terça-feira, 7 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14845: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IV Parte): Comandos do CTIG

1. Parte IV de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 2 de Julho de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489 (Cuntima), e Comando do 2.º curso de Comandos do CTIG (Brá), CMDT do Grupo Diabólicos (1965/67).


GUINÉ, IR E VOLTAR - IV

Comandos do CTIG1

As chefias militares da Guiné cedo se aperceberam que havia necessidade de se dispor de uma tropa diferente, uma tropa que fosse capaz de fazer a contraguerrilha, móvel, aligeirada, com pequenos efectivos, autónoma e agressiva. Uma tropa que, aliás, já tinha dado boas indicações em Angola. Em Quibala, no norte de Angola, já tinham sido preparados os primeiros grupos de comandos.

Em Julho de 1963, o Comando-Chefe da Guiné solicitou à Região Militar de Angola que recebesse e formasse um pequeno grupo de militares. Na mesma altura, foi enviada uma circular para todos os batalhões estacionados na Guiné, convidando oficiais e sargentos a oferecerem-se como voluntários para os comandos.

Muita gente se ofereceu. Depois das selecções foram escolhidos o major Correia Dinis, os alferes Maurício Saraiva e Justino Godinho, os sargentos e irmãos, Roseira Dias e os furriéis Vassalo Miranda e o Artur Pires. E ainda, o Adulai Queta Jamanca e o Adulai Jaló, naturais da Guiné.


Fur. Artur Pires, Sold. Adulai Jaló e Alf. Godinho, atrás do Sargento Mário Dias, no aeroporto de Luanda à espera de transporte para o QG. 


© Foto cedida por Vassalo Miranda, ex-Fur. Mil. Gr. Cmds ‘Panteras’.

“A cerimónia de apresentação teve lugar no gabinete do Chefe do Estado-Maior. Fomos recebidos pelo Major chefe da 2.ª Rep, que fez votos para que, da nossa estadia em Angola, tirássemos o máximo proveito. Pôs em evidência os inconvenientes da nossa vinda naquela altura, pois tinha terminado um curso e não se sabia ainda quando teria início o próximo. Deste desencontro de datas, resultariam, naturalmente, limitações à nossa instrução.

Na manhã seguinte foi-nos exposta, com algum pormenor, a situação actual na Região Militar de Angola. Foram-nos indicadas as zonas consideradas activas, semi-activas e as pacificadas.
Cabinda, devido à localização e ao reduzido efectivo das NT e um triângulo com um vértice em Bessa Monteiro e base na região dos Dembos (Nambuangongo, Zala, Beira Baixa, etc.), eram as zonas com maiores preocupações. Considerava esta última mais difícil, porque os grupos IN tinham mais experiência e mostravam-se aguerridos.

As alterações ao programa da nossa visita começaram aqui e mantiveram-se sempre, até ao fim da nossa estadia.

Tivemos uma palestra de um capitão, instrutor dos comandos. Começou por abordar a questão da disciplina. Nada de tolerâncias. Que os comandos falam sempre em sentido. Que o mínimo desleixo, dos superiores ou dos inferiores, não pode passar em claro. Que a mentalização era a menina dos olhos dos cursos de comandos. Um comando luta para matar e não para não morrer. Indicou-nos os processos e as técnicas que utilizam para a mentalização.

Slogans, dísticos humorísticos nas paredes, nos lavabos, em todo o lado, até dentro do pão.
Uma aparelhagem sonora nas casernas e nos quartos de sargentos e oficiais.

Alocuções de mensagens gravadas, para ouvirem sempre que estejam a descansar. Devem ser feitos testes para avaliar o grau de assimilação.

Emulação entre os instruendos, entre as equipas e entre os grupos. Cerimónias com aparato para realçar as qualidades e os méritos dos indivíduos que mais se destaquem.

Abordou o conceito da parelha, da equipa e do grupo. Numa primeira fase, deve dar-se aos instruendos a liberdade para se agregarem como entenderem, depois as relações tendem para alguma estabilidade. Reforçar essas amizades, estimulá-los a comerem na mesma mesa, participarem nos mesmos jogos, fazerem os mesmos serviços.

Falou depois na constituição do grupo:

1. O indivíduo que concorre aos comandos tem que estar situado entre os 20 a 30% melhores do contingente donde é originário.

2. Os comandantes dos grupos e os chefes das equipas devem situar-se entre os 10% melhores do contingente de quadros.

3. A selecção é a operação mais importante na formação dos comandos.

4. A instrução deve assumir um carácter selectivo.

5. Sendo o tiro um aspecto muito sensível, não deve haver restrições nesta instrução.

6. Todos os elementos devem ser especialistas no tiro de precisão e no tiro instintivo e todos devem estar aptos na utilização de lança-rockets.

No dia 26 de Outubro partimos para o quartel de Quibala, onde estivemos 6 dias em contacto com os 3 grupos de comandos recentemente chegados de uma operação. O tenente Abreu Cardoso deu-nos explicações pormenorizadas sobre a mesma.

Regressámos a Luanda e ficámos a aguardar o início da operação que deveria ter lugar nas margens do M’Bridge. Patrulhar as margens do rio entre as picadas de Evange e Quiaia. Uma operação de rotina.

Na 2.ª operação fomos integrados no grupo de comandos do batalhão de artilharia. Montámos a emboscada nas margens do rio Loge. 3 dias.(...)

Se deste estágio na Região Militar de Angola não tirámos o máximo proveito, ele foi, pelo menos, muito útil. Útil porque das lições dos instrutores ficámos com a cabeça mais arrumada, com muitos ensinamentos que nos serão úteis se um dia viermos a ser instrutores de comandos. Útil ainda, porque do contacto que mantivemos com os grupos em operações, adquirimos experiência, vimos como aquela tropa se comporta no mato e as situações que vivemos serão para nós motivos de ensinamento.

Resta acrescentar que os oficiais da R. M. de Angola estiveram sempre ao nosso dispor e se mais não fizeram, foi, de facto, devido à nossa visita ter sido efectuada numa altura pouco conveniente."


Furriel Vassalo Miranda e Alferes Maurício Saraiva em Angola. 

© Foto cedida por Vassalo Miranda.

Considerandos, directivas e orientações. Mais de cinquenta páginas do bloco de apontamentos do estágio na R. M. de Angola do alferes Justino Godinho, um dos voluntários da Guiné.

Depois de regressarem do estágio operacional em Angola, o Comandante-Chefe da Guiné pensou em aproveitar esses militares e integrá-los nas forças que iriam executar a operação "Tridente", marcada para o início do ano de 1964. A ideia, quando foi apresentada pelo Brigadeiro Louro de Sousa, então o Comandante-Chefe do CTIG, pareceu algo controversa, pelo menos no espírito de alguns oficiais do QG.

Não seria um risco desnecessário? Tão pouca gente e todos os quadros, o futuro embrião dos comandos na Guiné? Sem organização própria para os apoiar, não obstante a vontade que manifestavam em integrar os efectivos da operação? Seria mesmo de arriscar? Não seria a morte à nascença do projecto dos Comandos do CTIG?

O Comandante-Chefe decidiu. Vão participar e tratem de organizar o grupo de forma a torná-lo operacional. Aliás, vai ser um bom teste.

Assim foi. Aproveitaram os elementos que, anteriormente, tinham respondido ao apelo de 'voluntários precisam-se para os comandos', a maioria pertencente ao BCav 490, a unidade base que iria executar a operação ao Como, sob o comando do TCor. F. Cavaleiro, comandante do Batalhão.

Havia a necessidade de reforçar os efectivos do GrCmds. Para isso, sob a orientação dos comandos regressados de Angola, os que se ofereceram iniciaram um curto período de instrução operacional com vista à participação na referida operação.

Constituiu-se assim o grupo que interveio na operação “Tridente”, de 14 de Janeiro a 24 de Março, nas ilhas do Como, Caiar e Catunco, integrados nas forças à disposição do Batalhão de Cavalaria 490.

O comando do grupo foi entregue ao alferes Saraiva e, ao alferes Godinho, aos furriéis Mário Dias, Artur e Miranda, a chefia das equipas.

Mário Dias, um dos participantes na operação, esclarece as razões da operação: 

"Na ilha não existia qualquer autoridade administrativa nem força militar pelo que o PAIGC a ocupou (não conquistou) sem qualquer dificuldade em 1963. As tabancas existentes eram relativamente pequenas e muito dispersas. Possuía numerosos arrozais, o que convinha aos guerrilheiros pois aí tinham uma bela fonte de abastecimento, acrescido do factor estratégico da proximidade com a fronteira marítima sul e o estabelecimento de uma base num local que facilitava a penetração na península de Tombali e daí poderia ir progredindo para Norte.

Não tinha estradas. Apenas existia uma picada que ligava as instalações do comerciante de arroz, Manuel Pinho Brandão (na prática, o dono da ilha) a Cachil. A partir desta localidade o acesso ao continente (Catió) era feito de canoa ou em outra qualquer embarcação. A casa deste comerciante era, se não estou em erro, a única construída de cimento e coberta a telha.

Portugal não exercia, de facto, qualquer espécie de soberania sobre a ilha. Tornava-se imperiosa a recuperação do Como. Foi então planeada pelo Comando-Chefe a Operação ‘Tridente’ na qual foram envolvidos numerosos efectivos, divididos em 4 agrupamentos, num total de cerca de 1200 homens".

No dia 14 de Janeiro de 1964, cerca de 1200 homens repartiram-se pela fragata “Nuno Tristão”, por lanchas de desembarque, vedetas e diversos barcos de apoio.

No dia seguinte, a CCav 488 pôs o pé em Catabão, onde abarracou e o 7.º Destacamento de Fuzileiros e a CCav 487 desembarcaram em Caiar. Estes avançaram em direcção a Catabão, enquanto os “comandos” e um pelotão de caçadores ocuparam Caiar. O 8.º Destacamento de Fuzileiros e a CCav 489 ocuparam Cametonco. Fecharam o cerco e o inimigo não teve outro remédio senão ir para as matas.

Caiar, base logística da op. “Tridente”. 

© Com a devida vénia ao pessoal do BCav 490.

O quartel-general das operações abarracou na praia de Caiar. Daqui, dois canhões 8.8 batiam as zonas inimigas e a Força Aérea, sempre que solicitada, avançava com os F-86 e os T6.

O Furriel Miranda, chefe de uma das equipas do grupo de “comandos”, relata: “Uma secção do 8.º Destacamento2, tinha ficado isolada, já tinham um morto, a situação não estava nada boa. Tiveram que pedir o apoio dos “comandos”.

Em pouco tempo, um furriel nosso correu para o corpo do camarada, caído em cima da MG-423. Quando regressavam à posição anterior com o ferido numa padiola, viram mais um fuzileiro a contorcer-se no chão. Outra vez, um dos nossos correu para o ferido, tal como o primeiro atingido com uma bala na cabeça. Quando regressava, o furriel dos “comandos” sentiu o zunir de uma bala. Espera aí, deve ter dito para ele, tudo balas para a cabeça. Escondido, começou a passar os olhos árvore por árvore até ver de onde vinham os tiros.”

E continua A. Vassalo, autor da BD "Operação Gata Brava":

"7 de Fevereiro na mata do Cachil, junto à tabanca de Cachida. Comandos e páras tinham acabado de ocupar a aldeia quando foram chamados para apoiar o 7.º Destacamento dos Fuzileiros, que se digladiava com o IN, ali perto.

Numa pequena clareira foram atacados violentamente. Os efectivos dos guerrilheiros eram superiores e estavam bem organizados no terreno. Um pára é atingido mortalmente. E logo ali, começou outra guerra, a disputa pelo corpo.

Na clareira, os “comandos” conseguiram escapar sem uma beliscadura e encontraram o 7.º Destacamento exausto pelo longo combate travado antes.

A disputa pelo pára-quedista morto não parava. A luta pelo troféu e a momentânea quebra do poder de fogo das NT acicatava o IN e de que maneira!

E outro pára é atingido com um projéctil que lhe partiu a coluna.

Outra vez os “comandos” ao palco. Correram por ali fora e conseguiram sacar o bravo pára."

***

"Numa daquelas tardes, preparávamo-nos para arrancar. As nossas tropas ainda não tinham conseguido entrar nas defesas do IN, junto a Cauane. A única vez que o tinham tentado fazer, o 8.º Destacamento dos fuzos4 teve 3 mortos.

A passagem do tarrafo, junto à estrada que atravessava a ilha, era uma extensão à volta de 400 metros, cerca de 100 dos quais entrava numa meia-lua de mata, onde o IN estava entrincheirado. A meio do tarrafo havia uma vala de irrigação e o ourique que a atravessava perpendicularmente tinha uma prancha a servir de ponte.

Até àquele sítio o IN deixava, depois não, não havia outro remédio senão voltar para trás. Pela nossa parte, durante cerca de 15 dias, à razão de 2 vezes por dia, tentámos entrar na mata por aquela passagem. Éramos corridos à bala, e a coisa não tinha tido outras consequências porque para além de Deus Nosso Senhor ir também connosco, tomávamos as providências indispensáveis, colados ao chão, bem distanciados uns dos outros. Mas era mesmo um sarilho dos diabos, estávamos sempre a pensar que tantas vezes vamos lá que um dia esta merda acaba para qualquer um, pelo menos.

A primeira equipa a progredir era a minha e naquela tarde tínhamos três T65 a apoiar-nos. Em fila de pirilau6 chegámos à tal prancha. A equipa passou-a sem problemas, e isso deixou-nos um tanto admirados. Mudaram de táctica, os gajos?

Desconfiados com tanta fartura, continuámos a avançar. Ouvia-se o roncar dos T6 e o silêncio da mata. O resto do grupo permaneceu lá atrás, protegidos pelo ourique, a ver como paravam as modas. Senti-me só, confesso. Se rebenta a bernarda em cima de nós cinco, como vai ser? Saímos do ourique e formámos uma linha no tarrafo. Avançámos mais uns metros, até a meia-lua de floresta nos envolver. Pronto, cá estamos, bem dentro do alcance das armas dos gajos, que era o que nós queríamos, ou não?

E, claro, não demorou muito, ficámos em maus lençóis. Batidos de frente e dos dois lados num autêntico tiro ao alvo. O que nos estava a valer é que a pontaria dos gajos estava um pouco levantada, só às vezes, uma ou outra rajada, levantava a terra do ourique.

E, a propósito, os nossos, de que é que estão à espera, que merda? Bem lhes fazia sinais para abrirem outra linha, mas qual quê, nada. Assim, não podíamos continuar ali, estávamos totalmente à mercê e o 5.º elemento estava muito perto da orla da mata. Voltei-me para ele, pá, salta para o outro lado do ourique. Qual salta, qual carapuça, o gajo estava com as calças em baixo, isso mesmo, estava a arriar o calhau.

Coitado, deu-lhe a volta ao intestino, pensei. Insisto com o gajo, ó pá, és parvo ou quê, e não é que vejo na mão do gajo um papel, àquela distância até me parecia um aerograma. Não me digam que aquele sacana está a ler a correspondência. Ó pá, que merda é essa? E o gajo grita-me, no intervalo dos pau pau, se tiver que morrer, meu furriel, quero ir aliviado e com notícias frescas da famelga.
Meu grande filho da mãe, ou puxas as calças para cima, ou sou eu que vou aí puxar-tas, ouviste? Pronto, meu furriel, estou pronto, respondeu-me, momentos depois.

Quando ele e a parelha passaram de cócoras à minha beira, caiu-nos uma descarga de balázios, parecia que tinham posto o dedo em tudo que fosse gatilho. Metidos pelo chão, escondidos atrás de frágeis espaldões, nenhum de nós pensava sequer em levantar a cabeça, quanto mais outra coisa.
Lá atrás o alferes Saraiva chama os T6 para o barulho, e aí vieram os gajos a fazer um chavascal danado, um a fazer fogo de metralhadora, outro a lançar rockets e o terceiro a largar umas bombinhas. Até seguimos a coisa com interesse, os T6 picavam, os gajos calavam-se, os T6 levantavam, fogo outra vez para cima de nós.

Entretanto, os fuzos já vinham a caminho com o objectivo de nos retirarem daquele poço. Outra vez os aviões a picarem e os gajos calados, a última bomba rebentava e lá estavam outra vez os gajos a tentarem acertar-nos.

Um T6 deslocou-se numa linda manobra para a orla da mata e subitamente picou sobre eles, o outro sobre a meia-lua, o terceiro vinha um pouco atrás para varrer a metralha a orla da mata.
Mata calada e é nesta altura que arrancámos com toda a força que tínhamos, comandos ao ataque, um grito que até eles devem ter ouvido!

Electrizados é o termo, o Marcelino, o Godinho, o Joel, o outro das calças e eu, que nem umas balas em direcção à mata, para aí a 70 ou 80 metros. É agora, comandos!

Bombas a rebentarem outra vez, os nossos camuflados enfunados com os sopros dos rebentamentos, os quicos saltaram-nos das cabeças e puseram-se a voar, estávamos tão perto que os T6 tiveram que parar o fogo e ficaram-se por ali em cima durante uns minutos. Mas já estávamos dentro da floresta, em igualdade de circunstâncias. Vimos três gajos a fugirem de uma casa de mato, e parece que não foram muito longe.

Animados tentámos avançar. Qual quê, fogo cerrado em cima de nós, as palmeiras a abanarem, folhas a caírem-nos em cima, bom sinal, os gajos continuam com a pontaria alta. Furriel, estou quase sem munições, eu também e pronto, tínhamos mesmo que ficar por ali.

Esta cena foi filmada pelo Raimundo, o cabo do Destacamento de Foto-cine do QG, que nos estava a acompanhar. Estávamos com poucas munições e encurralados junto à estrada e ainda distantes da bolanha. Como é que vamos sair daqui? Mas quem disse que vamos sair? Os T6 também estavam sem combustível e tiveram que retirar não sem um resolver fazer uma última passagem sobre a posição de uma Degtyarev7 montada numa plataforma.

Como o Furriel Miranda viu lá de baixo as manobras dos T6.
© Desenho de A. Vassalo.

Correu mal o picanço do T6, a Degtyarev ficou com ele na mira, depois foi só carregar no gatilho, e o aviãozinho ficou furado do nariz ao rabo. Quando passou por nós, aí a uns escassos 20 a 30 metros, já ia ferido de morte. Motor lancinante, fumo por todos os lados, voo incerto e em perda, espatifou-se atrás das nossas linhas com um estouro ensurdecedor e uma labareda enorme por ali acima.


De costas, junto à primeira palmeira, quico à legionário na cabeça, o Furriel Miranda contempla os destroços e o cadáver do piloto. 


© In “Operação Gata Brava”, Autor A. Vassalo.

Contentes com o abate, até palmas parece que ouvimos, o IN esqueceu-se de nós, e nós, oportunistas, cavámos dali. Rapidamente vencemos a distância que nos separava do ourique e foi então que eles deram por ela, mas já era tarde demais.

No fim daqueles setenta e tal dias, a resistência abrandou8 e, numa prova de que se podia voltar a andar livremente, o TCoronel Cavaleiro com um pequeno grupo de homens passeou-se pelo interior da ilha. Foi o sinal de que a operação “Tridente” estava no fim.

Deixámos uma guarnição em Cachil pequeno (da CCaç 557), o Batalhão de Cavalaria 490 foi para Farim, os comandos para o interior treinar milícias indígenas e os fuzos e os páras para as suas missões tradicionais.


Furriel Miranda, de lança-rockets e alferes Saraiva de chapéu, o cabo Raimundo do destacamento Foto-Cine com a máquina na mão esquerda, entre outros elementos do grupo de “comandos “da operação no Como. 


© Foto cedida por Vassalo Miranda.

Baixas? 9 mortos e 47 feridos e um avião abatido, do nosso lado. 76 mortos, entre os quais alguns chefes da guerrilha, mais de 100 feridos confirmados e 9 prisioneiros, do lado da guerrilha.
Apesar de todas os problemas por que passámos, foi um prazer e uma honra também, lutar com aqueles Inimigos, que tal como nós estavam a combater por uma causa em que acreditavam.”
A. Vassalo, Autor da BD "Op. Gata Brava".

Publicamente reconhecida a contribuição que deram para o sucesso da operação, os comandos receberam os crachás em cerimónia pública realizada em Bissau em 29 de Abril de 1964.
Em finais de Julho e com a duração de 4 semanas deram início à escola de quadros.

Entre 30 de Setembro e 17 de Novembro de 1964, realizou-se em Brá o 1.º Curso de Comandos da Guiné9. Começaram cerca de 200, terminaram 78. Fantasmas, Panteras e Camaleões foram os nomes que escolheram para os grupos que saíram dessa formação.


"Fantasmas", "Panteras" e "Camaleões", no dia em que receberam os crachás. À frente dos grupos, o então tenente Jaime Cardoso dos Comandos de Angola, director do 1.º curso de Comandos na Guiné. Brá, Novembro de 1964.


© Foto de Mário Dias.


Os grupos em Bissau apresentam-se ao Governador-Geral, Brigadeiro Arnaldo Schulz.

© Foto de Mário Dias.

E em Dezembro de 196410, o Boletim de Informação do Estado Maior do Exército, relatava oficialmente as primeiras acções desses grupos: "A actividade desenvolvida pelos grupos de comandos conduziu a resultados muito remuneradores. Prova-se deste modo a necessidade de se poder dispor de uma tropa com instrução especializada, apta a desempenhar missões que, pelas suas características, estão fora das capacidades das unidades normais.

Um grupo em actuação em Canjambari efectuou uma acção de muito interesse sobre um bando de terroristas instalado a coberto do rio. Apoiados por um pelotão de auto-metralhadoras, os comandos transpuseram o rio e lançaram-se ao assalto do IN, bem instalado no terreno e com bom e numeroso armamento. O IN foi desalojado, tendo deixado várias baixas no local.

Outro grupo efectuou uma emboscada na mesma região causando ao IN 2 mortos e vários feridos, tendo sido capturadas várias espingardas, pistolas-metralhadoras e granadas de mão.
Na zona de Tite, outro grupo realizou um golpe de mão a NE daquela povoação.
Capturadas 8 espingardas, 1 pistola-metralhadora e várias granadas de mão”.

Nesse mês de Dezembro, numa reunião em Brá com os comandantes dos grupos, o Major Correia Dinis preocupado com a aproximação das datas dos fins das comissões dos militares dos comandos, relia-lhes uma nota que endereçara ao Comandante Militar da Guiné:

"Exmo. Senhor,

Por determinação de S. Ex.ª o General Venâncio Deslandes, apresentei-me na véspera do meu embarque de fim de licença na Defesa Nacional a fim de ser ouvido por aquele Exmo. Senhor.
A conversa baseou-se única e exclusivamente na organização de grupos de comandos, seu interesse e modalidades de acção.

Para terminar, Sua Ex.ª o General mostrou-se interessado na organização de mais grupos de comandos no CTIG.

Informei que essa organização dependia não só do Centro Nacional de Instrução de Comandos em Angola, presentemente em organização, como também do necessário pessoal que deveria vir da metrópole para substituição, nos Batalhões, dos voluntários para os comandos.
Quanto a este segundo condicionamento, Sua Ex.ª esclareceu que o CTIG poderia pedir o envio desse pessoal.

No meu entender, a organização de novos grupos de comandos é da maior utilidade, tanto mais que a partir de Abril de 1965 os três grupos existentes começarão a ficar desfalcados com as desmobilizações.

Há que atender porém ao trabalho que o Centro Nacional de Comandos vai produzir na formação de novos grupos.

Estarão esses grupos prontos num futuro próximo e poderá o CTIG aproveitá-los em breve ou a formação desses grupos demorará ainda o bastante, que justifique como emergência, a formação de novos Grupos neste CTIG?

Assim, proponho:

1.º - Que com a necessária urgência se procure obter da Região Militar de Angola as seguintes informações:

a) Qual o número de grupos de comandos que em 1.ª prioridade serão atribuídos ao CTIG? Ainda se mantém a Companhia como foi pedido?
b) Qual a data provável da sua apresentação neste CTIG?

2.º - Em face da resposta obtida poderá então este CTIG pensar na formação ou não de novos grupos.

Em Brá, 26 de Novembro de 1964 

O Comandante do Centro de Comandos, 
Correia Dinis, 
Major."

Qual a resposta? Temos ainda algum tempo à nossa frente. Abril não vem longe, mas mesmo assim, também não é demasiado tarde ainda. Leu-lhes outra, que acabara de receber, a felicitá-los pela forma como elaboraram os programas do curso:

"Comando Territorial Independente da Guiné, Quartel-General, 3ª Repartição, ao Sr. Director do CI de Comandos, Brá.

Encarrega-me Sua Ex.ª o Brigadeiro Comandante Militar de informar V. Ex.ª que aprovou os programas da Instrução de Comandos que acompanharam a nota em referência e manifestar o seu agrado pelo cuidado feito pelo Director de Instrução na elaboração dos respectivos programas.
O Chefe do Estado-Maior, 
sarrabiscos miúdos, o nome de guerra por extenso, 

Tenente-Coronel do CEM".

E uma cópia de uma outra que o Comandante Militar dirigira aos Comandos dos Batalhões:

"Por determinação do Comandante Militar, os comandantes dos batalhões em quadrícula devem não só prestar todo o apoio que lhes for pedido como também, eles próprios, devem proceder à escolha de voluntários, os quais devem dar garantias de permanência na Província pelo menos de 1 ano. Os comandos não fazem qualquer outro serviço, actuam, em regra, durante 3 a 5 dias, e descansam dois ou três.

Trabalham, normalmente, em benefício dos Batalhões mas quando o CTIG o entender podem ser accionados directamente por este. (...) 

sarrabiscos iguais aos anteriores, o mesmo nome por extenso. 
Execute-se."

Entretanto os grupos foram-se mantendo em actividade, infundindo respeito sobretudo ao inimigo, conforme atestam as numerosas citações de que foram alvo, apesar de actuarem com efectivos progressivamente mais reduzidos.

Claro que tiveram os seus fracassos que isto de ir à guerra é já uma coisa muito antiga. Levantaram-se sempre quando foram ao tapete.

Para recordar os 9 camaradas mortos que tiveram numa tarde na zona de Madina do Boé, logo na semana seguinte os 12 comandos sobreviventes foram nomadizar para a zona do Oio.
E terminaram em 6 de Maio de 1965, no sul, em Catunco, no acampamento chefiado pelo Pansau Na Isna, guerrilheiro do PAIGC que se tornou lendário.

Foi um golpe de mão como deve ser, entraram pelas barracas com eles a dormirem e, como era de esperar, acordaram-nos. Retiraram eufóricos, um sucesso para finalizar a guerra. No regresso alguém perguntou quem trazia a metralhadora-pesada do inimigo. Ninguém a trazia, ninguém a vira! Duas equipas, metade do grupo, receberam ordem para a ir buscar. Voltaram para trás, ao acampamento que momentos antes tinham incendiado. Iluminados pelas labaredas, apareceram bem recortados aos olhos de alguns guerrilheiros, refugiados nas proximidades, que não tiveram dificuldade em mandar para o meio deles uma roquetada. Todos atingidos, um morto e nove feridos foi o saldo do regresso ao acampamento. A operação tinha recebido o nome de código “Ciao”.

Em Junho de 1965 começou o 2.º curso de comandos na Guiné.11

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Notas:

1 - Comando Territorial Independente da Guiné
2 - Fuzileiros Navais. Naqueles anos, actuavam quase sempre ao nível de destacamento, uma formidável força armada.
3 - MG 42: Espingarda-metralhadora, de origem alemã usada pelas NT.
4 - Fuzileiros.
5 - Avião bombardeiro, monomotor podendo ser armado com lança-roquetes, metralhadora e bombas.
6 - Coluna por um.
7 - Degtyarev-Shpagim: Metralhadora pesada 12,7 mm, de origem soviética utilizada pelo IN
8 - Teor de mensagem de Nino Vieira para a direcção do PAIGC, em poder de um guerrilheiro capturado: "Hoje faz 48 dias que os nossos camaradas estão enfrentando corajosamente as forças inimigas. Camaradas, tenham paciência, porque não tenho outra safa senão o vosso auxílio. As tropas estão a aumentar cada vez mais as suas forças (...) camaradas, não tenho mais nada a dizer-vos, somente posso dizer-vos que de um dia para o outro vamos ficar sem a população e sem os nossos guerrilheiros. Já estamos a contar com as baixas de 23 camaradas (...) do vosso camarada, Marga-Nino."
9 - 23/7/64: início das actividades do Centro de Instrução Comandos em Brá.
03/8/64: início da Escola Preparatória de Quadros.
24/8 a 17/10/64: 1.º Curso de formação dos GrsCmds (Camaleões, Fantasmas e Panteras), com o apoio de instrutores e monitores do CI 25/RMA e do GCmds "Gatos"/BArt 400/R. M. Angola, que sob o comando do alferes Horácio Valente (morto mais tarde em Moçambique) permaneceu na Guiné entre 22 de Setembro e 28 de Dezembro de 1964, participando em três operações no sector do Batalhão de Artilharia 645.
10 - De 20/10/64 a Junho de 1965: actividade operacional dos Grs. Comandos
11 - Em meados de 1965 o Major Correia Diniz terminou a sua comissão tendo sido substituído pelo seu Adjunto, Capitão Varela Rubim. Nesta altura o QG decidiu extinguir o Centro de Instrução de Comandos e criar a Companhia de Comandos do CTIG com data de 1 de Julho.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14827: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (III Parte): Morreu-me um gajo ontem

Guiné 63/74 - P14844: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (10): De 20 a 22 de Maio de 1973

1. Em mensagem do dia 3 de Julho de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 10.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74 

10 - De 20 a 22 de Maio de 1973

20 de Maio de 1973 – Da História da Unidade BCAÇ 4513:

20 - A CCAÇ 18 e a CART 6250 patrulham e reconhecem uma das diversas tabancas de NHACOBÁ. Permanecem ali e cerca das 20h00 são flageladas com Morteiro 82, sem consequências.

- O Comandante interino do Batalhão deslocou-se a NHACOBÁ para apreciar a evolução dos trabalhos de estrada.


Do meu diário – notas curtas.

20 de Maio de 1973 – (domingo). Mampatá.

Mampatá. Serviço ao aquartelamento. O problema de se comandar uma Companhia (?). O camarada Esteves foi evacuado para Aldeia Formosa por suposta fractura no ombro, motivada por lançamento de dilagrama.
[Recordo uma manhã em que um alferes de Mampatá se levantou cedo para ir com o grupo para os lados de Cumbijã, tendo eu ficado na cama mais um bocado. Quando me levantei estava a passar para Aldeia Formosa uma evacuação e, na altura, disseram-me que se tratava do alferes saído há pouco para o mato e que dormia no mesmo “quarto” que eu. Não recordo o nome Esteves].

Dia sem incidentes (?) na “frente”, apesar do estado psíquico das NT. (Vários dias a dormir no mato e a comer ração de combate). Casos de insolação tratados em Aldeia Formosa. Pessoal excitado por longa permanência no mato não tem energia, mas quer por tudo entrar em Nhacobá. Soube-se que os “cabeças” pretendem que se entre lá de qualquer forma. Na retaguarda há expectativa, ansiedade e revolta muda. Grupos dos “velhinhos” com cerca de 18 dias além da comissão normal. Vão ter muito que esperar.

Recebi à noite directiva de Aldeia Formosa para avançar com o meu GC e com o GC “velhinho” da CCAÇ 3400, para Cumbijã. Um grupo de Colibuia passa a substituir o meu na segurança à retaguarda. Más perspectivas para amanhã.

Hoje, dia sem incidentes. Apenas à noite o rumor distante dos obuses.


21 de Maio de 1973 – Da História da Unidade BCAÇ 4513: 

21 - Forças da CCAÇ 18 estabelecem contacto IN armado de AAutm, RPG e MORT 60 tendo sofrido 1 morto, 1 ferido grave e 2 feridos ligeiros e causado 5 mortos ao inimigo.

- Às 21h15 a CCAV 8351 e a 3ª CCAÇ são flageladas em NHACOBÁ com MORT 60 e 82 e RPG da direcção (GUILEGE 3 D 5-36/3 E 4-34/2 E 7-38) sem consequências.

- O CMDT INTº do Batalhão deslocou-se a NHACOBÁ para apreciar a evolução dos trabalhos de estrada.


Do meu diário – notas curtas: 21 de Maio de 1973 – (segunda-feira). Cumbijã.

Cumbijã. Em princípio ainda não é desta vez que iremos para a frente (Nhacobá). O meu grupo ficou hoje aqui em Cumbijã de reserva e o grupo “velhinho” da CCAÇ 3400 de Nhala ficou de serviço.

Hoje os grupos na frente entraram em Nhacobá e houve recontro grave: morreu um soldado da 18 (Aldeia Formosa) e houve vários feridos graves, entre eles, um alferes com estilhaços na garganta.

O dia foi cansativo e aqui as condições são más: esta base, erguida a punho pela 51, não estava preparada para tanta tropa. Penaliza os que estão de passagem e, mais ainda, os que nos hospedam e tiveram de a construir. Contamos passar cá mais um dia. À noite Guilege foi atacada bem como Nhacobá, onde ainda não temos tropas fixas. Pela primeira vez ouvi tão perto um ataque de canhão e morteiro. Durou uns quinze minutos, tendo entrado em acção, como resposta, os obuses de Cumbijã, assim como o 14 de Colibuia.

Foto 1: 1973 - Cumbijã: Eu, acabado de chegar com o meu grupo de um patrulhamento onde cacei uma galinha-do-mato. E deixei fugir o seu par... Esse camuflado tresandava e, se me rio, deve ser a pensar no jantar melhorado.

Foto 2: 1973 - Cumbijã: Após um temporal, soldados da minha Companhia (2.ª CCAÇ) junto de coisas pessoais destruídas.

Foto 3: 1973 - Cumbijã: O alferes A. C. P. observa os estragos com o pessoal.

Foto 4: O alferes A. C. P. (e o alferes T. B. por trás dele), tentam animar o pessoal.

[Quando entrei em Cumbijã pela primeira vez, em data anterior a esta, foi-me explicado no terreno por um camarada da CCAV 8351, como foi erguer e ocupar aquele espaço agreste, traiçoeiro e minado, quase encavalitado nos terrenos do PAIGC: ia ser, e foi, o aquartelamento mais próximo de Nhacobá, e essa proximidade conferiu-lhe um alto risco de confrontos e flagelações. Isso teve custos altos, inclusive de vidas humanas, mas não afectou o ânimo dos que esticaram o arame farpado, abriram valas, ergueram postos de vigia e acomodações, estando sempre prontos para a sua defesa e para as incursões a que eram obrigados um pouco por toda a zona. Daí que, desde o primeiro dia, tivesse ganho um sentimento de admiração e respeito pelos Tigres de Cumbijã e em especial pelo seu comandante, Cap. Vasco da Gama que, soube eu na altura, tanto era capaz de dizer “não” aos seus superiores na defesa da sua Companhia, como era capaz de a galvanizar para a realização daquilo que, de facto, tinha de ser feito. Perturbava-me reparar que, apesar disto tudo, a “51” – como nós a chamávamos – não era poupada nas missões conturbadas daquela época. Às vezes parecia-me que era bem ao contrário. Aliás, é justo referir que de igual modo aconteceu com os “Unidos de Mampatá” (CART 6250) e com a CCAÇ 18 de Aldeia Formosa com quem, mais de uma vez, partilhei o chão de Nhacobá sob a inclemência das flagelações. Não digo isto, hoje, para ser agradável a quem quer que seja, mas porque é de toda a justiça que o diga, e por ter sabido sempre que o acolhimento que me dispensaram e aos demais grupos de reforço, quer em Mampatá quer em Cumbijã, foi o melhor possível para aquelas circunstâncias.

Esta época difícil marcou-me para sempre. Na qualidade de “periquito” e posto pela primeira vez perante tropa com esta tarimba, - experimentada e sacrificada -, (devo referir que a CCAÇ 3400 de Nhala nos confessou que tinha passado toda a comissão sem problemas), comecei a pôr-me “em guarda”, endurecendo e preparando-me para tudo. Foi por estas alturas e nos tempos que se seguiram que comecei também a conhecer-me melhor. [Grande confissão!]. Fui descobrindo, aos poucos, coragens ignoradas - daquelas que, devido às situações, não dá para confundir com fanfarronices ou bravatas -, maior sentido de responsabilidade e, até, maluqueiras de que não sabia ser capaz. Muita dessa “renovação” da personalidade e amadurecimento, ficou-me até hoje. Para o bem e para o mal].


22 de Maio de 1973 – (terça-feira) – Cumbijã

Hoje o meu grupo de combate ficou de serviço ao aquartelamento mas, por falta de pessoal, teve que fazer também de reserva. O pessoal está a ficar esgotado e desmoralizado: refeições fora de horas, excesso de trabalho, excesso de calor e falta de higiene. Ninguém tem outra roupa para vestir, nem um simples sabonete e uma toalha. Nem dinheiro: do que trouxe, já emprestei ao meu pessoal mais 1.500$00.

Hoje entrámos em Nhacobá para trazer o pessoal da Engenharia e as tropas que lá se encontravam. Aquilo é pequeno [? A base militar e a tabanca não era um conjunto pequeno], e bem no interior da floresta, com uma enorme bolanha do outro lado (oposto ao da nossa entrada). A orla da mata do outro lado da bolanha e na nossa frente, não controlamos. É daí que flagelam as tropas em Nhacobá.
Agora está tudo calmo, embora inspire respeito e recomende precauções. Os soldados já trouxeram de lá recordações (roncos), galinhas, cabras e fruta, só falta trazer o arroz que se encontra em grande quantidade em recipientes toscos.

Meteu-me bastante pena [!] ver a maquinaria revolver aquelas terras, destruir as galerias, abrigos e instalações subterrâneas na parte militar. Para ali se fazer mais um destacamento nosso. É evidente que o interesse é só estratégico e talvez estejam a pensar prosseguir com a estrada que ali chegou, para destinos mais ousados: talvez o Unal ou mais além, tudo controlado pelo PAIGC.

À noite, mas desta vez mais cedo, houve novo ataque IN com canhões aos locais de ontem. Mais uma vez, as nossas peças a responder.

Foto 5: 1973 - Nhacobá: Um aspecto da tabanca bem no interior da floresta e o alferes A. C. P.

Foto 6: 1973 - Nhacobá: Aspecto da tabanca vendo-se alguns recipientes onde guardavam o arroz.

Foto 7: 1973 - Nhacobá: Abrigo antiaéreo subterrâneo camuflado por um “telhado” de palhota.


 Fotos 8 e 9: 1973 - Nhacobá: Entrada de abrigos pouco antes de serem destruídos pelas máquinas da Engenharia.

Foto 10: 1973 - Nhacobá: Orla da mata junto à grande bolanha. À esquerda o Furriel J. C. a comer com o Furriel M. C.


Fotos 11 e 12: 1973 – Nhacobá: Vista da grande bolanha a partir da orla da mata. Era do outro lado, na orla que se vê ao fundo, que os guerrilheiros nos atacavam, sobretudo com canhões e morteiros, sempre que nos pressentia em Nhacobá.

(Continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14813: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (9): 16 a 19 de Maio de 1973

Guiné 63/74 - P14843: Memória dos lugares (303): Regulado, rio e tabanca de Caboiana (ou Coboiana ?) no Cacheu, em outubro de 1964 ( António Bastos, ex-1.º cabo do Pel Caç Ind 953, Cacheu, Farim, Canjambari, Jumbembem, 1964/66)





Guiné > Região do Cacheu >  Outubro de 1964 > Tabanca de Coboiana [ou Caboiana ?] > O chefe de posto do Cacheu, mais duas senhoras: (i) a esposa do chefe de posto; e (ii) a esposa do tenente [que o autor não diz quem é; seria o comandante do Pel Caç Ind 953 ?]

Foto (e legenda): © António Bastos (2015). Todos os direitios reservados [Edição: LG]



1. Mensagem, de 2 do corrente, do António Paulo Bastos (ex-1.º cabo do Pel Caç Ind 953, Teixeira Pinto e Farim, 1964/66):

Companheiro Luís,  boa tarde.

O nome do rio é mesmo o de Coboiana, aliás na carta de S.Domingos-Cacheu está lá.

Eu fazia esse rio muitas vezes sempre em Psico, a foto que aqui esta é mesmo na tabanca de Coboiana e o régulo da altura era o João.

Nós,   ao sairmos de Cacheu,  o primeiro  rio era o Coboy que ficava mesmo em frente ao Rio Pequeno de S. Domingos, depois tinha um rio pequeno, e era logo a seguir o rio Coboiana.

A foto que está aqui foi tirada em Outubro de 1964.  Nesse dia foi o enfermeiro para dar os comprimidos LM [, Laboratório Militar,] e comprarmos galinhas e um porco para o rancho. O  chefe de posto foi comprar uma vaca para o mercado.

Nóa algumas vezes íamos no Pecixe e outras vezes íamos no sintex da Engenharia. Também íamos de viaturas [estarada São Domingos - Sedengal] com paragem no Churro,  aí havia uma picada que dava para Catão,  Catel,   Caguepe e ia até Coboiana onde aproveitava-se e traziamos lenha.

Um abraço

António Paulo Bastos

2. Comentário de L.G.:

António, tens razão o rio existe mesmo, é preciso ver o mapa com lupa... Permite-me, no entanto,  insistir na grafia correta (de acordo com o que vem no mapa de São Domingos): a região (ou regulado) é Caboiana (e não Coboiana), os rios que assinalas são Caboi (e não Coboy) e Caboiana (e não Coboiana). A tabanca de Caboiana é que não consegui identificar... nem chegar lá... a penantes, seguindo as tuas instruções (seguir a picada do Churro; em Catel perdi-me...)...

A carta de São Domingos é de 1953, pode ter havido, com o início da guerra, deslocações de população: entre os rios Caboi e Caboiana, na orla da bolanha, identifico várias pequenas tabancas: Chamei (?), Peche, Balimbem (?), Benjá, e mais duas ou três, dificilmente legíveis... Pode ser que tenham sido reagrupadas, e tenha nascido a tal tabanca de Caboiana cujo régulo era o tal João de que falas... E se  era régulo era régulo do regulado de Caboiana... Ou não ?

Alguns dirão de que estamos para aqui a discutir o sexo dos anjos, bizantinices... Quem andou e conheceu a região, é que deve botar faladura... Eu limito-me a respeitar,  até prova em contrário, o trabalho meticuloso dos nossos competentes e valentes cartógrafos... Acho que temos essa obrigação. e não só para com eles (ou à sua memória), mas também para com todos os nossos leitores... É um questão de rigor. De resto, no noosso blogue o descritor é Caboiana e não Coboiana.

Um abraço e obrigado pelo teu pronto esclarecimento. LG



Guiné > Região de Cacheu > Carta de Cacheu / São Domingos (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor dos rios Cacheu e seus afluentes: Pequeno de São Domingos (margem norte); Caboi, Caboiana  e Churro (margem sul), a montante da vila de Cacheu.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).


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(**) Último poste da série Z 3 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14831: Memória dos lugares (300): os meus dois rios, o Cagopère (Cachil, no sul) e o Geba (Bafatá, no leste) (José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

Guiné 63/74 - P14842: Agenda cultural (415): Vimeiro, Lourinhã, 17 a 19 de julho: recriação histórica da batalha do Vimeiro (1808) e mercado oitocentista... Com apoio da, entre outros parceiros, Associação para a Memória da Batalha do Vimeiro (AMBV) (Eduardo Jorge Ferreira, ex-alf mil, PA, BA 12, Bissalanca, 1973/74)





Lourinhã, Vimeiro > 17-19 de julho de 2015 > Recriação histórica da batalha do Vimeiro (1808) e mercado oitocentista > "Flyer" do evento





1. Mensagem, de 3 do corrente, do Eduardo Jorge Ferreira, nosso grã-tabanqueiro, ex-alf mil, Polícia Aérea, BA 12, Bissalanca, 1973/74 [. foto atual à direita]:


A todos os meus/minhas  amigos/as:

Envio-vos o programa da Recriação Histórica da Batalha do Vimeiro e Mercado Oitocentista, eventos que vão ter lugar no fim de semana de 17, 18 e 19 deste mês, portanto daqui a 15 dias.(*)

Estamos a dar o nosso melhor para que este programa entusiasme os nossos visitantes e não desmereça do sucesso alcançado em 2008 e 2013.  

Acrescento que o grupo de recriadores históricos - nome pomposo, não é? - do Vimeiro, de que faço parte (**), vai ter o seu batismo de fogo nestes dias. Razões de sobra para darem um pulinho até cá, não acham? E tragam as vossas bajudas e os  vossos netos!

Podem repassar s.f.f. aos vossos contactos, o que desde já agradeço.

Abraço
Eduardo Jorge

 2. Informação adicional da página da CM Lourinhã:

Trata-se de uma iniciativa no âmbito das comemorações da Batalha do Vimeiro:


(ii) população local e cerca de 60 recriadores militares de várias nacionalidades participam nestas recriações históricas da Batalha do Vimeiro e do mercado oitocentista:

(iii) de sexta (17)  a domingo (19) do mês corrente, irão decorrer várias encenações e recriações, workshops e visitas guiadas ao Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro (, sito no Vimeiro, junto ao monumento comemorativo do 1º centenário, inaugurado em 1908 pelo rei Dom Manuel II;

 (iv) a programação tem início às 19h00 de dia 17, sexta-feira, com a abertura do Mercado Oitocentista (mostra e venda de produtos, animações de rua, circuito de jogos tradicionais à época e recriação de ofícios oitocentistas);

(v) às 20h30 segue-se a visita “À noite no Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro”;

(vi)  às 22h00 realiza-se a encenação “A corte que parte e o invasor que chega” – referente à partida da corte para o Brasil em 1807;

(vii) das 23h00 às 00h30 haverá um concerto pelo grupo Mysticas - Danças Medievais, de Arraiolos;

(viii) no dia 18, sábado, destaca-se a caminhada "Pelos Caminhos da Batalha do Vimeiro" (com partida às 10h00), bem como duas atividades dirigidas aos mais pequenos (Visita temática ao Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro “Soldado por um dia”,  às 10h30;  e workshop “Faz a tua farda”, às 14h00);

(ix) às 16h00 irá decorrer a cerimónia de homenagem aos combatentes junto ao Padrão Comemorativo da Batalha do Vimeiro;

(x)  às 22h00 irá efetuar-se a recriação histórica da Batalha do Vimeiro “O Assalto à Igreja”, seguida do concerto acústico pelos Cavaquinhos da Freiria, Torres Vedras;

(xi) no domingo, 19, o dia começa às 10h00 com o peddy paper "Descobrir a Batalha do Vimeiro", seguido da a recriação histórica da Batalha da Vimeiro,  “O campo de Batalha”, às 12h00;

(xii) às 14h00 haverá  uma visita guiada ao Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro.

As comemorações oficiais da Batalha do Vimeiro irão realizar-se no dia 21 de agosto, data em que foi travada, no ano de 1808.




Lourinhã > Vimeiro > Imagem de uma recriação histórica da batalha do Vimeiuro (21 de agosto de 1808), realizada há uns anos atrás (2008 ou 2013)  (*)


Foto: © Eduardo Jorge Ferreira (2015). Todos os direitos reservados.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de abril de  2015 > Guiné 63/74 - P14505: Os nossos seres, saberes e lazeres (89): Criada, na Lourinhã, a Associação para a Memória da Batalha do Vimeiro ( Eduardo Jorge Ferreira, ex-alf mil, Polícia Aérea, Bissalanca, BA 12, 1973/74)

(**) Último poste da série > 30 de junho de  2015 > Guiné 63/74 - P14816: Agenda cultural (412): Apresentação do livro, da autoria do nosso camarada António Marques Lopes, "Cabra Cega - Do Seminário para a Guerra Colonial", dia 3 de Julho, pelas 17h30, na Biblioteca Municipal do Marco de Canaveses

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14841: Fotos à procura de... uma legenda (58): Varela, 1955: o arquiteto Luís Possolo [1924-1999], o felupe e o "teco-teco"...


Guiné > Região do Cacheu > Varela > 1955 > O arquiteto Luís Possolo [19924-1999], o felupe e o "teco-teco"... [Cortesia de José Luís Possolo de Saldanha, 2012]. 


1. Foto enviada pelo Mário Beja Santos, com data de hoje, e a seguinte legenda:

"Arquiteto Luís Possolo em Varela,1955, para mim,  a mais espantosa imagem luso-guineense, Um Felupe exigiu entrar na fotografia, pôs 2 mundos em presença, há para ali fulgor, pujança e futuro".

O Mário não indica a origem da foto, nem diz se tem créditos... Mas sabemos que se trata da foto da capa do livro “Luís Possolo, um arquiteto do Gabinete de Urbanização do Ultramar”, de autoria de José Luís Possolo de Saldanha (Lisboa: Centro de Investigação em Arquitectura e Áreas Metropolitanas, 2012). O Beja Santos já a tinha reproduzida, há dois anos, quando fez, do livro,  uma nota de leitura (*)

O autor do livro é neto do Luís Possolo. Voltamos voltar a reproduzir a foto, com a devida vénia. O arquiteto Luís Possolo, de seu nome completo, Luís Gonzaga Pimentel Pedroso Possolo, nasceu em Lisboa, a 7 de julho de 1924, e morreu a 20 de abril de 1999, também em Lisboa.

O seu nome também já tinha sido referido por nós, em poste de há um ano atrás, a propósito da recensão do livro de Ana Vaz Milheiro: "2011: Guiné-Bissau. Lisboa, Circo de ideias, 2012, 52 pp. (Viagens, 5).

Fica o desafio, aos nossos leitores, para acrescentar uma legenda ou melhorar a que é proposta por Beja Santos. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11238: Notas de leitura (464): O arquiteto Luís Possolo na Guiné, pelos anos 50 (Mário Beja Santos)

(**) Último poste da série > 2 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14824: Fotos à procura de... uma legenda (57): Evacuação do Uam Sambu, soldado do Pel Caç Nat 52, gravemente ferido em 1/1/1970: quem era a tripulação da DO 27 ? (Miguel e Giselda Pessoa / Rosa Serra)

Guiné 63/74 - P14840: Notas de leitura (734): A Guiné Portuguesa em 1928: Segundo o anuário da Escola Superior Colonial de 1929 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Julho de 2014:

Queridos amigos,
A historiografia da Guiné não se pode cingir às chamadas obras de referência e aos documentos dos arquivos, identificados ou por espiolhar.
Ao longo dos dois últimos séculos, como a Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa atesta, há monografias, livros institucionais, brochuras, panfletos, publicações espúrias que necessitam de atenta vistoria.
No caso em apreço, desconhecia por inteiro a importância dos anuários da Escola Superior Colonial, são alfobre de informações por vezes de extrema utilidade. Confesso que desconhecia haver apologistas do caminho-de-ferro na Guiné no início do século XX. Estamos sempre a aprender, a aguçar a curiosidade.
A Guiné merece e agradece.

Um abraço do
Mário


A Guiné Portuguesa em 1928
Segundo o anuário da Escola Superior Colonial de 1929

Beja Santos

A Escola Superior Colonial sucedeu à Escola Colonial, em 1926, a instituição funcionou com este título até 1961, o leitor interessado encontrará todos estes dados no Google. O interessante é que a Escola caprichava pelos seus anuários dirigidos, como é óbvio à sua clientela: alunos destinados à administração colonial e respetivos docentes. Publicava números temáticos e o de 1929 centrou-se nas comunicações, transportes e infraestruturas afins. Vê-se que os seus autores conheciam com alguma profundidade a situação da Guiné como se descreverá. Fazia parte do espírito da época apoiar a construção de caminhos-de-ferro como o meio mais eficaz e menos caro para uma nação colonizadora estabelecer solidamente o seu domínio, cita-se mesmo Cecil Rhodes que terá observado que o carril era mais barato e tinha maior alcance do que o canhão. E escreve-se textualmente:
“No espírito dos indígenas, os caminhos-de-ferro produzem forte impressão, convencendo-os do caráter definito do domínio, e como ao mesmo tempo lhes acarretam benefícios são o mais poderoso de todos os elementos de pacificação”.
Estamos pois no tempo em que a civilização para África anda de mãos dadas com a locomotiva.

Os autores do anuário começam por dizer que a Guiné é colónia de grandes recursos naturais e largo futuro, mas o problema das comunicações condiciona o desenvolvimento económico e está a agudizar-se de ano para ano. As matérias-primas exportáveis, então, eram a mancarra, o coconote e a borracha. A drenagem destes produtos era facilitada pela rede fluvial. Mas logo adiante estes autores condicionam o desenvolvimento da colónia aos propósitos da África Ocidental Francesa e refere empreendimentos com grande importância: a linha Conacri-Kankan, a aproximar-se dos centros produtores do Futa-Djalon que drena para o porto de Conacri as riquezas da região; prosseguiam na época os estudos da linha férrea de Casamansa que, previa-se, iria drenar os produtos da bacia hidrográfica do rio do mesmo nome. Referindo ainda que a África Ocidental Francesa possuía em 1923 cerca de 15.000 quilómetros de pistas para automóveis, na estação seca, os autores estão conscientes que o Estado português não pode abalançar-se num plano de viação para transportes pesados e põe a hipótese de adotar projetos com capitais estrangeiros, uma concessão do género da Companhia de Ferro de Benguela. E concluído o texto introdutório, lançam-se nas informações.

No que toca a comunicações marítimas, havia mensalmente um vapor de cada uma das companhias Nacional de Navegação e Colonial de Navegação. Além destas, havia uma companhia holandesa e uma companhia alemã com uma carreira bimensal.

Havia o cabo submarino da Western Telegraph Company. A Guiné possuía 668 km de linhas telegráficas ligando as principais localidades da colónia e permitindo a comunicação com Dakar por Farim-Koldá. E referem a navegabilidade dos rios: O Cacheu é navegável até à ilha de Bafatá; o rio Mansoa, num total de cerca de 200 km, tinha 120 navegáveis; o rio Geba em território português tinha aproveitáveis para transporte 170 quilómetros; o rio Corubal era apenas navegável cerca de 50 km; o rio Grande de Guinala ou de Bolola era navegável até próximo de Buba; o rio Tombali (designação imprópria dada a uma braço de mar) era navegável cerca de 60 km; o rio Cumbidjan, com um percurso de 90 km, era em grande parte navegável; e o rio Cacine, com um percurso de cerca de 50 km tinha cerca de 40 km navegáveis.

Canhambaque – Monumento à pacificação desta região dos Bijagós

A ideia dos caminhos-de-ferro era enorme ao tempo, falava-se na construção de duas linhas férreas pondo Bissau em ligação com a fronteira leste, por Bafatá e Cadé, e com a fronteira norte por Farim e Koldá. Mas o realismo justificava que se dissesse que havia grandes limites para os sonhos, em terrenos como os da Guiné, iriam exigir-se obras de arte muito honrosas, pelo que não se aconselhava, nas condições atuais, que o Estado se lançasse na construção de linhas férreas, tinha pouca lógica, e tudo se agravando pelo fato da colónia estar recortada por todos os lados, por estradas, rios, canais e braços de mar navegáveis. Mas o assunto linha férrea na Guiné tinha história, como os autores do anuário relevam:

“A primeira ideia de um caminho-de-ferro na Guiné pertence ao falecido colonial Loureiro da Fonseca que a apresentou numa memória, em 1907, à Escola Colonial, da qual era aluno.
Anos depois, o senador Nunes da Mata apresentava na sua Câmara uma proposta de lei autorizando o Governo a mandar proceder aos estudos de uma linha férrea desde o Xime até à fronteira leste da Guiné”.
Os críticos a estas propostas eram muitos: dizia-se que um tal caminho-de-ferro só favoreceria os interesses da colónia francesa e replicava-se que a querer-se provocar a drenagem dos produtos do território interior, francês, seria preferível aproveitar-se o Geba; e também se criticava tal iniciativa porque o comércio da Guiné estava essencialmente nas mãos de alemães e franceses. Contrapunha-se com a construção de estradas e portos mas igualmente se punha em dúvida as vantagens do empreendimento:
“Chegará um tráfego exclusivamente agrícola, embora rico, mas certamente limitado, num futuro próximo, para cobrir os encargos honrosos de uma tal empresa, em concorrência com os outros meios de transporte?"

Edifício do Banco Nacional Ultramarino em Bolama

Encerrado este capítulo, os autores passaram para as estradas: uma vasta rede de 2800 km: de Bambadinca a Bafatá, de Farim a Jumbemben, de Buba a Cacine, de Buba a Bambadinca por Xitole. Mas não deixavam de observar:

“Convém acentuar que muitas das estradas, construídas através das regiões lodacentas representam um trabalho formidável, pois que o sistema é verdadeiramente primitivo”.

Quanto aos portos, os principais eram Bissau, Bolama e Bubaque. E são úteis as informações subsequentes:
“Cacheu, que outrora teve contato com a navegação de longo curso, desapareceu da lista dos portos de escala, passando a uma categoria secundária em que não conserva um lugar proporcional à sua importância no passado, mercê das novas vias de comunicação terrestre e fluviais que, evitando a passagem da barra do mesmo nome, drenam diretamente para Bissau uma grande parte dos produtos que antes ali afluíam.
Os outros portos secundários pelos quais se efetuam o tráfego de grande e pequena capotagem são os de: Farim, Bafatá, Buba e Cacine, no primeiro plano; S. Domingos, Biombo, Geba e Xitole no segundo”.
Curioso é também notar que em termos de tonelagem, até à I Guerra Mundial, os alemães vinham à frente; em termos de carga embarcada e desembarcada, em 1913, os portos mais importantes eram Bissau, Bolama e Bafatá. A seguir à guerra, tudo mudou.
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14830: Notas de leitura (733): “Sagal, um herói em África”, de António Brito, Porto Editora, 2012 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14839: Efemérides (193): Lourinhã, 28 de junho de 2015: comemoração dos 10 anos do monumento aos combatentes do ultramar - Parte II: alocução do ten gen inf ref, lourinhanense, Jorge Silvério





Lourinhã > Largo António Granjo > Monumento aos mortos do Ultramar >  Comemoração dos 10 anos, organizada pela AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste e pela CM Lourinhã > 28 de junho de 2015 > Alocução, de improviso,  do  ten gen ref, lourinhanense, Jorge Silvério...

 [ Nasceu em Ribamar,  Lourinhã, em 1945...  Estudou no Colégio Luís Ataíde, colégio privado fundado e dirigido pelo dr. Virgílio Pissarra, antes de ir para a Academia Militar (soube agora, pelo Virgínio Briote, foram condiscípulos, na Academia Militar, entre 1962 e 1964)... Fez comissões em Moçambique e Angola. Disse-me que gosta de visitar o nosso blogue, mesmo não tendo passado pela Guiné.  Só o conhecia de vista, disse-lhe que temos algumas afinidades, e entre elas o facto de minha bisavó do lado paterno, do clã Maçarico, ter nascido em 1864, em Ribamar, terra onde tenho muitos parentes, diversos camaradas de armas, antigos combatentes,  e alguns bons amigos; no colégio do dr. Pissarra, também estudaram alguns dos meus amigos como o dr. Luís Venâncio Ferreira Rei, médico, natural do Seixal, de saudosa memória;   a este colégio sucedeu, em 1959 o Externato D. Lourenço,  propriedade da igreja católica, enter 1958 e 1972]








Lourinhã > Largo António Granjo > Monumento aos mortos do ultramar > 28 de junho de 201Comemoração dos 10 anos, organizada pela AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste e pela CM Lourinhã. Evocação dos 20 lourinhanenses. mortos na guerra colonial  nos TO de Angola (nove), Guiné (seis)  e Moçambique (cinco),  feita pelo ex-ur mil J. Picão Oliveira (Guiné, zona leste, 1973/74), e membro da comissão organizadora que há 10 anos inaugurou este monumento.

Destaque para a Associação de Paraquedistas Tejo Norte, com sede em Oeiras, que mais uma vez dignificou e abrilhantou esta festa, com a sua presença ativa,

A lista, alfabética e detalhada.  dos 20 bravos da Lourinhã que morreram na guerra do ultramar/guerra colonial, está publicada no portal Ultramar Terraweb, num excecional serviço prestado a todos nós e ao país pelo nosso camarada António Pires e a sua equipa.



Lourinhã > Largo António Granjo > Monumento aos mortos do ultramar > 28 de junho de 2015 > Comemoração dos 10 anos, organizada pela AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste e   pela CM Lourinhã > Da esquerda para a direita, o vice-presidente da município locaol, Fernando Oliveira (ele próprio um ex-combatente, "ranger", que fez comissão de serviço em Moçambique, em 1973/74); Pedro Maragarida, presidente da união das freguesias de Lourinhã e Atalaia, e  Jaime Bonifácio Marques da Silba, nosso grºã-tabanqueiro, membro da comissão organizadora que, há 10 atrás, materializou este projeto.



Lourinhã > Largo António Granjo > Monumento aos mortos do ultramar > 28 de junho de 2015 > Comemoração dos 10 anos, organizada pela AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste  e pela CM Lourinhã > Representantes da Associação de Paraquedistas Tejo Norte, com sede em Oeiras


Lourinhã > Largo António Granjo > Monumento aos mortos do ultramar > 28 de junho de 2015 > Comemoração dos 10 anos, organizada pela AVECO -Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste  e pela CM Lourinhã > Da direita para a esquerda, o ten gen Jorge Silvério, os irmãos Tourita e o presidente da CM Lourinhã, engº João Duarte.


Lourinhã > Largo António Granjo > Monumento aos mortos do ultramar > 28 de junho de 2015 > Comemoração dos 10 anos, organizada pela AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste   e pela CM Lourinhã > Antigos fuzileiros e outro pessal da Marinha pousam junto ao monumento, na presença do presidente da CML.

Ao fundo. Escultura em bronze do combatente da Guerra do Ultramar. O monumento é da autoria do arquitecto A. Silva e da escultora A. Couto

Fotos (e legendas) : © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Foi há 10 anos, em 26 de junho de 2005, que foi inaugurado, na Lourinhã, o monumento aos combatentes do Ultramar.  Na altura, a cerimónia contou com a presença do presidente da Liga Portuguesa de Combatentes, ´ten gen ref Chito Rodrigues  e o ten gen., lourinhanense,  responsável pelo pessoal do exército, Jorge Silvério, além do presidente da edililidade local, José Manuel Custódio. Estiveram ainda presentes os presidentes da ADFA - Associação Portuguesa dos Deficientes das Forças Armadas (, na altura,  o bombarrralense e meu amigo Manuel Patuleia Mendes), da APVG - Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra (que era o António Basto, hoje fundador e vice-presidente da AVECO, que ansceu de um cisão da APVG)  e o comandante da EPI - Escola Prática de Infantaria. (*).

Para celebrar esta  efeméride, os 10 anos do monumento,  a AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste, que tem sede na vila da Lourinhã, a Câmara Muncipal da Lourinhã e a União das freguesias de Lourinhã e Atalaia,  quiseram homenagear os cinco lourinhanenses, felizmente ainda vivos, antigos combatentes, que formaram a comissão organizadora original. (**)

Recorde-se, mais uma vez, os seus nomes,  por ordem alfabética:

 (i) Adílio Braz F. Fonseca (natural de Ribamar - Lourinhã);

 (ii) Jaime Bonifácio Marques da Silva (natural de Seixal - Lourinhã);

(iii) João M. Rodrigues Delgado (natural da vila da Lourinhã);

 (iv) José F. Picão Oliveira (natural da vila de Lourinhã); e

 (v) José M. Bonifácio da Silva (natural de Seixal - Lourinhã). (*)

O encontro, no passado dia 28 de junho,  contou com a presença de largas dezenas  de antigos combatentes, dos três ramos das forças armadas, e de diversas associações, oriundos de diferentes partes do país. Esteve também representada a ADFA - Associação Portuguesa dos Deficientes das Forças Armadas, através de um  dos seus dirigentes.

 Desse encontro apresentamos dois  vídeos e mais algumas fotos.

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domingo, 5 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14838: Filhos do vento (40): abaixo-assinado dos "Fidju di Tuga" à Assembleia da República Portuguesa: "Somos atualmente cerca de meia centena de membros, apenas em Bissau, estimamos que existam pelo menos meio milhar de 'filhos de tuga' espalhados pelo país... Vimos pedir o reconhecimento do legítimo direito à nacionalidade portuguesa"... Entretanto, o 1º ministro Passos Coelho faz amanhã, 2ª feira, a sua primeira visita oficial à Guiné-Bissau.

1. Mensagem de Catarina Gomes, jornalista do Público,  autora (texto) da reportagem sobre os "Filhos do Vento" e "O Meu Filho Ficou lá";  filha de ex-combatente da guerra colonial (em Angola), escreveu o livro "Pai, tiveste medo ?" (Lisboa, Matéria Prima Edições, 2014):

[foto à esquerda: membros fundadores da Associação Fidju di Tuga, com sede em Bissau; cortesia da sua página na Net]
Data: 3 de julho de 2015 às 14:35
Assunto: abaixo-assinado

 Professor,

Aqui lhe envio o texto do abaixo-assinado da associação de que lhe tinha falado :

A Associação Fidju di Tuga/Filho de Tuga-Associação da Solidariedade dos Filhos e Amigos dos Ex-Combatentes na Guiné-Bissau foi criada em 2013 para representar os chamados Fidju di Tuga, expressão que traduzida do crioulo significa Filho de Tuga, e que durante todas as nossas vidas foi usada para nos designar/ insultar na Guiné-Bissau.

Somos filhos de ex-combatentes portugueses que estiveram na Guiné-Bissau durante a guerra colonial/guerra da libertação e que tiveram filhos com mulheres guineenses e os deixaram para trás. Muitos de nós até hoje apenas sabem os apelidos e patentes dos nossos pais, dados incompletos que não nos permitiram saber quem é nosso pai português e tentar entrar em contacto com ele.

Criámos esta associação para representar todos estes filhos que ficaram. Somos actualmente cerca de meia centena de membros, apenas em Bissau. Estimamos que existam pelo menos meio milhar de "filhos de tuga" espalhados pelo país, todos nascidos durante os anos da guerra ou no ano imediatamente a seguir ao regresso definitivo das tropas portuguesas.

Os nossos pais estiveram na Guiné-Bissau ao serviço do Estado Português. Os abaixo-assinados vêm por este meio pedir o reconhecimento do seu legítimo direito à nacionalidade portuguesa como filhos de pais portugueses, solicitando que a sua causa seja debatida no Parlamento português.

Entretanto, soube que o 1º ministro Passos Coelho vai à Guiné dia 6 de Julho.

Abraço e boas férias, se for caso disso.

Catarina
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14792: Filhos do vento (39): Será que tudo o que por aí se vai dizendo, da nossa vida sexual em zona de guerra, não será também, em alguns casos, uma grande mentira? (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P14837: Libertando-me (Tony Borié) (24): Glória, a quem chamavam Lola e às vezes Ruça (5)

Vigésimo quarto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.



Glória, Lola, a Ruça (5)

Hoje fomos à praia só para caminhar na areia, dizem que faz massagens nos pés, o que na nossa idade é muito bom para a saúde, não vimos a Glória, mas vamos continuar com a sua história.
Cá vai.

A Glória e o Jorge, já com algum dinheiro economizado, decidiram comprar uma oficina de gradeamentos em ferro, que estava à venda, portanto, acertaram o preço e compraram.

Passado um tempo, a Glória encarregava-se do trabalho de fora, o Jorge, da contabilidade, contacto com os clientes e da oficina, às vezes ajudava e orientava a Glória, que entretanto frequentou uma escola de vocação, onde aprendeu a usar o maçarico a gás de cortar ferro, a soldar com diferentes máquinas e diversos materiais, com alguma segurança, carregava com os portões e gradeamentos, com a ajuda de alguém que entretanto contratara, instalava esses portões e gradeamentos. Os clientes gostavam, era uma coisa nova, portões e gradeamentos em ferro forjado, com feitios lindos. O negócio, num abrir e fechar de olhos, estava a progredir, era uma região de muitas casas grandes, tipo mansões.


Entretanto a Glória fica grávida e nasce um rapaz. Só tirou tempo fora do trabalho, praticamente para ir ao hospital por altura do parto, continuava com a mesma vontade no trabalho, o bebé cresceu, começou a andar e a falar na oficina, primeiro num berço, num compartimento ao lado, a que chamavam escritório, depois por tudo o que era espaço, acompanhando o pai e a mãe. Fica grávida de novo, segue o mesmo regime do primeiro, nasce uma menina, que tal como o menino é criada praticamente no trabalho.

Todo o trabalho que executavam na oficina era apreciado, pois era uma novidade, as pessoas para quem executavam esse trabalho, foram falando, algumas eram importantes e com alguma influência, cada vez tinham mais encomendas. Foram crescendoe o espaço tornou-se pequeno, nos arrabaldes de outra cidade, mais para norte, nuns terrenos que lhe foram cedidos com um contrato de 99 anos, onde se comprometeram a não modificar o ambiente, respeitando os cursos de água e algumas árvores, fizeram uma grande oficina, com parque para estaleiro de materiais, onde os camiões podiam carregar e descarregar.

Os filhos foram estudar. O rapaz, engenheiro, com a experiência que adquiriu ao longo dos anos, principalmente com a mãe, começou a trabalhar lá fora, dirigindo pessoal, fazendo projectos, na instalação dos portões e gradeamentos. A filha, contabilista, trabalha com o pai na oficina. Todas as novas urbanizações, que se faziam nas cidades próximas, já obedeciam à nova configuração dos seus portões e gradeamentos, que entretanto tinham formas representando figuras de palmeiras, animais ou outros motivos, alguns importados do México. Estavam na moda. O negócio continuava a crescer, já tinham encomendas de fora do estado, tinham algumas dezenas de colaboradores, os dois brasileiros, companheiros de viagem, eram encarregados na nova oficina. E ela dizia:
- Isto também é vosso, bendita a hora em que nos encontrámos!

O Jorge faleceu antes dos cinquenta anos de vida, teve uma doença que na época não tinha cura. A Glória ficou viúva, dedicou-se aos filhos que entretanto tomaram conta do negócio. Casaram, o filho deu-lhe dois netos e a filha deu-lhe um.

Como em criança, não teve oportunidade de brincar, agora cuida e brinca com os netos, na sua casa na praia, próximo de onde vivemos. Os filhos, sabendo a mãe que têm, confiam-lhe as crianças por bastante tempo e a Glória, a “Lola”, a que alguns chamavam “Ruça”, anda feliz pela praia com o mais novo ao colo, os outros pela mão um do outro e, sempre que passa um cão, ou algo de estranho, vêm a fugir, esconder-se e encostarem-se às pernas da avó, tal como faziam os seus irmãos quando vivia na aldeia em Portugal.

Que viva por longos anos.

Tony Borie, Julho de 2015. 
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Nota do editor

Postes anteriores de:

7 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14710: Libertando-me (Tony Borié) (20): Glória, a quem chamavam Lola e às vezes Ruça (1)

14 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14744: Libertando-me (Tony Borié) (21): Glória, a quem chamavam Lola e às vezes Ruça (2)

21 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14776: Libertando-me (Tony Borié) (22): Glória, a quem chamavam Lola e às vezes Ruça (3)
e
28 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14804: Libertando-me (Tony Borié) (23): Glória, a quem chamavam Lola e às vezes Ruça (4)

Guiné 63/74 - P14836: Manuscrito(s) (Luís Graça) (60): Se todos os pescadores do mundo...

Se todos os pescadores do mundo...

por Luís Graça


Se todos os pescadores do mundo,
Ao longo de todas as costas,
De todas as linhas do horizonte,
De todas as praias,
De todos os mares,
De todos os bancos de pesca,
De todos os icebergs,
De todas as fossas submarinas
E plataformas continentais,
De todas as ilhas,
De todas as pontes,
De todas as dunas,
De todas as falésias,
De todos os recifes de corais,
De todos os cabos e promontórios,
De todos os lagos e albufeiras,
De todos os rios 
De todas as rias,
De todos os cais…

Se todos os pescadores do mundo
Se dessem as mãos,
As canas de pesca,
Os fios, 
Os anzóis,
As redes, 
Os covos,
O mapa das marés,
Os arpões,
Os barcos, 
As barcas,
As canoas,
As pirogas,
As traineiras,
Os arrastões,
A bússola,
O radar,
O isco,
O GPS, 
O sextante, 
O sonar,
Os remos e as velas,
mais as artes antigas e modernas,
do cerco,  da xávega e da sombreira,
do arrasto e da ganchorra,
das redes de emalhar e de tresmalho,
da linha, dos alcatruzes e das gaiolas...

Se todos nós, no fundo, 
Partilhássemos o peixe pescado,
O peixe por haver,
Fresco, cru, seco,
Frito, cozido, guisado,
Assado, grelhado, fumado,
Salgado, congelado,
Sem esquecer as batatas e o pão...

Talvez pudéssemos reencontrar
Elos perdidos da cadeia da vida…
Talvez o mar fosse mais chão,
Talvez o mar fosse mais mulher,
Talvez o mundo fosse mais
Pequeno, 
Aconchegado,
Caloroso, 
Maneirinho,
Habitável…
Talvez o mundo fosse mais…
Amigável.

Luís Graça
Lourinhã, Praia de Porto Dinheiro | 11/8/2007 (versão original: "A friendly world")

Lourinhã, Porto das Barcas, revisto | v4, 27/6/2015
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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14787: Manuscrito(s) (Luís Graça) (59): Lisboa, Mouraria, Rua do Benformoso