segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8885: Notas de leitura (285): Até Lá Abaixo, de Tiago Carrasco (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Setembro de 2011:

Queridos amigos,
“Até lá abaixo” é uma reportagem soberba, versa a aventura de três portugueses que viajam sem cheta pelo continente africano, três jovens que decidiram largas os seus empregos mal pagos e confrontarem-se com o continente dito exótico e dramático. É uma narrativa esplêndida, sem hiatos ou sobrecargas. Uma mensagem muito bonita para a chamada geração rasca. O livro vale a pena ser lido do princípio ao fim, tem descrições empolgantes, intensas, comoventes. Está aqui um pouco da África à procura de bússola, a começar pela nossa Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário


Tiago Carrasco e amigos visitam a Guiné-Bissau
Antes do Mundial da África do Sul

Beja Santos

O que consta na lombada do livro é bem sugestivo: “Em 2010, o jornalista Tiago Carrasco e dois amigos, o fotógrafo João Henrique e o cameraman João Fontes decidiram largar os seus empregos mal pagos e concretizar um velho sonho: atravessar o continente africano de automóvel. O pretexto que arranjaram foi o Mundial de Futebol. A viagem seria muito mais do que um longo passeio destinado a celebrar o desporto mais popular do mundo – seria, sim, o maior desafio da vida destes três homens. Este é o relato das emoções e das peripécias que Tiago Carrasco e os seus companheiros de estrada viveram ao longo desses 150 dias alucinantes, passados no deserto e na selva, em aldeias perdidas e bairros da lata de grandes cidades, em lugares vergados à pobreza e à violência e noutros onde a esperança subsiste apenas por milagre. "Até lá abaixo" descreve-nos esta epopeia de 30 mil quilómetros de Marrocos a África do Sul, passando por 21 países, que é também uma viagem interior aos nossos medos e à nossa capacidade de superar as maiores contrariedades”.

O livro chama-se “Até lá abaixo – três homens, um jipe e 150 dias de aventuras em África”, por Tiago Carrasco, Oficina do Livro, 2011.

O rimo da narrativa é febril, convincente, não dá tréguas à expedição da leitura. Os três jovens arriscaram tudo, viram com os seus próprios olhos gente que está disposta a tudo para levar por diante os seus sonhos, viram a miséria mais desalmada, a corrupção mais alvar, transmitem pungentemente o drama do Saara Ocidental e dos seus sarauís, percorreram desertos hostis, entraram em bairros miseráveis, conheceram gente extraordinária, chegaram subitamente à fala com portugueses. De Lisboa passaram para Marrocos, daqui para o Saara Ocidental, depois a Mauritânia, a Gâmbia e a Guiné-Bissau. Como levam um orçamento miserável, quase aquém da sobrevivência, todo o acolhimento é bem-vindo. Em Bissau ficara em casa emprestada, mesmo sem luz e a ter que transportar a água em bidões e em garrafas. Escreve o autor: “Bissau é a mais subdesenvolvida das duas dezenas de capitais por onde passámos nesta aventura. Não tem multibanco, comboio ou fábricas. Apesar de não terem nada, os guineenses são um povo afável. A criminalidade violenta é residual e a mendicidade muito menor que nos países francófonos. Não há trabalho. A nossa vizinha Natividade, de 41 anos, tirou o curso de Direito na ex-Checoslováquia mas não conseguiu ser advogada na Guiné. Emigrou para Lisboa e passou a vender peixe no mercado da Encarnação. Há dois anos foi obrigada a voltar para Bissau porque o governo lhe queria tirar a casa. Abriu uma barraca de venda de cerveja e peixe grelhado mesmo em frente à nossa casa”.

Encontraram-se com uma lenda antiga do futebol, Artur Pinhel, e ficaram a saber de que modo os atletas guineense ficaram divididos entre a guerra da independência. Visitaram o Quelelé, construído por antigos combatentes da guerra colonial. Foi aqui que visitaram uma rádio comunitária e Tiago Carrasco observa: “Como os correios mal funcionam, são as 36 rádios comunitárias do país que informam quem nasce e quem morre, notificam os moradores de quando têm de comparecer em tribunal ou dão informações sobre o pagamento de impostos e rendas. Uma renda em Quelelé pode chegar aos 40 € e o salário de um professor não excede os 60, a grande maioria dos guineenses come apenas uma refeição por dia”.

Descrevem uma Bissau reinadia, uma cidade economicamente parada onde a estátua de Amílcar Cabral parece um fantasma. Graças a amigos da AMI, foram visitar Bolama, a antiga capital da Guiné Portuguesa está ao abandono, os edifícios a ruir e as estradas intransitáveis. Toda a gente se queixa que se vive pior do que na era colonial. O palacete do antigo governador cai aos bocados, cabras, vacas e porcos, vagueiam por ali sobre um chão coberto de excrementos, lixo e sinais de fogueiras. Os mais jovens migraram para Bissau. Tiago e os amigos visitam o antigo cemitério português de Bolama, com cruzes de pedra sobre uma alcatifa de ervas secas. Campas e jazidos mostravam nomes portugueses.

Inevitavelmente, fala-se do narcotráfico, aquelas ilhas dos Bijagós têm uma pista de aterragem para os traficantes, são eles que controlam o país.

Tiago e amigos passam o carnaval em Bissau, celebram o evento em casa de Yolanda, uma funcionária da embaixada de Espanha, é nisto que aparece um vizinho de um deles no Bairro Alto. Numa viagem para o Biombo lêem no Diário de Bissau uma sucessão de acontecimentos ligados ao narcotráfico, a começar pela detenção de avioneta suspeita na praia de Gã-Tumane, detenção de dois alemães quando se preparava o descarregamento de droga na ilha de Bubaque. Escrevem: “Os cartéis mexicanos, colombianos e bolivianos aproveitaram a fragilidade da Guiné-Bissau para usar o país como plataforma de cocaína para a Europa – com avionetas que aterram em ilhas desabitadas e lanças rápidas que aportam no arquipélago dos Bijagós. A droga chega à Guiné-Bissau e é depois transportada por via marítima ou terrestre para a Europa (…) A Guiné-Bissau é o primeiro narco-estado africano. Na capital, multiplicam-se as histórias sobre a presença de traficantes sul-americanos. Contaram-me que um deles entrou num banco com sacas de dinheiro e lhe foi recusado o depósito. Num país com um dos quatro PIB mais baixos do mundo, os milhões de cocaína continuam a circular pelos bolsos dos poderosos. Só duas das apreensões feitas em 2007, superiores a 600 quilos e estimadas em 20 milhões de euros cada, representam cerca de 50 % do PIB da Guiné. As lutas entre políticos e militares fazem-se pelo controlo das redes de distribuição. Por exemplo, em 2008, um avião venezuelano aterrou no aeroporto de Bissau alegando problemas técnicos. Umas horas mais tarde chegou uma avioneta de Dakar para prestar assistência. Nenhum dos aparelhos tinha plano de voo. O exército formou um cordão em redor dos dois aviões e descarregou-os sobre as ordens de Papa Camará, Chefe da Força Aérea. A Polícia Judiciária foi afastada do local. O governo só foi informado seis dias depois. Naquele dia, 514 quilos de cocaína foram colocados na Europa a bordo da avioneta”.

Tiago e os amigos ainda visitam Bafatá e assistem a um concerto de balafon, um xilofone feito com madeira pau-de-sangue. O país é paupérrimo mas tem música muito bela. E da Guiné-Bissau os aventureiros seguiram para o Mali, o relato já não tem cabimento no nosso blogue.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8868: Notas de leitura (284): Orlando Ribeiro, Guiné, 1947, Cadernos de Campo (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8884: Ser solidário (113): Pequenos gestos que dão esperança de vida à população de Elalab (José Teixeira)

1. Mensagem de José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), membro da Direcção da Tabanca Pequena, Grupo de Amigos da Guiné-Bissau (ONGD), com data de 7 de Outubro de 2011:

Caríssimos editores
A Tabanca Pequena vai fazendo alguma coisa pelo desenvolvimento da Guiné-Bissau, nomeadamente no apoio às populações.

Junto um texto que espelha o trabalho que se tem feito em Elalab.
Pena é que os combatentes se tenham esquecido, que com o seu pequeno apoio muita coisa se pode fazer em prol daquela gente que nos é tão querida.

Abraço fraterno para todos quantos vão ler este texto
Zé Teixeira


PEQUENOS GESTOS QUE DÃO ESPERANÇA DE VIDA À COMUNIDADE DE ELALAB

Por Zé Teixeira

Cercada de rios e riachos. Isolada do mundo. Com uma única saída por terra. Um estreito dique que separa as águas salgadas do Rio Cacheu, do rio de água doce que a cerca. Era esta a situação de Elalab.

O isolamento era total. O percurso a pé de Elalab para Susana, primeiro ponto de acesso à estrada para S. Domingos durava cerca de 3,5 a 4 horas a pé. Atravessando o dique, segue-se uma zona arenosa de difícil acesso que só um jeep com tracção às 4 rodas consegue vencer.

Tudo começou quando um grupo de mulheres/mães da Tabanca de Elalab sentiram que tinham a obrigação de conseguir melhores condições para que as futuras mães e seus bebés não corressem tão elevados riscos de morte e de doenças graves, durante a gravidez, no parto e depois do parto.

Apelaram para a AD - Acção para o Desenvolvimento, a ONG guineense que procura no terreno ouvir e corresponder aos anseios das populações.

Pretendiam um espaço com mínimo de sanidade e segurança para as futuras mães terem os seus filhos.

Habitualmente a sua morança serve de sala de partos e a parteira é uma mulher grande, cujos conhecimentos vêm do empirismo ancestral e da prática vivida.

O Centro Materno Infantil e duas matronas – mulheres habilitadas por um hospital para procederem ao acompanhamento da maternidade, apoiaram no parto e pós-parto.

Outras necessidades foram levantadas pela população no diálogo com a AD e a Tabanca Pequena:

- Um poço de água para garantir a potabilidade da água que vai alimentar o Centro Materno Infantil, com sistema de elevação de água para o depósito através de energia solar.
- Um barco para fazer o transporte da população até Suzana, reduzindo para cerca de 45 minutos o tempo de percurso. O mesmo barco servirá para o transporte de mercadorias. Possibilita assim, um acesso rápido da população de Elalab aos mercados de Suzana, Varela, S. Domingos ou Ingoré, o que via dinamizar o comércio.

Possibilita ainda, a deslocação rápida a um hospital em caso de doenças graves ou gravidezes de risco.

Uma parceria gerida pela AD, com a colaboração com as Associações: Tabanca Pequena; Tabanka; ENDA e Viver 100fronteiras, com a colaboração activa da população – Homens, mulheres e crianças - conseguiu transformar o sonho das mulheres e população de Elalab em realidade.

O Centro Materno Infantil está construído e devidamente apetrechado com equipamento hospitalar. Vai a caminho algum equipamento de apoio directo para ser usado pelas matronas, os medicamentos, kits de parto e consumíveis.

- A construção foi financiada pela ENDA.
- O equipamento hospitalar foi oferecido pela Viver 100Fronteiras.
- Os materiais, consumíveis e medicamentos serão fornecidos pela Tabanca Pequena.
- O poço de água foi financiado pela Tabanka, estando já em pleno funcionamento
- O barco foi financiado pela Tabanca Pequena que contribuiu com os custos da construção. Tendo a Tabanka oferecido o motor.

Zé Teixeira

Reunião da AD e Tabanca Pequena com a população de Elalab.

As crianças também colaboraram na construção do Centro Materno- Infantil

O Centro em construção

O Centro pronto a receber o equipamento

Interior do Centro

As mulheres carregaram o equipamento hospitalar oferecido pela Viver 100fronteiras

O depósito de água

Aspectos da construção do barco
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Notas de CV:

Vd. poste de 10 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8394: Ser solidário (107): A população de Elalab tem razões para se sentir feliz (José Teixeira)

20 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8581: Ser solidário (112): Torneio Uma Gota de Água Para a Guiné-Bissau (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P8883: Agenda cultural (163): A Mulher nas Malhas da Guerra Colonial, de Ana Bela Vinagre: Lançamento em Lisboa na LeYa na Buchholz, sábado passado


Título: A Mulher nas Malhas da Guerra Colonial
Autor: 
Ana Bela Vinagre
Ano: 2011
Género: Crónica
Pág.: 192
Preço: 18,00
ISBN: 978-989-667-061-0


 1. Recebemos oportunamente, em 22 de setembro último, a seguinte mensagem do nosso leitor Carlos Castanho, com a notícia do lançamento de mais um livro sobre a inesgotável temática da guerra colonial.

A sessão de lançamento, em Lisboa, na histórica livrararia Buchholz (criada por um livreiro alemão, em 1943, e agora designada LeYa na Bulchholz) foi no sábado passado, e infelizmente nenhum dos editores pôde estar presente nem dar a notícia em tempo oportuno. (No passado dia 10 de Setembro, já sido lançado o livro em Leiria). 

Aqui fica, de qualquer modo, informação sobre o evento.  Desejamos à autora o maior sucesso editorial para o seu livro. Solicitamosl, por seu turno,  à editora o envio de um exemplar, para efeitos de recensão bibliográfica. Uma primeira nota de leitura já aqui foi publicada, da autoria de Felismina Costa, em 2 do corrente.



De: Carlos Castanho [castanhofor@gmail.com]
Data: 22 de Setembro de 2011 18:31
Assunto: Lançamento do livro "A Mulher nas Malhas da Guerra Colonial"
 daguine@gmail.com




Caros Amigos e Camaradas,

Sou um Deficiente das Forças Armadas e tive oportunidade de visitar o vosso Blog, visita essa recomendada por um leitor assíduo. Achei o vosso trabalho de interesse público e até histórico. Nada fará sentido se a memória de um País não seja "contada" às gerações vindouras.

Nesse sentido, permitam-me que vos convida a estarem presentes no dia 8 de Outubro, pelas 16 horas, na livraria LEYA, na  CE BUCHHOLZ, sita na Rua Duque de Palmela, 4 em Lisboa, para o lançamento do livro "A Mulher nas Malhas da Guerra Colonial",  da autoria de minha mulher Ana Bela Vinagre,  ela também nas malhas da guerra colonial .

 Palavras da Autora:  

"Quando o conflito armado eclodiu e à medida que os meses se sucediam, crescia nas mães que tinham filhos pequenos, a esperança de que, chegada a hora de os verem envergar a farda para cumprir o serviço militar, a guerra já tivesse terminado.
 
Quantas se enganaram!... Nos bastidores duma guerra colonial sem fim à vista, ficavam mães, esposas, namoradas, irmãs, que depois de um doloroso adeus, a que o Tejo já se habituara, à vista de imensos lenços brancos de despedida, na metrópole lutavam, diariamente, contra uma saudade imensurável e o medo do espectro da morte, que a qualquer momento lhes poderia bater à porta. Em silêncio, engoliam as próprias lágrimas, calavam a revolta, escondiam a sua indignação. O sofrimento era atroz.

As namoradas e esposas, povoadas de projectos e de sonhos, viram-se traídas e defraudadas na sua juventude, esperando o fim de um pesadelo, que a cada dia, parecia mais distante."
                                                                                                                                                            
Solicito ainda, caso seja possível, que este evento seja divulgado no vosso honroso Blog.
Cumprimentos


Carlos Castanho

(Formador de SHT - Segurança e Higiene do Trabalho
Contactos : 967 747 584 / 911 773 828)

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 Nota do editor:

Guiné 63/74 - P8882: Convívios (380): 2º Almoço/Convívio da CCAÇ 1477, em Fátima, 14 de Agosto de 2011 (António Rama)


1. O nosso Camarada António Rama, ex-Soldado Condutor da CCAÇ 1477, 1965/1967, enviou ao Luís Graça a seguinte mensagem:

Bom dia camarada da Guiné,

Agradecia a publicação da notícia deste evento, que mais uma vez reuniu a nossa companhia em S. Mamede, nos arredores de Fátima.



2º ALMOÇO/CONVÍVIO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1477

Numa atmosfera de alegria indiscutível, realizou-se em S. Mamede/Fátima, no passado dia 14 de Agosto de 2011, o segundo convívio, dos antigos combatentes da Companhia de Caçadores 1477, que prestaram serviço militar na antiga província ultramarina da GUINÉ.

Neste dia de franca camaradagem, trocou-se a espingarda e o morteiro pela faca e o garfo e a “nossa guerra”, ao contrário de ter sido travada na agitação da selva, foi calmamente feita à volta de uma mesa bem recheada.

No final desta maravilhosa festa só nos restou agradecer, reconhecidamente, ao nosso amigo e camarada de armas Américo Jesus Nunes, pela organização de tal evento, que mais uma vez esteve a seu cargo.

Obrigado a todos pela vossa simpática presença.

António Rana
Sol Con da CCAÇ 1477
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Nota de M.R.:

Vd. também sobre este convívio o poste em:


Guiné 63/74 - P8881: (Ex)citações (150 ): Louvável o esforço do nosso camarada Carlos Cordeiro de pôr a Universidade dos Açores ao serviço da divulgação do conhecimento do que foi a guerra do ultramar e do seu impacto familiar, social e económico nas nossas ilhas (José Câmara)

1. Comentário,  ao poste P8858,  pelo nosso camarada José da Câmara, que vive nos EUA, e que foi Fur Mil da CCAÇ 3327 e do Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73) [, fioto à direita]

Caros amigos,

O professor Carlos Cordeiro, com a modéstia que o caracteriza, deixou-nos com imagens que valem palavras mil.

Em boa hora o fez, na medida que nos permite usufruir da nossa capacidade interpretativa para lermos a sua mensagem.

O nosso amigo não está só nesta sua iniciativa, nem nunca pretendeu estar. Bem pelo contrário, envolveu a Universidade dos Açores, o seu departamento de História e a Comissão Científica.

Desde logo, a universidade com o seu apoio colocou-se ao serviço da comunidade onde está inserida, dando exemplo daquilo que deveria ser o paradigma de todas as instituições públicas de educação escolar, independentemente das vertentes educativas para que estão dimensionadas.

Todas elas se o tivessem feito atempadamente teriam feito o nosso país economicamente mais viável, socialmente menos dividido, mais humanista, mais sensível e culturalmente muito mais bem apetrechado.

Porém é no centro, entre as imagens que abrem e fecham a conferência e o debate, que está a essência da mensagem que se pretendeu passar e que está a ser muito bem conseguida. Aliás, o mesmo aconteceu com as conferências anteriores e certamente acontecerá com aquelas que chegarão nos próximos tempos e pelas mesmas individualidades.

Todo o cuidado tem sido posto para que estas conferências não sejam um ponto de encontro de nadas, onde se contam histórias de guerras, de minas, de fome, de ataques aos superiores hierárquicos e às instituições constituídas. Bem pelo contrário, o que nelas se pretende é contar a história humana do que foi a guerra do ultramar e o impacto familiar, social e económico que ela teve, neste caso particular na vida dos açorianos.

Presentes estiveram combatentes e as esposas que ouviram pela primeira as suas cândidas confissões de amarguras, os porquês das suas reacções, dos seus sonhos destruídos, certamente de alguns construídos.

Entre os outros, a particularidade de se verem muitos jovens presentes. Para ouvirem e para aprenderem de nós que um dia também fomos jovens como eles, com as mesmas aspirações de vida um dia truncadas por uma guerra que não escolhemos combater, mas à qual fomos chamados. Era a nossa obrigação enquanto mancebos de Portugal.

Ali souberam que nós dignificamos o uniforme que envergámos e que não envergonhámos os nossos antepassados que em outras ocasiões e outras guerras se cobriram de glória e contribuíram para a rica história dos portugueses.

Também não será menos verdade que ali aprenderam quantos dos seus irmãos ilhéus deram a vida na defesa daquilo que, pelo menos ao tempo, tínhamos aprendido ser nosso: o Portugal Ultramarino.

Como lição última, aperceberam-se que nas euforias do 25 de Abril de 1974 e do findar da guerra, a sociedade portuguesa nos definiu e nos julgou na praça pública. Que nem esboçámos a nossa defesa, porque nos faltou a coragem e a dignidade que tantas vezes nos sustentaram nos confins de África.

Por tudo isso e muito mais, há que colmatar a nossa falha colectiva, aproximando-nos dos que então estavam em linha para nos substituir nas bolanhas da Guiné e nos planaltos e planícies de Angola e Moçambique.

Temos que nos dirigir aos jovens de hoje, aos nossos netos e aos seus amigos e contar-lhe apenas e só a verdade da guerra que combatemos enquanto soldados de Portugal.

Finalmente, julgo que se pode chegar à conclusão lógica da mensagem. É imperativo que nós, combatentes que fomos nas províncias ultramarinas, façamos um esforço sincero e persistente, não necessariamente reivindicativo, para nos reconciliarmos com a sociedade portuguesa e antes de a fazermos com o nosso inimigo de então, como alguns pretendem.

Obrigado,  Carlos Cordeiro por esta lição de vida.

Um abraço amigo do tamanho do oceano que nos une.

José Câmara
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Nota do editor


Guiné 63/74 - P8880: O Nosso Livro de Visitas (119): Notícias de familiares e amigos do nosso saudoso camarada Fur Mil Fernando Ribeiro, da CCAÇ 3414 (Sare Bacar e Bafatá, 1971/73) (José Gaspar Fernandes Baptista / Joaquim Peixoto)

1. De uma leitora nossa, M.L. [, aqui referida apenas pelas iniciais do nome, porque fazemos questão de mantê-la no anonimato, para proteção da sua vida privada], recebemos a seguinte mensagem, datada de 23 de setembro último, com notícias que interessam a todos aqueles  - familiares, amigos, camaradas -  que privaram com o nosso malogrado camarada Fernando Ribeiro (*):

Assunto - Furriel Fernando Ribeiro (**)


[Foto à esquerda > Guiné > Zona Leste > Sare Bacar > CCAÇ 3414 (Sare Bacar e Bafatá, 1971/73) > O Fernando Ribeiro, de pé, ao lado do seu amigo e camarada Joaquim Peixoto, membro da nossa Tabanca Grande. Morreu em 26 de Julho de 1973, já no final da sua comissão]. 
 



Boa noite (....): Sou a [M.L.] que pela história a seguir [....] vai identificar.

Mais alguém apareceu com notícias do Fernando Ribeiro, o seu sobrinho, a quem ele deu parte da vida a educar. Deus não quis que isso acontecesse. Então depois de eu o ter contactado, ele, José Gaspar Fernandes Baptista, escreveu, penso que num outro blog. Copiei e colei aqui para a nossa história ter continuação. O Zé Gaspar ainda continua à ]espera de resposta de alguém. 

"Um pouco por mero acaso e também com ajuda da M.L., finalmente encontro alguma informação concreta do meu muito saudoso tio, Furriel Fernando Ribeiro.

"Posso dizer que fui o sobrinho favorito do Fernando. Quando ele morreu na Guiné, ia eu fazer 12 anos em Julho, a 26. Ele deve ter conversado com os camaradas, do sobrinho Zézito, o que nasceu em Timor, filho do irmão João que também era militar. 

"A morte do Fernando foi a devastação completa na família, o meu falecido avô, José Fernandes Ribeiro e a avó Maria do Céu Gaspar, (pais do Fernando, e na altura eu vivia com eles),'agarraram-se' a mim e passei a ser o filho mais novo, uma 'espécie' de substituto…. 

"Tenho algumas fotografias do tio Fernando na Guiné… com os camaradas. Também tenho a foto acima publicada. Tenho em meu poder a máquina fotográfica dele, a velhinha CANON, ainda funciona e bem.( Eu fui o 'herdeiro universal' da mala do Fernando que veio mais tarde da Guiné. 

"A todos os que tiverem recordações do Fernando e que queiram partilhar comigo, agradecia. Gostava muito encontrar e conversar com os amigos de armas do Fernando. 

"Tenho algumas fotos que vou digitalizar para partilhar com todos, em especial com a sobrinha do Furriel Pedro Pereira. Ainda o conheci, era pequenito na altura, mas ficou a recordação, muito vaga mas com muita saudade.

"Um grande abraço a todos. José Gaspar Fernandes Baptista"


2. Comentário do Joaquim Peixoto [, foto à direita , no T/T Niassa, na viagem para o TO da Guiné, em 1971], com data de 3 do corrente:

 Caro camarada  Luís:

Antes de mais as minhas desculpas pelo atraso em relação ao teu mail, mas a vida de aposentado é muito complicada!...

Recebi há já algum tempo ( em Junho) um mail do José Gaspar F. Batista (penso que é sargento da GNR em Coimbra)  em que se identificava como sobrinho do falecido Fur Ribeiro. Nesse mail, enviou-me várias fotos e solicitou-me que as legendasse.

Respondi ao mail,  legendando as fotos e acrescentando alguns comentários. Falei-lhe da organização do nosso primeiro convívio. Confirmou a recepção do meu mail e que mais tarde entraria em contacto comigo 

Na realidade, pelo contacto e amizade que tive com o Fernando Ribeiro, tinha conhecimento desse seu sobrinho. O Fernando falava muito de um irmão militar que tinha um filho nascido nas ex-colónias. Pela forma como se referia ao irmão e sobrinho, não havia dúvidas que esse seu sobrinho era o eleito dele e por quem nutria um grande carinho e amizade.

 Um grande abraço, 

 Joaquim Peixoto

3. Comentário de L.G.:

E uma grande história de amizade!... Gostaria de poder contar, nas nossas fileiras, com a presença do José Gaspar. Fica o convite formal para ele integrar a nossa Tabanca Grande e partilhar connosco a(s) memória(s) do nosso saudoso camarada, e seu tio, Fernando Ribeiro que a morte, traiçoeira, levou cedo desta vida. Ele que nos contacte. Obrigado também à nossa amiga, M.L., que tudo tem feito para que a memória do seu amigo Fernando não se perca.


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Notas do editor: 

(**) Sobre o Fernando Ribeiro, vd. postes de:



Guiné 63/74 - P8879: Parabéns a você (325): Manuel Resende, ex-Alf Mil da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884 (Teixeira Pinto, 1969/71)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8874: Parabéns a você (324): José Carmino Azevedo, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 2487/BCAV 2868 (Bula, 1969/71)

domingo, 9 de outubro de 2011

Guiné 63/74 – P8878: Memórias de Gabú (José Saúde) (9): Batuque em Gabú e na Messe de Sargentos


1.   O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem, dando seguimento ao desfilar das suas recordações.

BATUQUE EM GABÚ E NA MESSE DE SARGENTOS

  NOITE DE DESCONTRAÇÃO

O som do batuque deliciava-me! Noite de batuque era noite de ronco na tabanca. A população, numa correria louca, desfazia-se em contactos e os nativos, faustosos, marcavam presença no local do estrondo. O tocador, ou tocadores, bem cedo diziam presente. As bajudas, sempre destemidas, envergavam indumentárias garridas e davam cor ao espectáculo. Os rapazes, com vestes compridas, impunham a sua condição de machos negros e as pomposas donzelas esculpiam os seus rabos ao toque do tambor.

Ao lado, homens e mulheres já entrosados com a idade, agitavam-se com os estrondos vindos dos instrumentos das mãos dos tocadores. Os corpos do pessoal do batuque desenhavam figurinos encantadores. Descalças e descalços o pessoal da tabanca obsequiava com humildade os convivas. Paulatinamente os corpos joviais, alguns divinais, iniciavam o processo da destilação. Um processo que não colocava senãos a gentes que por teimosia ousavam desafiar o calor da noite. Os cheiros não importavam!

Recordo as minhas saídas nocturnas na companhia de outros camaradas a caminho de Gabú para ouvirmos e vermos ao vivo as maravilhas de um batuque das gentes guineenses. Em noite de luar era mais fácil a aproximação “à manga de ronco”. A pequena multidão, em círculo, facturava momentos ímpares de incontidos prazeres.

O toque do batuque generalizou-se, também, a nível dos quartéis. Era comum os militares terem nas suas instalações os respectivos tambores. Numa noite de plena descontracção a rapaziada juntou-se e toca a batucar. Nesta perspectiva um grupo de tocadores improvisados brindou a malta da messe de sargentos em Gabú com os melodiosos sons oriundos de caixas feitas pelos ilustres mestres negros.

A receptividade da iniciativa mereceu honras dos camaradas que a seguir, e à nossa volta, se predispuseram para ofertar refrescantes bebidas aos tocadores. Numa noite de batuque, e sem danças ondulantes, uma cuba livre foi divinal!

 Tocadores acertaram as “mãos” nos instrumentos e os camaradas… gostaram!
Um abraço a todos os camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

5 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 – P8862: Memórias de Gabú (José Saúde) (8): Guiné em tempo de paz: Visita a Madina Mandinga

Guiné 63/74 - P8877: O Nosso Livro de Visitas (118): Um fuzileiro do Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE) nº 12, há 30 anos na Austrália (António Lourenço)





1. Mensagem e foto enviadas para os e-mails dos editores, por um Camarada nosso na diáspora, António Vieira, com data de ontem:
 Caros Colegas,
Excelente reunião de contactos e histórias que vocês conseguiram reunir. Fiquei surpreendido pelo excelente trabalho que conseguiram, em reunir os filhos da Escola de Fuzileiros.

Chamo me António Lourenço, sou emigrante na Austrália há 30 anos e gostaria de partilhar a minha história, mas principalmente encontrar os meus colegas do DFE 12, destacado na Guiné 1972/74, em Guantore e Cafine.

Qualquer contacto por favor partilhem no meu facebook, ou no meu e-mail: antonio.lourenco.estreito@gmail.com

Saudações de colega,
António Lourenço
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

5 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8860: O Nosso Livro de Visitas (117): Samuel Vieira, guineense da diáspora, engenheiro informático no Brasil, elogia o nosso blogue

Guiné 63/74 - P8876: O Pel Rec Fox 8870 (Cufar, 1973/74)


Primeira página do blogue Pel Rec Fox 8870 (Cufar, 1973/74)...  Tem ainda poucos postes (apenas dois, desde Novembro de 2010), e poucos visitantes (pouco mais de 750), mas não deixa de ser interessante, nomeadamente pelo seu álbum fotográfico. 

É mais um de muitos, criado e organizado para salvar as memórias de uma subunidade  do TO da Guiné...  Este Pel Rec foi comandando pelo Alf Mil Cav Faria. Este pessoal já realizou o seu 3º encontro em 31/7/2011, em Elvas. (O 1º foi em Fátima, em 2009; o 2º, na Mealhada, em 2010).



O Barbosa e "impedido" da subunidade, o puto Cherno Baldé


Guiné > Região de Tombali > Cufar > A equipa de futebol do Pel Rec Fox 8870...  com a sua "mascote", o "djubi" Cherno Baldé...


Guiné > Região de Tombali > Cufar > O estado em que ficou o jipe destruído por mina A/C, e que matou 2 militares e 3 civis da Intendência, em 2 de Abril de 1974, tragédia já aqui evocada, por exemplo pelo camarada António Graça de Abreu (que estava em Cufar nessa altura, no CAOP1) e o que o nosso editor comentou nestes termos:

"Foi no dia 2 de Março de 1974, sábado, um 'dia do diabo' (sic)...Entre Cufar e o porto do rio Manterunga, numa picada que não teria mais de cem metros, batida milhares de vezes pelos jipes e demais viaturas militares, os guerrilheiros do PAIGC lembraram-se de lá deixar uma brinquedo de morte: uma vulgar mina anti-carro, reforçada por uma bomba de um Fiat (!) que não tinha explodido... Um jipe do pelotão da Intendência, o PINT 9288, comandado pelo Alf Mil João Lourenço (membro da nossa Tabanca Grande), accionou o engenho. Os cinco ocupantes, dois militares, brancos (o Fur Mil Pita e o Sold Santos, o Jeová), e três civis, estivadores, guineenses, encontraram aqui a morte... 

"Mais à frente, outra mina, enterrada no lodo do rio, provocou a explosão, em cadeia, de batelões atracados ao cais e carregados de bidões de gasolina... Cerca de duas dezenas de estivadores perderam a vida, num cenário dantesco...'Vi coisas nunca vistas e que nunca mais quero ver', escreveu o António"...

No blogue do Pel Rec Fox 8870, a legenda desta foto diz apenas, laconicamente: "Morte de quatro militares da 'Intendência'. Mina anticarro detonada à distância" (sic).


Fotos: Cortesia do blogue Pel Rec Fox 8870

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Nota do editor:

Último poste da série >24 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8704: Blogues da nossa blogosfera (45): encore de l'audace, Página do nosso camarada Paulo Santiago

Guiné 63/74 - P8875: (In)citações (34): Que país é este, Portugal, que faz de poetas soldados e de soldados poetas ? (Cherno Baldé)

1. Comentário de Cherno Baldé [, na foto à esquerda, estudante em Kiev, Ucrânia, ex-URSS; em 1989], ao poste P8861:

 
Caros amigos,

Sobre Portugal, muitas vezes, apeteceu-me perguntar:
- Que país este que faz de poetas soldados e de soldados poetas?...

Ao Luís Graça quero aqui apresentar as minhas desculpas pela desatenção e irregularidade e dizer que estou muito satisfeito pela forma como apresenta os meus textos na nossa Tabanca, com ou sem acordo ortográfico. Na verdade, tento escrever respeitando o acordo, mas nem sempre consigo fazê-lo por ignorância minha e nem sempre me soa tão bem, por força do hábito.

Eu estou de acordo com o A. Almeida, quando diz que o mais importante é "Ter algo a dizer e dizê-lo".

Na minha opinião, não obstante o acordo assinado, se Portugal quiser manter uma certa originalidade da sua/nossa língua, terá que investir nas novas tecnologias da informação porque constatei que neste momento, o tradutor do Google faz a tradução em português do Brasil e vai ter muita aceitação entre utilizadores não portugueses.

Pessoalmente não tenho nada contra e confesso que nem sempre compreendia os meus professores em Portugal, quando nas recomendações de leitura omitiam os autores e/ou traduções brasileiras, quando a maior parte dos livros recomendados estavam em inglês ou francês.

Até prova em contrário, não vejo nenhum inconveniente em utilizar o termo rafeiro que preferi ao termo cão, mais pejorativo mas nem por isso menos digno. O cão é um animal que simboliza a mais forte e a melhor da lealdade.

Fico muito grato a todos pelo apoio moral e encorajamento.

Um grande abraço a todos,

Cherno Baldé

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Nota do editor 

Guiné 63/74 - P8874: Parabéns a você (324): José Carmino Azevedo, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 2487/BCAV 2868 (Bula, 1969/71)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8872: Parabéns a você (323): Agradecimento de Jorge Rosales