segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8797: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (14): Quando do PCA veio a ordem para atacar a base de Morés...

1. Mensagem de Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 15 de Setembro de 2011:

Caros Luís e Vinhal:
Recebam um grande abraço de estima e consideração, extensivo ao meu querido amigo Magalhães Ribeiro.

Aqui vai mais um extracto das minhas memórias (escritas).

Passem bem.
Rui Silva


Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Das minhas memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”

Quando do PCA (Posto Comando Aéreo) veio a ordem para avançarem os dois Grupos de Combate da 816 para atacar a base de Morés.

- … viajei num Dornier com o inimigo, na véspera, o “manjaco”.

- … na emaranhada mata de Morés, vegetação “inexpugnável”, andar de gatas, lianas no pescoço, quico que se perde, catanas à esquerda e à direita a abrir caminho.

- … já dentro da mata, o inimigo surpreende-nos com morteiradas esporádicas, mas sem saber onde estávamos ao certo. Ouvia-se a percussão das granadas.

- Assisti ao diálogo, via rádio, entre o Comandante da força de assalto e o PCA que chegou a querer que avançássemos (2 pelotões!), … que estávamos perto.

Localização do Morés

Chegados a Bissau, de férias na metrópole, eu, o Baião, o Piedade e o Coutinho logo soubemos o que já também prevíamos, que a Companhia já estava instalada no Olossato e portanto era para lá que nos devíamos dirigir. A Companhia tinha deixado Bissorã depois de 5 meses ali aquartelados e a bater a zona, claro.

Uma vez em Mansoa (trampolim para o Olossato) foram primeiro o Baião, o Piedade e o Coutinho, em Dornier. Um dos quatro, por não ter lugar, teria de ficar para o próximo transporte e então foi eu o escolhido.

Em Mansoa aguardei que houvesse coluna ou lugar numa avioneta que fosse para lá, isto é para Olossato.

Passados três dias eis então que me surge a ordem para tomar lugar num “Dornier” que ia para o Olossato. Ao entrar no pequeno aparelho logo me apercebi de que grande operação estava na forja. A suspeita passou à certeza quando o Capitão de Operações dos “Águias Negras” - Batalhão a que estávamos adstritos - dirigindo-se a mim, diz:
- Você vai mesmo numa boa altura....- Disse-o com um sorriso significativo.

O Dornier ia superlotado. À frente, ao lado do piloto, o dito Capitão de Operações da BArt 645 e, atrás, metido entre cunhetes de munições, granadas e mais granadas e outro material de guerra, ia eu e, virado para mim, cara-a-cara, a agradável companhia de um “turra” que ia de mãos atadas com uma corda.

Deste modo viajei num Dornier com o inimigo, na véspera, o “manjaco”.

Raciocinei então que aquele tipo fora apanhado (logo no Olossato soube que tinha sido feito prisioneiro algures na mata de Morés) e agora nos iria servir de guia em alguma operação e que não ia ser pequena pela certa, a avaliar pelo abastecimento de grande quantidade de munições.

O Capitão chegou a oferecer-me a sua pistola temendo alguma reacção do “turra” cá atrás na avioneta. Não sei até que ponto ele admitia isto. Mais tarde, em reflexão, não me custou a admitir qualquer reboliço por parte do “turra”, ainda que isso lhe pudesse custar a vida, (e a dos outros) para provocar o despenhamento da avioneta, pois lembrei-me muito bem da resistência dos presos para interrogatórios em Bissorã, onde eles preferiam arriscar até a vida a contar algo que comprometesse os seus companheiros de luta.

Era esse o meu estado mental. Ali na avioneta poderia muito bem estar ali um desses heróis. Que se passou ao lado de uma possibilidade dessas, parece-me bem que sim.

Nunca uma avioneta demorou tanto a aterrar; era esse o meu estado de espírito.

Ao fim da tarde, já no Olossato, tomei conhecimento com os meus colegas de patente, da operação em causa. Tratava-se nem mais nem menos que ir a Morés, melhor dizendo, à base de Morés, ou melhor ainda, à base central de Morés e já naquela noite.

O nome Morés infundia terror. Morés era só… a principal base de toda a região do Oio, a mais forte do norte, e seguramente das mais fortes da Guiné.

Muito bem armada - as melhores armas estavam lá -, com trincheiras e outros abrigos subterrâneos, até em cimento (dizia-se), com arrecadações que abasteciam as várias bases do Oio, hospital, e com grande efectivo. Bom “pincel”, dizíamos nós.

Por outro lado estávamos orgulhosos de sermos os escolhidos para actuarmos no principal papel numa operação: o grupo de assalto! Fazer o assalto à tão importante base terrorista da Guiné.

Morés, tão pouco ou tão muito, onde jamais a tropa tivera qualquer êxito na verdadeira acepção da palavra. Mas, ir a Morés e… porque não?

Foi o que me estava reservado logo que regressei ao seio da Companhia, após férias. Era curioso: férias com desbunda natural, a própria da idade, e logo ao “outro dia” no mato da Guiné à “procura” da morte.

Operação: Águia Negra
Objectivo: Golpe de mão à casa-de-mato (base central) de Morés
Efectivo militar:
- 2 Grupos de Combate da 816 reforçados com milícias e carregadores indígenas e outros voluntários (a troco de alguns pesos) do Olossato, à frente da coluna e como grupo de assalto (cerca de 90 homens)
- A Companhia de Caçadores n.º 1418, sediada em Bissorã, logo de seguida na coluna e em apoio à retaguarda do grupo da 816.
- Do lado de Mansabá, isto é do lado oposto, avançava uma outra Companhia servindo de “isco” e eventualmente como reforço, se necessário, ao grupo de assalto.
Data: 3 de Novembro de 1965

MEIA-NOITE! A Companhia 1418, com os dois Grupos de Combate da 816 à frente, deixa então Olossato rumo à base de Morés. À frente ia então o “turra”, meu companheiro de viagem aérea de Mansoa para Olossato. Ia devidamente aprisionado e escoltado, não fosse dar o salto. A seguir ao “turra”, nosso guia na circunstância, o 3.º Grupo de Combate, ou seja o meu, depois o 2.º e por fim a fechar a coluna os “periquitos” de Bissorã.

Mergulhados no mato e na mais completa escuridão, (des) confiados na colaboração do guia, e entregues à sorte de Deus - e do diabo também,  sempre por ali perto - cerca de 200 homens, armados até aos dentes, seguiam ao encontro do inimigo, algures acoitado e bem seguro, melhor defendido e muito bem armado, dentro daquela vasta zona da complexa mata de Morés de seu nome.

Mas tudo se desmorona como um castelo de cartas. O guia ludibria-nos intencionalmente, fazendo-nos andar às voltas e mais voltas até que nos vimos em plena mata virgem - se não o era assim o parecia. Vimo-nos assim na emaranhada mata de Morés, vegetação “inexpugnável”, andar de gatas, lianas no pescoço, quico que se perde, catanas à esquerda e à direita a abrir caminho.

Aqui, com as consequentes dificuldades de progressão e orientação. Tínhamos entretanto,  e como era inevitável, sido detectados, ou para isso não contribuísse o “turra” com as suas deambulações pelo mato, o que não raras vezes acontecia. Mas os “turras” da base, embora já conscientes da nossa presença nas imediações, não sabiam qual o local exacto em que nos encontrávamos, como adiante se verá.

O alvorecer, altura ideal e a combinada para o assalto, já ia bem longe. Eram agora quase 11 horas da manhã e então paramos. Aí, sentados ou de cócoras – a vegetação não dava para mais -, o Alferes Costa,  da 816, que chefiava a coluna, e portanto a Operação, dada a ausência do Capitão Riquito, então de férias na metrópole, estabelece contacto com o PCA e pôs este ao corrente da situação. A resposta veio então de forma bem peremptória: “Continuem que estão perto”.

Aqui o Capitão da 1418 insurge-se com tal determinação do PCA e ameaça não avançar mais com os seus homens em face das circunstâncias, a que não era alheio uma muito reduzida possibilidade de êxito contra a hipótese mais que viável de pagarmos tudo muito bem caro. O inimigo estava perfeitamente conhecedor das nossas intenções e… à nossa espera.

Uma vez e já dentro da mata, o inimigo surpreende-nos com morteiradas esporádicas, mas sem saber onde estávamos ao certo. Ouvia-se a percussão das granadas.

Julgo que eles batiam os trilhos, só que, nesta Operação,  a ideia foi de os evitar e ir muito a corta-mato. Aqui o “manjaco” foi um bom trunfo e colaborou, até…

Entretanto as percussões de granadas de morteiro da base terrorista ouviam-se com nitidez o que queria dizer que estávamos bem perto deles. Estas eram lançadas ao redor da base, aqui e acolá, com o intuito de nos detectarem ao certo, mas isso só eles conseguiam se nós respondêssemos com qualquer tipo de fogo, o que não acontecia obviamente. Assim entre uma percussão e o rebentamento duma granada, passavam-se escassos segundos de extrema expectativa e angústia para nós. Receávamos que acabasse por cair alguma em cima de nós.

Ao fim de aturada discussão entre o Alferes Costa e o PCA, através do rádio, o PCA, em face das circunstâncias, manda então que a 1418 se instale ali fazendo a segurança à retaguarda e que PROSSEGUÍSSEMOS NÓS para o objectivo!!

Assisti ao diálogo, via rádio, entre o Comandante da força de assalto e o PCA que chegou a querer que avançássemos (2 pelotões!),… que estávamos perto.
- O quê? Só os dois Grupos de combate para a frente? Eles estão doidos!

Foi uma exclamação quase geral e em cadeia.
-  Não pode ser meu Alferes! Somos muito poucos para eles.
- Eles estão mesmo à nossa espera e ainda por cima entrincheirados, e nós a peito descoberto?

 Dizia este e aquele e ao fim e ao cabo o que ia no pensamento de todos. O ambiente era de evidente pessimismo e não era para menos. O Alferes Costa, em tão ingrata situação, não disfarçava o seu nervosismo. Ele tinha de cumprir a ordem e esta era de avançar para o inimigo. Incrível!!!

- Vamos lá ficar todos.
- Não temos qualquer hipótese.
- É uma operação suicida.
- O PCA fala assim porque anda lá em cima.
- Diga isso lá para cima, meu Alferes.

Estas e outras frases ouviam-se em tão caótica situação.

O Alferes Costa insiste com o PCA em reconsiderar tal estado de coisas, e este, finalmente, mas claramente contrariado, permite que regressemos ao Olossato abandonando assim a ideia de entramos suicidamente em confronto com o inimigo, instalado e avisado e super-armado. Sim, cerca de 90 homens (alguns apenas carregadores, isto é, sem armas) assaltarem uma base bem armada e melhor defendida, onde não faltavam os potentes morteiros de calibre 82 e as entrincheiradas metralhadoras pesadas, base já mais que prevenida das nossas intenções, era uma loucura, que resultaria, por certo, numa operação repleta de aspectos muito trágicos.

Assim:
Respiramos fundo uma vez libertos daquele pesadelo e a marcha de regresso começou logo a processar-se.

De Morés ficamos a conhecer o que era a mata para aqueles lados e, por pressentimento, quão forte era aquele refúgio inimigo.

Por insolação e/ou esgotamento foram evacuados vários militares.

Mas havíamos de lá voltar…

Descreve,  no seu Site Leões Negros - CCaç 13,  o camarada Carlos Fortunato o que era Morés ao tempo (1970) e, que coincidindo com a minha percepção e leitura, na altura, sobre aquele tão importante refúgio de Morés em 1966, transcrevo com a devida autorização do Carlos Fortunato, assim como as fotografias que se inserem.

No entanto, ao meu tempo, ainda não se falava na presença de cubanos, nem de canhões, e tenho consciência também, que Morés foi melhorando, com o tempo, aquela fortaleza, cada vez com armas mais sofisticadas e abrigos mais consistentes, ou Morés não fosse o “santuário” do PAIGC no centro da Guiné:

Uma escola na Tabanca de Morés

A mata do Morés era um dos nomes míticos da guerra na Guiné, tratava-se de uma mata muito densa, no meio da Guiné, na qual se encontrava situado o quartel general da zona norte do PAIGC.

A mata do Morés era um dos “santuários” da guerrilha, apenas superado pelas zonas junto à fronteira sul, pois aí com forte apoio do exterior, e com boas linhas de abastecimento vindas do território da Guiné-Conakry, o seu poder de fogo era inesgotável, transformando num inferno os aquartelamentos junto à fronteira. Na fronteira norte o problema na altura ainda não era tão grave, pois o apoio do Senegal, ainda não era um apoio declarado.

Nesta mata, segundo as informações existentes na altura, a guerrilha possuía uma força estimada em 900 homens bem equipados, onde se incluíam forças especializadas, cubanos, armas pesadas, anti-aéreas, abrigos subterrâneos contra bombardeamentos, hospital subterrâneo, etc.

Abrigo subterrâneo na base de Morés

Apesar de ser uma certeza de que possuía forças consideráveis na zona, era sempre difícil avaliar a dimensão das forças que iríamos enfrentar, pois a guerrilha facilmente as dispersava pelos vários acampamentos existentes, ou as concentrava se existisse um alvo que quisesse destruir.

No centro desta mata existia a tabanca do Morés, mas sem grande importância, e sem grande possibilidade de defesa, pois encontra-se em terreno aberto.

As bases do PAIGC estavam espalhadas pela mata, bem camufladas e era frequente a sua mudança, para evitar a sua localização.

O sucesso de uma operação nesta mata, dependia muito das informações conseguidas por dissidentes do PAIGC, nomeadamente quando se conhecia a localização de depósitos de material, não era este o caso da nossa “visita”, pois creio que se queria apenas afirmar ao PAIGC, que não existia nenhum local onde não pudéssemos ir.

Pelo que nos foi dado observar na nossa rápida “visita”, a mata possuía caminhos muito estreitos e alguns deles minados, ladeados por um mato tão cerrado que era impossível passar, ou lançar uma granada, nos lados desses caminhos trincheiras, para ninhos de metralhadoras, nas copas de algumas árvores uma placa de madeira e uma caixa, indicavam locais de vigia e talvez a existência de um sistema de comunicações, os abrigos anti-aéreos eram muito rudimentares, e consistiam num enorme buraco cavado no chão, sem qualquer estrutura que o suportasse.

Uma cozinha em Morés

Combater no meio da mata do Morés colocava grandes dificuldades, a primeira era que ficávamos privados de apoio aéreo (a vegetação é de tal modo cerrada que não se consegue sinalizar a nossa posição, para a aviação nos dar apoio, são escassas as clareiras e normalmente estão sob a mira dos morteiros), as progressões são difíceis ( tem que se caminhar agachado ou a rastejar, para conseguir passar entre as árvores), a alternativa de seguir pelos trilhos existentes tinha os problemas referidos anteriormente, pois existia um sistema defensivo implementado, que mesmo sendo rudimentar, dava-lhes vantagem, uma grande vantagem, num confronto com as nossas tropas.

Apesar de a actividade da guerrilha se caracterizar por acções de flagelação e fuga, a verdade é que nalguns casos excepcionais esta começava a defender terreno, como o caso do Morés.

Uma ocupação deste tipo de terreno, implicava muitas baixas, e a guerrilha acabaria sempre por fugir e regressar mais tarde.

O PAIGC considerava-se invencível nesta mata.”
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 – P8684: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (13): Como se apanha uma alcunha logo no primeiro dia de Guiné

Guiné 63/74 - P8796: História do BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74): Encontros e reencontros com o PAIGC, de 1 de Maio a 31 de Julho de 1974 (Parte II) (Jorge Canhão)












Saber fazer a guerra, aprender a  construir a paz... Ilustrações retiradas da História do BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74).


Imagens: Cortesia de  Jorge Canhão (2011).


[ Selecção / edição / introdução e legendagem / Ortografia de acordo com o Novo Acordo: L.G.]


1. Retomamos mais algumas páginas da História do BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74), unidade que foi rendida pelo BCAÇ 4612/74 (Mansoa, 1974)... (Sobre esta aparente confusão de dois batalhões com o mesmo número, já chamámos a atenção para  o poste, esclarecedor,  do nosso camarada Agostinho Gaspar, P7414, de 10 de Dezembro de 2010).


Um exemplar (aliás, uma boa cópia, bem legível)  da história desta unidade, o BCAÇ 4612/72,  foi-nos oferecido em tempos  pelo nosso camarigo Jorge Canhão (ex-Fur Mil 3ª C/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74) (*).  O Jorge já havia aqui publicado uma série de postes com a história do batalhão... (se bem que incompleta). 


Convém aqui recordar que o BCAÇ 4612/72 foi mobilizado pelo RI 16, tendo partido para o TO da Guiné em 28/9/72 e regressado em finais de Agosto de 1974 (no período de 26 a 28). Esteve sediado em Mansoa. Foi seu comandante o Ten Cor Inf  Eurico Simões Mateus. Unidades de quadrícula: 1ª C/BCAÇ 4612/72 (Porto Gole); 2ª C/BCAÇ 4612/72 (Jugudul); 3ª C/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, Gadamael, Mansoa).

 De acordo com o poste anterior (*), focamos agora  a nossa atenção sobre os últimos três meses da comissão desta unidade no TO da Guiné, coincidindo com o pós-25 de Abril de 1974 (Maio, Junho e Julho). Interessa-nos ver como, no sector de Mansoa, se processaram as relações entre as NT e a o PAIGC, no terreno. 

Recorde-se que o  nosso camarada, coeditor, Eduardo Magalhães Ribeiro, já aqui havia publicado uma série de postes relativos à transferência de soberania entre o BCAÇ 4612/74 e o PAIGC, em Mansoa, em 9 de Setembro de 1974. (A cerimónia ocorrida em Mansoa teve bastante cobertura mediática na altura, e o Eduardo terá sido o último português a arriar a nossa bandeira no antigo TO da Guiné, hoje República da Guiné-Bissau).   

O que se passou entretanto em Junho de 1974, no setor de Mansoa ? Grosso modo, pode dizer-se que  houve uma cessação total da atividade operacional ofensiva tanto das NT como do PAIGC, na sequência das conversações de paz entre o Governo Português e a delegação do PAIGC, que estavam a decorrer em Londres e Argel. 

Conforme se pode ler nos excertos da História da Undiade, que publicamos a seguir, o cessar-fogo, neste sector, foi formalizado com a reunião, de 12 de Junho, às 9h30, entre o comandante do BCAÇ 4612/72, Ten Cor Eurico Simão Mateus,  e o comandante do PAIGC, da Frente Morés/Nhacra, Manuel N'Dinga  (que o nosso camarada Eduardo Magalhães Ribeiro irá depois conhecer pessoalmente, em 9 de Setembro de 1974, e a quem chama "comissário político"). 

Neste período, prosseguiu entretanto a construção da estrada Jugudul-Bambdinca, tendo a sua asfaltagem avançado mais cerca de 2,5 quilómetros em relação ao mês anterior... Também foram concluídas mais umas dezenas de casas dos reordenamentos em curso assim como um posto sanitário.

O comando do BCAÇ 4612/72  (que assume a ideia de que o processo é irreversível) diz o seguinte em relação ao estado de espírito da  população civil neste período de 1 a 30 de Junho de 1974:

"A atitude geral das populações, até agora sob nosso controlo, é de grande expetativa e euforia, sobretudo nas massas mais jovens. Têm-se notado algumas desavenças ideológicas entre a população e a tropa africana do nosso lado, nomeadamente com alguns milícias.

"No princípio das tréguas, a população mais idosa mostrou uma certa relutância em aceitar o PAIGC, mostrando-se apreensiva  quanto a uma futura independência da Guiné e consequente saída dos brancos. Tem-se no entanto notado ultimamente um desvio quase total dessa tendência inicial anti-PAIGC, sendo agora a aceitação daquele Partido bastante notória, verificando-se grande adesão, visível em especial na comparticipação eufórica da população nas reuniões de esclarecimento e propaganda feitas pelo PAIGC.

"Atualmente mantem-se a expetativa quanto ao desenrolar das negociações entre o PAIGC e o Governo português e a concretização final das mesmas" (História da Unidade, Cap II, Fasc XIX, pp. 107-108).











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Nota do editor:

(*) Poste anterior da série > 17 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8787: História do BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74): Encontros e reencontros com o PAIGC, de 1 de Maio a 31 de Julho de 1974 (Parte I) (Jorge Canhão)

Guiné 63/74 - P8795: Notas de leitura (275): A Força Aérea na Guerra em África - Angola, Guiné e Moçambique, 1961 - 1974, por Luís Alves de Fraga (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Agosto de 2011:

Queridos amigos,
Tanto como me é dado saber, este trabalho do coronel Luís Alves de Fraga é o primeiro que abraça toda a actividade aeronáutica nos três teatros de operações. Permite uma leitura sugestiva e ter a percepção em sequência do historial da Força Aérea. Valerá talvez a pena procurar articular melhor este estudo com os pára-quedistas.

Tenho agora pela frente as quase 900 páginas de “Bordo de Ataque”, de José Krus Abecasis, porventura o melhor conjunto de memórias que permite exactamente iluminar algumas dimensões do trabalho do coronel Luís Alves de Fraga.

O abraço do
Mário


A Força Aérea na Guiné

Beja Santos

“A Força Aérea na Guerra em África – Angola, Guiné e Moçambique, 1961 – 1974”, por Luís Alves de Fraga, Prefácio, 2004, apresenta-se como o primeiro trabalho que abrange a actividade aeronáutica nos três teatros de operações africanos e tem a pretensão de proceder à descrição do esforço militar da Força Aérea no decurso da guerra. O coronel Luís Alves de Fraga dá-nos um quadro sumário dos antecedentes da aviação militar em África, como o nosso ingresso na Nato introduziu um fluxo renovador na Força Aérea como terceiro ramo das Forças Armadas. Foi graças a um novo conceito estratégico da NATO que Portugal foi dotado com elevado número de aviões de caça (175 em 14 esquadrilhas). Para os cérebros da NATO a aviação de caça era a prioridade e não a aviação naval. Depois, o autor traça uma resenha dos sinais de subversão em África e comenta a evolução das hostilidades militares na Guiné, nomeadamente chama a atenção para o enquadramento da Força Aérea segundo as directivas do Governador e Comandante-Chefe António de Spínola. Mais adiante, esmiúça o papel da Força Aérea nos três teatros de operações.

Centrado no teatro guineense, conta a história da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, integrada na 1ª Região Aérea. O Aeródromo-Base nº 2 foi inaugurado em 25 de Maio de 1961 (converter-se-á, anos depois, depois de obras de beneficiação, na Base Aérea nº 12). Comenta que os guerrilheiros do PAIGC desde cedo mostraram forte desejo de fazer frente à mobilidade e liberdade de deslocação da Força Aérea, atacando com um certo à-vontade as aeronaves, e refere concretamente as primeiras baixas: perda de um F-86F do Capitão Barros Valla, a perda de um T-6 do Sargento Lobato que colidiu com o Furriel Casal; sinistro em que morreu o Capitão Rebelo Valente que pilotava um T-6. A deslocação dos aviões F-86F para Bissau suscitou grande contestação do governo dos EUA visto tratarem-se de aeronaves atribuídas à NATO. E escreve: “O governo do Estado-novo foi habilidosamente argumentando, ao nível diplomático, de forma a fazer crer que qualquer empenhamento militar em África correspondia a um processo de contenção da expansão do comunismo internacional. Washington mostrou-se inamovível. Mesmo assim, os F-86F conseguiram-se manter na Guiné até 1964, data em que regressaram definitivamente a Portugal”.

De que aeronaves dispunha a Guiné no início da guerra? Para além do F-86F, havia T-6, DO-27, Austers, Alouette II e dois C-47. Observa o autor: “Com estes meios começou-se a dar apoio de fogo ao Exército, a efectuar transporte ligeiro e a fazer frente à guerrilha. Também actuaram sobre o território aviões P2V-5, partindo da ilha do Sal, para efeitos de bombardeamento nocturno. Os Alouette III só chegaram à Guiné no final de 1965. E explica porque é que a missão dos T-6 era essencialmente de apoio às tropas do Exército e às lanchas da Marinha, referindo a amplitude das marés que fazia com que as rias substituíssem as picadas e assegurassem o abastecimento dos aquartelamentos em muitos casos com mais facilidade por via fluvial de que por terra. Os T-6, principalmente nas rias do sul faziam escolta às lanchas como em certas zonas do Geba e do Cacheu. Escreve: “O apoio de fogo com T-6 fazia-se, pelo menos entre 1963 e 1965, usando as metralhadoras Browning com o calibre de 7,7mm, retiradas dos Spitfire e dos Hurricane; evitava-se a utilização de foguetes, por estar condicionado o seu consumo. Inicialmente, os guerrilheiros temiam o fogo de metralhadora mas com o passar do tempo teve de fazer-se a opção pelo uso de foguetes de fragmentação Sneb de 37mm”. O DO-27 era o meio aéreo mais comum para o transporte ligeiro e o PCA; os Auster acabaram por deixar de operar, após sucessivos acidentes; os C-47 estavam destinados ao transporte médio e pesado para longas distâncias.

Referindo-se a actividade antiaérea, o autor lembra que os guerrilheiros possuíam metralhadoras antiaéreas 14,4mm que chegavam a pôr em risco os próprios T-6, obrigando os pilotos a voar a 8 mil pés de altitude; logo em 1963 houve notícia da existência de metralhadoras 12,7mm montadas em tripés, responsáveis pelo abate de vários aparelhos. Em finais de 1965, desencadeou-se a operação “Resgate” que tinha por objectivo calar as armas antiaéreas existentes na península do Cantanhez. Foram lançadas 30 toneladas de bombas e a ofensiva antiaérea desapareceu do Cantanhez durante vários meses. Quando, na segunda metade de 1966, aumentou a resistência do PAIGC na península de Quitafine, atacando os aquartelamentos de Cacine e Cameconde, impedindo as guarnições de saírem, foi lançada a operação “Estoque” que empenhou consideráveis meios aéreos. Lançaram-se cerca de 800Kg de bombas e granadas sobre as armas antiaéreas logo nas primeiras horas e no balanço final concluiu-se que se haviam lançado 6800Kg de bombas e 50 granadas incendiárias. O Exército teve o caminho desimpedido, baixou significativamente a actividade antiaérea na Guiné. O ataque às baterias antiaéreas constituía uma missão perigosa, visto que o piloto tinha de aguentar a sua aeronave dirigida às bocas-de-fogo no solo. Krus Abecasis, em livros que mais tarde serão alvo de recensão, deixou um relato onde escreveu: “O inimigo batia-se e morria no seu posto. Fazendo-nos frente com bravura invejável e desconhecida da generalidade dos militares portugueses”. Todo este panorama mudou radicalmente em 20 de Março de 1973 com o aparecimento do míssil Strela, já estava a ser utilizado no Vietnam. Este míssil obrigava à existência de uma equipa de dois homens – um para carregar o tubo de lançamento e um apontador – e implicava sempre uma guarnição de segurança de outros 15 homens, havia ordens de nunca deixar as tropas portuguesas apanhar um míssil Strela.

O autor deixa-nos um relato condensado das operações aéreas na Guiné de 1966 até ao final da guerra. Um só exemplo, a operação “Valquíria”, em finais de Dezembro de 1966 destinada a desalojar os guerrilheiros que no rio Cumbijã procuravam destruir as lanchas que abasteciam Cufar. 6 toneladas de bombas levaram os guerrilheiros a abandonar as posições que punham em risco a navegação no Cumbijã. Luis Alves de Fraga detalha o cativeiro do Sargento Lobato, já largamente documentado no nosso blogue.

Por último, e de forma condensada, o autor descreve as tropas pára-quedistas e as suas operações em África. Na Guiné, durante toda a campanha, morreram 3 oficiais, 6 sargentos e 47 praças.

A guerra de África foi para os oficiais e sargentos do quadro permanente da Força Aérea o elemento agregador que fez nascer e individualizar este ramo das Forças Armadas. E segundo o autor gerou um espírito de corpo que tornou possível, no fim do conflito, não se ter verificado uma debandada geral dos efectivos permanentes em busca de outras fontes de rendimento.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8785: Notas de leitura (274): Hna Bijagó, de António Estácio (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8794: Agenda Cultural (154): Exposição de fotos e lançamento do Livro Na Kontra Ka Kontra de autoria do nosso camarada Fernando Gouveia, ocorridos no dia 13 de Setembro de 2011, na Casa da Cultura Mestre José Rodrigues, em Alfândega da Fé


1. Mensagem do nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 17 de Setembro de 2011:

Luís e Carlos,
Aí vai a reportagem do evento sobre o meu livro e a exposição em Alfândega da Fé*.
Não é minha intenção que publiquem isso, no entanto deixo ao vosso critério...

Fernando Gouveia





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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8752: Agenda Cultural (150): Exposição de fotos e lançamento do Livro Na Kontra Ka Kontra de autoria do nosso camarada Fernando Gouveia, dia 13 de Setembro de 2011, na Casa da Cultura Mestre José Rodrigues, em Alfândega da Fé

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8781: Agenda Cultural (154): Comemorações do 37.º aniversário da independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde e do 87.º aniversário do nascimento de Amílcar Cabral, dia 23 de Setembro de 2011, no ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa

Guiné 63/74 - P8793: (In)citações (35): Mamadú Baldé, amigo do meu pai, deveria ser natural do Futa Djalon, Guiné-Conacri (Pepito)

1. Mensagem do nosso amigo Pepito, de ontem, às 20h13, em resposta a um pedido meu para esclarecer a identidade de Mamadú Baldé (*):


Amigo Luís
Gostei muito de reler o poema do meu pai, que decidiste colocar no nosso blogue (*).
 

Não me recordo de ter ouvido o meu pai falar de Mamadú Baldé, mas creio que ele o terá conhecido na Guiné-Conacri, nos confins do Futa Djalon, zona de que ele me falava apaixonadamente como sendo das que mais gostou. (**)

Sempre foi um sonho meu (re)visitar Mamou, Dalabá e Labé, povoações deste país vizinho, para poder deliciar-me com o que ele me contava frequentemente. Penso fazê-lo com um amigo e com o irmão da Isabel que virá cá propositadamente em Janeiro do próximo ano.

Sendo que, no dizer do poeta 
...O sol parou o seu caminho,
espreitou para Labé,
viu Mamadú morto...
 
Creio que Mamadú Baldé seja da Guiné-Conacri [, que acedeu à independência em 1958].
 

abraço
pepito
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Notas do editor: 

domingo, 18 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8792: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (22): Queimados

1. Em mensagem do dia 16 de Setembro de 2011, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos mais algumas das suas boas memórias da guerra.


Memórias boas da minha guerra - 22

Queimados

Queimados (na vida)

Já há muitos anos que não me oriento bem na parte velha da cidade do Porto. À medida que o tempo passou e suas consequentes alterações, eu também me fui afastando desse trânsito infernal, optando por não ir lá muito para o centro mas adaptar-me mais ali à zona do “Baticano” (Antas). Ora hoje, tive que ir ao IGAC, para registar as “ Memórias boas da minha guerra”, lá na esquina da Praça da Republica com a Rua Gonçalo Cristóvão.

Junto da passadeira de peões está escrito: 316 mortes na cidade do Porto, aqui somos todos peões.

Eu queria atravessar a rua, no sentido descendente, para as ruas do Almada e Alferes Malheiro. Porém, como não há semáforos, estive ali a secar alguns minutos, à espera que algum condutor respeitasse a minha prioridade de peão sobre a passadeira. Metia pé e tirava pé, repetidamente. Cheguei a pensar se aquela velocidade dos veículos em autêntica competição, não será influência do apoio do Maire, Mr. Rui Rio, ao regresso das provas automobilísticas dentro da cidade do Porto.

Já não sabia o que fazer quando, de repente, senti o barulho dos pneus de dois veículos em paralelo a derrapar, devido à travagem; um carro “tuning”, de escape ruidoso e uma carrinha de 5 lugares e caixa aberta, cheia de trolhas e de tralha inerente à sua actividade, que estacaram ali, junto à passadeira.

Que se passou? Alguém me conheceu? Não, nada disso. Muito simples: uma jovem escultural, linda de morrer e com vestes escassas fez-se à passadeira, na minha direcção, desfilando toda altiva e segura do seu valor, sob uma chuva intensa de piropos. Quando, ao cruzar-me com ela, lhe disse :
- Obrigado menina, estava a ver que nunca mais vinha.

Ela parou e, voltada para mim, esperava mais alguma explicação. Acrescentei:
- É que estes gajos não respeitam os idosos.

Depois dos piropos, iniciais, de “ah faneca!” , “que monumento!” , “até os ossos te comia!”, etc., misturados com algumas assobiadelas, oiço:
- Oh beilho larga o osso quisso num é pra ti!

- Desinfecta daí, morcom! - dizia o outro motorista.

A carrinha ao arrancar, quase me apanhava os calcanhares. Vi o jovem ajudante, todo sorridente, virado para trás, a dizer-me:
- Tás queimado “beilho”, bait’imbora, “beilho”, que já ardeste!

Achei piada à situação e, estiquei-me, levantei a mão direita, bati com ela duas vezes contra o cotovelo, “salientando”, isoladamente, o dedo anelar, de forma bem provocatória, na direcção deles, enquanto comentei: - Invejosos!


Queimados (no fogo)

Esta referência a “queimado”, fez-me recordar outras situações. A primeira foi aquela em que eu, no Bar dos Bombeiros, da minha Associação, ouvi uma mensagem entre um Operador de Serviço e um motorista de ambulância, num fim de tarde de verão :
… 67-12 vai regressar do Hospital – escuto.

Responde o Operador de serviço:
-  Ok, não esqueças de trazer o Queimado - escuto.

- Com maca ou sem maca - escuto? voltou o motorista.

- Com maca vai muito melhor - terminado. – sugeriu o Operador.

Perguntei quem se tinha queimado e acabei por saber que se referiam ao frango de churrasco com piripiri, a trazer da churrasqueira “Picante”.


Queimados (na guerra)

A referência a “Queimado”, “Apanhado” e “Cacimbado”, era aplicada muitas vezes na guerra da Guiné e tinha a ver com a forma descontraída (e amalucada) como alguém se comportava. Pois, na nossa Companhia, havia vários militares marcados por tais comportamentos, de onde se destacava o Furriel Silveira.

O Silveira parecia que andava sempre noutra onda e dava tudo pela aventura. Numa das últimas noites em Viana do Castelo, aproximou-se da malta, já dentro de um táxi. Enquanto o Silveira ia distraindo o motorista, a malta foi entrando. Seguimos logo para Afife, onde fomos jantar.
Quando o motorista parou, depois de ter tocado com o fundo do carro nos carris do comboio, gritou: - Foda-se, tudo lá para fora!.

Foi então que ele contou em voz alta: - Um, dois, três, quatro...Oito???!! Mais eu? Não havia mais ninguém, para trazer?

O Silveira acalmou-o e acabou dizendo-lhe: - Oh chefe, só lhe pagamos, quando nos vier buscar. Debite por cabeça, por quilómetro ou por aquilo que quiser, mas tem de nos vir buscar.

Fomos comer uma churrascada de frango, um dos petiscos predilectos do Silveira. Porém, o tempo passou rapidamente e o taxista apresentou-se com outro colega, alegando estar por conta do Silveira e a cobrar ao minuto. A malta, preocupada, que sabia não haver outro transporte, apressou-se para o regresso.

Já na avenida da Estação de Viana, alguém perguntava pelo Silveira. Foi então que apontaram para um individuo, encostado à montra dos vestidos de noiva, aproveitando a luz, para acabar uns ossitos de frango que trouxera nos bolsos (é que, com ele, não podiam sobrar ossos de frango...)

Em Fá, logo no início da comissão militar, dizia-se que o Silveira andava a ensinar o “seu” macaco a ler. Era tanto o barulho a ensiná-lo e tanta a porrada que lhe dava que o macaco se mijava todo. Como os macacos não aprendiam, trocava-os constantemente. Curioso era ver o Silveira a aproveitar para insultar alguém, através dos diálogos com os macacos.

Em Catió, quando chegou de férias, trouxe o disco “Delilah” do Tom Jones, que estava no auge do sucesso. Estava sempre a metê-lo no gira-discos. O Sargento Viscoso, que o Silveira odiava, chegou a mandar um mensageiro para que lhe vendesse o disco, porque aquilo estava a pô-lo maluco. A partir daí, o Silveira encontrou mais um motivo para ouvir mais e mais o Tom Jones. (http://www.youtube.com/watch?v=8a_T3U1rg2I&feature=related).

Tocava regularmente entre as 30 e as 40 vezes seguidas! Como o cansaço se apoderava do DJ, ele decidiu criar uma escala de serviço ao “Delilah/Dia”.

Silva de "Delilah/Dia"

Quando chegou a Canquelifá e verificou que havia uma “Folha de Honra” exposta no Bar da Messe, onde se mostravam as 14 misturas efectuadas que compunham o “Cocktail do Alferes Martelo”.
Não levou muito tempo para que o Silveira, já bem aviado, agarrasse num copo dos grandes e se pusesse a meter lá para dentro tudo que lhe vinha à cabeça. Parecia que queria ficar na história, através daquele cocktail. Às bebidas disponíveis, teve que inventar outros “condimentos” como comprimidos, sal, açúcar e piripiri. Dizem que até mercúrio lá meteu. Foram 23 as misturas que ele emborcou. Mal bebeu um gole, sentiu-se esquisito, e afastou-se, atordoado, para junto das mangueiras. Não parava de se mexer e remexer e de se queixar, enquanto o Berguinhas insistia com ele para que vomitasse.

Logo que o Silveira melhorou, o Doutor Berguinhas dizia:
- Este gajo está tão “queimado”, tão “queimado”, tão “queimado”, que não há nada que o foda. Quando morrer, vai ser adorado como santo, porque não há bichos que o comam!

Silva da Cart 1689
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8723: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (21): O Básico apontador de Morteiro de Rajada

Guiné 63/74 - P8791: Facebook...ando (13): Recordação de um conterrâneo, amigo de infância, morto em Moçambique por mina A/C (Francisco Palma, natural de Alcaria Ruiva, Mértola)


Mértola > Alcaria Ruiva >  Cemitério local > Setembro de 2011 >  A campa do Sold José Joaquim Morgado Correia, morto em Moçambique em 1970.

Foto: © Francisco Palma (2011). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso camarada Francisco Palma (ex-Condutor Auto Rodas na CCAV 2748/BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72)... Foto adicionada ao mural da nossa página no Facebook, Tabanca Grande Luís Graça, em 14 do corrente. Vd. também a sua página no Facebook.





Este passado fim de semana fui à minha Aldeia Alentejana [ Alcaria Ruiva, Mértola], e de visita aos meus Pais no cemitério, resolvi tirar esta foto,  mesmo ao lado, à campa do único combatente falecido lá da aldeia.

Era da minha idade e amigo da Escola Primária. Faleceu  com uma mina A/C, [em Moçambique,] 2 dias antes de eu partir no Uíge para Bissau. Aqui exponho a lápida para o saudarmos e relembrá-lo.

Demorou 6 meses a chegar o corpo depois da morte. Já a Mãe tinha falecido.....

À memória do José Joaquim Morgado Correia.

Francisco Palma

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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8638: Facebook...ando (12): Voz dos Combatentes... (Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519)

Guiné 63/74 - P8790: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (11): A primeira missão - parte II

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 16 de Setembro de 2011:

Caros camaradas Editor e Co-Editores
Em anexo envio em conjunto os vários comentários (com alguma pequena revisão) que enviei a propósito de questões que foram colocadas no post* com o relato da minha "primeira missão", que pretendia servisse para provocar algum sorriso de boa disposição mas que acabou por suscitar vários esclarecimentos, dos quais aqui estou a tentar dar resposta a parte deles, sendo que acabei por completar com mais informação.

Podem proceder conforme melhor for considerado.

Um abraço para todos
Hélder Sousa


HISTÓRIAS EM TEMPOS DE GUERRA (11)

Caros camarigos
Motivado por várias questões que foram colocadas no artigo anterior relativo ao tema a que chamei “A primeira missão”, vou tentar adiantar alguns esclarecimentos, os que puder e souber, relativamente ao que me solicitaram, chamando agora

“A primeira missão – parte II”

Nesta parte vou procurar responder e corresponder às questões ‘técnicas e práticas’ deixando para uma “parte III” as que envolvem outro tipo de sensibilidades, com as que se prendem com a opinião manifestada pelo nosso camarada C. Martins quanto às "irresponsabilidades confrangedoras", de acordo com a sua visão do que apresentei, a qual, sendo dele, tem o meu total respeito, embora com parcial desacordo.

Vou então começar pelas questões do Luís Graça, relativas ao percurso efectuado e ao "perímetro de segurança", sendo que alguns esclarecimentos podem também servir para outros amigos.

O percurso
Sobre isso gostava que fizessem um esforço par se procurarem colocar-se um pouco na minha pele, ou seja, na minha situação. Muitas vezes encontro aqui no Blogue, mas não só (isso é comum a muitas situações), casos em que as pessoas colocam objecções, questionam, opõem-se, etc., ao que é descrito mas não fazem um esforço para enquadrar a situação de que estão a "mandar bitaites" no tempo e no espaço.

Reparem, eu cheguei à Guiné a 9 de Novembro, a partir de 10 entrei em estágio no STM e o meu percurso era das instalações do alojamento dos sargentos para o STM, para a messe e uma ou outra noite para ir ao centro de Bissau conhecer a "Meta", o "Pelicano", o "Chez Toi", o "Solmar", a "5ª Rep.", etc.
Foram estes nomes que começaram a ser familiares, mais "Amura", "QG", "Palácio do Governador", "Cupilão", e alguns outros mais.

Também comecei a ouvir outros nomes: "Tite", "Morés", "Óio", "Cantanhez", "Pirada" "Aldeia Formosa", "Teixeira Pinto", "Buba", "Bula", "K3", "Mansoa", "Guileje", "Guidaje", e mais alguns outros sendo que nessa altura eram só nomes, não sabia graduar as dificuldades, as perigosidades, de cada um desses locais.

Havia outros nomes que já conhecia, pelo estudo da geografia e das notícias dos jornais, tais como "Bolama", "Bafatá", "Madina do Boé", "Bijagós", "Como", etc.

Deste modo podem perceber que, para mim, "Prabis", "Quinhamel" e outras coisas semelhantes, não tinham nenhuma carga valorativa, quanto a ser favorável ou perigosa.

Julgo que com esta explicação, e se fizerem um esforço de acompanhamento do que poderia pensar na ocasião, poderão concordar comigo que, ao fim de talvez nem sequer uma semana, não tinha nenhuma noção sobre esses locais.

Pergunta então o Luís se não teria feito um esboço do percurso dos ensaios. Não, não fiz, nem estava preparado mentalmente para o fazer, não fazia ideia do que iria suceder.

Eu não era mau de todo na grafia e tinha jeito para "afinar" as sintonias, "tirar o bigode", como o pessoal que trabalhou com a ANGR-C9 costumava dizer. Por isso, e por estar "disponível", já que estava em estágio, tal como mais três dos outros Furriéis que chegaram comigo, fui indicado para a missão, mas não sabia muito bem o que é que era pretendido com a experiência.

E de facto quando saímos do edifício das Transmissões é que fomos recebendo as indicações para onde pretendiam que fossemos. Disseram "até Antula", que era onde situavam os emissores, mas para mim isso era apenas um nome, não sabia para onde ficava, só depois é que fiquei a saber que ficava a leste da Santa Luzia. Mas eu não saber era obviamente irrelevante, só tinha que receber a indicação, transmiti-la ao condutor que, naturalmente, sabia.

Depois disseram, "até Quinhamel". Outro nome sem significado geográfico, sem outro tipo de referências, mas do conhecimento do condutor.

Em abono da verdade devo dizer que nessa viagem, feita de dia, à tarde, não cheguei a ver o caminho, ia na parte de trás da viatura, que era fechada, junto ao rádio, do operador de grafia e do Oficial sul-africano. Não me apercebi da envolvência exterior, se era em descampado, se no meio de arvoredo, se no meio de casas.

Já no percurso de noite aconteceu o mesmo. Ia na parte operacional e o outro Furriel na cabina junto ao condutor. Por isso sei que fomos até Prábis (foi o que se falou) e aí andou-se um bocado para a frente e para trás, como relatei. Na volta de regresso fomos até à "Missão Católica".

Essa “Missão” acho que sim, que são as instalações de Cumura que ficam a cerca de 2,5 km de Prabis, no lado norte da estrada, já no sentido de Bissau, a cerca de 10km desta. Julgo que com estas indicações será possível localizar aproximadamente. Sai-se de Bissau para oeste, para Prábis, e cerca de 10km do lado direito da estrada, ou seja, lado norte, está a "Missão Católica" de Cumura.


Perímetro de segurança

Bem, quanto a isto, e mais uma vez, as coisas são relativas...
Posso dizer que em 1971, depois de ter estado em Piche e ser requisitado no final de Maio para a "Escuta", nos meses de Agosto, Setembro, Outubro e talvez ainda Novembro (aqui já não me lembro bem), fui algumas vezes, de motorizada, conduzindo uma, ou como pendura, até Nhacra, visitar um Furriel meu amigo e antigo colega da escola em Vila Franca, numa Companhia de Cavalaria que estava lá colocada depois de ter estado antes na zona de Farim e que na altura era comandada pelo Cap. Cav. Mário Tomé que foi tomar conta dessa Companhia depois da morte do anterior e titular comandante.

Tenho ideia que das duas primeiras vezes não houve qualquer problema, impedimento ou condicionalismo. Mas depois passou a haver controlo em Safim e só podíamos seguir quando houvesse viaturas militares em circulação, acompanhando-as.

Depois da partida (regresso a Portugal) desse meu amigo não voltei mais a Nhacra. No entanto posso dizer que já no ano de 72, não sei precisar o mês, o controlo passou a ser junto ao aeroporto. Nessa ocasião o destino das viagens que fazia de moto passou a ser a estrada para Quinhamel, que se tomava a sul do aeroporto e depois virava para oeste.

Nessas viagens ia à civil e, obviamente, desarmado, aliás, não tive arma atribuída. Na "Escuta" estava um armeiro com várias G3 e se necessário eram essas as usadas.

Não sei dizer se era seguro ou inseguro, mas que se notou uma retracção do perímetro de segurança isso foi para mim inquestionável. Também se era psicológico ou "profilático", é coisa que não posso nem sei determinar.

Interiormente, nos bairros populares, nomeadamente no Cupilão, já na altura que lá cheguei corria o boato que "cortavam cabeças" a quem por lá se aventurava sozinho, à noite. Mas confesso que nunca tomei conhecimento de qualquer confirmação nesse sentido. Agora que era aventureirismo, isso sim.


Agora, os rádios

O que o Belarmino diz, está correcto. O Racal TR28 B2 equipava as unidades móveis, quando substituiu gradualmente os ANGR-C9.
No entanto, para os postos do STM, normalmente colocados nas sedes de Batalhão, que trabalhavam, ia a dizer "exclusivamente", em grafia (morse), eram usados os "marconi".

Era para proceder à modernização destas comunicações, portanto do STM, que se procurou equipamento melhorado e os Racal TR15 vieram à experiência. Na altura dos testes eram 3 os aparelhos. Um estava no posto director, outro na viatura móvel e o outro de reserva.

No imediato sei que um ficou em Bissau, um foi para Catió (porque o Furriel Batalha que tinha estado comigo nos testes trabalhou com um deles até ser ferido e evacuado) e não sei o destino do restante. Depois da encomenda vieram mais uns quantos mas não sei para onde foram, até porque depois ingressei na "Escuta" e fiquei aí dedicado, acabando por não acompanhar o que se passou noutras áreas.

Pergunta também o Belarmino se era para trabalhar em grafia, fonia ou ambas as vertentes.

Honestamente, agora, não sei afirmar de forma peremptória, mas acho que seriam então para trabalhar "preferencialmente" com chave de morse, embora tenha ideia que podiam ser também utilizados em fonia. Digo isto porque a disposição do aparelho, tipo caixote em cima da mesa de trabalho e a ideia que tenho de ter havido comunicação verbal entre o posto director e a viatura durante os testes (podia ter sido para outro aparelho...) fazem agora ter essa opinião.


Interferências nas comunicações

A "paisagem" da Guiné, com imensos espelhos de água, provocava como que uma espécie de reflecção das ondas rádio das comunicações. Mais do que os obstáculos florestais eram esses, os cursos de água, rios e bolanhas, que mais prejudicavam as transmissões.
Por outro lado, durante a noite, havia interferências de carácter magnético que também eram bastante prejudiciais, daí os tais estalidos, quase constantes, que se ouviam nos auscultadores e que deram cabo de bastantes aparelhos auditivos.

Caro amigo José Câmara, isto que acima escrevi serve, reconheço que com pouca profundidade de esclarecimentos, para dar uma aproximação de resposta à tua questão. Era mesmo assim, com trovoadas, alterações de condições climatéricas e das próprias alterações magnéticas, as interferências aumentavam e era necessário introduzir mais filtragens e melhores antenas, o que no mato não era fácil.

No “Centro de Escuta”, durante a noite, havia períodos em que a recepção era muito difícil e tínhamos boas antenas. Também para os exercícios de radiolocalização a tal situação dos planos de água era bastante prejudicial, já que se tornava quase aleatório determinar a direcção de um emissor pois o tal efeito de "espalhar" as ondas induzia a erros grosseiros. Mesmo com as triangulações, havia grandes desvios.

Um abraço
Hélder Sousa
Fur Mil TRMS TSF
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8774: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (10): A primeira missão

Guiné 63/74 - P8789: Blogpoesia (160): Na morte de Mamadú Baldé, descendente do régulo Monjur: E o poeta pegou num pedaço de papel e escreveu (Artur Augusto da Silva)

 1. Do poeta Artur Augusto da Silva (1912-1983), que foi casado com a decana da nossa Tabanca Grande, Clara Schwarz  da Silva (n. 1915) e é pai do nosso amigo Pepito (n. 1949), nunca é de mais divulgar os seus sublimes poemas sobre a Guiné que conhecemos... Desta vez fomos recuperar um texto em prosa, cuja última frase deu origem ao título da coletânea de poemas, recolhidos pela sua viúva e publicados, a título póstumo, em 1997 [, 14 anos depois da sua morte,], pelo Centro Cultural Português em Bissau. 

Não sabemos quem era exatamente a figura, Mamadú Baldé, aqui homenageada pelo poeta aquando da sua morte... O nome é vulgar, mas tudo indica ter sido um importante dignitário muçulmano da Guiné, um homem bom e sábio, tal como o Tcherno Rachid [ou Cherno Rachide] de quem Artur Augusto da Silva também era particular amigo e admirador... Talvez o Pepito nos possa dizer algo mais sobre esse Mamadú Baldé...  

A levar à letra o poema (que não está datado), Mamadú Baldé era descendente do famoso régulo do Gabu, Monjur, aliado dos portugueses no tempo do Cap Teixeira Pinto (1912-1915), e que é citado por Artur Augusto da Silva no seu livro Usos e Costumes Jurídicos dos Fulas da Guiné Portuguesa (1958). Por sua vez, Jorge Velez Caroço escreveu, em 1948, uma biografia sobre Monjur (Monjur : o Gabú e a sua história. Bissau : Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 1948, Vd. foto da capa à esquerda). 

Espero, por outro lado, que ele, Pepito, e a sua mãe me perdoem a ousadia de ter convertido, para formato poético, o texto original, em prosa. Respeitei ao máximo a oralidade do texto. (LG)



Morreu o homem

Ao meu amigo Mamadú Baldé

Mamadú Baldé,
filho de Salifo,
filho de Indjai,
filho de Tchamo,
filho de Monjur,
filho de Mutari,
cuja linhagem se perde há mais de dois mil anos
nas terras do Egito,
e de quem os antepassados remotos viram Moisés e Maomé
e com eles conversaram sobre o tempo e as colheitas.
Mamadú Baldé morreu.
Mamadú Baldé, o sábio que falava com Alá
e era bom
e era justo,
morreu.
Cavaleiros e tambores  levaram a notícia a toda a parte:
subiram as encostas do Futa-Djalon
e desceram para o mar.
Percorreram, o Sudão até Cao e Tombucutú
e desceram o lado  Tchade.
E toda a terra dos fulas repetiu:
morreu Mamadú Baldé.
O sol parou o seu caminho,
espreitou para Labé,
viu Mamadú morto,
e continuou.
A lua parou também o seu caminho,
espreitou e continuou.
Os rios que nascem no teto do mundo,
pararam na sua corrida para o mar
e prosseguiram.
E o poeta pegou num pedaço de papel 
e escreveu:
Morreu o Homem.

In: Artur Augusto da Silva -  E o poeta pegou num pedaço de papel e escreveu:  Poemas.
Bissau, Instituto Camões - Centro Cultural Português. 1997. p.21 [Vd. recensão feita ao livro pelo nosso camarada Beja Santos, no poste P8093, de 13 de Abril de 2011]


[Fixação de texto / Revisão em conformidade com o Novo Acordo Ortográfico: L.G.]


2. Comentário de Felismina Costa [, foto atual, à esquerda,] sobre o poema Terra Negra, do supracitado autor,  publicado em 10 do corrente, sob o poste P8761, e que muito sensibilizou a nossa amiga Clara Schwarz, ao ponto de telefonar expressamente ao editor do blogue para manifestar o seu agradecimento:

(...) Eu já tinha lido e referido outro poema de Artur Augusto da Silva, mas, achei este extraordinário. É lindo! intemporal!
 
Os sentimentos, são intemporais! Manifestam-se em todas as eras naqueles que são capazes de os sentir e expressar: Quanto ignoramos do que de bom e mau sente o nosso semelhante?

Por isso fico tão feliz, quando descubro no poeta, no escritor, a expressão do sentimento grandioso como é o da fraternidade. 

A Dra. Clara Schwarz, foi sem dúvida uma mulher feliz, e, deve continuar a sentir-se assim. Quem ama desta forma a terra onde nasce e os seus irmãos, ama o mundo inteiro, tudo o que o rodeia, e é capaz de compreender e ser tolerante perante a intolerância alheia, porque sabe que nem todos são dotados dessa capacidade. Por isso, é preciso mostrar a diferença entre o amor e o ódio. Entre o construir e o destruir.

Sinto-me tão feliz, quando leio a paz, a alegria, a compreensão, a amizade, sentimentos que constroem, que enaltecem o ser humano, que o tornam grande, valoroso!

Através deste Blogue, tenho conhecido valores humanos extraordinários, de homens do meu tempo que, vivendo uma guerra longa e sem sentido, saíram dela, saudosos dos lugares que pisaram, da sua beleza, das gentes com quem confraternizaram... e até do próprio 'inimigo'.

Bem-hajam, todos os homens de boa-vontade! Felismina Costa (...)


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 Nota do editor:

Último poste desta série > 2 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8727: Blogpoesia (159): O Mar que nos levou (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 – P8788: Memórias de Gabú (José Saúde) (2): Os conflitos tribais e a acção da tropa portuguesa. A “Psicó”!

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos a segunda mensagem desta sua série.

OS CONFLITOS TRIBAIS E A ACÇÃO DA TROPA PORTUGUESA

A “PSICÓ”!

A vulgar “psicó”, ou seja, acção psicológica feita junto das populações visava, sobretudo, uma aproximação das nossas tropas às tabancas situadas no mais recôndito lugar. O primeiro passo da tropa aquando a chegada ao local previamente estabelecido, passava com rigor pela presença do chamado “homem grande”, normalmente chefe da tabanca, e a partir dele seguia-se inevitavelmente uma ampla conversação com toda a rapaziada, ouvindo os seus pedidos, os seus problemas, as suas queixas, mormente físicas, e dessa troca de impressões tentava-se arranjar formas de auxílio. Lembro que o Jau, e não Géo como antes o havia baptizado, dominava os dialectos das tribos da região – fulas, futa-fulas e mandingas – apresentando-se como o cordão umbilical decisivo para o contacto próximo com as populações que viviam em pequenas aldeias dispersadas no mato. Depois da auscultação ficava a promessa para o cumprimento das “faltas” sentidas no seio do aglomerado.

A manhã apresentava-se calma. Desbravávamos o trilho inseguro, suspeito, o capim e o mato cerrado, visualizávamos a nobreza das enormes árvores e rogávamos a todos os santinhos que nenhum dos motores dos nossos velhos “unimogues” não desse “buraco” e, sobretudo, um eventual contacto sempre indesejado com o IN. O momento impunha, naturalmente, cuidados redobrados. O pessoal, sempre feito para o facilitismo, deliciava-se com as brincadeiras dos macacos, os bandos de perdizes (galinhas do mato) que, a espaços, pintavam os nossos horizontes visuais, com a correria de uma cabra de mato, uma lebre que se havia levantado da malhada, sendo também certo que as informações previamente dadas ainda no quartel determinavam rigidez na nossa acção. Aprendi em Lamego no curso de Operações Especiais – Ranger – eloquentes formas do saber lidar com a guerrilha e a nossa firme determinação quando confrontado com o imprevisto. Por isso tentava passar a mensagem para a segurança do grupo mas… nem sempre o meu pedido era devidamente aceite.

Rodeados na densidade do capim, e com os estridentes motores dos “unimogues” a protagonizarem um ronco intenso, a dada altura pareceu-nos ouvir vozes exaltadas vindas de uma tabanca próxima. Parámos, troquei impressões com o Jau (um homem que dominava, e bem, os dialectos tribais) e partimos em direcção aos ecos que entretanto nos chegavam. A nossa reacção foi, em princípio, dúbia. Não entendíamos a razão do conflito. O Jau, atento como sempre, constatou de pronto que a desavença se prendia como uma afirmação pelo poder. Duas tribos, fulas e futa-fulas, discutiam entre si quem seria o novo chefe de tabanca dado que o anterior havia falecido. Claro que cada uma das etnias defendia a sua dama. Lembro perfeitamente o meu papel no conflito tribal. Pedi ao Jau que chamasse os dois homens grandes envolvidos na pretensa discussão, juntei-os frente a frente, e propus o fim da polémica com este dado: “A minha opinião é para acabarem de imediato com a algazarra e que atribuem o título de chefe de tabanca ao homem mais velho em idade”. E a verdade é que as partes da população envolvidas no confronto fizeram contas, penso eu, e passado pouco tempo a tabanca voltou à normalidade.

Soubemos mais tarde que a proposta foi aceite e o novo chefe de tabanca – o homem mais velho – já exercia o seu mandato.

Pormenores interessantes de um povo que vivia envolvido com a guerrilha mas nunca descurando princípios éticos herdados de gerações antecedentes!


 Foto 1 – Com a menina de Nova Lamego ao colo (FILHOS DO VENTO)


Foto 2 – No meio do conflito. Dois homens grandes – um fula e outro futa-fula – discutiam entre si qual deles seria o chefe de tabanca. Prevaleceu a minha opinião: o homem com mais anos de vida, ou seja, o mais velho (A “PSICÓ”)

Um abraço,


José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. primeiro poste desta série em:

13 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8772: Memórias de Gabú (José Saúde) (1): No declinar da nossa presença em terras guineenses… A despedida!