação, com distribui­ção ao domicílio.
Igualmente o Secretário Provincial das Obras Públicas mandou aproveitar o antigo açude do Rio Katofe e res­pectiva vala de conduta de água, cedido graciosamente, a fim de mover uma turbina hidroeléctrica para fornecer electricidade à povoação. O Engenheiro Abecassis, antigo Governador do Distrito de Angra, tinha experiência aqui obtida. Os últimos dois melhoramentos raramente existiam em Angola em povoações de igual categoria, per­mitindo aos habitantes uma muito melhor qualidade de vida. À sombra destes nasceram vários outros: casas de habitação, como segunda casa de alguns fazendeiros; pensão-restaurante muito afamada, oficina de reparação de carros e tractores; dois cafés, três casas comerciais, além da Cantina de Cooperativa, três casas para funcio­nários do Estado. Além da Escola, Posto Sanitário e Posto Veterinário, já referidos. O pequeno mas actuante Colonato Açoriano de S. Jorge do Katofe continuava não só em frente em desenvolvimento económico, mas tam­bém em progresso sócio-cultural.
E, como pólo cultural, foi reconstituída e acrescentada a chamada Casa do Espírito Santo, no Largo da Igreja, onde desde os anos cinquenta se realizavam as grandes e seculares Festas do Divino Espírito Santo; das promessas, da alegria, da abundância, da solidariedade! Da Terceira Pessoa, que é o "Rei da Alegria"! Nela vi deslizarem as lágrimas de saudade, a um engenheiro natural da Praia, perante a Benção das Esmolas, iguais às da sua infância!...

Aspecto da última Casa do Espírito Santo em 2003, apresentando as marcas da destruição e abandono.

Na Casa do Espírito Santo, sentavam-se à primeira mesa cerca de mil pessoas! Como diziam os camionistas que percorriam as estradas de Angola, S. Jorge do Katofe era a única terra da Província onde se comia e bebia de graça durante o período das Festas, em boa e alegre companhia. Chegaram a abater-se uma dúzia de bois.
Destas Festas testemunhou o Bispo Angolano, de etnia bantu, que presidiu às Festas, D. Zacarias Kamuenho, hoje Arcebispo de Lubango, e no jantar festivo afirmou: "Li e estudei os Evangelhos, e a história dos ágapes tradicionais dos primeiros cristãos; mas nunca julguei que existisse em pleno Séc. XX, tal manifestação de fraternidade cristã."
Voltemos porém um pouco atrás no tempo. No fim da década de sessenta, esfumado o sonho de levantar uma fábrica de lacticínios em Katofe, com o apoio imprescindível do Estado, deliberou-se que o leite produzido pelos sócios da Cooperativa fosse incorporado na Fábrica da Cela, a 40 km, pertença do Estado; esta em breve seria transferida para uma sociedade privada, recém criada, a Empresa de Lacticínios de Angola - E.L.A., cujas acções pertenciam: 50% aos lavradores/produtores de leite, que livremente as adquiriam; 40% à firma do ramo Martins & Rebelo, muito conhe­cida nos Açores e no Continente; e 10% à Junta Provincial de Povoamento, como fiel de balança. Do Conselho de Administração da E.L.A. veio a fazer parte, como produtor e accionista, o presidente de "A Açoreana". No início dos anos setenta, a E.L.A. mandou construir, à ilharga do Rio Katofe e fronteiro à povoação, um moderno posto de recep­ção de leite, com todos os requisitos mais modernos de refrigeração e higienização, ímpar no espaço português, que em breve forneceria leite de primeira qualidade à Central Leiteira de Luanda, prestes a ser inaugurada.
A Cooperativa "A Açoreana", com a sua Cantina, continuava a fornecer aos seus associados rações para as vacas leiteiras e tudo o mais que necessitassem a preços módicos, além de todo o apoio logístico necessário.
Muito se havia progredido: dos primeiros pagamentos anuais de 49 contos, atingia-se uma média superior a 1.000 contos mensais, quantia muitas vezes superior. Na terra de Angola o horizonte do progresso não tinha limi­tes: quem produzia 10, 50 ou 100 seria capaz de atingir os 1.000! O mesmo espírito se conseguiu implantar em S. Jorge do Katofe! O apoio do Estado não servia como muleta, mas como alavanca ao espírito de iniciativa, traba­lho e boa administração dos escassos recursos da Cooperativa e dos seus associados. Obra de compreensão pluri­racial, de progresso técnico e desenvolvimento, se possível mais perfeito à medida que o tempo passava, e, por necessidade, muito mais barato que outras formas de socialismo de estado, nesse tempo existentes em Angola.
Será que o povoamento implantado em S. Jorge do Katofe não possuía defeitos e falhas? Como obra de homens, modestos ainda por cima, teria a sua cota parte de insuficiências; porém passou o tempo de as apontar, ultrapassadas por dolorosos acontecimentos.
O desenvolvimento não era só económico, mas igualmente sociocultural. Saídos da Escola de S. Jorge do Katofe, muitos dos seus filhos espalhavam-se já pelos liceus de Angola, e já oito deles frequentavam a novel Universidade de Luanda e o Seminário Arquiepiscopal, em variados cursos - Letras, Veterinária, Medicina, Engenharia Civil, Teologia e Filosofia - prontos a contribuírem para o progresso da sua pequena terra e da grande Angola! Mesmo hoje, com o desenvolvimento da educação, será difícil que uma freguesia açoriana de 600 habi­tantes possua o mesmo ratio de universitários!...

Histórias - Como episódios significativos das vivências na Décima Ilha resumo alguns:
I - A tia Maria do Rosário, oitenta e tal anos ainda rebitesos, todos os dias, pela tarde, rezava o seu terço. E uma bela tarde tanto andou que se perdeu no mato, só sendo encontrada ao outro dia. Daí em diante, a tia Rosário sempre lembrava às visitas a noite em que as onças (leopardos) não conseguiram comer a velhinha, trepada numa árvore e protegida pelo rosário de Nossa Senhora.
II - Nos anos cinquenta, visitava S. Jorge do Katofe um jornalista suíço. A certa altura, disse para o seu acompa­nhante: «Uma autêntica paisagem do Minho!» Foi-lhe explicado que as mulheres e homens que remodelaram esta nova paisagem eram descendentes de várias origens, entre elas o Minho!...
III - De visita à Décima Ilha, um agrónomo, jorgense por sinal, depois de ver, observar e fotografar, desabafou: «Fora das nossas ilhas, nunca vi paisagem que tanto me lembrasse os Açores!»
IV - Bastante conhecido em Angola, o Eng.o Boaventura Gonçalves, terceirense, exímio construtor de estradas, hoje falecido, necessitou baixar ao Hospital de Luanda para tratar da saúde. Acabou por constatar que muitos dos empregados nativos eram da zona de Kibala/Katofe, os quais lhe falavam dos tchindeles (europeus), que começavam a desbravar e povoar a zona de onde eram naturais. Os "sulianos" eram boa gente, pagavam sem­pre os prejuízos do seu gado nas lavras e até, numa dificuldade, emprestavam dinheiro às suas famílias. O Eng.o Boaventura, conterrâneo dos "sulianos", passou a ser mimado, chegando a enciumar os outros doentes!
V - Uma bela noite de luar africano, feiticeiro, a povoação foi acordada por urros tremendos. Não sendo zona de leões, na manhã seguinte verificou-se ter sido atacado um curral perto e morta uma nema (novilha). Só podia ser leão... e alguns caçadores amadores resolveram fazer uma mutala em cima de uma árvore sobranceira ao curral, e ao cair da noite trataram de subir à árvore, o último de "bofes à boca", pois já sentiam uma restolhada!... Seguiu-se uma autêntica fuzilaria e os habitantes saíram à rua a espreitar os resultados da guerra... Em breve chegaria uma carrinha trazendo o leão, bicho imponente, motivo de fotos e falatório!... A fêmea viria a ser envenenada numa fazenda próxima, depois de matar outro bovino. Do episódio ficaram até hoje as tro­vas do poeta popular, mestre de viola e animador de tantas noites de chamarritas e bailhos, mestre João da Luz, há anos falecido na Terceira.

Fim do sonho - Estamos no ano decisivo de 1974: 25 de Abril, suposta alvorada de esperança, dado que em S. Jorge do Katofe todos estavam de acordo com a independência, para todo o povo angolano; de paz, ordem e progresso. Por coin­cidência, nesse mesmo dia deslocou-se à Administração do Concelho uma delegação de lavradores com as suas carrinhas carregadas de leite, a fim de pedir ao Governador do Distrito a sua interferência junto do Governo, com vista à subida do preço do leite dos 3$00/litro para um preço que compensasse o produtor. Aí tivemos conheci­mento do que se passava em Lisboa, nesse dia.
Em 26 de Setembro de 1974 comemoram-se as Bodas de Prata da Cooperativa “A Açoreana”; um tempo muito curto na vida de um povo, mas tempo de alegria, de reflexão e progresso imparável. Como corolário, a Junta de Povoamento acabava de ligar todas as fazendas com estradas rurais com pavimento de laterite, levando à estrada principal asfaltada, ao Posto de Lacticínios e à povoação.
Porém, a partir dos meados do ano de 1975, os açorianos do Katofe foram confrontados com a dura, amarga e triste realidade: a independência não seria calma e pacífica, como se antevira um ano antes. A gente de paz e de trabalho de S. Jorge do Katofe, como a maioria dos euro-angolanos, seria obrigada a abandonar tudo o que cons­tituía o seu mundo: os seus haveres, alguns trazidos dos Açores, os seus mortos, as suas próprias recordações, as suas vivências multiraciais. Com prejuízo de todo o povo angolano. No último dia da nossa estadia em Katofe, disse-nos um chefe de aldeia (soba) afro-angolano: “Vocês ainda têm uma terra para onde partirem, nós vamos ficar aqui a morrer de fome, de guerra e de doença!” Prova provada de que os euro-angolanos constituíam o cimento dessa Nação. Veja-se o que veio a acontecer até hoje com a trágica e irresponsável descolonização...
Em Agosto e Setembro inicia-se a partida: famílias inteiras através de Angola em direcção à África do Sul; de avião até Lisboa, para os Açores, Estados Unidos, Venezuela, Brasil e Canadá. Diáspora de gente lusíada em busca de oásis de Paz!...
Para trás ficava tudo, além do mais cerca de 20.000 cabeças de gado bovino; para dali a um ano serem ape­nas 600, até que nada mais sobrou!

Homenagem - Não posso encerrar esta memória sem lembrar os já falecidos, dos dezanove associados fundadores da “A Açoreana", em Angola: João Alves de Oliveira, o afamado João do Katofe, e também João Leal, coração maior que o corpo, sócio n.o 1, o primeiro a ser sepultado no cemitério do Katofe, quando até aí se fazia na Kibala a 15 km. Ainda, em Angola: José do Rosário, José Leal de Oliveira e Braúlio Teixeira de Matos. Nos Açores: João Faustino da Silveira, José Teixeira de Matos, José Lopes dos Santos e João Bettencourt. Na Califórnia: Emílio Dias, Manuel Herculano de Matos, António Alves de Sousa; e na Costa Leste norte-americana: João Rodrigues. Doze dos dezanove. Não seria possível mencionar mais nomes, dos que se inscreveram ao longo dos anos, mas aqui fica a minha homena­gem simples mas sincera a essas mulheres e homens - jorgenses de escol!
Em memória de todos, ouso transcrever os versos do poeta angolano Vieira da Cruz:


COLONO

A terra que lhe cobriu o rosto
e lhe beijou o último sorriso,
foi ele o primeiro homem que a pisou!

Ele venceu a terra que o venceu.
Ele construiu a casa onde viveu...
Ele desbravou a terra heroicamente,
sem um temor, sem uma hesitação
- terra fecunda que lhe deu pão
e lhe floriu a mesa de tacula...

Foi arquitecto e foi também pintor,
porque pintou de verde a sua esperança...

Esculpiu na própria alma um sonho enorme,
Por isso foi também grande escultor!

O que aprendeu foi Deus que o ensinou,
lá na floresta virgem, imensa catedral,
onde tanta vez ajoelhou!

E assim a Décima Ilha dos Açores se foi incrustando na bruma da memória, vivência que foi realização plena, saudade que perdurará...
Permitam-me terminar, pela pena do grande poeta Fernando Pessoa: “Valeu a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena!...”.

Bibliografia
*Boletim Oficial de Angola - III Série, n.o 48 de 7/12/1949.
*Estatutos da Cooperativa "A Açoreana", S.C.L.R.L.
* Relatório Impresso e Contas de 1961.
*Apontamentos, exposições e escritos contemporâneos dos acontecimentos.
*Jornal "Diário Insular" de 25/11 /1954, 26/11/1954, 08/03/1958, 09/10/1958, 11/11/1958 e 28/06/1961.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7750: Homenagem à minha mãe na hora da despedida. Mãe, até amanhã! (José da Câmara)

(**) Vd. poste de 9 de Março de 2011 Guiné 63/74 - P7917: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (13): Emigração para as Colónias, só com Carta de Chamada

Guiné 63/74 - P7935: Álbum fotográfico de Vitor Raposeiro (Bambadinca, 1970/71) (6): O Joaquim Pina (Silves), o Arlindo Roda (Setúbal), o José Luís de Sousa (Funchal)... furriéis da CCAÇ 12 (1969/71)


Guiné > Zona Leste > Sector L1  > Bambadinca >  BART 2917 (1970/72) >  Na parada de Bambadinca, junto às instalações do comando, quartos e messes de oficiais e de sargentos.. Foto provavelmente de inícios de 1971... Reconheço, à direita, de óculos, o meu querido amigo José Luís de Sousa que tive o prazer (inesperado) de reencontrar na Rua do Bispo, no Funchal, há dois anos atrás... Era Fur Mil da CCAÇ 12. Os restantes seriam furriéis da CCS/BART 2917 de cujo nome não me consigo lembrar... Talvez o Benjamim Durães me possa dar uma ajuda, para além do Sousa (se me estiverem a ler...). 



Guiné > Zona Leste > Sector L1  > Bambadinca >  BART 2917 (1970/72) > Um dos quartos dos sargentos... Na foto reconheço, o Vitor Raposeiro em primeiro plano, o Pina (à direita) e o Arlindo Roda (à esquerda)... O Roda vive hoje em Setúbal tal como o Vitor. O Pina (Joaquim João dos Santos Pina)  julgo que continua na sua terra, Silves. Era ilusionista amador e tocador de viola. Bom rapaz, afável, discreto. Foi ferido em combate, e evacuado para o HM 241 em 14 de Janeiro de 1970, na decurso da Op Borboleta Destemida, na região do Xime). Pertencia ao 1º Gr Comb, comandado pelo Alf Mil Op Esp Francisco Magalhães Moreira (que era o homem de confiança do Cap Inf Carlos Brito, substituindo-o na intensa actividade operacional a que esteve sujeita a CCAÇ 12... O que é feito de ti, Moreira ?... Constou-me que arrumaste de vez o dossiê da guerra. Nunca mais te vi, depois de 1994, ano em que realizou o nosso primeiro encontro, em Fão, Esposende).



Guiné > Zona Leste > Sector L1  > Bambadinca >  BART 2917 (1970/72) > Bar de sargentos... O Vitor, à civil, de camisola preta; e o Sousa (CCAÇ 12), fardado, à direita... No meio em segundo plano, o nosso barman (um 1º cabo da CCS/BART 2917) que tanto nos aturou e muita sede nos matou... Já não me lembro do seu nome... Os outros dois furriéis, o 1º e o 3º sentados no bar, também não me lembro dos seus nomes.




Fotos: © Vitor Raposeiro (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

1. Continuação da publicação de uma selecção das  fotos do álbum do Vitor Raposeiro (ex-Fur Mil, Radiotelegrafista, STM, de rendição indiviual, que passou por Aldeia Formosa, Bambadinca, Bula e Bissau, 1970/72) (*). 

[ Fotos: Selecção / edição / legendagem: L.G.]

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Nota de L.G.: