terça-feira, 15 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15115: (Ex)citações (293): Os MiG fantásticos que determinaram o abandono da Guiné (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705,  Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de hoje, 15 de Setembro de 2015:

Olá, camarada e amigo Carlos Vinhal. 

Enquanto a "peste grisalha" dos combatentes não desaparecer, a Guerra da Guiné e as suas circunstâncias cairão na História e não cairão no esquecimento. 

Envio-te o meu contributo.

Abraço 
Manuel Luís Lomba


Os MiG fantásticos que determinaram o abandono da Guiné

Neste mês de Setembro, efeméride da declaração unilateral da independência da Guiné, José Matos, investigador vocacional, António Martins Matos, soldado dos seus céus e outra malta da Tabanca Grande, revisitaram a Operação Mar Verde e debateram a prestação de MiG fantásticos, para o desfecho intempestivo da guerra da Guiné.

Andei a esgaravatar esse chão e biquei o seguinte.

Essa operação a Conacri, a maior além fronteiras, depois dos Descobrimentos, ousara a resolução simplista da Guerra da Guiné – morto o bicho, acabava a peçonha – empreendida por uma pequena força anfíbia, dirigida a 26 objectivos, que alcançou êxito completo em 21 e falhou 5.

Dos primordiais, libertou os 26 camaradas em cativeiro na prisão privativa do PAIGC e afundou a marinha do PAIGC, mas falhou o golpe de Estado, a captura de Amílcar Cabral, do seu Estado-Maior e a destruição no solo dos MiG, dada a ausência de meios para os destruir em combate.

O falhanço desses objectivos será devido ao vício ou dolo das informações, encomendadas pela PIDE aos Serviços Secretos franceses, à tibieza do Conselho Superior de Defesa Nacional, do seu presidente Marcelo Caetano e dos outros, a dirimir a Guerra da Guiné nos gabinetes em Lisboa.

Por fuga de informação escapada na véspera (dizia-se com origem no Estado Maior português) o inquieto Sekou Touré temeu o envolvimento da sua aviação, que conotava à oposição, desterrou os seus 8 MiG  para Labé, a 150 quilómetros de distância, que ficaram inoperacionais, pelas más condições da pista e o despedimento dos seus pilotos-instrutores argelinos.

Amílcar Cabral encontrava-se na Roménia, em digressão pela Europa do leste, e o seu Estado-Maior ausentara-se de Conacri, em segurança.

Os portugueses começaram por neutralizar a Guarda Republicana, a sua guarda pretoriana, e quando o Chefe da polícia de Conacri e o Chefe do Estado-Maior-General se apresentaram no palácio, em sua salvaguarda, o ditador borrava-se todo, a oferecer-lhes a rendição, tomando-os por chefes vitoriosos de um putsh.

Os portugueses já navegavam no mar alto, na manobra da retirada, e o Secretário de Estado da Juventude conseguiu que um MiG levantasse voo, pilotado por guineano que, lá das alturas, começou a canhonear um cargueiro cubano ancorado no cais, convencido que bombardeava um vaso de guerra português.

Assim, as primeiras vítimas dos MiG que ensombravam a Guerra da Guiné foram a tripulação do cargueiro cubano Conrado Benitez e o diligente Secretário da Juventude, Alfa Diallo, que Sekou Toure mandou catrafilar na cadeia, por ter ousado comentar que a causa do insucesso fora devida ao despedimento dos pilotos argelinos…


Um exemplar do caça MiG 15, de origem soviética. Em 22 de Novembro de 1970, um dos objectivos da Operação Mar Verde era a destruição dos MiG 15 e MiG 17 estacionados no aeroporto de Conacri. Era uma ameaça real para a nossa Força Aérea e para os nossos aquartelamentos no sul da Guiné? A sigla MiG quer dizer, em russo, Gabinete de projectos aeronáuticos da URSS, que se especializou no desenho e construção de aviões de caça e de intercepção. Mikoyan e Gurevich são os apelidos dos seus dois primeiros engenheiros-chefes. O MiG 15, monolugar, com uma velocidade máxima de 1076 km/h, tornou-se célebre durante a guerra da Coreia. O MiG 17 combateu na guerra do Vietname... O MiG 19 já era supersónico... Fonte: Wikipedia (Foto: copyleft).


Amílcar Cabral tombou dois anos depois, passado pelas armas de correligionários em dissidência e Fidel Castro voou para Conacri, qual subempreiteiro da sanha soviética e internacionalista para correr Portugal da África a tiro, sempre mais preocupado com os outros que com o seu próprio povo, e em apoio moral e material a duas ditaduras – Sekou Touré e o PAIGC. Havana exportou logo 4 pilotos de MiG 15, chegados em Fevereiro, e 4 de MiG 17F, chegados em Maio de 1973, ofereceu ajuda técnica, canalizou avultada ajuda financeira e o aeródromo de Labé entrou em requalificação. Esses famigerados MiG  estariam mesmo inoperacionais: não foram vistos durante a crise dos “3G” – Guileje, Gadamael e Guidaje –, a despeito da continuada provocação dos cavaleiros aéreos de Bissalanca, no apoio aos soldados sobre a terra nas povoações fronteiriças, recorrentes na largada de “bilhas” sobre Candiafra, Simbeli e Koundara, depois de haverem derretido Cumbam-Hory.

O MFA nascia em Bissau, em Agosto de 1973, como extensão do PAIGC, ainda a lamber as feridas das suas vitoriosas derrotas em Gadamael, Guileje e Buruntuma, devidas ao dom da aviação de Bissalanca e à inexistência da própria que, coincidentemente, mandou 40 bissau-guineenses para Moscovo seleccionar e dar-lhes formação de pilotos e demais especialidades de aeronaves - muitos os chamados, mas poucos os escolhidos. A declaração unilateral da independência foi lida em Setembro, pelo que a resposta dada por Aristides Pereira ao Herbert está consentânea. Contudo, como não há aviões sem base, ninguém nasce piloto e a sua construção é demorada, nem os MiG nem os pilotos que fizeram o ronco em Bissau, após o MFA entregar a sua chave ao PAIGC, em 10 de Setembro de 1974, seriam bissau-guineenses.

Ciente da declaração da independência em Setembro de 1973, a União Soviética incluíra no seu Plano Anual de Desenvolvimento (orçamento de Estado) para esse ano, o fornecimento de MiG à Guiné-Bissau, a instalar numa base operacional, financiada pela doação de 10 milhões de coroas, prevista no orçamento do reino da Suécia para o mesmo ano. O problema era onde.

O presidente Senghor não a admitia no Senegal e Sekou Touré, escarmentado pela Operação Mar Verde, não queria MiG de outrem sobre a sua cabeça, mas terá chegado a admiti-la em Kampera, próxima à zona desertificada de Madina do Boé, a cerca de 100 quilómetros do aquartelamento de tropa portuguesa mais próximo, que seria Cubucaré. O problema ficou insolúvel: a opinião pública sueca opor-se-ia ao financiamento da construção dessa base, fora do território libertado pelo PAIGC…

Ante a ordem cronológica desses factos acontecimentais, o crescimento dos medos, temores, relatórios específicos, precauções e “caldos de galinha”, no seio da comunidade militar na Guiné serão legítimos; mas, naquela altura, não havia nem MiG´s nem pilotos bissau-guineenses a ameaçar o conforto das messes e da capital Bissau.

A crise dos “3G” da Guiné provocou o parto do MFA, o detonador da implosão da realidade política e social do Portugal africano.

Será mister aos combatentes, nomeadamente aos da Tabanca Grande, que viveram esse tempo e a sua circunstância, que sentiram a Guerra da Guiné no corpo e na alma, contraditar os mitos e bluffs a ela referidos e nunca se conformar com o branqueamento da verdade dos factos.

O Exército Português que servimos na Guiné foi o verdadeiro, fundado por D. Afonso Henriques, em 1127,  e, em desagravo da sua honra, mau grado as circunstâncias, trazemos à colação que a maioria dos camaradas mortos e feridos no contexto da famigerada crise dos “3G” não foram tombados nem por MiG nem pelo poderoso poder de fogo da sofisticada artilharia do PAIGC, mas pela pugnacidade dos seus guerrilheiros e sapadores, pisando o chão dos campos de batalha.

E ainda que bastaram dois soldados do ar de Bissalanca e a sua audácia, para prevenir em Buruntuma, o destacamento mais exposto da Guerra da Guiné, a recorrência do facto acontecimental do abandono e destruição de Guileje…

Abraços – e até ao meu regresso.
Manuel Luís Lomba
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15096: (Ex)citações (292): Cruzei-me, por certo, com o José Matos, pai, entre março e maio de 1964, no RC 7, e depois no sul da Guiné... E aviões estranhos, só vi os das rotas aéreas internacionais (Manuel Lomba, ex-fur mil, CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66; autor do livro "Guerra da Guiné: a batalha de Cufar Nalu", Faria, Barcelos, 2012)

Guiné 63/74 - P15114: Inquérito online: num total de 86 votos apurados, mais de metade (53,5%) diz que que no seu tempo "já se falava da existência de aviões inimigos nos céus [do CTIG]"... Mário Gaspar, ex-fur mil, da CART 1659, garante que viu 3 MiG no cruzamento de Gadamael/Guileje, no final da comissão, em meados de 1968... Ao Jorge Canhão (3ª C/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74) mostraram-lhe, na secretaria, fotos de MiG 15 e MiG 17 para comparar com os nossos Fiat G-91

MiG 17F - Cortesia do portal Área Militar > Aviões e helicópteros....
[Edição: LG]
A. Sondagem: 


"No meu tempo, já se falava da existência de aviões inimigos nos céus da Guiné"




Resultados finais apurados, num total de 86

1. Sim, já se falava > 46 (53,5%)

2. Não sei / não me lembro > 9 (10,5%)

3. Não, não se falava > 31 (36,0%)

Sondagem fechada em 14/9/2015 às 16h54




B. Comentário, enviado em 12 do corrente, do nosso amigo e camarada Mário Gaspar, cuja saúde não vai bem, e a quem desejamos força e coragem:


[Mário Vitorino Gaspar: ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68;ex-dirigente da Associação APOIAR]



Caros Camaradas, depois de um iluminado ter a grande ideia interessante de em pleno "corredor da morte" plantar o "inferno de Gadamael", a minha Companhia a CART 1659,  após ataques do PAIGC a Guileje, foi chamada a dar apoio.

Ao chegar ao cruzamento Gadamael/Guileje,  o PAIGC fugiu, deixando no solo granadas e porta-granadas (tenho fotos, uma pode ser vista no meu Livro "O Corredor da Morte"). Estávamos no fim da Comissão e as preocupações eram muitas principalmente em Guileje, Gandembel (um verdadeiro inferno, e é pena que esses nossos camaradas que muito sofreram apareçam a narrar suas histórias). Ganturé (destacamento de Gadamael Porto) também tem as suas histórias, os três mortos da 1659 faziam parte dos militares de Gantureé. 

Enquanto a CART 1659 monta segurança no "cruzamento".  sobrevoam três MiG sobre nós. Disse, em voz alta: 
- Estamos fodidos, se estes começam a intervir!...

Mas tudo ficou guardado no tal baú do esquecimento. Quando for descoberto - duvido pela simples razão de me ser dito nos tais "Recursos Humanos" do Porto, e não sei a razão dos mesmos terem saído de Lisboa, afinal está ainda ser a capital. Pois aquilo que entendi foi que não existem só as Cadernetas Militares e os Processos Individuais como uns outros "Documentos escondidos e proibidos ou talvez confidenciais". 

Talvez até quem acabou por ser o tal Abibo Injassom, o Régulo de Ganturé, isto porque existe a versão, que não se digo ser verdadeira, ter sido um indivíduo entregue ao regime, existem situações que jogam em seu favor, sei ser verdade, mas depois tudo joga contra, lembrar a "Operação Rinoceronte", quando andou perdido 11 dias o Silva. Conheço o suficiente para desconfiar desse Abibo, Tenente de 2ª linha e tendo um nome que quer dizer AMOR. 

Os MiG estiveram lá e não entendo porque não actuaram logo, sendo verdade ter o napalm, e não só, sido utilizado por nós. Somente muito após o 25 de Abril se assumiu. 

Gostava que este meu testemunho fosse público e os camaradas comentassem: (i) não esquecer Madina de Boé: e (ii) não esquecer a saída de Guileje para Gadamael, que considero a única alternativa, e alguns camaradas condenam; em Bissau existiram muitos juízes.
Um abraço a todos, e difíícil para mim. Estou doente e não sinto os dedos e o telemóvel é táctil. Tive de encurtar o texto. Mário Vitorino Gaspar 


Guiné > Região de Tombali > Buba; Junho de 1973 > 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612 (1972/74) > O Jorge Canhão, "na LDG [, Lancha de Desembarque Grande,] a caminho do inferno [, Gadamael]", em reforço temporário ao COP 5, de 18 de junho a 13 de julho de 1973.

Foto: © Jorge Canhão (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


C. Comentário (*)  do Jorge Canhão, que vive em Oeiras (ex-Fur Mil At Inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74):

No tempo em que estive na Guiné (Out 72 a Ago 74) nunca vi nenhum MiG, no entanto foi-me apresentado um pequeno "álbum de fotografias" na secretaria da minha companhia  (3ª C/BCaç 4612/72) onde estavam pelo menos 3 fotos dos MiG 15 e outras tantas do MIG 17, em diversas posições para se comparar com as fotos do Fiat G 91.

A minha reacção nesse momento foi:
- O que fazemos?...Saudamos os aviões, ou "atacamo-los" de G3 ?...

Defesa anti-aérea ?...só de fisga. Eram as FFAA que tínhamos...carne para canhão.

Abraços

Guiné 63/74 - P15113: Parabéns a você (963): Ribeiro Agostinho, ex-Soldado TRMS da CCS/QG/CTIG (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15097: Parabéns a você (962): Rui Baptista, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3489 (Guiné, 1971/74) e Tony Grilo, ex-Soldado Ap Artilharia do BAC 1 (Guiné, 1966/68)

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15112: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte XIII: Férias na metrópole, 1969: fotos aéreas da chegada a Lisboa...


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3



Foto nº 4


Foto nº 5

Portugal continental > 1969 > Vistas aéreas do território... Fotos tiradas do avião da TAP, Bissau-Lisboa... É fácil reconhecer as fotos de Lisboa e estuário do Tejo (nºs 1, 2 e 3) bem como a do  cabo Espichel, na pensínula de Setúbal  (nº 4): estão claramente identificados o farol (1) e o santuário de nossa senhora do cabo Espichel (2)... Tenho dúvidas sobre a nº 3:  será a margem sul do rio Tejo ? será o estuário do rio Sado ? ou a ria Formosa ?...

O Jaime ficou de mandar as legendas... E escrever algo mais sobre as suas férias de 1969...  Na época, não havia avião direto para o Porto... Presume-se que o Jaime tenha apanhado o comboio para chegar depois até casa, na Senhora da Hora, Matosinhos...

Entretanto, fica aqui o convite para mais camaradas falaram das suas férias na metrópole, aqueles de nós, felizardos, que conseguiram vir de férias à metrópole, pelo menos uma vez... Excecionalmente houve quem conseguisse vir duas vezes...

Terão sido as melhores férias das nossas vidas ? Que recordações temos dessa viagem (de ida e volta) e do tempo de férias ? Será que conseguimos pôr a guerra entre parênteses ? Onde passámos as férias ? Junto da família e dos amigos ? Sei que alguns aproveitaram para... se casar!... Seguramente ninguém veio, à metrópole (ou à Madeira, ou aos Açores...),  fazer turismo... Já estávamos, muitos de nós, "apanhados do clima", quando chegámos a casa, com muitos meses de Guiné...

Julgo que a maior parte de nós - dos que tiveram a sorte de poder vir de férias à metrópole - vieram tentar carregar baterias e respirar à tona de água... Não foi fácil, em muitos casos nem sequer  terá sido bom... Vinha-se a meio da comissão, e ainda faltava a outra metade... Foi penoso voltar para a guerra, em muitos casos... Falo, pelo menos, por mim... Confesso que não tenho recordações felizes das "férias" que fiz na metrópole, em meados de 1970, um ano depois de ter chegado à Guiné... (LG)

Fotos: © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. Continuação da publicação do belíssimo álbum fotográfico do Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968 / fevereiro de 1970, ao tempo dos BART 1904 e BCAÇ 2852) (*):


[foto atual à esquerda; o Jaime Machado reside em Senhora da Hora, Matosinhos; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]


Recorde-se que o  Jaime Machado tinha sob o seu comando um pequeno grupo de pessoal: Pel Rec Daimler 2046, num total de 14 elementos... Chegou a Bambadinca dia 7 de maio de 1968, tendo ficado às ordens do comando do BART 1904 (Bambadinca, maio /setembro 68) e depois do BCAÇ 2852 (Bambadinca, outubro 68/fevereiro 70). Conheci-o em julho de 1969, quando a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 ficou adida ao setor L1 (Bambadinca). O Jaime Machado e os seus bravos deixaram Bambadinca em fevereiro de 1970.

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Guiné 63/74 - P15111: Agenda cultural (423): Convite para a apresentação do livro "Cabra-Cega: Do seminário para a guerra colonial", da autoria de João Gaspar Carrasqueira, dia 17 de Setembro de 2015, pelas 15 horas, na ADFA (Associação dos Deficientes das Forças Armadas), Av. Padre Cruz, em Lisboa. A apresentação estará a cargo do Dr. Mário Beja Santos (António Marques Lopes)

1. Mensagem do nosso camarada A. Marques Lopes, Coronel Inf, DFA, na situação de reforma, ex-Alf Mil da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968), com data de 12 de Setembro de 2015:

Caríssimos
Quando foi anunciado o lançamento do livro em Matosinhos houve várias ideias para que fosse apresentado também na zona sul. Vai ser feito agora.
Envio-vos, com pedido para que seja publicada, a notícia dada pelo jornal "Elo" da ADFA.
Tive de fazer-lhe correcções porque tinha erros (podem ver a notícia original pela consulta do jornal de Agosto 2015).

Abraço
A. Marques Lopes

C O N V I T E

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Nota do editor

Último poste da série de 14 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15109: Agenda cultural (422): Almeida: Museu Histórico Militar: Exposição Temporária: “Guerras Peninsulares - Recriação de um Acampamento Militar”, até 30 de setembro

Guiné 63/74 - P15110: Notas de leitura (756): “Direitos Humanos na Guiné-Bissau, Eu conto como foi!”, por Fernando Gomes, Chiado Editora, 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Outubro de 2014:

Queridos amigos,
Fernando Gomes é uma notabilidade política da Guiné-Bissau, em 2012 era Ministro do Interior, foi deposto e partiu para o exílio onde escreveu as suas memórias como fundador e presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, ajudou a criá-la no início da abertura democrática e só deixou de ser presidente a partir do momento em que passou a exercer funções políticas como deputado e depois ministro.
É uma oportunidade para se ficar a conhecer os enviesamentos de todo o processo político a partir da abertura ao pluripartidarismo até ao golpe militar de 2012, estão ali processos incríveis, prisões arbitrárias, graves desmandos contra os direitos humanos na Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário


Direitos Humanos na Guiné-Bissau: Eu conto como foi

Beja Santos

“Direitos humanos na Guiné-Bissau, eu conto como foi!”, por Fernando Gomes, Chiado Editora, 2014, é uma detalhada narrativa da ascensão dos direitos humanos, que muito devem à tenacidade e motivação daquele que fundou e presidiu durante muito tempo a Liga Guineense dos Direitos Humanos.

Fernando Gomes doutorou-se em Direito Internacional, matriz das ciências jurídicas que nunca mais abandonou. Entre 1991 e 1992, já à frente da Liga, foi o promotor e coordenador da Campanha Nacional de Luta pela Abolição da Pena de Morte na Guiné-Bissau. Em 1996, foi laureado com Prémio Internacional dos Direitos Humanos de Espanha e no ano seguinte foi eleito Vice-Presidente da Federação Internacional dos Direitos Humanos. No campo político, de 2004 a 2008, foi deputado da Assembleia Nacional Popular. De 2008 a 2011, foi Ministro da Função Pública, Trabalho e Modernização do Estado. De 2011 até ao golpe de Estado de 2012, foi Ministro do Interior da Guiné-Bissau. Este seu livro foi escrito no exílio, o seu autor quer mostrar como vale a pena defender o direito à paz, ao pão e à liberdade do seu povo, é um testemunho sobre a luta pela afirmação dos direitos humanos num país onde até há pouco campeou a arbitrariedade e a prepotência indiscriminadas.

Ele conta como, com dezasseis anos, foi preso pela primeira vez, ele fundara a Comissão Estudantil de Bambadinca e a JAAC – Juventude Africana Amílcar Cabral denunciou-o como sabotador. Foi sujeito a interrogatórios duros. Deveu a sua liberdade a Buscardini, então Secretário-Geral do Ministério do Interior. A partir daí, fizeram-lhe o reconhecimento a sua dinâmica militância. Conclui do seu douramento em Leninegrado, começou a trabalhar em Bissau como assessor do Procurador-Geral da República, com ele virá a ter desinteligência, pôs o seu lugar à disposição e logo conheceu a retaliação, veio a Polícia Judiciária e despejou-o de casa. Por sua vez, Nino Vieira demitiu o Procurador-Geral da República. Em 1991, conseguiu criar a Liga dos Direitos Humanos da Guiné-Bissau, de que se afastará em 1999, quando decidiu candidatar-se à presidência da República. Estava lançado na política, e hoje dela sofre as consequências.

Com detalhe, descreve a criação da Liga, com quem, como, a rede de estruturas, os apoios financeiros de países cooperadores, como dentro da Liga foi criado o Gabinete de Assistência Jurídica à Criança e à Mãe, como lutou pela abolição da pena de morte, como a Liga se sentiu gratificada e motivada com a construção do entro de Formação de Direitos Humanos, em Quinhamel. O conflito armado da Guiné-Bissau, de 1998 a 1999, levou a Liga a intervir, foi criado o Observatório Internacional dos direitos humanos para o conflito armado da Guiné-Bissau e, simultaneamente, o Movimento Nacional da Sociedade Civil para a Paz, Democracia e Desenvolvimento, a quem continua ligado.

Conta histórias verídicas e prende-nos a atenção, a sua prosa vibra e não lhe recusamos sinceridade, logo o caso de 50 africanos presos, em Julho de 1996, em regime de extrema desumanidade, numa esquadra em Bissau, africanos de várias nacionalidades, negociados pelas autoridades espanholas e o governo guineense, e transportados pelos próprios espanhóis, eram indesejáveis e por isso foram deportados. A Liga desencadeou com o apoio da Amnistia Internacional uma intensa campanha para forçar as autoridades espanholas a receber de volta as 50 pessoas igualmente deportadas. As pessoas acabaram por ser postas em liberdade, cada um seguiu o seu destino. A Liga interveio também no caso dos “Anguentas”. Com o desfecho da guerra civil, muitos dos jovens militares que tinham lutado por Nino Vieira foram presos, alguns foram mortos e outros andavam a monte. A Liga pediu à Junta Militar que lhe fosse confiada a guarda de todos esses jovens, comprometeu-se a prepará-los com vista à sua reinserção social. A Junta concordou e em cerimónia realizada na base aérea foram entregues os jovens militares, num total de 200.

Fernando Gomes fala do caso Vaz Mané, produtor radiofónico, detido em finais de Janeiro de 2003, sem culpa formada, alegadamente por ter criticado o então presidente da República, Kumba Ialá. A Liga condenou a sua tensão e igualmente endereçou uma carta aberta à comunidade internacional apelando à sua intervenção com vista à libertação de políticos como Carlos Correia, Francisca Pereira, Filinto Barros, entre outros. Vaz Mané voltou a ser preso no ano seguinte, e depois de exposto publicamente foi mandado para casa sem qualquer justificação. É extenso o rol de denúncias de perseguições e arbitrariedades. Em Novembro de 2000, aquando do assassinato de Ansumane Mané, muitos foram presos e torturados, Fernando Mendes foi um deles, depois eram libertados sem qualquer explicação convincente.

Mais adiante, relata ao pormenor uma tentativa de destruição da Liga, vários elementos da sua direção lançaram calúnias sobre gestão danosa da direção de Fernando Mendes, ele foi novamente preso, é um dos momentos mais empolgantes dados os aspetos tenebrosos do enredo.

O conjunto de documentos em anexo poderá revelar-se no maior interesse para os estudiosos: índice cronológico dos factos relatados sobre a Liga Guineense dos Direitos Humanos (1991-2000); Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos; Relatório sobre os Direitos Humanos nos PALOP.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15101: Notas de leitura (755): A revista Visão e a BD da guerra colonial (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15109: Agenda cultural (422): Almeida: Museu Histórico Militar: Exposição Temporária: “Guerras Peninsulares - Recriação de um Acampamento Militar”, até 30 de setembro




Almeida > Museu Histórico Militar > Cartaz da Exposição Temporária: “Guerras Peninsulares - Recriação de um Acampamento Militar” [ de 6 de agosto a 30 de setembro]




Vista aérea de Almeida e a sua famosa "estrela"... Cortesia de Turismo de Portugal > Centro > Museu Histórico Militar de Almeia [Edição: LG ]


1. A sugestão é do nosso amigo e camarada Eduardo Jorge Ferreira [ex-alf mil, PA, BA 12, Bissalanca, 1973/74,  nosso grã-tabanqueiro Eduardo Jorge Ferreira,  presidente da assembleia geral da Associação para a Memória da Batalha do Vimeiro...]


O Museu Histórico Militar de Almeida tem patente,  na sala de exposições temporárias de 6 de agosto a 30 de setembro, a exposição subordinada ao tema, “Guerras Peninsulares - Recriação de um Acampamento Militar”.

As figuras que se apresentam são representativas dos exércitos de então, são articuladas e permitem compor vinhetas ilustrativas do quotidiano de um acampamento militar aliado. 

Esta exposição faz parte de um projeto da Escola Secundária José Saramago, de Mafra,  intitulado, “As linhas de Torres e Mafra”.

É importante mencionar que o acervo resulta da compra de figuras comerciais e do trabalho manual dos alunos da escola, bem como da participação de artesãos locais, nomeadamente as fardas portuguesas.

[Fonte:  informação extraída do sítio da CM Almeida, com a devida vénia].


Data Início: 06-08-2015 | Data de Fim: 30-09-2015 17:30
Local Evento: Museu Histórico Militar de Almeida

2. Sobre o Museu Histórico Militar de Almeida vd. aqui vídeos e outros sítios na Net:

Museu Histórico Militar de Almeida ainda é pouco conhecido (Sapo Vídeos, 2009) (1' 34'')

Terceira Invasão de Napoleão a Portugal, em 1810  (You Tube, 2010) (7' 48'')

Recriação histórica do cerco de Almeida  (You Tube. ) (3' 


Evoquemos também a memória dos nossos camaradas mortos na guerra colonial (1961/74), naturais do concelho de Almeida: foram 15, dois dos quais na Guiné. Para informação mais detalhada, veja-se aqui a página do Portal UTW - Ultramar Terraweb, fundado e dirigido pelo nosso amigo e camarada António Pires.

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Nota do editor:

domingo, 13 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15108: Libertando-me (Tony Borié) (34): Oh pá, empresta-me aí três pesos

Trigésimo quarto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 7 de Setembro de 2015.




...Oh pá, empresta-me aí três pesos

Não queremos lembrar mais uma vez que lá fomos parar, porque um tal Álvaro Fernandes, por volta do ano de 1446, largando do sul da Europa, navegando quase sempre com terra à vista, alcançou território da Guiné, claro, escreveu as coordenadas no livro de bordo. Anos mais tarde outro navegador, de nome Diogo Gomes, achando curiosidade de onde vinha aquela água lamacenta, onde havia alguma vegetação, aquilo devia de ter interesse, sobe o rio Geba e pouco mais, até que outro explorador de nome Pedro Sintra, andou por lá, gostou daquela costa, pelo menos junto ao mar e recomendou a sua colonização, talvez por pessoas das ilhas de Cabo Verde, pois estavam habituadas ao calor infernal que por lá havia. Assim, forçados ou não, estabeleceram-se, formando uma aldeia em Cacheu, depois continuaram a exploração, no verdadeiro sentido da palavra, até que nós Europeus, lá fomos parar em defesa da nossa Pátria, da nossa bandeira.

Até aqui já todos nós sabemos, mas tenho uma questão que é, quanto ganhávamos nós, naqueles anos da “farda amarela”, lá na Guiné, em pleno cenário de guerra, como soldados ou 1.ºs Cabos? Não nos lembramos, mas cremos que o “pré” não chegava a quatrocentos escudos mensais. Metade ficava na Europa, para ajudar a sobreviver a mãe Joana e o pai Tónio, portanto andava pelos duzentos escudos mensais para pagar à lavadeira, cigarros, bebidas alcoólicas e outras despesas.

Era pouco? Muito pouco? Assim, assim? Francamente que era pouco, ao meio do mês já se andava à crava de cigarros, a solução era activar o sistema bancário do aquartelamento, que era um sistema em que acreditávamos, os mais poupados emprestavam aos mais gastadores, onde nós nos incluíamos, já nos conhecíamos, a palavra dada era um valor, pois só acreditando uns nos outros é que o dinheiro tem valor, sem essa credibilidade o dinheiro é apenas papel.


Um aceno, um gesto com os dedos, uma piscadela de olho entre nós, activavam a prática do sistema bancário. O “Mister Hóstia”, aquele soldado do Pelotão de Morteiros, muito educado e religioso, era o “Federal Banco de Reserva”, nós éramos, os outros, talvez o povo, onde existe algumas pessoas que, por isto ou por aquilo, em termos do tal papel impresso, a que chamam dinheiro, não conseguem viver com o miserável salário que auferem, mas o “Mister Hóstia”, uma pessoa simples que não conhecia o sistema actual de que emprestando muitas vezes, faz aumentar, às vezes centenas ou milhares de vezes, o valor do seu dinheiro. Ele emprestava muitas vezes e não fazia render o seu dinheiro, mas também não perdia, o seu lucro era a simpatia com que o tratávamos, além de pequenos presentes simples, como rebuçados e chocolates, às vezes roubados no bar, na messe dos sargentos, ou dizendo-lhe que sim, que íamos assistir à missa dominical, onde ele era um dos intervenientes.

O “Mister Hóstia” fazia favores, hoje, os favores matam mais do que uma bala traiçoeira numa emboscada no meio de uma savana ou daquele tarrafo e rios de lama, onde o catrapum-pum-pum da “costureirinha”, que era aquela maldita metralhadora com que os guerrilheiros nos combatiam, ou a explosão de uma granada de morteiro, nos martirizava e destruía lentamente.

Nós, hoje, somos impotentes na tentativa de parar a manipulação do dinheiro, porquê? Porque fomos ensinados a acreditar em pedaços de papel impressos, julgando que têm um valor especial e, porque sabemos que os outros também acreditam, por isso estamos dispostos a trabalhar todas as nossas vidas para o conseguir, o que estamos convictos que afinal, os outros também acreditam.

Tony Borie, Setembro de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15078: Libertando-me (Tony Borié) (33): O Sonho Americano (3)/a>

sábado, 12 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15107: O segredo de... (26): Ser ou não ser furriel na data de embarque (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

1. Em mensagem do dia 2 de Setembro de 2015, o nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) enviou-nos o seu terceiro segredo.

Prezado Luís Graça: 
Confesso, por este meio, mais um dos meus pecados, 

Um grande abraço
Domingos Gonçalves

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Tinha no meu pelotão um furriel, (quando cometi este pecado ainda era cabo miliciano) do qual só posso dizer que era um bom rapaz.
Nado e criado na zona da Ribeira, no Porto, tinha todas as virtudes, e também alguns defeitos do ambiente em que crescera.
Uma das virtude, que cultivava, era a seguinte: Não gostava que lhe pisassem os calos.
Por isso, quando lhos calcavam, reagia mal. Daí que, entre ele e o comandante de companhia, que era especialista em calcar calos, gerou-se um sentimento de repulsa mútua.

O comandante, - na altura tenente -, andava à procura de uma oportunidade para lhe dar uma porrada. Estávamos num pequeno aquartelamento, no Pragal, perto do Cristo Rei, a aguardar embarque para a Guiné.
Num certo fim de dia, com outros colegas cabo milicianos, ele foi jantar num restaurante da zona, e embriagou-se. Coisas da vida, que aconteciam. Dadas as circunstâncias, as bebedeiras funcionavam, para alguns colegas, como uma espécie de refúgio, onde durante um pequeno período de tempo se esqueciam de um fantasma, que se chamava Guiné.

No regresso ao aquartelamento, devido ao estado em que se encontrava, perdeu, resumindo, o aprumo exigido a um militar fardado. O comandante da companhia, que andava à procura de um pretexto para dar uma porrada no rapaz, quando alguém o informou do sucedido, obrigou uma das testemunhas a elaborar a respectiva participação. Depois, por despacho, incumbiu-me de elaborar o processo de averiguações.

O cabo miliciano era do meu pelotão, e repugnava-me o facto de ser eu a propor qualquer porrada, face aos factos que fossem averiguados. Interroguei as testemunhas indicadas pelo autor da participação, que confirmaram que de facto tinham visto: o rapaz a vomitar, a contorcer-se, etc.

Interroguei o prevaricador, que confirmou os factos de que era acusado, mas que desabafou:
- Já viu a minha sorte! Vou para a Guiné como cabo miliciano. Sou casado! O gajo se puder, FFF.

Perguntei-lhe:
- Quem estava contigo no restaurante, durante o jantar? - Ele indicou-me o nome.

Voltei a perguntar:
- São teus amigos? Confias neles? Vão ser tuas testemunhas.
- Claro que confio.

Continuei:
- Então, se eles concordarem, vão dizer que durante a refeição tu não bebeste vinho, nem qualquer bebida alcoólica. Estavas mal disposto, e apenas bebeste água das pedras.

O rapaz olhou-me, com um olhar malandro que o caracterizava, sorriu-se, e perguntou:
- Vai fazer isso?
- Vou tentar, - respondi-lhe.

Interroguei, depois, os colegas que tinham estado com ele, pedi-lhe que lessem o texto do depoimento, com o qual concordaram.

Resumindo: Juraram por Deus dizer a verdade, e só a verdade, declarando que o colega estava doente, e que as cenas constantes na participação só podiam ser causadas pela forte dor de estômago, que já no restaurante o atormentava.

As conclusões foram óbvias. Não havia matéria que justificasse a aplicação de qualquer porrada. E entreguei o processo.

O comandante da companhia, - na altura tenente -, leu as conclusões, olhou-me com um olhar, daqueles olhares que nunca mais se esquecem, deu um murro na secretária, mas não disse qualquer palavra. Eu, também não abri a boca e, respeitosamente, retirei-me. E o cabo-miliciano, a partir da data do embarque, foi promovido a furriel, e a vida continuou...
Não houve porrada nenhuma, nem no Pragal, nem depois na Guiné.

Um abraço para todos os camaradas
Domingos Gonçalves
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15053: O segredo de... (25): A caneta do Governador (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

Guiné 63/74 - P15106: Manuscrito(s) (Luís Graça) (64): Lisboa, sete colinas e uma paixão... E viva o Festival Todos 2015, 7ª edição - Lisboa, Colina de Santana, Campo Mártires da Pátria, de 9 a 13 de setembro de 2015


Festival Todos 2015 , 7ª edição. Colina de Santana, Campo Mártires da Pátria. Calçada de Santana, 10 de setembro de 2015. Atuação da Fanfarra Turbo Clap - Mazalda, França


Texto, fotos e vídeo: © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados


Lisboa, sete colinas, o rio, uma paixão




por Luís Graça 


Lisboa, sete colinas, o rio, uma paixão,
que deram origem
à arte e à ciência de fazer cocktails
de cores, sabores e sentimentos.

E tu, querida,
eras uma das meninas que ficava bem,
à janela, recortada,
em pórtico manuelino da Casa dos Bicos
ou nos vergéis
da estória da Nau Catrineta,
desenhando frágeis castelos de Espanha
nas areias movediças de Portugal.

Lisboa, menina e moça,
cidade de memórias e de afetos,
tu podias não saber nada de geografia,
nem da didática da educação de adultos,
nem da fisiologia do coração,
nem de macroeconomia,
nem de desenho a três dimensões,
nem do risco sísmico,
nem sequer do simples risco de existires e de estares viva,
mas sempre tiveste por perto
o estúpido pirata de perna de pau,
vesgo e maneta,
irrompendo os teus sonhos
com o pesadelo do sentimento de um ocidental
na ponta mais fina de uma espada,
guardada na Torre de Belém.

Lisboa,
o casario, o castelo, a mouraria,
e, rente ao chão, a devoção,
a procissão da senhora da Saúde,
que nos valia nos anos de peste,
nos meses de guerra,
nas semanas de fome
e nos dias de depressão,
a depressão funda, cavada,
do vale de Alcântara até Xabregas.

Lisboa, a Torre do Tombo,
os livros, os incunábulos, os alfarrabistas,
as pedras, as cantarias, as traves mestras
que nos falam da cidade em construção,
dos arquitetos, dos trolhas, dos estucadores,
das gaiolas pombalinas,
dos tristes,
dos saudosos da partida,
dos pintores de tabuletas e de retábulos dourados das igrejas,
dos aguadeiros,
do poço do mouros e do poço dos negros,
dos almoxarifes,
dos vedores,
dos provedores,
dos coveiros da pátria,
dos enfermeiros-mores,
dos físicos e dos tísicos,
dos barbeiros-sangradores,
dos palácios e conventos bem postos e melhor compostos,

do Carmo e da Trindade, outrora de pedra e cal,
dos agiotas, das tenças e das mercês,
dos engenheiros hidráulicos,
dos agrónomos,
dos agrimensores,
dos silvicultores do pinhal 

quando el-rei faz anos,
dos santos inquisidores, 

dos pregadores dominicanos,
das freiras e das frieiras
que é coçá-las e deixá-las
no cemitério de todos os prazeres.

Ah, aí onde a vida acaba,
numa cena canalha,
na ponta de uma naifa no Bairro Alto das fadistas
e na Baixa Chiado dos seus chulos.
Mas não de tédio, minha querida,
diz o pregão da varina,
nem de desesperança,
que ainda a noite é uma criança,
e enquanto houver o 28 para a (Des)Graça,
com bilhete de ida e volta,
as Escadinhas do Duque
ou a Calçada do Combro
e os escombros do terramoto
por subir, trepar ou escalar.
E os filetes de alfaquique ou peixe-galo
com açorda de ovas
que não vão à mesa do rei,
e os pastéis de Belém, mesmo com IVA,
e o bife dos ricos à Marrare
e as iscas, dos pobres, com elas
nas carvoarias dos galegos
e o cheiro a carvão e a sardinha,
linda que tresanda,
nas ruelas e vielas dos bairros impopulares,
por fim reordenados,
e livres do tifo, da febre amarela,
da cólera, do bacilo de Koch
e das paixões cegas da alma.

E o Portugal very tipical do António de Ferro,
descalço e de barrete encarnado,
com que te quiseram tramar,
e as sécias e os peraltas da Belle Époque,
que a Avenida da Liberdade
acaba na rotunda das edificantes públicas virtudes
e no beco dos mais torpes vícios privados.

Tu, terna, eterna, Olissipo,
onde o azul do céu é único,
diz o ofício do turismo,
e nos leva a todos os caminhos do infinito.
Ulisses sabia-o
e bem guardado estava o segredo,
no mais fundo do tempo,
e por isso fundeou no estuário do teu Tejo,
e te fundou e fecundou,
e trouxe com ele a caixinha de Pandora,
e os perfumes inebriantes das mais belas:
troianas, fenícias, gregas,
cartaginesas, romanas,
celtas, ibericíssimas,
judias sefarditas, 
godas, visigóticas,
mouras encantadas,
berberes, azenegues,
futa-fulas, mandingas,
pretas da Senegâmbia,
crioulas de carapinha e olhos verdes,
ameríndias, guaranis,
umbundas e quimbundas,
de bunda larga,
bárbaras, belas, pérfidas, cruéis, ubérrimas,
santas e peregrinas,
errantes e penitentes,
místicas, algures perdidas,
loucamente perdidas e recolhidas
nos caminhos marítimos para as Índias.

Que te importa, amor,
se Lisboa já não é uma praça forte,
uma bolsa contra os valores
daqui d’el-rei,
que o paço e o terreiro,
o trono e a régia cabeça,
a casa da rainha e o infantado,
tremem e estremecem,
mas não caem,
entre o Martinho e a Arcádia,
na iminência de um atentado,
terrorista,
ou da implosão do euro.
Dantes chamava-se anarquista,
à bomba regicida,
quando a palavra de ordem era
a bolsa ou a vida,
abaixo o Estado!

E não havia as avenidas novas, do Ressano Garcia,
nem o risco dos arquitetos estadonovistas,
nem o cordão sanitário,
nem a construção a custos controlados,
nem o prémio Valmor,
nem o Siza nem o Carrilho nem o Moura,
nem o fundo de mão de obra,
nem o Dow Jones ou o NASDAK,
muito menos a apagada e vil tristeza
que te matou,
meu irmão Luís de Camões.

E estavas tu, querida,
postada à janela,
descalça e de xaile preto,
em sossego e bom recato,
com vistas largas para o casario, a sé, o castelo,
o mar da palha,
o mundo vário,
a rua do ouro e a da prata,
o augusto senhor dom José a mata-cavalos,
a serra, a arrábida fóssil,
a armada outrora invencível,
a ribeira das naus,
e as iscas com elas a cinco paus,
o turista, o voyeurista,
o motorista
do senhor ministro sem pasta
nem forragem para o gado na canícula do verão,
nem para os puros sangues lusitanos
da alcáçova dos senhores,
nem sangue nem soro para os heróis menores,
anónimos,
da guerra colonial,
que vieram morrer na praia do 10 de junho,
o velho do Restelo,
que já foi praia sem bandeira azul nem glória,
o velho do Restelo agora ainda mais velho
e mais estupidamente lúcido e cruel,
o Cesário e a sua idiossincrasia,
o Cesário, verde e rubro, nos estádios dos eurofutebóis,
mais o Eça de Queiroz, o estrangeirado,
que te amava à maneira dele, 

qui t'aimait, malgré lui,
a Sofia, a deusa, a olímpica,
o Almada e os seus marinheiros sem futuro,
o Bocage e o seu filho, Ary,
debochados, panfletários,
mais o O'Neil, que era tão louco quanto irlandês,
e o luminoso Eugénio mais a sua sombra, Andrade,
e ainda a Amália
e a nossa estranha forma de vida,
e tantos outros poetas que te cantaram,

ó minha cidade
e que morreram de amores e desamores por ti,
entre o Cais das Colunas e o Cais do Sodré.

Ah, e o Pessoa,
subindo e descendo o Chiado,
de braço dado,

contigo,
recitando-te o heterónimo:
a rapariga inglesa, tão loura, tão jovem, tão boa
que queria casar comigo…
que pena eu não ter casado com ela…
teria sido feliz ?
mas como é que eu sei se teria sido feliz ?


Esquece o Álvaro, o Campos, o sedutor, 

e as noivas de Santo António que ficaram por casar,
e deixa-me pôr-te a caminhar
pelos caminhos ínvios e íngremes
desta cidade-sortilégio,
que nós amamos no singular
e maltratamos no plural… 

Valha-nos São Vicente, os seus corvos e a sua barca,
que erros de calceteiro e de autarca,
de médico e de monarca
a terra os cobre.

E se, contudo, há um privilégio,
é sempre o da amizade e do amor,
é esse de poder ter-te
ao alcance da mão e do coração dos amantes, 

descendo a encosta do castelo
até à praça de São Domingos,
ou entre o Rossio e o Terreiro do Paço, 
com a rua Augusta, de permeio,
entre a liberdade sem rua nem abrigo
e os segredos de polichinelo 

da tua caixa de correio.

É, enfim, esse privilégio de poder dizer-te,
no regresso da última nau do império:
como é bom rever-te,
Lisboa, Tejo e tudo.

Lisboa, Terreiro do Paço, 20 de maio de 2006.
Revisto,  Campo Mártires da Praça, 11 de setembro de 2015.




Lisboa > Museu de Lisboa - Torreão Poente, Terreiro do Paço > 6 de setembro de 2015 > Exposição "A Luz de Lisboa" (a não perder, até 17 de dezembro)


Lisboa > Museu de Lisboa - Torreão Poente, Terreiro do Paço > 6 de setembro de 2015 >  A estátua equestre de D. José


Lisboa > Museu de Lisboa - Torreão Poente, Terreiro do Paço > 6 de setembro de 2015 > Exposição "A Luz de Lisboa"  > Janela sobre o Tejo



Lisboa > Museu de Lisboa - Torreão Poente, Terreiro do Paço > 6 de setembro de 2015 > Exposição "A Luz de Lisboa"  > A partida de um navio de cruzeiro, visto de uma varanda do torreão



Lisboa > Museu de Lisboa - Torreão Poente, Terreiro do Paço > 6 de setembro de 2015 > Exposição "A Luz de Lisboa"  > Um dos grandes pintores da cidade; Carlos Botelho (Lisboa, 1895- Lisboa., 1982): Ramalhete de Lisboa (1935). Museu da Cidade de Lisoa (reproduzido aqui com a devida vénia).




Lisboa >  Cais da Ribeira ; 6 de setembro de 2015 >  Turistas, desenhando o Tejo

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Nota do editor:

Último poste da série 19 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15020: Manuscrito(s) (Luís Graça) (63): Lourinhã, paisagens jurássicas

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15105: Como Tudo Aconteceu (Manuel Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798): Parte V - A Guiné a ferro e fogo

1. Parte V do trabalho "Como Tudo Aconteceu", da autoria do nosso camarada Manuel Vaz (ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67), enviado ao nosso Blogue em 29 de Agosto de 2015:


COMO TUDO ACONTECEU

PARTE V

A GUINÉ A FERRO E FOGO


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Nota do editor

Poste anterior da série de 27 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15045: Como Tudo Aconteceu (Manuel Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798): Parte IV - A Guiné: O Parente pobre da Colonização Portuguesa

Guiné 63/74 - P15104: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (15): Afinal houve mesmo guerra?

 

1. Em mensagem do dia 5 de Setembro de 2015, o nosso camarada António José Pereira da Costa (Coronel de Art.ª Ref, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), enviou-nos o artigo que se segue para incluir na sua série "A Minha Guerra a Petróleo":



A Minha Guerra a Petróleo (15)

Afinal houve mesmo guerra?

Introdução

Com este texto pretende-se realizar uma abordagem, de um outro ponto de vista, aos acontecimentos que marcaram, porventura do modo mais decisivo, a vivência no nosso país, durante os anos de 1961 a 1974, vulgarmente designados por Guerra “do Ultramar”, “Colonial” ou “de África”.

Dadas as características que a “Guerra” veio a ter – essencialmente uma luta, através das FA portuguesas, entre uma parte da população e as autoridades – a maneira como os africanos nados e criados naqueles territórios se relacionaram com os europeus, chegados da potência colonizante, ao longo de todo o processo de colonização, será a grande determinante do sucedido. Efectivamente, um relacionamento tolerante e amistoso entre quem chegava e quem já estava teria, muito provavelmente, determinado uma interpenetração entre civilizações que, quinhentos anos após a descoberta, daria às sociedades das ex-colónias um fácies diferente daquele que vieram a ter. Não foi esta a regra em quase todas as partes do mundo. Por norma, quem chegava sabia ao que ia, tinha objectivos concretos a atingir e partia da hipótese de que a superioridade tecnológica e até ideológica de que dispunha lhe concedia larga vantagem e direitos.

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Linha Gerais da Evolução do Conflito

Prossigamos na análise, começando por realçar a desproporção entre os mais de quinhentos anos que durou a constituição do império (desde a chegada dos navegadores até à insurreição que terminou com a independência) e a escassez de documentos de toda a espécie, que permitiriam, para cada território, a elaboração da marcha histórica, mesmo que apenas na definição das grandes linhas legislativas e administrativas. Seria importantíssimo ter uma visão, mesmo vaga, acerca do modo como, ao longo dos tempos, se terá processado a vida diária em cada território. Por motivos óbvios não é possível obter esta informação por extrapolação relativamente ao modo de vida na metrópole, este sim relativamente bem conhecido. Podemos até, com bastante legitimidade, tomar a escassez de documentação como confirmação de que as possessões africanas viveram, pelo menos até aos anos vinte do século passado, num certo grau de abandono “descentralizado”. Aquele abandono seria determinado por três causas principais: as comunicações difíceis e lentas1 (que impediriam que a administração central fizesse sentir a sua acção e obrigavam a que o governo fosse localmente exercido de forma pouco controlada), o clima (sempre tido como insalubre e doentio, impróprio para a fixação dos brancos) e, durante vários séculos, uma falta de finalidade na posse dos territórios de além-mar. Com efeito, não se vislumbrou, durante séculos, nada mais útil a obter daquelas terras do que a mão-de-obra escrava, já que a maior parte dos produtos que lá se pudessem obter ou para lá se pudessem enviar não chegariam em condições de utilização.

Ainda no capítulo da documentação, ou da falta dela, poderemos recolher elementos meramente indicativos numa publicação2: Livro das Plantas de todas as Fortalezas, cidades e Povoações da Índia Oriental, de António Bocarro, datável de 1634/35. Nele encontramos 48 plantas, entre Sofala (Moçambique) e Solor (Timor), que apontam claramente para uma tentativa de domínio do mar pela ocupação de posições com elevado valor táctico-estratégico e nunca com uma ocupação, em profundidade, dos territórios onde os portugueses desembarcaram. Desta forma de ocupação, ou melhor, desta disseminação chegaram aos nossos dias as três possessões do Estado da Índia – três vértices de um triângulo marítimo de dimensões muito consideráveis – a cidade de Macau e a meia-ilha Leste de Timor, o que atesta que se terá dado “um passo maior do que a perna permitia”. Outro tanto terá sucedido com a tentativa de ocupação da costa Leste da África do Norte que se saldou por uma impossibilidade e atingiu formas de um dramatismo doloroso, para além de um desperdício de meios de toda a espécie. É sabido que a partir da segunda metade do Séc. XIX a prioridade passou a ser a África, já que o Brasil tinha tido o destino habitual das colónias rebeldes naqueles tempos. Decorreu pouco mais de um ano entre a saída do D. João VI daquela colónia e o Grito do Ipiranga. A Coroa nem esboçou um gesto contra a independência declarada por um príncipe português…nem tinha forças para o fazer.

O ideário que durante os últimos cem anos tem vindo a ser apresentado pelas instâncias do poder e divulgado a quem frequentou os diferentes graus de ensino não ajuda a um conhecimento objectivo da realidade vivida nas fracções do império e do modo como se relacionaram com a administração central, em Lisboa. Tudo é apresentado como se os territórios em causa não tivessem passado e houvesse uma relação de posse (abstracta, mas insistentemente apregoada, diga-se) entre o próprio povo metropolitano e aqueles territórios. Dá assim a impressão de que a situação encontrada foi simples consequência da “dilatação da Fé e do Império” e dos “novos mundos ao mundo” que os portugueses andaram a dar…

Surpreendentemente, nos mesmos territórios onde a “Guerra” teve lugar, as historiografias monárquica e republicana registam um outro conflito insurreccional de características muito semelhantes, ao qual foi atribuída a designação de “Campanhas de África” ou “Campanhas de Pacificação”. Em linhas gerais podemos dizer que se tratou de um conflito intermitente, em alguns momentos fomentado e apoiado do exterior e repetidamente “encerrado”, ou dado oficialmente como tal, de um modo ao qual não podemos deixar de chamar, no mínimo, pouco claro. Esta situação levanta algumas questões e abre perspectivas de outros estudos. Na realidade, o uso do plural (Campanhas) comprova que houve várias (e nos três territórios) e, se foram “de Pacificação”, conviria determinar porque se realizaram, sendo certo que só é pacificado quem se subleva e só se revolta quem tem motivos (fortes) e condições (favoráveis) para tal. Teríamos, por consequência, umas “Primeiras Campanhas” e umas “Segundas Campanhas” distanciadas de um intervalo de tempo que, em alguns casos, nem sequer chegou a cinquenta anos. Dir-se-ia que, ao longo de pouco menos de um século, a agitação social naqueles territórios nunca deixou de estar presente, uma vez que o Poder teve repetidamente de sufocar focos de contestação (mais ou menos intensos) e tentar restabelecer a sua autoridade. Isto para não falarmos das sublevações que a historiografia "perdeu” e cuja pista, hoje, é difícil de seguir.

Concentremo-nos, agora, na análise genérica do modo como as populações das colónias se relacionaram com os europeus. Tudo começou com um contacto, por vezes choque, entre civilizações de diferentes níveis de evolução tecnológica e não só, no qual os europeus tentaram a exploração dos recursos locais – principalmente humanos – e os autóctones que, após um momento de surpresa, procuraram resistir-lhes.

A civilização que chegava, não só era mais evoluída tecnologicamente, mas também, detentora de uma religião que pretenderia expandir e de concepções do mundo e modelos filosóficos, com os quais os das civilizações locais pareciam não poder competir. Acresce que a religião praticada pelos europeus era tida pelos próprios como única e perfeita e à qual, por consequência, todos deveriam converter-se. Tudo indicava, portanto, que as civilizações ditas inferiores seriam rapidamente “subjugadas” e assimilariam as novas regras que regiam as civilizações ditas superiores, cujos delegados acabavam de chegar. Conhecemos genericamente a composição das expedições que sucessivamente partiam de Lisboa, com destino às colónias, e tal é suficiente para confirmarmos que estes delegados ou agentes não seriam os mais representativos da civilização que chegava e os mais aptos para fomentar um bom contacto com a civilização residente.

Contudo, as civilizações africanas não o podendo fazer pela força das armas, concentraram a resistência em três grandes áreas: a língua, a religião e os costumes, em última análise, os três principais pilares definidores de qualquer civilização.

A língua portuguesa que penetrou facilmente no Brasil, devido à fuga e extermínio dos índios e ao grande número de “imigrantes” oriundos de Portugal, nunca foi nem medianamente aceite pelos habitantes das outras regiões que se tentavam colonizar, na África ou na Ásia. Embora hoje o português seja considerado a língua oficial de todas as ex-colónias, há nelas largas áreas onde a população não o fala, mantendo as suas línguas tradicionais. A atestá-lo podemos citar dois exemplos. Ainda hoje o português dificilmente rivaliza com o tétum em Timor e, na Guiné, as populações rurais e muitas citadinas falam os seus dialectos ancestrais, alguns sem expressão escrita ou, como no caso dos fulas e mandingas, exprimem-se num dialecto do árabe. O crioulo sobrepõe-se ao português, sempre que a diferença entre dialectos impede uma comunicação satisfatória. Cabe aqui referir que já à data da independência era assim, apesar dos esforços de alfabetização levados a cabo pelas autoridades, o que confirma, em absoluto, a recusa das populações autóctones em empregar a língua portuguesa.

No fundo, estamos perante algo semelhante à adopção das fronteiras da Conferência de Berlim, durante a implantação das independências africanas. Neste caso, foi a língua que serviu para marcar uma diferença em relação aos povos circundantes. Com efeito, se a definição das fronteiras retalhou etnias e regiões naturais, com os resultados que se conhecem e que dificilmente serão colmatados, a médio prazo, a adopção da língua da potência descolonizante procurou consolidar a separação entre países recém-independentes e dotá-los de um idioma que lhes pudesse dar visibilidade e facilitasse o relacionamento internacional. Não havia, por isso, outra solução que permitisse dar um passo na aglutinação do país e projectá-lo na cena internacional.

A religião foi outra área em que as populações das colónias resistiram à penetração dos europeus. Em alguns casos, como na Índia, em Moçambique ou na Guiné sabemos que o cristianismo teve de competir com religiões muito evoluídas e em expansão ou já fortemente implantadas. Estão neste caso o budismo, o induísmo e o islamismo, mas outras formas de religião ancestrais, porventura menos evoluídas do ponto de vista filosófico e doutrinário, também não desapareceram, ficando o cristianismo, nas suas principais variantes, difundido de um modo muito modesto para quem se propunha converter populações em massa, numa gigantesca tarefa apostólica. Há a referir, todavia, que só Portugal assumiu esta tarefa e, mesmo assim veio a descartá-la algum tempo depois.

É difícil dizer se as religiões já implantadas é que não permitiram a difusão do cristianismo, por estarem mais adequadas às necessidades espirituais e hábitos de vida das populações que as abraçaram, ou se foi o abraçar daquelas religiões que determinou a estrutura social que os portugueses encontraram, mas não restam dúvidas de que as conversões ao cristianismo poderiam ter sido muito mais numerosas.

No caso das religiões animistas, aparentemente frágeis de um ponto de vista a que podemos chamar doutrinário, filosófico ou teológico, verificou-se uma situação de encobrimento das práticas por parte das populações e uma fuga à emulação com a doutrina e filosofia das religiões praticadas pelos europeus. No fundo, não tiveram sequer necessidade de simular práticas religiosas que não eram as suas, pois, a dado momento a expansão das religiões europeias deixou de ser uma prioridade para os colonizadores (Séc. XVIII e seguintes). O número de igrejas abandonadas e em ruina acentuada é hoje prova de que a religião que os portugueses trouxeram não vingou num terreno onde outras já existiam.

Por fim, uma terceira área de resistência que se manifestou na recusa em abandonar muitas práticas e hábitos, alguns bem antigos, para adoptar os correspondentes europeus. É certo que os europeus procuraram não divulgar muitas das suas práticas e técnicas, o que lhes permitia manter a sua superioridade tecnológica e o correspondente domínio sobre as populações locais mas, no que respeita aos usos e costumes, estas preferiram sempre as práticas antigas às dos europeus. Obviamente que houve casos em que as práticas e os hábitos trazidos pelos colonizadores foram aceites pelos autóctones, como sucedeu nas relativas à saúde, mas é ainda hoje, perfeitamente perceptível a semelhança entre muitas aldeias do interior das ex-colónias portuguesas e a reconstituição proposta pela ciência para as aldeias do neolítico. É paradigmático o sucedido hoje na Guiné onde há claras dificuldades, por parte das populações e autoridades, especialmente rurais, em utilizar edifícios administrativos, infra-estruturas logísticas, viárias e portuárias, deixadas pelos portugueses, para não falar do abandono completo de algumas localidades que, no passado, tiveram importância considerável.

Desta longa resistência, a que poderemos chamar passiva, resulta que deveremos aceitar que o chamado “passado comum” que, por vezes, se evoca para justificar a necessidade de se estabelecer uma ligação sólida entre os novos países e a potência descolonizante, foi algo que não foi, de todo, amistoso e, se bem virmos, é elemento aglutinador de qualidade duvidosa. Em última análise, estamos a “varrer para baixo do capacho” uma série de motivos e razões de queixa que até se podem perdoar, mas que não se esquecem. Há mesmo, ao longo de toda a colonização, episódios e situações que envergonham uns povos e revoltam os outros. A História não se esquece, ignora-se ou relembra-se, sempre que se julgar necessário ou oportuno. As tensões foram-se avolumando lentamente e a atestá-lo temos a revolta de uma parte da população das colónias contra as autoridades de direito (segundo uns) ou de facto (segundo outros). A História mostra que a projecção de força contra colónias rebeldes não é boa solução, mesmo que tal possa ser feito com grande violência e riqueza de meios, e terminou, por vezes a curto prazo, sempre com a derrota da potência colonizante. E tanto assim é, que houve países que preferiram conceder a independência às suas colónias, logo que nestas se perfilou pelo menos uma força política que a exigisse, renunciando totalmente ao uso da força contra essa ou essas forças. Tal foi caso da Espanha e da Bélgica.

A solução adoptada por Portugal foi única e há quem diga que nenhum outro país fez melhor ou, pelo menos resistiu tanto tempo, considerando os meios disponíveis ou aplicados e as condições políticas nacionais (principalmente) e internacionais. As autoridades portuguesas procuraram, durante 13 anos, sufocar uma revolta que coroava um descontentamento velho e só poderiam queixar-se de si próprias. Os apoios materiais que conseguiam obter não foram suficientes e revelaram-se dispendiosos e, ao fim de algum tempo, o próprio potencial humano, especialmente oriundo da metrópole, começou a revelar-se insuficiente para o esforço exigido.

Não foi por falta de aviso que a revolta surgiu “surpreendendo” as autoridades. Vários teóricos, mais ou menos próximos do regime político em vigor, a tinham previsto – Henrique Galvão e Hermes Araújo de Oliveira, entre outros – e tinham ficado mal vistos, como mensageiros da desgraça. As suas opiniões foram sufocadas, mas o pior é que não tenham sido tidas em conta. Mas, mesmo assim, a marcha dos acontecimentos políticos em África no final dos anos 50 não poderia augurar nada de tranquilizador para quem fosse inteligente, apesar de defensor das teses ditas colonialistas e imperialistas.

A posição política dos países limítrofes manifestou-se num apoio variado e, por vezes, muito intenso aos partidos revoltosos, sem que, contudo, o governo português, alguma vez, tivesse usado esse apoio como casus belli para os atacar, no terreno. O apoio militante surgiu mesmo de países, como a Suécia, que não praticando um apoio bélico foi dos primeiros países a reconhecer a independência da Guiné, embora os seus interesses diplomáticos e económicos andassem bem longe daquela área. Mesmo a reacção a nível diplomático foi pouco mais do que tímida, talvez porque o governo soubesse bem o ridículo a que se prestaria se tentasse uma atitude mais drástica. O resultado da invasão da Índia e as condições em que se processou deveriam ter constituído um outro sinal premonitório do que se iria passar. Mas não foi assim e o governo optou por desprezar a situação concrecta em que daí em diante teria de actuar. Porém, se a repressão resolvia o problema a nível interno, na cena internacional a situação só piorava.

O guerrilheiro é um cidadão armado, lutando contra um poder constituído. Reivindica para si a designação de resistente, mas não escapa à de terrorista no conceito das autoridades a que se opõe. No caso de Portugal, os guerrilheiros receberam outras designações, por vezes eufemísticas, como tresloucados, ou com a vaga conotação política de “agentes do comunismo internacional”. Numa manobra propagandística que veio a revelar-se contraproducente, o governo começou a usar o vocábulo “guerra” para designar as operações anti-guerrilha que tinham lugar nos três territórios onde a guerrilha tinha efectivas condições para progredir. Esta definição inexacta acabou por criar dificuldades – externas e internas – à política praticada. No exterior, o governo considerava a situação como um problema interno não sendo tolerados reparos ou censuras de qualquer espécie e vindos de quem viessem, enquanto no interior, o fenómeno era apresentado como uma guerra que era necessário ganhar, por múltiplos e variados motivos que, com o tempo, começaram a carecer de significado. Alguns foram hilariantes como a necessidade de realizar a guerra para dar tempo à política para actuar.

De qualquer modo os guerrilheiros não deixavam de ser portugueses – maus portugueses – que deveriam merecer punição severa, como seria óbvio. Contudo, sempre que eram capturados não eram julgados, mesmo que tivessem importantes funções na guerrilha. Tal sucedeu apenas num caso e com um estrangeiro, o capitão cubano Peralta. Carecerá de explicação que se tivesse dado aos guerrilheiros, cidadãos portugueses, embora prevaricadores, um vago estatuto de prisioneiro de guerra e a um estrangeiro que era seu apoiante o de um violador da lei nacional.
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Notas:
1 - Como simples exemplo da dificuldade de comunicações com a Índia, no caso vertente, veja-se o tempo que decorreu entre a ordem de Filipe III (datada de finais de 1632) e a dedicatória de António Bocarro (17 de Fevereiro de 1635) exarada no Livro das Plantas de todas as Fortalezas, cidades e Povoações da Índia Oriental, produzida sob sua direcção, com plantas de Pedro Barreto de Resende. In. estudo sobre a referida obra realizado por Isabel Cid (pág. 13). Basicamente, este conjunto de documentos seria um relatório determinado pela instância máxima da governação. Poderemos imaginar a dificuldade, ou mesmo a impossibilidade de produção de outros documentos de controlo a níveis mais baixos.
2 - Cita-se apenas uma publicação o Livro das Plantas de todas as Fortalezas, cidades e Povoações da Índia Oriental, de António Bocarro, datável de 1634/35 Ed. da INCM, ISBN-972-27-0444-3, Nov. de 1992, analisada e comentada por Isabel Cid, a qual deveria ser apresentada à consideração Real, mas outras há como o Lyvro de Plantaforma das Fortalezas da India, da Biblioteca da Fortaleza de S. Julião da Barra, atribuível a Manuel Godinho Herédia (ou Erédia).

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Conclusões

Apesar de as operações anti-guerrilha que se desenrolaram, entre 1961 e 1974, na Guiné, em Angola e em Moçambique, terem atingido graus de violência muito elevados, não poderemos falar de uma guerra no sentido habitual ou clássico do termo. Tratava-se de uma guerra subversiva o que, por definição, pressupõe a existência dos dois beligerantes seguintes: as autoridades constituídas e uma parte da população. Nesta situação, esta é uma parte relativamente pouco significativa – em número, que não em actividade – do total da população. Não havendo memória de um levantamento total da população de um território contra um invasor ou ocupante, teremos de considerar a existência de uma parte da população – mais ou menos considerável – que colabora com as autoridades, enquanto a maior parte, espera para ver, assumindo numa atitude passiva, visando a defesa do seu padrão habitual de vida. Normalmente sofre muito com violência, mas não deixa rasto histórico muito acentuado. A posse ideológica da população é, portanto, o grande objectivo a atingir, sendo que, estabelecida a contestação, a reversão da situação é uma tarefa lenta a decorrer durante uma ou duas gerações. No caso de Portugal – e talvez, no dos outros seis países que ocuparam a África – nunca poderemos falar de uma aceitação por parte das populações autóctones dos hábitos, religiões e língua dos colonizadores. Estes assumiram uma atitude de sobranceria que atingiu a violência e a escravatura, visando a imposição dos seus valores. A resposta foi a recusa e a resistência passiva que se manteve até aos nossos dias. Esta resistência determinou uma agitação subterrânea que nunca foi extirpada e que se manifestou sempre que as condições o permitiram. Sempre que a repressão se tornou insuportável a revolta estalou, habitualmente afogada em sangue, o que não resolveu o problema, se não o agudizou. Desta política de “tapar o Sol com a peneira”, fingindo que não se passava nada e amaldiçoando os mensageiros das más notícias, resultou uma mistura explosiva que, logo que as condições (especialmente internacionais) o permitiram, determinou o detonar de um fenómeno sociológico em que o racismo – essencialmente uma questão cultural – não deixou de estar subjacente.

A resposta das autoridades sediadas na metrópole manifestou-se através da projecção de força contra as populações rebeldes, materializada pelas forças armadas à custa do potencial humano da metrópole, numa primeira e longa fase. Depois, talvez porque começou a ser perceptível um desenlace desfavorável, procuraram as autoridades realizar a “africanização” da guerra. Esta reacção já é, em si mesma, a confissão pública derrota. Com efeito, se a sintonia entre o sentir das populações, genericamente consideradas, e as autoridades fosse um facto incontroverso, a população apoiante destas teria, desde logo, ajudado a esmagar a contestação. Trata-se, como se sabe, da manobra comum ao ocupante, invasor ou dominador de um território, quando confirma que não consegue prosseguir nos seus intentos. Este novo patamar da guerra subversiva tem frequentemente custos elevados para as populações de um dado território após a saída do exército ocupante. Os EUA puseram esta manobra repetidamente em prática, por vezes de forma muito dramática e com os resultados perversos que são conhecidos. De qualquer modo é a população que volta a estar em jogo o que continua a remeter para o campo da sociologia.

Ainda no caso português, a contradição insanável criada pelo facto de as autoridades terem duas leituras para o que estava a acontecer, consoante falassem ou agissem no exterior ou no interior, cria uma situação insustentável, em ambos os campos. Se, no primeiro, o isolamento e o abandono, sem hostilidade clara, pela generalidade das nações, como a situação internacional aconselhava, não constituía problema de maior para o governo, o mesmo não se podia dizer da grande contradição que se avolumava na população metropolitana. É provável que as populações da Angola e Moçambique nunca tivessem vislumbrado o fim do fenómeno. Na essência, poderemos considerar que eram dois territórios de grandes dimensões, sendo que em ambos, ele decorria apenas em cerca de metade da área. Que fariam aquelas populações se alguma vez tivessem equacionado o modo como a “guerra” poderia acabar? E contudo, não faltavam exemplos por toda a África……

Em resumo, poderemos afirmar que a Guerra “do Ultramar”, “Colonial” ou “de África”, foi essencialmente um fenómeno sociológico. Decorreu do modo como a colonização foi feita e do choque, em diversos planos, de duas civilizações e atingiu graus de violência e contra-violência elevados que conduziram a um desfecho senão previsível, pelo menos altamente provável desde o início e, se se lutava pela posse benévola da população e não pela posse do terreno é a sociologia que terá de fazer a última interpretação deste fenómeno.

TZ
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14794: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (14): Este Feminismo... é "muinta" feio!

Guiné 63/74 - P15103: FAP (89): Op Mar Verde: e se os MiG, que existiam de facto, mesmo que pouco operacionais, tivessem sido localizados e destruídos ? (José Matos)


Tira da banda desenhada “Operação Mar Verde”, da autoria de A. Vassalo [ex-fur mil comando Vassalo Miranda, nosso camarada da Guiné], uma edição da Caminhos Romanos, 2012. 

A. J
untando os últimos três  comentários do José Matos ao poste P15100 (*)


[José Matos, nosso grã-tabanqueiro, investigador independente em história militarm, autor do artigo "A ameaça dos MiG na guerra da Guiné", originalmente publicado na Revista Militar, nº 2559, abril de 2015, pp.  327-352,  e no nosso blogue em quatro postes recentes]


Olá,  amigos

Agradeço os comentários. Sobre o Mar Verde dedico uma pequena parte do artigo a isso e gostava de esclarecer alguns pontos.

1- Os guineanos tinham alguns MiG e por pura sorte (para eles) estavam em Labé no dia da [Op] Mar Verde, senão tinham sido destruídos no aeroporto de Conakry pelo pessoal do [cap para] Lopes Morais [, a equipa Sierra].

Isso foi apurado no terreno na altura e temos o testemunho do Alpha Abdoulaye Diallo [,  membro do governo de Sékou Touré, secretário de estado da juventude e desportos, mais conhecidos por "Portos", ] , que telefona para Labé nessa noite a pedir os MiG. Do outro lado da linha, o [cap] Sylla Ibrahima [, responsável da aviação militar,] responde-lhe dizendo que está tudo inoperacional ou melhor dizendo que naquele momento não estavam em condições de voar, pois tinham voado para Labé uns dias antes e não deviam ter nenhum avião preparado. Portanto, temos várias fontes a dizer que estavam em Labé.

2- Mas os guineanos lá conseguiram meter um a voar e apurei através de fonte cubana que era pilotado pelo tenente Hady Canté, que sobrevoa Conakry, a baixa altitude, por volta das nove da manhã, quando as forças portuguesas já tinham embarcado, e detecta na baía de Conakry um barco que julga ser inimigo, mas que era na verdade o Conrado Benitez cubano e abre fogo de canhão contra este barco por engano.

3- Portanto, o Canté vem de Labé com o MiG-17, sinal que os MiG estavam lá.

4- O que falhou na Mar Verde foram as informações… se a malta tivesse sabido que os MiG não estavam em Conakry, teria adiado a operação e podia esperar que voltassem à capital para dar o golpe.

5-Já agora foram para Labé (se não me falha a memória) porque o Sekou Touré,  que era um tipo paranóico,  teve por essa altura um receio qualquer de um golpe militar dentro do seu próprio exército e mandou retirar os MiG da capital por uns tempos… sendo Labé a única opção que tinha. Em Labé, as condições para os MiG também não seriam grande coisa até porque a base teve obras em 1973, como eu digo no artigo, mas, em 1970, era a única opção que havia em relação a Conakry.

Um outro aspecto que eu gostava ainda de salientar nesta discussão é de facto a baixa operacionalidade dos MiG e  a aselhice dos pilotos guineanos. Podem facilmente imaginar o que era, naquele tempo, em Conakry manter operacional uma pequena esquadra de MiG, quando o pessoal da manutenção era uma desgraça, quando por vezes (ou muitas vezes?) não havia dinheiro para sobressalentes, nem para combustível, quando os pilotos voavam poucas horas por ano, quando a malta da manutenção desviava combustível e peças e por aí fora…portanto imaginem o que era manter uma pequena esquadra operacional, nestas condições!

Os cubanos quando chegaram em 1973 até meteram as mãos à cabeça com o que viram e tiveram logo que chamar o pessoal deles para meter ordem na casa e conseguir ter dois aviões a voar. Acho que o artigo dá uma boa panorâmica sobre isso.

Obviamente que os poucos pilotos guineanos que existiam qualificados para voar MiG, tinham pouco experiência de voo e não admira que depois da chegada dos cubanos voassem sempre com eles e nunca sozinhos.

Não vem no artigo, mas posso contar-vos que uma vez um vai voar com o Trujillo e, se não me falha a memória, o guineano perdeu-se do líder da parelha e o Trujillo nunca mais o viu, só no regresso a Conakry. Portanto, estamos a falar de malta com este tipo de experiência. O caso do Canté em 1970, na Mar Verde, também é engraçado. Então o tipo chega a Conakry e confunde um navio de carga com um navio de guerra?? Então o tipo não vê que já não há barcos de guerra no porto?? Isto mostra bem a falta de experiência.

Calculo que não seria muito diferente com os futuros pilotos do PAIGC. Seriam como os guineanos.

Finalmente sobre a Mar Verde, a decisão do [cmdt Alpoim] Calvão em retirar foi a mais acertada a partir do momento que percebe que não conseguiu eliminar a componente aérea. Fez bem em sair, agora vamos imaginar que a malta tinha apanhado os MiG em Conakry, aí o resultado tinha sido outro…

Se não fosse a incerteza dos MiG nós tínhamos dominado a capital, a cidade já estava de pantanas ao fim da madrugada e o golpe teria tido outra evolução. Foi mesmo falha nas informações… A PIDE devia ter mandado alguém para capital uns dias antes para ver o que se passava, para ver se os MiG estavam lá ou não e recolher informações…não fizeram nada disso e deu no que deu…

Ab, José

B. Sugestão de leitura adicional para os nossos editores:

MARINHO, António Luís - Operação Mar Verde: um documento para a história. S/l: Círculo de Leitores, 2005, 301 pp. [Com introdução de  Guilherme Alpoim Calvão, escrita em Bolama, julho de 2005, pp. 8-11].

Há mais de meia centena de  referências no nosso blogue sobre a Op Mar Verde.

 
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15100: FAP (88): A propósito da Op Mar Verde, dos MiG e do artigo do José Matos: Labé ainda hoje não tem uma pista capaz de receber MiG, se eles existiam mesmo só podiam estar em Conacri...Será que a malta foi mesmo ao aeroporto ? (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)