terça-feira, 15 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9903: Tabanca Grande (338): José Carlos Suleimane Baldé, ex-1º cabo at inf, CCAÇ 12 (Contuboel, Bambadinca e Xime, 1969/74)

Sonhei com Portugal
[poema de José Carlos Suleimane Baldé]

Era uma noite,
calma,
serena!
Um ambiente bem silencioso!
Vejo os céus de Portugal.
Alguém disse:
- Levanta a cabeça!
Nos céus sem nuvens
vi variadíssimas estrelas
que nunca vira antes!
De repente soou um grito,
dizendo:
- Não tenhas medo,
que aqui é Portugal!




1. José Carlos Suleimane Baldé, simplesmente Zé Carlos (*)... O "morto-vivo" da CCAÇ 12!...  Já te deram por morto e ressuscitado, não sei quantas vezes!... Parafraseando Mark Twain, podemos pois dizer que a tua notícia da tua morte, logo em 1974, foi manifestamente exagerada. 


De qualquer modo, não tenho tido notícias tuas desde o ano passado, na altura em que  realizaste o teu grande sonho de vir conhecer Portugal, terra que tu tanto amas (ou amavas) mas que  te tratou com ingratidão.  A ti e a outros milhares de combatentes guineenses que estiveram sob a bandeira portuguesa.  Essa viagem foi possível graças à generosidade de muitos camaradas, e sobretudo da Odete Cardoso e do Jaime Pereira. (Abrindo um parênteses, não confundamos Portugal e a sua gente, com o Estado e a elite dirigente; eu também não confundo a tua terra e a tua gente, com os que mandam e falam abusivamente em seu nome).

Quando chegámos a Contuboel, em 2 de junho de 1969, depois de desembarcarmos em LDG no Xime, e de seguirmos em coluna auto por Bambadinca e Bafatá, descobrimos que dos 100 soldados do recrutamento local que se juntaram aos 50 quadros e especialistas da CCAÇ 2590 para vir a formar a futura CCAÇ 12, nenhum deles falava português... A única exceção eras tu, Zé Carlos!... Serias aliás o único soldado arvorado que chegaria  a 1º Cabo,  no meu tempo (Foste promovido logo a seguir, em setembro de 1969., lembras-te ?). 


José Carlos Suleimane Baldé, o dedicadíssimo, delicadíssimo, educadíssimo Zé Carlos, uma joia de rapaz!.. 

Terias na altura 18 anos, não ? A gente não sabia a vossa idade, vocês fintavam os tugas, só para ir para a tropa!... Tínhamos de tudo, djubis e homens grandes, alguns já mesmo velhotes... Lidei, convivi bastante contigo, no 4º Grupo de Combate (por onde passei mais tempo), considerei-te, desde logo, como "secretário particular, intérprete, cozinheiro, guarda-costas, e sobretudo amigo e camarada".  Emprestei-te livros, dei-te cadernos, ajudei-te a melhorar o domínio do português. Falei-te da minha terra.

Pertencias à 2ª secção, comandada pelo Fur Mil At Inf António Marques, até àquele fatídico dia, 13 de Janeiro de 1971 -lembras-te ? -,  em que caímos todos juntos, uma GMC inteira, numa potente mina A/C às portas de Nhabijões. 

Estive contigo  em muitas operações. E em várias tabancas fulas em autodefesa. Tu ajudaste-me a perceber melhor a tua gente, a tua história, a tua língua, a tua cultura e até a tua religião. 

Até há um ano e meio atrás, eu não sabia nada de ti nem do curso da tua vida, depois da independência. Sempre receei pela tua segurança. Hoje sei, sabemos, que vives perto do Xime, com a tua família. Voltei a rever-te e a abraçar-te, com grande emoção, em Coimbra, no dia 21 de maio de 2011. 

Zé Carlos: abandonados por nós, ostracizados pelo teu Governo, os nossos antigos camaradas guineenses vão desaparecendo rapidamente, vítimas da perseguição, da doença, da miséria, da discriminação, do abandono, do esquecimento, e até da falsificação da história... Recordá-los, recordar os seus nomes, publicar as poucas fotos que temos deles, é o mínimo dos mínimos que podemos fazer no nosso blogue!... 

Da nossa CCAÇ 12, dos meus antigos 100 camaradas, do meu tempo de Contuboel e de Bambadinca (junho de 1969/março de 1971), restarão muito poucos, menos de duas dezenas. Entre eles, felizmente, estás tu, Zé Carlos.

 Em 29 de maio de 2011, tu vieste à minha escola para te despedires de mim, depois de umas férias fantásticas no teu querido Portugal.  Vinhas acompanhado pelo António Marques e a Gina. Dessa vez achei-te  abatido, apreensivo, na véspera de partires.   Não te mostraste tão expansivo, como em Coimbra. Pedi-te para fazer uma saudação para os teus antigos camaradas da CCAÇ 12, que eu gravaria em vídeo, mas tu recusaste polida e delicadamente. Acredito que o teu estado de espírito estivesse associado à ansiedade e tristeza da partida, além da  convição  de que na tua terra continuarias a ter  muitas poucas ou nenhumas perspectivas de futuro. 

Por outro lado, voltavas amargurado: em Portugal, os teus papeis da tropa (portuguesa) de nada te valeram. Devem ter-te explicado, um burocrata qualquer: o sr. Suleimane Baldé nunca fizera descontos  para  a Caixa Geral de Aposentações; além disso, não era cidadão português... 

Esta era talvez  a maior decepção que tu levavas da tua primeira (e provavelmente última) viagem a Portugal... Os cinco anos e duzentos e tal dias que estiveras ao serviço do exército português  não te davam quaisquer benefícios nem constituíam quaisquer direitos... 

E, no entanto, tu guardas (ou guardavas) religiosamente a bandeira verde-rubra na tua morança!... Por essa bandeira, pela tua aliança com os tugas,  estiveste em risco de ser condenado e executado nos tempos de brasa, possivelmente por volta do 11 de março de 1975 (altura em que terão sido  executados o Jamanca e o Abibo Jau, da CCAÇ 21,  em Madina Colhido )... "Valeram-me os anciãos de Bambadinca que, em pleno tribunal popular, me defenderam, a mim,  Suleimane Baldé, como um bom homem, um bom professor, um bom fula,  e um bom guineense" - confidenciaste-me tu, o ano passado...

Disseste-me com  alegria  que irias, dentro em breve, casar a tua filha com o filho de um antigo camarada e amigo da 2ª secção do 4º Gr Comb da CCAÇ 12, o Sori Baldé...

Constatei, com amargura, que tu já não pertencias ao meu mundo, pertencias a um outro mundo, o teu mundo, para o qual regressavas, definitivamente... Ainda pensei, num impulso de generosidade e de camaradagem,  em convidar-te  a integrar o nosso blogue... Mas percebi a tempo, numa fração de segundo de lucidez,  quão atrozmente ridícula era a minha proposta!... 

Na tua tabanca tu não tens nada, para além de um telemóvel e de uns óculos, para ler,  que te deu a Odete Cardoso, esposa do Jaime Pereira, casal que são padrinhos da tua filha mais nova, e que te acolheram em Portugal...

Aliás, o que é que tu tens, no ocaso da vida ? Uma família para sustentar,  uma morança, alguma terra para lavrar, uma saúde precária, uma velhice incerta... Antigo professor ou monito escolar (tarefa que te terá sida atribuída, depois de ferido em combate), não tens computador nem email nem internet nem sabes o que é isso... Não tens nada. Tens medo, continuas a ter medo, medo da palavra "política" e dos grandes inquisidores que te levaram a "tribunal popular" em Bambadinca... 

Na altura, em 29 de maio de 2011, eu escrevi ou pensei: "Confesso que fiquei deprimido por sentir que há homens que podem ter medo do medo... E  que podem ainda, hoje, quarenta anos depois do fim da guerra colonial, sentir medo... E eu tenho medo de escrever mais e complicar a vida de antigos camaradas meus, que foram meus camaradas de armas"...

Afinal, um blogue, para quê ?,  perguntarias tu...  O que é isso, de blogue ?... E que resposta te poderia eu dar, meu velho Zé Carlos  ? Não saberia dar-te nenhuma, naquele momento... Em suma, desisti da ideia de te "atabancar" numa Tabanca Grande que não te diria nada, e que tu nunca reconhecerias... porque é uma coisa virtual, uma ideia abstrata, com um suporte digital, que nem tem cor, nem cheiro, nem sabor...

Mas hoje, passado quase um ano, e depois de voltar a ver  o teu nome numa lista de fuzilados da CCAÇ 12, deu-me ganas de voltar a pegar na ideia e de concretizá-la. Não tenho poder, não tenho nenhuma varinha mágica para te poder trazer para Portugal (como tu sempre sonhaste, e confessavas ao António Marques, com quem te correspondeste regularmente entre os anos de 2000 e 2004... e o Marques tem essas cartas!)... Nem sei se  tu aqui serias mais feliz do que na tua tabanca... Tenho todas as dúvidas, hoje mais do que nunca.... 

Mas há uma coisa que eu posso fazer por ti,  Zé Carlos, para além de prometer visitar-te (quando,  e se,  um dia voltar à Guiné-Bissau, e nessa altura conhecer a sua família, e se possível rever mais alguns camaradas da CCAÇ 12, os poucos que restarem vivos)... Ora o que eu posso fazer por ti, é da mais elementar justiça: é admitir-te  na nossa Tabanca Grande e sentar-te  à sombra do nosso simbólico, mágico, secular, portentoso, protetor,  fraterno poilão!...  

Para que o teu nome e o teu arreigado amor a Portugal não sejam esquecidos, para que a nossa velha amizade e camaradagem  continuem a ser celebradas, apesar da distância, apesar das nossas diferenças, apesar das nossas tristezas, qpesar das nossas desilusões. apesar das nossas memórias doridas!...  Faço-o à tua revelia, mas na convicção de que um dia destes  tu vais aceitar e compreender o meu gesto.  Se alguém, guineense, da CCAÇ 12 merece estar aqui, és seguramente tu. E serás o primeiro e muito possivelmente o último.

Sê bem vindo, Zé Carlos, à Tabanca Grande. És o grã-tabanqueiro nº 557. Peço à dr. Odete Cardoso que te vá dando  notícias nossas, por telefone e carta.  Devo dizer-te que não és o único "morto-vivo", o nosso António Batista também o é; além disso,  também não tem e-mail, mas foi acolhido, com todo carinho, neste espaço vritual onde se reúnem os velhos combatentes da Guiné, portugueses e guineenses, independentemente do seu passado, do seu presente, das suas crenças, e das suas perspetivas de futuro...  


Que Alá te proteja, meu bom amigo e camarada Zé Carlos! És e foste sempre um grande homem e combatente!


Luis Graça, ex-fur mil at armas pesadas inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971)


PS - Não combinei nada com ele,  mas peço ao António Marques  [, foto à esquerda,  ladeado por ti e pela Gina, Lisboa, no parque da minha escola, em 29 de maio de 2011,] que seja o teu "padrinho" na Tabanca Grande, e que te "empreste" o email dele...  Espero poder encontrá-lo mais logo, aqui ao pé de casa, em Alfragide, na missa do 1º aniversário da morte da nossa amiga Teresa Reis (1947-2011), esposa do Humberto Reis.
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Notas do editor:

(*) Vd. postes referentes (ou com referências) ao Zé Carlos:

4 de junho e 2011 > Guiné 63/74 - P8372: Os nossos camaradas guineenses (33): O Zé Carlos regressou ao seu mundo, à sua tabanca, à sua morança... (Luís Graça)

22 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8311: Os nossos camaradas guineenses (32): José Carlos Suleimane Baldé... Pensando na CCAÇ 12, em Coimbra, em Amedalai, em Bambadinca... Andando pelo Planaltod as Cesaredas, à procura de amonites e orquídeas-abelhas... Celebrando a biodiversidade, a etnodiversidade, a camarigagem, os nossos encontros e desencontros... (Luís Graça)




Guiné 63/74 - P9902: Parabéns a você (419): António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493 (Guiné, 1972/74)

Para aceder aos postes do nosso camarada António Eduardo Ferreira, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9877: Parabéns a você (418): Daniel Agostinho Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2861 (Armando Pires)

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9901: Em busca de... (188): Pessoal da CCAÇ 417 (Empada, 1963/65) (Jorge Soares Branco)

1. Mensagem do nosso leitor e camarada José Soares Branco (que esteve em Empada,  e noutros sítios da Guiné, 1963/65) [, Foto á esquerda, Empada, vista aérea, 1974; foto de António Graça de Abreu]:


De: José Soares Branco [mailto:soares.branco@laborial.com.pt]
Data: domingo, 13 de Maio de 2012 23:32
Assunto: Guiné (1963/1965)


Caro Amigo Luís Graça,


Estive na Guine, incluído na Companhia de Caçadores 417. como Furriel
Miliciano. 


Salvo raras exceçoes, não tenho contacto com colegas de então.


Pode ajudar-me ?


Estivemos no aquartelamento de Empada mas, enquanto companhia de
intervenção, actuámos em vérios pontos da Guine, tambem mais a norte.


Chegámos à Guine em Fev de 1963.


Um abraço amigo,


José Soares Branco


2. Comentário de L.G.:


Sê bem vindo ao nosso blogue, camarada do caqui amarelo!... Perante tanta velhice, nós, piras, temos que piar três vezes. As nossas saudações para ti e restante rapaziada, hoje septuagenária, da CCAÇ 417,  de quem infelizmente não temos ninguém inscrito na Tabanca Grande. Tu podes ser o primeiro se nos mandares as duas fotos da praxe e nos contares uma história... Diz-nos também onde vives e o que fazes nos tempos livres...


Pois é, Jorge, vejo que apanhaste os anos de chumbo da guerra. Daí haver por  certo coisas (boas e más) que guardas na tua memória... Uma das poucas  referências que temos à tua companhia vem num poste do ex-cap George Freire, hoje a viver na América.



(...) 15/3/63: 


Chegou um pelotão da CCaç 417 que seguirá para Caboxanque. Enviei uma grande coluna de 10 viaturas para Emberem [Jemberém]  para trazer o resto dos víveres pertencentes aos Fulas.


16/3/63: 


O pelotão da CCaç 417 seguiu para Caboxanque para render o Pelotão 859. (...)


Consulta também este poste do pira  Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, que esteve em Ingoré, Aldeia Formosa, BubaEmpada, entre 1968 e 70): 

(...) Conjugando os testemunhos já dados, com as acções havidas no Subsector de Empada, pela CCaç 153 – Fulacunda 1961/63 sob o Comando, ao tempo, do Cap Inf José dos Santos C. Curto, e, também,  da CCaç 417 - 1963/64, esta por ter sido colocada na sede deste Subsector sob o Comando ao tempo do Cap Inf Carlos F Delfino:

“Por elementos da população também fora-me dito, que ao tempo as Autoridades Militares e Administrativas, condicionaram a população residente a ficarem controladas por nós ou a refugiar-se em Tabancas no mato, Sic.”
Entre outros fora o guerrilheiro Nino que escolhera refugiar-se no mato, ouvia-se dizer por ele ser de Empada e que ali tinha familiares não se lhe oferecia a flagelações. (...).

Há notícias de um camarada teu, António Ferreira, de Gindomar no blogue do nosso camarada Carlos Silvca. Consulta aqui (vd. foto de 2009).

Mas o pessoal da Tabanca Grande, teus camaradas da Guiné, de 1961 a 1974, vão-te dar uma ajuda a localziar mais malta da tua CCAÇ 417. Até uma próxima. LG


PS - A CCAÇ 417 foi mobilizada pelo RI 15, partiu para a Guiné em 6/2/63 e regressou a 18/7/65 (?)... Esteve em Empada e Bissau. Comandante: Cap Inf Carlos Figueiredo Delfino.

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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9893: Em busca de ... (187): Maria Luísa procura ex-combatentes da CCAV 1693 e do BCAV 1915, camaradas de seu marido, falecido recentemente

Guiné 63/74 - P9900: Agenda cultural (200): Apresentação do livro de Mário Beja Santos, "Adeus Até ao Meu Regresso" na Biblioteca Municipal de Pedrógão Grande, dia 18 de Maio de 2012, pelas 21h30

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9841: Agenda cultural (199): Intervenção de Mário Beja Santos na Tertúlia sobre o livro de sua autoria "Adeus até ao meu regresso", realizada no passado dia 26 de Abril em Lisboa

Guiné 63/74 – P9899: Convívios (434): Almoço comemorativo do 40.º aniversário do regresso do BCAV 2922, dia 16 de Junho de 2012 no RC 3 em Estremoz (Francisco Palma)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Palma (ex-Condutor Auto Rodas da CCAV 2748/BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72), com data de 11 de Maio de 2012:

Estimados Camaradas e Amigos, Luís e Carlos
Venho por esta solicitar a vossa melhor colaboração no sentido de divulgarem no Blog Luís Graça & Camaradas da Guiné o programa anexo que tem para além do habitual reencontro e convívio, um incentivo especial, ou seja a celebração dos 40 anos do regresso do nosso Batalhão e que se realiza dentro das instalações do Regimento de Cavalaria 3 em Estremoz, local onde se formou o mesmo antes da partida para a Campanha na Guiné.

Um muito obrigado
Saudações de Amizade e Camaradagem
Francisco Palma


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 – P9884: Convívios (251): 7º Encontro da CCAÇ 1426, 7 de Julho de 2012, em Vila Amélia (Fernando Chapouto)

Guiné 63/74 - P9898: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (16): Guidaje foi há 39 anos...

1. Sobre Guidaje, há uma referência apenas do Diário da Guiné (1972/74) (*), da autoria do nosso camarada e amigo António Graça de Abreu. Vem na entrada "Mansoa, 26 de Maio de 1973"... 

Colocado com alf mil de secretaria num CAOP1 (Mansoa), o António Graça de Abreu  estava relativamente bem colocado para ir sabendo das novas da guerra... Muito  melhor colocado do que qualquer um de nós, que fomos operacionais mas atuámos sobretudo a nível de setor ou subsetor, com uma visão necessariamente fragmentada e parcelar da situação operacional e político-militar...

Este documento diarístico vale também, para a historiografia da guerra colonial na Guiné,  por nos dar uma outra visão, e aliás bastante interessante, a  do estado de espírito ou do moral das nossas NT... Neste caso há referência explícita a tropas especiais, uma companhia do BCP 12 que regressa de Guidaje, e a 38ª CCmds (adida ao CAOP1) que parte para Guidaje...

Amigos e camaradas, leitores do nosso blogue: O "inferno de Guidaje" começou justamente a 8 de maio de 1973, faz agora 39 anos... Dizem os historiógrafos militares Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes que a operação de auxílio a Guidaje, reabastecimento e contra-ofensiva durou um mês (de 8 de maio a 8 de junho de 1973), e envolveu mais de mil homens das NT (na sua maioria, tropas especiais, comandos, fuzileiros e paraquedistas). Nunca é de mais evocarmos, nestas efemérides, o pesado sacrifício que foi pago pelos combatentes, de um lado e de outro, envolvidos nesta e noutras batalhas sangrentas da Guiné, ligadas a topónimos estranhamente começados por G (Guidaje, Guileje, Gadamael, Gandembel)...

 Recorde-se, mais uma vez,  para os eventuais leitores interessados,  que há uma edição comercial do livro do AGA. Referência completa: António Graça de Abreu - Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp. (*) (LG) 


Mansoa, 26 de Maio de 1973

[, Na foto, o AGA, na estrada Mansoa- Porto Gole, em 1973, a G3 numa mão e a máquina fotográfica na outra]

A Guiné ferve, até de boatos. Tenho a vantagem de estar razoavelmente bem informado sobre o que vai acontecendo. 

O PAIGC, confiante e moralizado, passou à ofensiva. Começaram há quinze dias atrás por se concentrar em Guidaje (**), na fronteira norte e agora sobre Guileje, na fronteira sul, as duas povoações trissilábicas, ambas começadas por “Gui”, sinónimo de desespero e morte. 

Um alferes pára-quedista meu amigo que passou agora por aqui com os seus homens vindos de Guidaje a caminho de Bissau, rotos, sujos, barbas de dias, os olhos afundados no nada, disse-me: “Lá para cima é só ferro, não se pode ir.” 

Guidaje, embora flagelada continuamente há mais de duas semanas, tem-se aguentado. Não se pode ir para lá, mas ontem quase toda a 38ª. Companhia de Comandos partiu para Guidaje. Os quarenta homens que lá haviam estado, com o nosso David Viegas que aí morreu, permaneceram em Mansoa. Já tinham tido um morto e o soldado Tavares sem um pé. Foi triste ver partir os restantes. Formaram a Companhia, saudaram toda a gente.

Antes houve bebedeiras, risadas secas a tentar afugentar o medo, a incerteza de voltarem vivos. A zona de Guidaje está cheia de guerrilheiros, a terra fica a quinhentos metros do Senegal – dizem-me que a pista de aviação entra por dentro do território do Senegal, – e, do outro lado, em Cumbamori no país do Senghor, os combatentes do PAIGC têm uma grande base militar. 

A partir de Bissau, lançou-se uma operação com o batalhão dos Comandos Africanos, cerca de 500 homens, sobre Cumbamori. Saiu um comunicado especial das Forças Armadas onde se refere a destruição do quartel de Cumbamori, só não se diz que este quartel fica no Senegal, tudo mais está mais ou menos correcto. O número de elementos IN abatidos, cento e sessenta e sete no total, é que pode criar algumas confusões porque engloba civis, às vezes mulheres e crianças, tudo o que aparece à frente e é suspeito de estar com os guerrilheiros, é frequentemente abatido. Na retirada, os Comandos Africanos foram atacados por blindados senegaleses e sofreram vinte e tal mortos.

O pessoal anda amedrontado. Ontem na messe, ao jantar, quase todos saltaram das cadeiras, ouviu-se um rebentamento. Afinal era a porta do frigorífico.

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Nota do editor:


(**) Sobre Guidaje temos mais de 140 referências no nosso blogue. Sobre a intervenção da CCP 12/BCP 12 bem como da 38ª CCmds ver aqui os seguintes postes de camaradas nossos:

Victor Tavares (CCP 121/BCP 12) [, foto à direita]:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1316: A participação dos paraquedistas na Operação Ametista Real: assalto à base de Kumbamory, Senegal (Victor Tavares, CCP 121) 


Amílcar Mendes (38ª CCmds) [, foto à esquerda]

27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)


23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje
 

24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

Aniceto Afonso  [, foto à esquerda,] e Carlos Matos Gomes, [, foto à direita,] historiógrafos militares [, tendo o segundo participado na Op Amestista Real, como oficial do BCA]


21 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1198: Antologia (53): Guidaje, Maio de 1973: o inferno (Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes)

(...) "Para cercar Guidaje, o PAIGC começou por cortar o itinerário de Binta e instalar sistemas antiaéreos com mísseis Strela. O isolamento aéreo de Guidaje iniciou-se com o abate de um avião T-6 e de dois DO-27 e o terrestre acentuou-se em 8 de Maio, quando uma coluna que partira de Farim, escoltada por forças do Batalhão de Caçadores 4512, accionou uma mina anticarro e foi emboscada, sofrendo 12 feridos. 


"Em 9 de Maio, a mesma força foi de novo emboscada, mantendo-se o contacto durante quatro horas.

"A coluna portuguesa sofreu mais quatro mortos, oito feridos graves, dez feridos ligeiros e quatro viaturas destruídas, deslocando-se então para Binta, em vez de subir para Guidaje" (...).

(...) "Em 23 de Maio, saiu uma coluna de Binta para Guidaje protegida por uma companhia de pára-quedistas [, a CCP121]. A coluna regressou ao ponto de partida, porque a picada estava minada em profundidade, e a companhia de pára-quedistas, apesar de ter sofrido violenta emboscada feita por um grupo de cerca de 70 elementos, que lhe causou quatro mortos, chegou a Guidaje " (...). 

(...) "Em 29 de Maio, foi organizada uma grande operação para reabastecer Guidaje. Constituíram-se quatro agrupamentos com efectivos de companhia em Binta e dois agrupamentos em Guidaje, estes para apoiar a progressão na parte final do itinerário. A coluna alcançou Guidaje nesse dia, tendo sofrido dois mortos e vários feridos" (...).

(...) "Em 12 de Junho, considerou-se terminada a operação de cerco a Guidaje. Uma coluna partiu desta guarnição para Binta, trazendo o tenente-coronel Correia de Campos, que comandara o COP3 durante este difícil período.

"Baixas das colunas de e para Guidaje, entre 8 de Maio e 8 de Junho de 1973: Mortos: 22; Feridos: 70; Viaturas destruídas: 6.

"Em suma, o primeiro objectivo do PAIGC foi isolar Guidaje, o segundo foi flagelar a posição e destruir o espírito de resistência das forças portuguesas e o último seria conquistar a povoação. 

"Guidaje sofreu, entre o dia 8 e o dia 29 de Junho, 43 flagelações com artilharia, foguetões e morteiros. Logo no dia 8 esteve debaixo de fogo por cinco vezes, num total de duas horas, em 9 sofreu quatro ataques, em 10 três, e até ao final todos os dias foi atacada. No total dos 43 ataques, a guarnição de Guidaje sofreu sete mortos, 30 feridos militares e 15 entre a população civil. Foram causados estragos em todos os edifícios do quartel" (...).

Sobre Op Ametista Real, ver ainda:

16 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXV: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) (João Almeida Bruno)

Ainda sobre Guidaje, vd aqui tambémo depoimento de José Afonso, que pertenceu à CCAV 3420:

Guiné 63/74 - P9897: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (52): Encontro o Leopoldo Amado na Feira do Livro de Lisboa, 4 anos depois de Bissau: está agora no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, como investigador no programa de pós-doutoramento (Luís Graça)



Lisboa > Parque Eduardo VII > 82ª Feira do Livro de Lisboa, 2012 > 12 de maio de 2012 > O nosso amigo Leopoldo Amado, ladeado pela Alice, Luís, João e Joana... Mais uma prova de que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!... Tanto o Leopoldo como a família Graça (com exceção da Joana) têm morança na Tabanca Grande.





1. Imaginava-o em Cabo Verde, na cidade da Praia, transmitindo aos seus alunos caboverdianos o seu largo e profundo saber de guineense, português, cidadão do mundo, em matéria de história contemporânea, e mais exatamente da história recente da nossa amada e sofrida Guiné-Bissau... Mas, não, o Leopoldo está, no ano letivo em curso, a trabalhar na Universidade de Coimbra, no prestigiado Centro de Estudos Sociais, onde é investigador no programa de pós-doutoramento.


Andava eu, mais o João, acabado de chegar de umas férias na Índia, a visitar a feira do livro, mais a Alice e a Joana (enfim, não é todos os dias que se reúne a família toda!), quando dou de caras com o nosso grã-tabanqueiro Leopoldo Amado, amabilíssimo, como sempre, e que de imediato nos reconheceu a todos. Já não o via pelo menos desde Março de 2008,  na altura em que estivemos junto no Simpósio Internacionald e Guiledje (Bissau, 1-7 de março de 2008).


No sábado passado, dia 12 de maio, às 18h30, tinha-se realizado, no auditório da APEL - Associação Portuguesa dos Editores e Livreiros, na 82ª Feira do Livro de Lisboa, no Parque Eduardo VII,   uma "Mesa Redonda sob o tema: História e Literaturas em Língua Portuguesa: Expressões da Diversidade" (que eu lamentavelmente perdi)... O nosso Leopoldo Amado era um dos oradores, a representar a sua terra natal... Já agora tome-se boa nota dos restantes escritores lusófonos que participaram nesta iniciativa inserida no âmbito da Semana Cultural da  CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa,

Oradores: 


Pires Laranjeira (moderador) – Portugal; 
Luís Kandjimbo - Angola; 
Luís Carlos Patraquim – Moçambique; 
Luis Costa – Timor; 
José Luís Hopffer Almada – Cabo Verde; 
Maria Esther Maciel – Brasil. 


 E já agora, que estamos em maré de lusofonia, acrescente-se que a CPLP também marcou presença marcada no último dia da Feira do Livro de Lisboa, domingo, 13,  com uma sessão de lançamento de livros de autores lusófonos residentes em Portugal, entre outros originários dos Estados-membros da CPLP, sessão que decorreu no Pavilhão da Câmara Municipal de Lisboa,   na 82ª Feira do Livro de Lisboa. Obras apresentadas com respectiva sessão de autógrafos:

“Marcas da guerra” e “Lexical Doutrina” de Lopito Feijó  [n. 1963, poeta e ensaísta angolano]
"Paraíso Apagado por um Trovão" de José Luís Tavares [n. 1967, poeta caboverdiano, a residir em Portugal]
“O Processo dos Cinquentas - Tempo e Memória (1940-1962) - Considerações Históricas” e “Américo Boavida – Tempo e Memória” de Fernando Correia, pseudónimo literário de do angolano Fernando Edviges Chasse
“Antologias de Poesia da Casa dos Estudantes do Império – 1951-1963 – Angola, S. Tomé e Príncipe e Moçambique I e II Volume” de Aida Freudenthal [, investigadora reformada do IICT - Instituto de Investigação Científica Tropical], edição da Associação Casa dos Estudantes do Império.






2. Recorde-se que o Leopoldo Amado é, historicamente,  o segundo guinense, depois do  Pepito, a integrar o nosso blogue. É um dos nossos mais antigos grã-tabanqueiros. Está neste neste momento como investigador no programa de pós-doutoramento da UC.  Achei-o bem, de boa saúde, e otimista q.b., em relação à atual crise guineense. "Há uma nesga de oportunidade de que esta seja a última crise de reime, levando de facto à reforma das forças armadas e, se não mesmo, à sua abolição e refundação".


Como estamos "proibidos" de falar, no blogue,. da atualiddae política (entenda-se: político-partidária) dos nossos dois países, a nossa conserva fica só por aqui.


Da página da CES/UC recolhemos, entretanto,  os seguintes elementos biográficos a seu respeito:

 Universidade de Coimbra > CES > Leopoldo Amado

 (i) Nasceu em 1960 no Sul da Guiné-Bissau. 

(ii) Licenciou-se em História em 1985 pela Faculdade Letras de Lisboa - Universidade Clássica de Lisboa. 

(iii) Antes de voltar à Guiné-Bissau em 1989, concluiu em 1987 o Curso de pós-graduação em Relações Internacionais (Estudos Islâmicos) pela extinta Universidade Internacional de Lisboa e frequenta entre os anos de 1987-1989 o curso de mestrado em Estudos Africanos no Institituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa. 

(iv) Na Guiné-Bissau, tornou-se investigador do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas).

(v) Nesse país, desempenhou, sucessivamente, as funções de: Director do mensário "Baguera"; Director Comercial do Geta-Bissau (empresa privada);Vice-Presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos; Director do "Tcholoná", única Revista Cultural então existe no país. 

(vi) Trabalhou ainda na Guiné-Bissau como consultor nacional e internacional, destacando-se, entre outros, os trabalhos em matéria de gestão de projectos e planificação estratégica, desenvolvidos com a UNICEF, PLAN INTERNATIONAL, PNUD, FNUAP, RADDA BARNEN e AMNISTIA INTERNACIONAL, para além das funções de correspondente e de comentador político da BCC, Rádio France International, Voz de América, RDP África e RTP África. 

(vii) No além-fronteiras, com sede em Cabo Verde, e cobrindo outros países como Senegal, Guiné-Bissau, Gana, Guiné-Conacri e Gâmbia, trabalhou ainda como Director do SPHAC - Projecto da UNESCO para a Salvaguarda do Património Histórico da África Contemporânea, entre os anos 1995 à 2001. 

(viii) Posteriormente, em Portugal, antes de concluir um Doutoramento em História Contemporânea pela Universidade de Lisboa (2007), trabalhou como Secretário Executivo da “Guineáspora” (Fórum Mundial dos guineenses na Diáspora);

(ix) Tendo posteriormente regressado a Cabo Verde, onde, desta feita, trabalha junto da Uni-CV (Universidade Pública local), desde 2008 à esta parte, desempenhando aí, designadamente, as funções de docência em cursos de graduação (licenciaturas em História e Ciências Sociais) e em cursos de pós-graduação(mestrado em Ciências Sociais), para além de outras funções que assumiu, concomitante e alternadamente, como sejam as de Coordenador de Curso de História (Chefe de Departamento) e de Presidente do Departamento (Faculdade) de Ciências Sociais e Humanas. 

Guiné 63/74 - P9896: Notas de leitura (360): Marcello Caetano, Silva Cunha e a Guiné (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 10 de Abril de 2012:

Queridos amigos,
Às vezes faz bem retornar sem pressas às fontes escritas e rever o que os dirigentes políticos propuseram para a questão guineense. É curioso verificar que todos aqueles que se pronunciam sobre o assassinato de Cabral não cuidem de atender às súplicas de Spínola a Caetano para ter um encontro com Cabral, documento político da época, o que nos leva a perguntar se era imaginável que alguém que implorava conversações com um dirigente político tivesse alguma responsabilidade com a sua morte. E Silva Cunha, como veremos, também nos reserva surpresas.

Um abraço do
Mário


Marcello Caetano, Silva Cunha e a Guiné  (1)

Beja Santos 

É fundamental carrear para o blogue elementos doutrinais e informativos provenientes dos ideólogos políticos do regime deposto em 25 de Abril de 1974 e dos seus críticos.
A descolonização da Guiné possui ainda meandros de interpretação confusa e que requer o cruzamento de leituras, de olhares. Nesta aceção, é indispensável cruzar o que se disse antes do 25 de Abril com o que se escreveu depois. Por exemplo, no seu “Depoimento”, a primeira obra que Caetano escreveu no Brasil, ele refere uma reunião do Conselho Superior da Defesa Nacional em que questionou se a Guiné era defensável, tendo escrito que o marechal Costa Gomes respondera afirmativamente. Na longa entrevista que este oficial deu à historiadora Manuela Cruzeiro, afirmou perentoriamente que a Guiné era defensável nos termos da nova manobra do dispositivo que iria ser recuado até os aquartelamentos das nossas tropas não ficarem ao alcance dos morteiros 120. E mais afirmou que teria dito que a Guiné era defensável desde que não entrasse em ação a aviação que iria ser posta à disposição do PAIGC. Ficámos igualmente a saber que as atas deste Conselho Superior de Defesa Nacional desapareceram misteriosamente.

Enfim, é da maior utilidade pôr em cima de mesa os argumentos e deixar os historiadores falar. Na sequência do “Depoimento”, Marcello Caetano concedeu entrevistas que apareceram sobre o título “O 25 de Abril e o Ultramar”, sobre os quais é muito raro os estudiosos pronunciarem-se. Ora este texto é, a vários títulos, da maior importância. Logo a páginas 12, Caetano admite que a política que estava a executar “deveria conduzir à independência dos grandes territórios, criando condições para se tornarem Estados”. Os documentos que anexa incluem uma carta ao General Spínola, datada de 26 de Fevereiro de 1973, que é uma peça de filigrana da epistolografia política, onde quer que seja. As relações mútuas arrefeceram, Caetano justifica-se pelo facto de ter proibido uma entrevista de Spínola a um periódico nacional, bem como o litígio decorrente do estatuto da Guiné. Spínola responde em 6 de Março e justifica o seu desapontamento por sentir que a “autonomia progressiva” é alvo de calúnias e que o próprio presidente do governo dela se está a afastar. E há um trecho que pode ser uma mais-valia para perceber como os dois entraram em rota de colisão: “Afirmou-me Vossa Excelência que tendo os africanos optado pela intolerância face à presença do branco, qualquer solução política corresponderia a apressar a nossa saída de África; ouvi também a Vossa Excelência a opinião de que mais facilmente aceitaria uma derrota militar do que uma solução política que implicasse quaisquer concessões; e, anteriormente, já Vossa Excelência, perante a perspetiva de um cessar-fogo, me tinha expressado opinião de que considerava inconveniente o termo da guerra da Guiné por tal facto originar a deslocação da luta para o arquipélago de Cabo Verde”.

E Spínola brande um argumento que irá funcionar nas justificações que levarão ao 25 de Abril: “Uma tal hipótese, a meu ver, só nos oferece como alternativa o prolongamento da atual situação de desgaste até que a Nação se esgote ou, a exemplo da Índia, sobrevenha uma derrota militar, pois não vejo, no quadro da análise ponderada da situação militar, que outras alternativas se nos oferecem na hipótese de rejeição das outras soluções políticas. Não ignoro que uma derrota militar possa ser encarada em certos sectores como fatalidade solucionadora; mas se a derrota militar pode oferecer à expiação os seus responsáveis imediatos, a história não deixará de julgar quantos a não souberam evitar”. E depois espraia-se sobre o federalismo, as negociações que deviam ter continuado com o presidente Senghor, reafirma a fórmula de autonomia progressiva e o esforço desenvolvido na Guiné quanto à africanização das instituições, conservando no seu seio os germe de portugalidade.

Caetano responde a 22 de Março, volta a justificar porque não aceitou a proposta do encontro de Spínola com Amílcar Cabral, seria um precedente de consequências incalculáveis: “E era quanto a esse precedente que eu dizia preferir perder a Guiné por derrota militar, mas combatendo pelo nosso direito, do que entregá-la em negociação mais ou menos feliz”. E desloca o teor da conversa para o facto de o PAIGC ser liderado por cabo-verdianos e que a independência da Guiné levaria a deslocação da guerra para Cabo Verde. Para Caetano, “É na África austral que se joga verdadeiramente o nosso destino ultramarino. Se fosse só a Guiné, tudo seria para nós muito mais fácil”.


Silva Cunha escreve o seu livro “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril” em 1977, publica-o na Atlântida Editora. Temos aqui outro documento de incalculável valor. O último ministro da Defesa Nacional de Caetano e que esteve no governo no Ministério do Ultramar durante 12 anos tece justificações sobre a grande opção ultramarina, dando uma panorâmica do ambiente internacional do pós-guerra, como se processou a subversão da África portuguesa e as diretrizes para a defesa militar. Aí a páginas 40, refere abundantemente a Guiné: as preocupações de Senghor, quer com a Guiné Conacri quer com a passagem de material do PAIGC pelo seu território. Fala também de preocupações da Nigéria, da incógnita da atitude dos EUA e da tentativa de Senghor contribuir para o cessar da luta na Guiné, isto logo em 1963 e afirma explicitamente: “O Doutor Salazar deu abertura à solução que infelizmente, porém, não chegou a concretizar-se”.

Mesmo depois do corte de relações diplomáticas entre Portugal e o Senegal não pararam as diligências para o fim da Guerra. Foi a Dakar o Dr. Alexandre Ribeiro da Cunha acompanhado pelo inspetor da DGS em Bissau, Matos Rodrigues. Senghor pedia a suspensão das operações militares para poder ter contactos com os chefes do PAIGC e encontrar uma forma aceitável para ambas as partes. “Foi decidido transmitir instruções ao Governador e Comandante-Chefe da Guiné para que evitasse lançar operações ofensivas, limitando-se à defesa contra eventuais ataques dos guerrilheiros”. Factos subsequentes levaram a crer que as diligências do Senegal não interessavam ao PAIGC. Houve ainda encontros entre autoridades senegalesas e portuguesas em Paris, com carácter altamente secreto. Sugeriu-se a escolha de uma personalidade imparcial que pudesse vir a fazer um juízo objetivo sobre a ação do PAIGC e das forças portuguesas com o objetivo último de evitar novos incidentes transfronteiriços. Os contactos seguintes fizeram-se por intermédio do General Spínola. O resultado da reunião foi transmitido em Lisboa: Senghor oferecia-se como medianeiro para obter uma suspensão nas hostilidades, primeiro passo para entabular conversações com o PAIGC. Discutiu-se politicamente o que seriam as consequências desse cessar-fogo. E veio a avaliação feita por Silva Cunha: “Embora se começasse a fazer sentir no país, mas especialmente nas forças Armadas, um certo cansaço da luta, a verdade é que a opinião pública não estava preparada para aceitar uma mudança radical na orientação da política ultramarina”. Realizou-se uma reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional presidida por Américo Tomás para tratar da questão da Guiné. Todos os presentes concluíram não haver razão para seguir as sugestões de Senghor e que eram defendidas acerrimamente por Spínola.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9886: Notas de leitura (359): As grandes Operações da Guerra Colonial (3), edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)

domingo, 13 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9895: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (5): As memórias dos familiares dos ex-combatentes da guerra colonial como trabalho de fim de Curso de Antropologia na FCSH da Universidade Nova de Lisboa



1. Mensagem de Marta Lima, estudante universitária do curso de Antropologia da FCSH da UNL, com data de 8 de Maio de 2012:

Muito boa tarde,
O meu nome é Marta Lima e sou estudante do curso de Antropologia.

Escrevo para pedir uma possível colaboração, e passo a explicar, como trabalho de final de curso estou a escrever um projecto sobre a Guerra Colonial, mais exactamente sobre as memórias dos familiares, dos filhos e filhas dos combatentes, que ficaram por cá, já que o seu papel nesta guerra nunca foi devidamente valorizado.
Para isso, necessitava de fazer algumas entrevistas, a filhos ou familiares de ex-combatentes, e na minha procura teórica para o projecto deparei-me com o seu blog e cá estou a pedir ajuda. Claro está que todas as informações e/ou materiais recolhidos nas mesmas serão apenas e só utilizados para o trabalho, e apenas aquilo acordado com o entrevistado(a).

Sendo assim, agradeceria imenso que se conhecesse alguém disposto a dar-me essa entrevista entrasse em contacto comigo, ou se puder divulgar o meu pedido junto de outros ex-combatentes.

Termino, agradecendo mais uma vez o tempo e disponibilidade.

Com os melhores cumprimentos,
Marta Lima
 martalimonete@gmail.com 
(+351) 967 166 871


2. Comentário de CV:

Aqui fica tornado público o pedido de colaboração de Marta Lima, que está no final do seu curso de Antropologia, e que está a elaborar um trabalho para o qual serão fundamentais os depoimentos dos familiares dos ex-combatentes, que na retaguarda sofreram e viram, à sua maneira, a guerra do ultramar.

Já serão poucos os pais vivos ou em condições de colaborar, mas há as esposas, os irmãos, as madrinhas de guerra e outros familiares que se podem disponibilizar a ajudar a nossa amiga Marta Lima.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9648: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (4): O stresse pós-traumático de guerra, em estudo na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL)

Guiné 63/74 - P9894: O Nosso Livro de Visitas (136): António Martins Alves, Regimento de Cavalaria 8 - Castelo Branco, 1967/70

1. Mensagem do nosso camarada António Martins Alves que prestou serviço militar no RC 8 de Castelo Branco entre os anos de 1967 e 1970, com data de 8 de Maio de 2012:

Meu caro,
Por acaso, andava a procurar fotografias do RC8, caí no vosso blog, " Blog Tabanca Grande.

Na leitura que fui fazendo encontrei o nome de um ex-furriel miliciano que esteve no RC8, António da Costa Maria e que foi para a Guiné /esquadrão Rec Fox 2640. Pela data (69/71) esteve comigo no RC8.

Eu estive no RC8 entre 67 e 70. Gostava de entrar em contacto com ele.

Há uma página no Facebook - amigos do ex-RC8. Uma das intenções, se ele tem página no FB seria adicioná-lo ao Grupo.

O meu mail: z.zeferino@gmail.com.

No FB a página António Martins Alves.

Agradeço que lhe faça chegar esta notícia.

Os meus parabéns pelo blog.
António Martins Alves


2. Comentário de CV:

Caro camarada António Alves
Já falei telefonicamente com o António da Costa Maria que entrará em contacto consigo.
Julgo que ele não tem página no FB.

Receba um abraço
Carlos Vinhal
Co-editor deste Blogue
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9868: O Nosso Livro de Visitas (135): José Ferreira, ex-1.º Cabo (Bafatá e Teixeira Pinto, 1967/68)

Guiné 63/74 - P9893: Em busca de ... (187): Maria Luísa procura ex-combatentes da CCAV 1693 e do BCAV 1915, camaradas de seu marido, falecido recentemente

1. Telefonou, para o nosso editor Luís Graça, a Maria Luísa, natural de/ou a residir em Valpaços, Trás-os-Montes, viúva do nosso camarada António Maria Ambrósio Fernandes. Trabalha numa escola e ficou viúva recentemente.

Deseja voltar a ir aos “encontros da Guiné” do pessoal da BCAV 1915* (Tigres da Guiné), mas deixou de ter contactos. Nunca mais recebeu nenhuma carta sobre os convívios. Ainda foram, em vida do marido, ambos, a dois encontros, um dos quais na Lousã. 

O marido era o 1.º Cabo Telegrafista António Maria Ambrósio Fernandes. Foi mobilizado pelo RC 3 de Estremoz e pertenceu à CCAV 1693 (Companhia independente), Nova Lamego e Piche, 1967/69.

Tinha-se reformado em dezembro de 2011 e morreu em 4 de fevereiro de 2012.

Emocionada, Maria Luísa prometeu-nos mandar duas fotos do marido, para conhecimento dos antigos camaradas, quando a filha que vive algures na região centro (Condeixa ?), vier a Valpaços. A filha escolherá, digitalizará as fotos e enviará para o nosso blogue, já que está mais à vontade com o computador.

A Maria Luísa não tem email. Gostava muito de voltar a encontrar e a conviver com os antigos camaradas do marido. Viu o nosso blogue e pensou que a podíamos ajudar.

Tem o telemóvel: 963 603 480

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Divisa: ...na guerra conduta mais brilhante


BATALHÃO DE CAVALARIA N.º 1915 (BCAV 1915, GUINÉ 1967/69)


Mobilizado no RC 3, em Estremoz, desembarcou em Bissau em 14 de Abril de 1967, não dispondo de companhia operacionais no seu quadro orgânico.

Em 15 de Abril de 1967 rende o Batalhão de Caçadores nº 1856, assumindo o Sector L3, sediado em Nova Lamego, ao qual pertenciam os subsectores de Bajocunda, Canquelifá, Buruntuma, Piche, Madina do Boé e Nova Lamego.

Em 1 de Julho de 1967 o subsector de Piche foi integrado no Sector L3, tendo sido retirado ao Sector do Batalhão de Caçadores nº 1877. Foi rendido pelo Batalhão de Caçadores nº 1933 e transferido para o Sector O1, com sede em Bula.

Em 18 de Fevereiro de 1969 foi rendido pelo Batalhão de Caçadores nº 2861 e regressou à metrópole em 03 de Março de 1969.

Vd. página do BCAV 1915 "Tigres da Guiné" em http://josetito1.blogspot.pt/ do nosso camarada José Tito


COMPANHIA DE CAVALARIA N.º 1693 (CCAV 1693, GUINÉ 1967/69)

Mobilizada no RC3 de Estremoz, desembarcou em Bissau em 15ABR67.

Em 15ABR67 seguiu para Nova Lamego a fim de efectuar o treino operacional sob a orientação do BCAV 1915 e seguidamente constituir a subunidade de intervenção e reserva do Agr1980, em substituição da CCAV 1662.

Em 20SET67 foi rendida pela CART 1742, tendo seguido para Bula a fim de substituir a CCAÇ 1496 no sector do BCAÇ 1876 e depois do BCAV 1915.

Em 18 FEV69 foi substituída pela CCAÇ 2466 e recolheu a Bissau a aguardar embarque.

Regressou à Metrópole em 02MAR69
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9417: Em busca de... (181): Camaradas que tenham pertencido ao BCAV 1915 ou BCAÇ 2861 (Bissorã e Bula, 1968/69)

Vd. último poste da série de 23 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9785: Em busca de ... (186): Esquadrão de Reconhecimento (EREC) 8740/72 (Bula e Bissau, 1973/74) (Nelson Manuel Maduro / Júlio Maduro Simões, Rio de Couros / Ourém)

Guiné 63/74 - P9892: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (13): Em Bambadinca, em agosto de 1974, eu (e outros camaradas) fui sequestrado, feito refém e ameaçado de fuzilamento por militares guineenses das NT... Cerca de 40 horas depois, o brig Carlos Fabião veio de helicóptero com duas malas cheias de dinheiro, e acabou com o nosso pesadelo (Fernando Gaspar, ex-Fur Mil Mec Arm, CCS/BCAÇ 4518, 1973/74)

1. Mensagem do nosso leitor (e camarada) Fernando Gaspar, ex-Fur Mil Mec Arm, CCS/BCAÇ 4518 (1973/74) (*)






Data: 11 de Maio de 2012 22:30

Assunto: Bambadinca 1974


Boa noite, Luís


Fui furriel miliciano com a especialidade de mecânico de armamento e fui incorporado no Batalhão [de Caçadores] 4518 para a Guiné... [, imagem à esquerda: emblema do batalhão, disponibilizada pelo ex-Alf Mil Joaquim Tinoco, organizador do 
 XI Almoço Convívio da 1.ª Companhia do BCAÇ 4518/73, realizado em 28 de abril de 2012, em Montemor-o-Velho].

Após o 25 de abril de 1974, fui destacado para Bambadinca para receber material militar, viaturas, armas, etc.


Em agosto de 1974 (não consigo memorizar o dia), os militares presentes no destacamento de Bambadinca (eu incluído), foram surpreendidos com a presença de dezenas de militares do denominados Comandos Africanos(tropas nossas aliadas).

Todos nós (talvez duas dezenas),  ficámos perplexos... primeiro pensámos que vinham entregar as armas (o que nos facilitava o regresso a Portugal), mas não! Fomos encostados à parede e deram um prazo de 48 horas para serem pagos da indemnização a que tinham direito, ou então, seríamos fuzilados... 

Cerca de 40 horas após o sequestro, o brigadeiro Carlos Fabião chegou num helicóptero com duas malas carregadas de dinheiro... Terminou o sequestro!

Se através do teu blogue for possível reencontrar esses camaradas de armas, ficarei muito agradecido.

Até sempre

um abraço
Fernando Gaspar

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Fernando, muito obrigado pela coragem de vires, a público, revelar esse segredo, que possivelmente guardavas há muito na tua memória... De qualquer modo, o  que nos contas - ao fim destes anos todos - e que deve ter isso um pesadelo para ti e para os demais camaradas que foram feitos reféns, já não era segredo para mim... Já aqui transcrevi, ao de leve,  uma conversa que tive, em Monte Real, por ocasião do nosso VII Encontro Nacional, com o último comandante do Pel Caç Nat 52, o alf mil Luis Mourato Oliveira, filho de mãe lourinhanse [, foto à direita].

Ele também estava em Bambadinca, sentado tranquilamente no bar de oficiais, quando ocorreram os graves incidentes a que te referes...  Foi igualmente sequestrado como tu,  e mantido como refém até à chegada do brigadeiro Carlos Fabião, que, vindo de Bissau,  resolveu o problema com patacão... 

Isto ter-se-á passado não com o Batalhão de Comandos Africanos, como tu sugeres,  mas com o pessoal da CCAÇ 21, que era comandada pelo tenente comando graduado Jamanca, e onde havia antigos militares da formação inicial da CCAÇ 12 do meu tempo (1969/71)...  Disse-me o Mourato Oliveira que, depois da negociação com o Carlos Fabião, houve grande ronco, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 21 gastaram rapidamente a massa, trocando o último dinheiro português  por rádios, roupas, motorizadas  e outros bens de consumo...

Semelhantes incidentes (graves) deram-se em Paúnca, pela mesma altura, com a malta da CCAÇ 11, já relatado pelo nosso camarada J. Casimiro Carvalho. (**)

De qualquer modo, esperamos que tanto o Fernando Gaspar como o Luís Mourato Oliveira nos possam fornecer mais pormenores destes tristes acontecimentos que poderiam ter originado um tragédia imensa,  se as ameaças de fuzilamento dos reféns fossem levadas a cabo pelos militares revoltosos da CCAÇ 21. 

O alferes comando graduado Amadu Bailo Djaló [, foto à direita,] também pertenceu a essa companhia, que era inteiramente constituída por pessoal do recrutamento local (incluindo os quadros e os especialistas). No entanto, nas suas memórias (Amadu Bailo Djaló - Guineense, comando, português: 1º volume: comandos africanos, 1964-1974. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, 299 pp.), não são evocados explicitamente os incidentes de Bambadinca (vd. pp. 276 e ss.). 

Talvez o nosso camarada Virgínio Briote [, foto à esquerda,] que o ajudou a escrever o livro, possa esclarecer o que se passou exatamente nesses dias de agosto de 1974 em que a CCAÇ 21 (ou parte do seu pessoal, possivelmente até à revelia do seu comandante, Abdulai Jamanca, que virá a ser fuzilado pelos nossos senhores da Guiné-Bissau, por altuiras do nosso 11 de março de 1975, segundo informação do Amadu Djaló, p. 281) tomou como reféns cerca de duas dezenas de militares metropolitanos que ainda restavam em Bambadinca.