domingo, 28 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14091: Ser solidário (177): Saudação natalícia do presidente da direção nacional da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA), comendador José Gaspar Arruda, e bilhete postal comemorativo doss 40 anos da ADFA



Já se encontra à venda nas estações dos correios o bilhete-postal comemorativo do 40º anos da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas. A data de 23 de novembro de 1974 tem para os deficientes das Forças Armadas um triplo significado: (i) ocupação do palácio da Independência, 1ª sede nacional da ADFA; (ii) 1ª manifestação pública dos Deficientes das Forças Armadas; e (iii) 1ª edição do jornal ELO.

Fonte: Cortesia do sítio da ADFA




Presidente da direção nacional da ADFA deseja Festas Felizes. Foto; Cortesia do sítio da ADFA


1. Com a devida vénia, do sítio da ADFA, notícia de 19-12-2014:

"O Presidente da Direção Nacional da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, comendador José Gaspar Arruda, neste ano tão importante para a nossa Associação, pois está a celebrar o 40º aniversário da sua fundação, com espírito solidário, deseja o todo o povo português em geral e aos deficientes das Forças Armadas em particular, votos de um Natal com generosidade, tolerância, paz, saúde e muita força e empenho para continuarmos a nossa luta pela dignidade de TODOS e em especial pela plena inclusão das pessoas portadoras de deficiência".


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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P14090: Blogpoesia (398): O Natal Segundo Jesus Cristo (Edgar Mata / Belarmino Sardinha)

1. Mensagem do nosso camarada Belarmino Sardinha (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74), com data de 26 de Dezembro de 2014:

Caros editores,
Envio este texto que, como sempre, deixo à vossa consideração a sua publicação.

Meus amigos, após todas as mensagens de Natal que vi, li e ouvi, decidi-me enviar-vos este poema, de um nosso camarada que esteve na Guiné e não se decide a entrar pela porta das nossas Tabancas, seja a Grande, a do Centro ou qualquer outra, mas que me concede o prazer da sua amizade e dos seus poemas e me autoriza a enviá-los aos amigos ou a divulgá-los.

Considero este nosso camarada um verdadeiro poeta.
Sempre que abordamos a sua publicação em livro vai dizendo não, embora com superior qualidade, o que se traduz neste poema e reflecte o sentimento de muitos que se manifestam pelo silêncio nesta quadra, sem contudo deixarem de aceitar ou respeitar os que pensam de forma diferente.

BS



O Natal segundo Jesus Cristo

Ao mundo vim entre bosta e urina
E um fedor ao excremento do gado
Ali o meu futuro foi traçado
P’lo capricho da vontade divina.

Depois, Judas, e para meu tormento
Pelas trinta moedas é tentado
Por remorsos acaba enforcado
Numa corda de arrependimento.

Desprezado eu fui p’los fariseus
Suportei toda a casta de maus-tratos
Mãos lavadas, condenou-me Pilatos
Mas, pior, foi o silêncio de Deus!

Sofri açoites, vaias, fui cuspido
Esvaí-me em sangue, exaurido
Condenado de forma amoral

Pelo ouro traíu-me um amigo
P’rá cruz meu Pai mandou-me por castigo
Por isso é que eu não gosto do Natal!

2014 – Edgar Mata

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14076: Blogpoesia (397): O meu Menino Jesus Chinês... com votos de Feliz Natal e um Bom Ano 2015 para todos os camaradas (António Graça de Abreu, ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74)

Guiné 63/74 - P14089: Agenda cultural (366): Apresentação do livro "O Concelho de Fafe e a Guerra Colonial", levado a efeito no passado dia 12 de Dezembro de 2014, na Sala Manoel de Oliveira, em Fafe (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Dezembro de 2014:


Apresentação do livro "O Concelho de Fafe e a Guerra Colonial"

Beja Santos

O Núcleo de Artes e Letras de Fafe inspirou uma investigação inédita, com caráter local: o estudo da participação dos militares de Fafe nos três teatros de operações, assinalou deste modo o cinquentenário do início do conflito em África.

Tudo começou com um curso livre de história local sob a temática genérica "O concelho de Fafe e a guerra colonial", foi o conteúdo desta iniciativa que apareceu agora vazado em livro graças à investigação de Artur Coimbra, Artur Magalhães Leite, Daniel Bastos, José Manuel Lajes e Jaime Bonifácio da Silva.


Fui cumulado com o duplo convite de prefaciar a obra e de a apresentar a uma plateia fafense. A matéria do prefácio está publicada no blogue(*), seria rebarbativo insistir nos meus pontos de vista. Importa dizer que era comovente ver chegar os nossos contemporâneos que por ali tagarelaram, se abraçaram, nos escutaram e no fim renderam homenagem com um minuto de silêncio àqueles que já partiram.


A iniciativa merece todos os encómios, é um levantamento que merece ser refletido por todos aqueles que estudam história local. Aproveitei para expender alguns pontos de vista sobre as dificuldades em retratar de um modo mais fidedigno possível tudo quanto se passou: perderam-se relatos, há textos irrecuperáveis como correspondência entre líderes nacionalistas e os seus quadros, o que permitiria visualizar a evolução da guerra do outro lado; a documentação sobre as operações deixa muito a desejar, nem toda é verdadeira, o que altera o nosso próprio posicionamento, ficando assim dificultado o conhecimento do que efetivamente se controlava como território e populações, nas sucessivas conjunturas; e a postura ideológica mantém o seu caráter fraturante, na justa medida em que uns, a par considerar a descolonização um processo inevitável, não têm, regra geral, uma visão lisonjeira da condução da guerra, e outros continuam a insistir que havia condições para superar quaisquer condicionalismos conducentes a derrotas militares a prazo.

Enunciadas estas dificuldades para melhor iluminar todas as cenas da guerra colonial, concentrei-me no fenómeno literário, destacando a explosão de obras, nomeadamente desde o virar do século, de caráter memorial, e que revelam uma gradual desinibição de sexagenários e septuagenários que estão dispostos a dar a cara, revelando as suas experiências, sem ou com muito poucos palpos na língua.

Houve debate animado, um badaleiro da nossa geração espevitou a assistência com canções de várias tonalidades, ninguém saiu da sala sem levar vários volumes debaixo do braço.

Os fafenses estão de parabéns e são de prever, um pouco por toda a parte, iniciativas congéneres.
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13988: Notas de leitura (655): Apresentação do livro "O Concelho de Fafe e a Guerra Colonial (1961-1974)", dia 12 de Dezembro de 2014, pelas 21h30, na Sala Manoel de Olivera, em Fafe (Beja Santos)

Último poste da série de 15 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14032: Agenda cultural (369): Rescaldo da apresentação do livro da autoria de Manuel Fernandes (ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2796) levada a efeito no passado dia 7 de Dezembro de 2014 na freguesia de Arcozelo, Ponte de Lima (Sousa de Castro)

Guiné 63/74 - P14088: Bom ou mau tempo na bolanha (81): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (21) (Tony Borié)

Octogésimo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Dia 13 de Julho de 2014

Resumo do vigésimo terceiro dia

Estávamos com saudades do oceano Atlântico, portanto o nosso destino era o leste, desviando-nos sempre para sul, seguindo a estrada rápida número 84, por entre planícies, vales, precipícios e algumas montanhas, surgindo longas rectas, com placas de sinalização avisando que podia haver fortes ventos. Entrámos no estado de Utah, onde há muitos anos viviam duas tribos nativas americanas, que eram os “Utes” e os “Navajos”, dizem que há milhares de anos, antes da chegada dos primeiros exploradores europeus membros de uma expedição espanhola liderada por Juan Maria de Rivera, realizada em 1765, que percorreu partes do sul do actual estado de Utah. Em 1776, no início da Revolução Americana do mesmo ano, os espanhóis realizaram mais explorações na região, porém não se interessaram em colonizar a região, devido à sua natureza desértica. Mais tarde, por volta do ano de 1850, o Congresso Americano criou o Território de Utah, cujo nome foi dado em homenagem à tribo nativa americana “Ute”, que vivia na região e, em Janeiro de 1896, o Utah tornou-se o 45.º Estado americano, onde agora se pode viajar a 80 milhas por hora.



Visitámos o Centro de Informação, continuando na estrada número 84, onde o terreno era mais plano, com poucas montanhas, mas com o termómetro do Jeep a marcar 112ºF (cerca de 44,5ºC), eram 10 horas da manhã, mas continuámos viajando sem problemas, entrando, passado algum tempo, de novo na estrada número 15, no sentido sul e, quanto mais nos dirigíamos para sul mais frequentes eram os cruzamentos com outras estradas que se estendiam por longas milhas nas proximidades para além da cidade de Salt Lake City, pois o crescimento da indústria de mineração e a construção da primeira ferrovia transcontinental, inicialmente, trouxeram algum crescimento económico e, a cidade foi apelidada de "Crossroads of the West".

Salt Lake City é a capital e cidade mais populosa do estado do Utah. O nome da cidade é muitas vezes abreviado para Salt Lake ou SLC. Situa-se nas margens do Grande Lago Salgado, de onde provém o seu nome. A cidade foi fundada em 1847, no Great Salt Lake City por um grupo de pioneiros mórmons liderados por seu profeta, Brigham Young, que dizem ter fugido da hostilidade e violência do meio-oeste dos Estados Unidos. Dizem ainda que actualmente 78% da população da cidade é adepta da religião mórmon. Está situada numa grande área urbana chamada “Frente Wasatch”, o que podemos comprovar, pois existem ao longo da estrada, tanto antes como depois de passar a cidade, grandes bairros de casas nas montanhas. Dizem que esta área tem mais de 2.300.000 habitantes.

Dizem também que, pela sua localização, centro bancário industrial, economia, património histórico, cultura ou acontecimentos políticos aqui passados, fizeram dela uma das mais importantes cidades do mundo. Tem estações de esqui, onde se desenvolve uma forte indústria de turismo ao ar livre e, não esquecemos que foi a sede dos Jogos Olímpicos de Inverno no ano de 2002. Podemos mostrar algumas fotos de Salt Lake City, que com a devida vénia tirámos do “Gogle”, pois viajávamos na estrada, e estas foram tiradas de avião, para que possam admirar a cidade, pois quem viaja ao longo da estrada número 15, ao atravessar Salt Lake City, repara que atravessa uma grande metrópole.



Sempre rumo ao sul, um tempo depois, na cidade de Spanish Fork, desviámo-nos para a estrada com paisagem, número 6, que nos levaria de novo à número 191, com temperaturas de 115ºF. Fomos atravessando de novo um pequeno deserto, entrando finalmente na estrada rápida número 70, com duas vias de trânsito, rumo ao Atlântico, onde, talvez não reparando bem na sinalização, mas sim, no GPS, estávamos a seguir em direcção ao Pacífico. Um pouco à frente surge uma placa de sinalização onde nos informava que a próxima localidade com algumas facilidades e, onde talvez se pudesse mudar de direcção, era a 140 milhas. À boa maneira portuguesa, confiando no nosso veículo, quando nos surgiu um terreno mais ou menos nivelado, entre as duas estradas, reduzimos a velocidade, parando, a estrada estava deserta. Fomos ver o terreno, era melhor que o “Alaska Highway”, sem qualquer problema, voltámos em direção ao Atlântico. Estava qualquer coisa mal, com aquela sinalização.



Sempre rumo ao Atlântico, viajando nesta larga e deserta estrada, que nesta direção recebe por alguma distância, a estrada número 191, já próximo onde esta segue em direção ao sul, passando junto ao “Arches National Park”, que era o nosso destino no próximo dia. Como neste deserto quente, não havia parques de campismo, procurámos um daqueles hotéis de estrada, onde se dorme, toma banho e, às vezes o café de manhã, encontrando um de acordo com a nossa situação financeira, no meio do deserto, com um nome bonito, pois chamava-se qualquer coisa, como “Green River”, que em português quer dizer, “Rio Verde”. Por lá ficámos, já era noite, comendo o que sobrou do dia anterior, que vinha na caixa frigorífica.


Neste dia percorremos 527 milhas, com o preço da gasolina a variar entre $3.51 e $3.58 o galão, que são aproximadamente 4 litros.

Tony Borie, Agosto de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14062: Bom ou mau tempo na bolanha (79): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (20) (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P14087: Os nossos seres, saberes e lazeres (75): O Porto (e)terno (Luis Graça)



Foto nº 1  > Vista da Praça da Sé


Foto nº 2 >  Vista da Praça da Sé


Foto nº 3 > Pelourinho e Sé


Foto nº 4 > Praça da Ribeira > Escultura de São João Baptista, de João Cutileiro


 Foto nº 5 > Praça da Riobeira (foto antiga, de um dos livros de Germano Silva)


Foto nº 6 > Praça da Ribeira


Foto nº 7 > Muro dos Bacalhoeiros > Casa onde nasceu Gomes de Sá


Foto nº 8 > Muro dos Bacalheiros, na Ribeira


Foto nº 9 > Ribeira


Foto nº 10 > Vista da Ribeira


Foto nº 11 > Vista da Ribeira


Foto nº 12 > Vista da igreja de São Francisco


Foto nº 13 > In´´icio da Rua das Flores


Foto nº 14 > Perto da Rua das Flores


Foto nº 15 > Rua das Flores


Foto nº 16 > Rua das Flores



Foto nº 17 > Rua de Santo Ildefonso > Casa dos Pregos (ou Venham Mais Cinco)


Porto > 26 de dezembro de 2014 >  Imagens de um magnífico passeio pela Invicta e o seu património mundial da humanidade...  Começou, depois do almoço no Largo da Sé e acabou às 8 e tal da noite nos Poveiros, em duas tascas famosas a Casa Guedes  (Praça dos Poveiros, 130) e a Casa dos Pregos (Venham Mais Cinco, na Rua de Ildefonso, 219)  onde se vai para comer a "sandes de pernil de porco" e "o prego de lombo de boi com queixo da serra", respetivamente...

Um dos meus/nossos guias do passeio foram os livros do Germano Silva. o grande cronista e historiógrafo do Porto (nascido em Penafiel em 1931), além do meu cunhado Augusto Pinto Soares.

Vou pedir aos nossos camaradas tripeiros, e em especial ao Jorge Teixeira (Portojo) para completar as legenda das fotos... (Uma seleção das mais de 600 que fiz nesta tarde soalheira de 26 de dezembro)...

Não é um provocação, camaradas, é um ato de humildade e de admiração da parte de um "mouro" de Lisboa para quem o Porto é uma cidade com alma e carater e que ele tem vindo a descobrir e amar, como turista acidental, desde 1975...

Texto e fotos: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados




Porto > Arquivo Histórico / Casa do Infante > Rua da Alfândega, 10 > 26 de dezembro de 2014 > Uma das surpresas da tarde foi uma visita (demorada) à casa onde, segundo a tradição, nasceu o Infante Dom Henrique... Aprendi imenso sobre a história do Porto... E aconselho vivamente a visita. A imagem acima faz parte da exposição permanente sobre a zona ribeirinha. É uma foto aérea de 1939... (LG)
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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de setembro de  2014 > Guiné 63/74 - P13649: Os nossos seres, saberes e lazeres (74): Viagem à China (Fernando Gouveia)

sábado, 27 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14086: O que é que a malta lia, nas horas vagas (29): O que é que eu lia durante a guerra? Para além de livros, lia os jornais O Eco de Pombal e A Região de Leiria e a revista Seara Nova que, mensalmente, me era enviada pela namorada. Mas não só (Manuel Joaquim)

1. Mensagem do dia 24 de Junho de 2013, do nosso camarada  Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, BissauBissorã e Mansabá, 1965/67):

Meus queridos camaradas e amigos:
"Quem é vivo sempre aparece", não é?
Justifico-me:
Forcei-me a uma espécie de licença sabática na minha colaboração neste blogue. Aconteceu-me o que não previa quando decidi mergulhar na leitura das cartas que suportaram a minha série "Cartas de amor e guerra". Stressei-me!
Esse mergulho começou a incomodar-me psiquicamente. Era a primeira vez que relia essas cartas, mais de 40 anos após terem sido escritas. E o incómodo sentido não era provocado pelas lembranças de guerra mas pela tomada de consciência de que muito pouco se cumpriu do que, naquela altura, eu imaginava poder vir a acontecer na vida futura deste país.
Começava a sentir-me derrotado, a ter pena do jovem que fui nos tempos de Guiné, um jovem esperançoso e lutador por um futuro mais próspero, mais culto e mais feliz para o povo português. Via a minha vida como se a maioria dos meus sacrifícios pessoais tivessem sido em vão. Era como que uma sessão de masoquismo psíquico. De cada vez que me debruçava na leitura das cartas de guerra para delas retirar o que entendesse como interessante para publicação, começava a sofrer. Mas não foi o publicado que me "stressou".
Precisei de me afastar durante uns tempos, cortando mesmo com alguns trabalhitos já iniciados para publicação no blogue. Olhem, o convívio com os camaradas da Guiné ajudou e continua a ajudar a me sentir melhor.
Retomei agora esse trabalho e o que me apareceu mais fácil e rápido de completar foi o subordinado à série sobre "o que a malta lia, nas horas vagas". Aqui vai ele. Outros se seguirão, que a vontade me não falte.
Acho que a série teria muito interesse sociológico se mais pessoas colaborassem dizendo o que liam ou se não liam (alguns de nós eram analfabetos!), mesmo que só lessem o boletim do padre da sua paróquia. Por falar nisto e pelo que vi então, não ficaria surpreendido se os boletins paroquiais tivessem sido os campeões como sujeitos de leitura
Penso que não viria a ser insignificante o que resultasse de um maior conhecimento sobre este tema. Temos de deixar sinais para os investigadores futuros. Lembro o que agora, 100 anos depois, se tem andado a publicar sobre a 1.ª Guerra Mundial.
Em anexos, vão o texto e as suas fotos.

Um abraço amigo para cada um de vós.
Manuel Joaquim


O que é que a malta lia, nas horas vagas

O que é que eu lia durante a guerra? Para além de livros, lia os jornais O Eco de Pombal e A Região de Leiria e a revista Seara Nova que, mensalmente, me era enviada pela namorada. Mas não só.

“Tudo o que vinha à rede era peixe”, fossem revistas e jornais avulsos, fossem boletins da minha paróquia natal ou de qualquer outra totalmente desconhecida, tudo estava sujeito a leitura. Até noveletas delicodoces, a que não chamo livros, feitas para "fazer chorar as pedrinhas da calçada" e/ou "partir corações apaixonados". À época, era frequente vê-las nas mãos de adolescentes (e não só), naquelas idades em que o romantismo e o sonho facilmente enfunam as asas do desejo. "Mastigava" um ou outro desses livrinhos que porventura encontrasse nas mãos de alguns camaradas. Divertia-me com o enredo, mesmo sentindo o ressoar de gargalhadas nos meus ouvidos, vindas de alguém que eu tinha "gozado" anteriormente por vê-lo consumir tal "literatura".

Apesar do meu grande gosto pela leitura, nunca esta teve prioridade na ocupação dos meus tempos livres na Guiné. As "primeiras" prioridades, seguidas por vezes a contragosto, foram a actividade escolar e a escrita. Dei aulas de instrução primária a soldados e crianças e também tive muita actividade epistolar pois, para além da regular correspondência postal com os meus entes queridos e amigos mais chegados, tinha um grupo alargado de pessoas com as quais me correspondia pontualmente. As "segundas" prioridades estavam nas petiscadas, nas “copofonias”, nos jogos de cartas, na música, nas passeatas pela tabanca e seus arredores. A leitura viria depois, sempre se arranjava algum tempo para o efeito.

Revista Seara Nova, número de Novembro/1965. 
Revista política mensal, de caráter oposicionista ao regime do Estado Novo. 

Princípios Elementares de Filosofia de Georges Politzer. 
O autor, intelectual comunista francês, foi fuzilado pelos nazis. 
 O livro ainda hoje tem grande circulação na área ideológica marxista-leninista. 

Na viagem para a Guiné foram comigo alguns livros. Lembro Os Bichos e Diário VIII de Miguel Torga, Diário de Édipo de Alberto Ferreira, A Cidade das Flores de Augusto Abelaira, Guillaume Apollinaire de George Vendrès, Poèmes de Paul Éluard, Dialogues com Maurice Duverger, La Guerre Revolucionaire de Mao Zedong, Mao Tsé Tung como então se dizia. E, como jovem muito interessado nas doutrinas marxistas, levei comigo o meu primeiro “livro de estudo” desta área, Principes élémentaires de philosophie de Georges Politzer.

Esta última obra é uma espécie de primeiro "catecismo" do marxismo-leninismo onde, numa linguagem acessível, se expõem os seus princípios básicos, filosóficos e doutrinários. E lá andei eu a tentar aplicar-me na aprendizagem do seu conteúdo, às "cabeçadas" com o materialismo dialéctico. Mas a doutrina não me cativou por muito tempo. Naquele ambiente, ela não conseguia dar-me a luz que me pudesse orientar nem a “enxada” para trabalhar a minha terra "ideológica“.

A Cidade das Flores de Augusto Abelaira. 
O seu enredo gira à volta de um grupo de jovens de Florença, em luta pelos seus ideais perante a repressão imposta pelo fascismo de Benito Mussolini. A razão da acção se passar em Itália pode ter sido um subterfúgio para escapar à comissão de censura do regime salazarista pois, da leitura do livro, percebe-se bem a denúncia das estruturas sociais e políticas do Portugal de então. 

Comprei A Cidade das Flores em Lisboa, no final de agosto/64, num intervalo da viagem de comboio para Pombal após terminar o CSM em Mafra. Não era meu hábito escrever nos livros mas aconteceu naquela altura. E, de sopetão, escrevi na 1ª página (ainda me lembro desse momento):

Na satisfação duma etapa cumprida, sacrificada, do final do meu curso de sargentos milicianos de infantaria, volto-me para a cidade das flores, imagem feliz dum meio social. Antes de ler o livro viro-me para o título e só ele já me satisfaz, tal é a frescura e liberdade que ele me faz respirar. 
A horrível vida militar não me embota, com certeza. Quero paz e não guerra. Quero a felicidade do meu povo e não a sua destruição moral e material. Não posso tolerar as doutrinas que me apregoam. Não posso ser militar.

"Não posso ser militar" mas fui-o, muito contrariado com certeza. E cerca de um ano depois estava a desembarcar na Guiné.

Chegado a Bissau, logo na minha primeira visita ao café Bento, observei um pequeno escaparate com umas dezenas de livros e fiquei com vontade de ler alguns deles. A disponibilidade monetária era pouca mas, durante os quase três meses de estada em Bissau, comprei estes (na altura anotei a data da sua compra):
Mar Morto de Jorge Amado; A Barca dos Sete Lemes de Alves Redol; Rum de Blaise Cendrars; A Noite Roxa, As Máscaras Finais, Terra Ocupada, Exílio Perturbado, os quatro de Urbano Tavares Rodrigues; Gorky por ele próprio de Nina Gourfinkel; Greco de Simon Vesiduk; Goya de Eric Porter; Pieter Bruegel de Felix Timmermans.

Foto 3.

"Terra Ocupada" de Urbano Tavares Rodrigues e cinco dos 21 "blocos" de um famosíssimo poema de Paul Éluard, "Liberté". 

No início do livro Terra Ocupada, pag. 7, o autor cita cinco dos 21 "blocos" de "Liberté", um famoso poema de Paul Éluard. Traduzindo à minha maneira:

No patamar da minha porta / nos objectos familiares / sobre as chamas do fogo bento / eu escrevi teu nome

Em toda a carne concedida / na fronte dos meus amigos / em cada mão estendida / eu escrevi teu nome
............

Nos meus refúgios destruídos / nos meus guias desconjuntados / nas paredes do meu tédio / eu escrevi teu nome

Sobre a ausência sem desejos / sobre a nua solidão / sobre os degraus da morte / eu escrevi teu nome.
............

E pelo poder duma palavra / recomeço minha vida / eu nasci para te conhecer / para te chamar Liberdade 

Entretanto, de Lisboa, a minha querida namorada começou a enviar-me um livro de vez em quando. Como neles não há referências a datas, não me lembro de todos mas estes ficaram-me na memória de os ter recebido:

"A Memória das Palavras" de José Gomes Ferreira; "Capitães da Areia" e "D. Flor e Seus Dois Maridos", de Jorge Amado; "O Passo da Serpente" de Batista Bastos; "As Boas Intenções" de Augusto Abelaira; "Malthus e os Dois Marx" de Alfred Sauvy; "Paroles" e "Histoires" de Jacques Prévert.

De referir ainda que, no meu tempo de Bissau, me veio parar às mãos um dos livros que mais me ficou na lembrança, "Trópico de Capricórnio" de Henry Miller. Li-o com muito prazer e entusiasmo. Algumas das suas páginas mais socialmente panfletárias, especialmente as de cariz erótico, chegaram a ser lidas em voz alta, o que proporcionava divertidas gargalhadas no dormitório de Sta. Luzia a que se seguia normalmente alguma discussão sobre o tema lido. Uma expressão francesa marcou um desses momentos, para mim inesquecível. O casual leitor do momento e que lia o livro em silêncio, solta em voz grossa, bem alta e firme: pourri avant d'être mûri !!! ( apodrecido antes de estar maduro).

Ainda me lembro da figura do dono daquela voz potente mas não do seu nome. Tinha chegado há alguns dias, vindo lá do sul e já bem batido no mato. Ninguém terá percebido o porquê e o sentido da frase. Nem um ou outro com conhecimentos de francês lá chegou. Apodrecido antes de estar maduro ?! Mas o "velho" furriel miliciano de Cabedu, com certeza compreendendo isso, falou mais ou menos assim:
- Rapazes, um conselho: vocês estão verdes, vê-se e vocês sabem-no. Basta ouvir-vos a falar sobre umas coisitas de merda e que tanto medo causa a alguns. Cuidado, ninguém se pode permitir estar verde e apodrecer, percebem? E muito cuidado também para não apodrecerem quando estiverem maduros! 

Não imagino quantos o "ouviram". Talvez poucos tivessem percebido a charada, que havia uma personagem-mistério no seu sintético aviso. Eu sei que havia, era a "senhora morte".

O livro foi-me emprestado por um camarada amigo, de serviço no QG, mas não estava à espera do que me aconteceu e que não me permitiu devolver-lho. Tendo saído de barco para Farim, em escolta, regressei a Bissau uns bons dias depois, já noite. Quando cheguei ao quartel recebi uma "bela" notícia, nem mais nem menos do que a saída para Bissorã logo na manhã seguinte. E, para cúmulo, durante esta viagem foi-me roubado um pequeno saco onde ia o livro junto a todos os meus documentos e outras coisas mais pessoais, de caráter afectivo. E também "voaram" as poucas notas que tinha poupado até então. Cheguei a Bissorã teso que nem um carapau!
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12927: O que é que a malta lia, nas horas vagas (28): Fotonovelas não temos, mas arranja-se Sigmund Freud (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P14085: Parabéns a você (837): José Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 4745 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 25 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14079: Parabéns a você (836): Ismael Augusto, ex-Alf Mil Manut do BCAÇ 2852 (Guiné, 1968/70)

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14084: Memórias de Gabú (José Saúde) (49): Unimog, uma máquina imparável


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua fabulosa série.


As minhas memórias de Gabu

Viaturas “bélicas” que percorriam os trilhos na Guiné

Unimog, uma máquina imparável

Com uma certa renitência, porque nunca fui mecânico nem destro em opinar em causas que me julgo completamente alheio, ousa a teimosia de um antigo combatente conduzir-me a uma temática operacional que me leva a trazer à estampa uma viatura militar que muito bem conhecemos no território da Guiné: o Unimog.

Reza a história que o Unimog terá surgido na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. Veículo assumido decididamente como polivalente, o protótipo foi fabricado, inicialmente, pela Boehringer, sendo que os Aliados no pós guerra cederam à Mercedes Benz a sua produção.

O modelo, equipado com motor diesel, arrancou em 1947 e afirmou-se em 1951 como exemplar bélico para as hostes militarizadas. Constata-se que o Unimog foi distribuído, nos seus princípios, somente para as forças alemãs, sendo que as suas vendas galgaram, à posteriori, fronteiras e outros países vieram a adquirir essa preciosidade.

Dada a sua versatilidade e capacidade de circulação em todos os tipos de terreno, Portugal, a contas com a Guerra Colonial – Angola, Moçambique e Guiné –, elegeu o Unimog como uma viatura crucial para circular pelos trilhos apertados das antigas províncias ultramarinas.

Na minha conceção, o Unimog foi, de facto, uma viatura imprescindível para o exército da Pátria de Camões. Era um veículo volúvel, é certo, e debitava uma cilindrada que ultrapassava facilmente os obstáculos, originando, por isso, um catálogo de aventuras consideradas permanentemente imprevisíveis. 

Da minha comissão militar na Guiné, conservo, ainda hoje, imagens que projetam emoções aquando “viajava” a bordo de um dos Unimog distribuídos à minha companhia. Neste contexto, segue-se um pequeno texto retirado da minha obra GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU:

“Recordo uma tarde a caminho de Piche a viatura que seguia atrás embater na traseira daquela que rolava à sua frente e a malta a atirar-se para o chão embrenhado entre as granadas da bazuca, do morteiro 60 e as G3 que transportávamos nas mãos. Um arrepio entrou-me no corpo dado que os arranhões provocados nas minhas pernas e braços deixaram marcas. Um “acidente” que, no fundo, não causou vítimas a bordo. Tudo correu bem. Mas… ficou o aviso.”

Lembro, também, uma outra situação em que o Unimog se despistou numa picada e entrou pelo mato fora, resultando, logicamente, um valente susto e mais umas arranhadelas aos camaradas que seguiam na viatura. Regressávamos de mais um patrulhamento às tabancas de Gabu numa missão destinada à chamada psicó. Um outro susto que ficou inventariado com a nossa estadia naquele recanto guineense que deixou, literalmente, “picos” de alguma apreensão. 

Permitam-se, numa outra perspetiva, evocar a inexperiência de jovens condutores num terreno que lhes era francamente agreste. A sua coragem e dedicação à causa que lhes fora outorgada, sempre se assumiu como uma valentia desmedida. Para esses camaradas, combatentes sem nome, vão os meus aplausos e o meu fraterno abraço.

Conheci a realidade de rapazes em que a aprendizagem à condução se terá verificado na hora da sua convocação para as fileiras do exército. Outros, creio, eram mecânicos na vida real e que foram aproveitados para o cumprimento dessa missão.

Dúvidas não existem, falo por mim, quando se reparava, nalguns casos, na sua aparente dificuldade na exímia arte de conduzir. Em princípio era ambígua, sendo que com o evoluir do tempo as suas capacidades desempenhavam com avidez num cenário de guerra que lhes fora inequivocamente madrasto.

Reconhecesse-se que a sua missão não foi fácil, principalmente para jovens condutores destinados a cenários conflituosos e de extremos riscos. Muitos morreram agarrados ao volante do Unimog que conduziam quando uma desditosa mina anticarro deflagrou numa picada que lhes era já familiar.

O Unimog, tido como “burro de carga”, era hábil nas suas diversificadas ações. Maneirinho, e de condução fácil, o banco traseiro levava, regularmente, uma secção de homens armados, quando a viagem era feita para além do arame farpado. Em chão firme, isto é, no interior da tabanca essa metodologia era alterada, dado que a sua utilização se destinava a adquirir eventuais falhas verificadas no aquartelamento. 

A talho de foice, recordo que em cada banco onde iam os operacionais, costas com costas, acomodava uma secção de combatentes. Dois homens faziam a proteção da ala direita, outros dois da ala esquerda e um quinto visionava a retaguarda. À frente, ao lado do condutor, ia o graduado preocupado com possíveis “investidas” do IN vindas da linha da frente. Os ângulos de visão eram, assim, totalmente abrangentes.

E a certeza diz-me que foram muitas as ocasiões em que assumi a versão de copiloto num Unimog que jamais se vergou perante as adversidades impostas por um terreno impróprio para uma viagem que se pretendia suave.

Nos arquivos do exército português sobre a guerra colonial, se porventura ainda existirem, há relatos fatais de perdas humanas ocorridas a bordo de Unimog nos conflitos de além-mar. 

Vivências de máquinas imparáveis do tempo de guerra em África!... 


Um abraço camaradas, 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 


Guiné 63/74 - P14083: Tabanca Grande (454): António Santos Dias, ex-Fur Mil da CTransp 9040/72 (Guiné, 1974)

1. Mensagem do nosso camarada António Santos Dias, ex-Fur Mil da CTransp 9040/72 (Bissau, 1974), com data de 11 de Dezembro de 2014, correspondendo ao nosso desafia de se juntar à tertúlia no Poste 13998(*):

Boa noite, Camarada e amigo Vinhal,
Confirmo a minha adesão à tertúlia da nossa Tabanca Grande e respondo de seguida às questões que me colocaste:

P - Regressaste à Metrópole em Setembro ou em Outubro de 1974?
R - Regressei em Setembro.

P - No tempo em que lá estiveste fizeram muitas colunas para o interior?
R - Muitas, e uma das últimas foi trazer para Bissau a CART 6251 de Mansabá.
Já agora para tua curiosidade, envio-te em anexo o modelo da guia de marcha da coluna.

P - Transportaram para Bissau pessoal e equipamento das quadrículas que entretanto iam sendo abandonadas?
R - Transportávamos principalmente pessoal e parte do equipamento que não ficava para o PAIGC.

P - Qual o ambiente de ambos os lados?
R - Quase sempre em ambiente de "camaradagem", pelo menos nas colunas auto em que eu era o responsável.

Enquanto estava a pensar nas respostas, lembrei-me que pertenceram também à 9040 o Furriel Meireles que já estava de saída e o Furriel Miranda de Sousa, ambos da zona do Porto.
O Miranda de Sousa vivia em Vila Nova de Gaia, foi árbitro de futebol a nível nacional e penso que já faleceu e foi dos dois o que mais tempo ficou na 9040.

Abraço e Boas Festas,
António Dias




2. Recordando o que escreveu o António Dias Santos em 1 de Dezembro quando se nos dirigiu:

Camarada,
Aterrei em Bissalanca na madrugada de 16 de março de 1974, com destino à Comp.Transp 9040.
Andei a levar um baile de 1 alferes que era cabo e de 1 soldado que era furriel, brincadeira que me custou a aceitar, mas depois passou.
Foi o batismo por camaradas que seriam a minha companhia até ao fim da comissão.

Um abraço
António Santos Dias
Mealhada


3. Comentário do editor

Camarada António Santos Dias, sê então bem-vindo à tertúlia já que anuiste à nossa sugestão de te juntares a nós. És o Grã-Tabanqueiro 676.

Os documentos que nos enviaste são já parte da história da guerra da Guiné. Se tiveres mais documentos ou fotos da época, por favor, vai mandando para publicarmos. Poderás também escrever o que recordas das, julgo que muitas, colunas auto por estradas e picadas. Com certeza que tiveste a oportunidade de fazer colunas por toda a Guiné, com maiores ou menores dificuldades consoante o estado das picadas e o clima, nomeadamente no tempo das chuvas.

Respondeste sucintamente às perguntas que te formulei, mas poderás futuramente desenvolver os vários temas: colunas, o que transportavam e o ambiente que se vivia.

Recebe um abraço de boas vindas da tertúlia e dos editores.
Carlos Vinhal
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Nota do editor

(*) Vd poste de 9 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13998: O nosso livro de visitas (180): António Santos Dias, ex-Fur Mil da CTransp 9040/72 (Guiné, 1974)

Último poste da série de 13 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14022: Tabanca Grande (453): Luciano José Marcelino Jesus, ex-Furriel Mil. Art., CART 3494 (Xime-Enxalé-Mansambo, 1971/1974)

Guiné 63/74 - P14082: Notas de leitura (660): “Crepúsculo de Sangue”, de Nelson Leal, Lugar da Palavra Editora, 2013 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Abril de 2014:

Queridos amigos,
A trama desta obra literária centra-se no stresse pós-traumático. É uma escrita muito cortante, muito económica, situa dois camaradas da guerra e dois palcos onde terão havido excessos que irão pesar na mente de um deles, até o destruir.
Nelson Leal desenha o percurso da doença, numa atmosfera que vai da guerra, passa pelo regime democrático e finda numa celebração em dia de Natal, os protagonistas ajustam contas com a ideologia em que acreditaram e que agora abominam. Nessa vozearia, João Manilha revive todo as imagens fantasmáticas que o perseguem, que continuam vivas na sua cabeça.
Pode não ser uma obra exemplar, mas confronta-nos sem tibiezas sobre a dor que ainda persegue muitos dos nossos camaradas.

Um abraço do
Mário

Um romance sobre o stresse pós-traumático: Crepúsculo de sangue, de Nelson Leal

Beja Santos

“Crepúsculo de Sangue”, de Nelson Leal, Lugar da Palavra Editora, 2013, é um romance de um oficial da Armada, muito ligado ao jornalismo que resolveu centrar-se no stresse pós-traumático. O primeiro episódio impressivo passa-se com a coluna que avança para Nambuangongo. Os rebeldes ainda resistem, cada vez mais timidamente. E logo uma descrição truculenta, o cabo Meireles manda cortar a cabeça a um rebelde morto: “O Frinchas, de olhos marejados, retirou, a custo, a catana da mão do negro e, num guinchar de raiva, lançou-a sobre o pescoço do cadáver… A cabeça do negro, indiferente à dor do colono, sorria de troça. E foi com ar de troça que se manteve, espetada num pau, junto à picada. Um troféu que a nossa exibia aos bacongos, que acreditavam que o guerrilheiro morto ressuscitaria, desde que mantivesse a cabeça”. Estamos no Norte de Angola, na Terra dos Dembos, o BCAÇ 96, do tenente-coronel Maçanita, tivera a sua primeira baixa. A operação Viriato está no auge. O nome do alferes Toscano aparece pela primeira vez. Maçanita quer a tudo o custo ser o primeiro a entrar em Nambuangongo. As tropas movimentam-se. O furriel João Manilha a tudo assiste, em silêncio. Como numa recapitulação histórica, assiste-se ao desenvolvimento da operação: “Avançaram baterias de artilharia, armadas de obuses 8,8 e 10,5. Avançou o tenente-coronel Armando Maçanita, de pistola em punho, no seu jipe trepidante, a ignorar os sobressaltos do terreno, de peito alçado. A coluna avança, alguns militares matam indiscriminadamente, incendeia-se Quicangassala… Algumas cabeças decepadas ergueram-se em estacas, a celebrar a vitória”. João Manilha está em estado de choque. E assim entra em Nambuangongo, enquanto o corpo de paraquedistas foi lançado em Quipedro, base de guerrilha, próxima de Nambuangongo.

Toscano e Manilha fizeram amizade, estamos nos fins dos anos 60, em Coimbra, Toscano enamora-se de Carminda e João Manilha de Giesta Maria. A guerra para eles continua. Toscano é oficial dos comandos, Manilha também faz parte das forças especiais. Dá sinais de depressão, Giesta afasta-se, Manilha insiste, é demasiado tarde, Giesta deu coração a outro.

E passamos para o massacre de Wiriyamu, dezembro de 1972, 6.ª Companhia de Comandos, operação Marosca, procura-se à viva força capturar o guerrilheiro Raimundo que anda a incomodar a região de Tete. As hélices dos helis troam pela savana, frenéticos, os Comandos tomam posição: “Um sujo véu castanho ia cobrindo os soldados da 6.ª Companhia, que formigavam entre as naves, a despejar armas, cantis, mochilas, rações, lonas. E as ténues silhuetas dos Comandos, de G3 em riste, agachados, em passo de corrida, foram, pouco a pouco, desaparecendo, tragadas na poeira. Wiriyamu esperava-os”.

Entretanto Mário Toscano trabalha para Jorge Jardim, está no seu exército particular, o SEI. Fala-se dos ataques da FRELIMO à via-férrea de Tete e das sortidas na estrada de Zobué, cresce a inquietação à volta da cidade da Beira. Jorge Jardim confia no êxito da Marosca. Começa o ataque a Wiriyamu, os habitantes são metidos nas suas palhotas e queimados, algumas mulheres violadas e depois abatidas. E o autor explica como irá ter lugar a denúncia do massacre de Wiriyamu, os rolos fotográficos e o relato das barbaridades chegou às mãos do padre Hastings, que os recambiou para Londres, serão publicados no jornal The Times, em julho de 1973. Mais uma dor de cabeça na política diplomática de Marcello Caetano.

João Manilha adoece em Tete, a depressão aprofunda-se, Mário Toscano visita-o. Dorme mal, tem pesadelos tenebrosos, as imagens dos massacres regressam em força.

E passamos para um de maio de 1974. Toscano tornou-se revolucionário, vive com Carminda junto a Cacilhas, convidou Manilha para jantar. Manilha descobre que Giesta Maria perdeu o marido na guerra da Guiné. Irá a Coimbra bater-lhe à porta, os seus afetos recuperam-se. Na aldeia os pais de João Manilha empurram-no para Luísa do Monte, após peripécias que envolvem as duas famílias, chega-se ao acordo para o contrato nupcial. Só que João Manilha não selará o contrato, irá casar com Giesta Maria.

Toscano vive a febre revolucionária, é membro do PCP, é convidado a dar informação do que se passa no Regimento dos Comandos, recusa-se, começa a rutura.

Os anos passam, João Manilha está a ler o Diário de Notícias na praia, na companhia da enteada e do filho, lê e relê uma reportagem sobre a guerra de Angola, a guerra civil está ao rubro. O stresse pós-traumático eclode: “Já não é a praia que ele vê, é a selva imensa de África, é a guerra, é o João que tropeça, que cambaleia, que cai e que se levanta, regressam as hélices dos helis, ele sente as metralhadoras a matraquear, tem um desmaio".

Irá ser tratado no Hospital Militar Principal, vai a uma consulta de psiquiatria, e daqui partirá para uma Junta Médica, é considerado incapaz para todo o serviço. “Reformou-se numa quarta-feira de março de 1988. Vestiu-se de luto, porque percebeu que morrera, ainda novo. Perdeu amigos, perdeu companheiros, perdeu escalas, perdeu serviços, perdeu bares, perdeu noitadas, perdeu borgas, perdeu sonhos. Reformou-se com 45 anos e com 27 anos de serviço. Com uma miséria no bolso e com dois filhos ainda por criar”. E rumam para Águeda, Giesta arranjou colocação numa Escola Preparatória, João Manilha procura integrar-se. Caminhamos para a atualidade. Diogo Toscano enamora-se de Joana Palla, em agosto de 2000 teremos casamento de muita e uma cerca circunstância, Diogo quer singrar na vida, é simplesmente filho de um capitão, e Joana é filha de um responsável socialista, com muitas conexões, o autor dá-nos uma imagem de Diogo servil e estúpido, mas capaz de tudo para ter um lugar ao sol. João Manilha está em casa e a empregadita são-tomense ciranda por ali, crepita a chuva, um vento enfurecido não dá tréguas, ressoou um trovão, João atira-se à jovem. Mas ele já deixara de ser velho. Ele voltara a ser o Furriel João Manilha e ela era aquela negra de África. Puxou-lhe as roupas num frenesim, como se fosse um ritual, atirou-a para o sofá, como se fosse um fardo e olhou, com os olhos perdidos, aquele corpo por cumprir, aquele ventre de ébano e aquele púbis encaracolado. É desta que João Manilha tem um AVC.

Na boa tradição da literatura e do cinema, haverá um almoço onde toda esta gente se irá reencontrar. Mário Toscano está no campo ideológico oposto ao que tivera a seguir ao 25 de abril, tem o filho bem instalado, há por ali comentários insultos de vária ordem, há mesmo uma atmosfera de derrisão em que o Manifesto Anti Dantas, de Almada Negreiros transforma-se numa catilinária à geração dos coelhos. Manilha está presente mas ausente, tem reminiscência duma cacofonia de canhangulos e carabinas, em desconcerto, a acordar o matorral. As balas, desencontradas, a silvarem traços de morte à sua volta, ceifando o chão e cravejando o arvoredo. À mesa, todos discutem, entusiasmado. A enteada de João Manilha vê duas gotas a escorrerem nas faces de João Manilha. Este está sozinho na guerra, vai matando, vai incendiando, está em Nambuangongo e salta para Wiriyamu, a menina grita: “Acudam, que o pai está mal! Depressa! Ai, que ele ainda morre!”.

“Crepúsculo de Sangue” pode não ser uma jóia literária mas reconduz-nos ao inferno da doença não tratada, vai ao coração do trauma da guerra e alerta-nos para um sofrimento que ainda devasta muitos antigos combatentes.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14064: Notas de leitura (659): “Cabo Verde e Guiné-Bissau: Da democracia revolucionária à democracia liberal”, por Fafali Koudawo, INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, 2001 (Mário Beja Santos)