sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16518: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (9): "Rã Teimosa", a última Operação da CART 2520


Desembarque de tropas no Xime: a nossa conhecida LDG 105 (NRP Bombarda)[1]


1. Em mensagem do dia 19 de Setembro de 2016, o nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art da CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) enviou-nos esta memória sobre a última operação em que participou sua Unidade.


Recordações da CART 2520

9 - "Rã Teimosa", a última Operação da CART 2520

Ordens são ordens e são para cumprir, custe o que custar.

Como era normal, estas chegaram do BCAÇ 2852 sediado em Bambadinca. Estava planeada uma operação para o dia 16 de Maio de 1970, para a zona do Xime. Isto a escassos dias da CART 2520 sair desta zona operacional. Dentro de duas semanas a nossa Companhia partiria rumo a Quinhamel.
A ideia não caiu muito bem no seio das nossas tropas, nomeadamente entre os furriéis e logo se pensou pressionar o Capitão [mil António dos Santos] Maltez, através dos nossos alferes,  para nos "baldarmos" a esta operação.

Estava a fazer um ano que a CART 2520 tinha estabelecido a sua base no Xime. Foi muito elevada a nossa actividade operacional no mato, assim como muitas seguranças às embarcações que navegavam no rio Geba. Também se fizeram inúmeras colunas de serviço a Bambadinca e esporadicamente a Bafatá. As baixas tinham sido duas, jamais regressariam ao seio dos seus familiares. Por doença também foram vários os que já nos tinham deixado. Por baixa psicológica só no meu pelotão foram dois os elementos que não voltaram, sendo um deles o Furriel Alvarez, um mês depois de chegarmos ao Xime já estava evacuado para Bissau.

Chegada então a hora do início da operação e ainda de madrugada, lá vamos nós a caminho do mato com as devidas precauções e também com alguma ansiedade à mistura.

Assim que o sol começou a iluminar a mata, creio que na zona da Ponta Varela,  houve indicações para que ninguém saísse debaixo da copa das árvores e permanecesse no máximo silêncio possível para não denunciarmos a nossa presença.

Várias foram as vezes que fomos sobrevoados pelo DO que possivelmente seria comandado pelo Major [op /inf  Herberto Alfredo do Amaral] Sampaio,  do Gabinete de Operações de Bambadinca. Por diversas ocasiões junto ao rádio transmissor da nossa Companhia ouvi o operador lá do alto chamar por nós. Nesse dia o nosso emissor receptor "esteve avariado".

A operação decorreu sem incidentes e sem nenhum contacto com o inimigo.

De regresso à nossa base, recordei o dia anterior, quando entrámos no gabinete do nosso Capitão Maltez e as palavras que este nos dirigiu:
- Como já sabem, esta noite vamos sair para uma operação, mas o Alferes Lapa vai explicar-vos como vai ser - e abalou porta fora.

Esta seria a última operação da CART 2520 no Xime, a qual teve o nome de "Operação Rã Teimosa". Mas nós com a ousadia que tivemos em expor as nossas convicções contra todas as regras estabelecidas, através do Alferes Lapa, fomos mais teimosos que esta rã e nem os nossos soldados souberam o que se passou na tarde do dia anterior no gabinete do Capitão Maltez.

Entretanto chegou CART 2715 / BART 2917 que nos viria render. A CART 2520 saiu em duas fases, a primeira no dia 31 de Maio e a última a 9 de Junho de 1970.

Assim se iniciou uma segunda etapa da nossa Companhia em terras da Guiné, que foi bem mais tranquila, como que uma espécie de um merecido prémio.

E aqui vai um grande abraço para todos os elementos desta Tabanca Grande, em especial para o amigo Luís Graça e camaradas da CCAÇ 12 (CCAÇ 2590).

José Nascimento



No Bar de Sargentos


Com o Furriel Joaquim [João dos Santos] Pina,  do 1º Gr Comb da CCAÇ 12, algarvio como eu, antes de uma Operação

Texto, fotos e legendas : © José Nascimento (2016). Todos os direitos reservados


2. Comentário do editor:

Eis as oito linhas que foram dedicadas à "Op Rã Teimosa", na História da Unidade: BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70, cap II, p. 152:





Recorde-se que o BCAÇ 2852 também acabou nesse mês de maio a sua comissão de serviço. Em 29 e 31 de maio de 1970, chegava o BART 2917, começando a sobreposição. Em 8/6/1970, o BCAÇ 2852 deixou o setor L1, partindo para Bissau onde aguardou transporte para a metrópole.

Três dias antes da Op Rã Teimosa,  em 14 de maio, às 17h00, o IN tinha atacado, com canhão s/r, LGFog e armas automáticas, em Ponta Varela (XIME 7B5-45), na margem esquerda do Rio Geba,  o barco (civil) "Bihe", causando  1 morto, 1 ferido grave, 3 desaparecidos, todos civis, e danos materiais.
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Notas do editor:

[1] - Sobre a LDG Bombarda vd. postes de Manuel Lema Santos de:

22 de Dezembro de 2016 > Reserva Naval nas LDG - Lanchas de Desembarque Grandes (5)
e
24 de Dezembro de 2016 > Ainda a LDG “Bombarda” - LDG 201

Último poste da série de 17 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15870: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (8): Quem não se lembra do antigo ditado que diz: "em tempo de guerra não se limpam armas"

Guiné 63/74 - P16517: Notas de leitura (882): “Cabo Verde e Guiné-Bissau, As Relações entre a Sociedade Civil e o Estado”, por Ricardino Jacinto Dumas Teixeira, Editora UFPE, Recife, 2015 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Este sociólogo guineense, professor no Brasil, com pergaminhos da sociologia política de há muito que estuda o papel da sociedade civil na Guiné-Bissau e decidiu para tema do seu doutoramento estudar as relações entre a sociedade civil e o Estado entre os dois países, tendo como balizas o arranque do multipartidarismo e até 2008. Dá-nos um quadro das conceções teóricas que modelam a transição de políticas autoritárias para liberais, analisa os pontos de convergência e divergência gerados pela história na afirmação dos dois Estados, procede a trabalho de campo junto das célula da sociedade civil, confirma a identidade de duas culturas e um processo de desenvolvimento em que há inúmeras aspirações afins, desde o combate ao desemprego e à pobreza até à incessante procura de independência face ao apetites dos partidos políticos.
De leitura obrigatória, para quem queira conhecer estas duas sociedades civis em movimento.

Um abraço do
Mário


Cabo Verde e Guiné-Bissau: Sociedade Civil e Estado

Beja Santos

“Cabo Verde e Guiné-Bissau, As Relações entre a Sociedade Civil e o Estado”, por Ricardino Jacinto Dumas Teixeira, Editora UFPE, Recife, 2015, é o produto de uma tese de doutoramento de um professor universitário guineense que ganhou o seu título na Universidade Federal de Pernambuco. A sua investigação emerge na trajetória distinta e num relacionamento comum entre dois países que têm um denso cruzamento histórico. Por força de uma conceção ideológica montada por Amílcar Cabral, o termo unidade utilizado exaustivamente na luta armada pela libertação nacional apelava para dois países que devido a uma história comum deviam caminhar de braço dado, da guerrilha à fusão do Estado. Esse sonho desmantelou-se em 1980, os dois países mantiveram-se numa linha de partido-Estado até que o mundo deixou de ser bipolar, o comunismo afundou-se e as correntes liberais pareciam tomar conta de tudo. Da década de 1980 para a década de 1990 a estes países africanos acenou-se com a democracia multipartidária e a economia de mercado. Com as transformações políticas sociais e económicas, entrou-se numa era de democracia representativa e participativa, com grandes altos e baixos. É nessa fase que se dá um processo político distinto entre Cabo Verde, insular, sociedade crioula, com elevada diáspora, onde o sentimento de cabo-verdianidade é poderoso e a Guiné onde se acena com o fantasma militar, onde se manifestou o caudilhismo, a guerra civil e a permanente instabilidade política. As sociedades civis dos dois países têm recortes distintos mas também posições afins. Tratando-se de uma investigação doutoral, Ricardino Teixeira inicia a sua investigação com quadro apurado de contornos teóricos-metodológicos e a análise comparada das relações entre a sociedade civil e o Estado tendo como referência o processo democrático em construção nos dois países entre 1994 e 2008, no fundo o investigador procura o grande ecrã da ciência política para enquadrar a democracia representativa, o triunfo nos princípios liberais e como a sociedade civil e o Estado se vão confrontar na vida quotidiana.

O segundo capítulo desvela os dois países em termos de história e organização, de sociedade e cultura. Cabo Verde foi descoberto, povoado por brancos e populações da Senegâmbia, a Guiné teve vida pré-colonial, a ocupação portuguesa foi radicalmente diferente da criação de uma sociedade crioula, encontraram-se na miscigenação e no comércio negreiro, em Cabo Verde expandiu-se o catolicismo, uma forma de organização agrária decalcada de modelos europeus, todas as localidades possuem nomes portugueses; a Guiné caraterizou-se por uma presença no Litoral, montaram-se praças e presídios, pagava-se aos régulos uma tributação para ocupar território e quando se avançou para uma ocupação efetiva contou-se sobretudo com o cabo-verdiano, culto e disciplinado, motivado para os negócios, na segunda metade do século XIX lançaram-se na criação de colónias agrícolas, nomeadamente no Sul. Ricardino Teixeira recorda a resistência oferecida pelas etnias guineenses contra a presença portuguesa, sublevações permanentes, só com o capitão João Teixeira Pinto, a partir de 1913, com campanhas de pacificação, um hábil aproveitamento de tropas auxiliares conjuntamente com mercenários de outras regiões é que se conseguiu a capitulação dos revoltosos, entrou-se numa fase de interiorização da presença colonial a despeito de as comunidades rurais terem mantido um elevado grau de autonomia.

Como é óbvio, Ricardino Teixeira vai traçar os aspetos relevantes da tese da unidade Guiné-Cabo Verde forjada por Amílcar Cabral. A primeira mão-de-obra militar foi oferecida por jovens guineenses que terão um papel determinante nas sublevações a partir de 1962, no Sul da Guiné, esses homens estarão à frente das forças sublevadas em toda a região Sul, no Oio e no Corubal, partir de 1963. Mobiliza-se o apoio popular guineense e os quadros cabo-verdianos vão se espalhar pelas zonas de luta, Conacri, Dakar e Ziguinchor. Iludiram-se contenciosos seculares entre guineenses e cabo-verdianos, Amílcar Cabral será assassinado fruto dessas discórdias. O golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980 clarifica a profunda dissensão e o fim da fórmula de unidade Guiné-Cabo Verde. Perante dois países tão distintos, no ADN, na espiritualidade, no conceito identitário, Ricardino Teixeira vai investigar as relações entre a sociedade civil e o Estado, num momento em que se enveredou pelo reconhecimento e se legitimou a democracia representativa e participativa.

Foi este o trabalho de campo que ele desenvolveu, junto de organizações cabo-verdianas e guineenses. No final, não subsistem dúvidas que há pontos de aproximação, embora, em muitíssimos casos, o quadro de aspirações é radicalmente distinto. Cabo Verde entrou no multipartidarismo sem dramas nem golpes militares, o PAICV deu lugar ao Movimento para a Democracia, aceitaram-se as regras do jogo. Os inquéritos destacam inúmeras contradições no que é a fragilidade da sociedade civil, o seu grau de dependência dos humores dos poderes do dia e, inevitavelmente, da cooperação e dos apoios da diáspora. As perceções do Estado na Guiné-Bissau recordam os abusos de poder, o poder real na mão dos militares, a pulverização partidária e a ascensão da etnia Balanta, a especificidade dos grupos de mandjuandades, uma mobilização de solidariedade e cultura. A perceção da sociedade civil em Cabo Verde tem outros matizes, basta pensar nas manifestações culturais da Tabanka, do Batuko e do Funana, tem demorado a que as organizações da sociedade civil se dissociem dos interesses partidários em contenda, o PAICV e o MpD.

E afinidades? É o combate à pobreza, a procura da satisfação das necessidades elementares da população, o uso do microcrédito num esforço de criar empresas que contrariem a elevada percentagem de desemprego; há a promoção dos valores ambientais, as lutas pela igualdade de género, a valorização da expressão musical, os direitos humanos, a procura de participação de jovens e mulheres nas decisões políticas.

E assim chegamos às relações entre a sociedade civil e o Estado, os inquiridos não se cansam de relevar a falta de recursos, a pressão dos partidos políticos, as sequelas do partido-Estado, o desapontamento face ao oportunismo político dos partidos no uso da sociedade civil. O autor sumula estas queixas dizendo “observa-se em todas as colocações que a defesa da democracia e criação de novos espaços públicos, voltados para a revitalização das organizações da sociedade civil é colocada como uma falta na relação com o Estado”. Vários inquiridos na Guiné-Bissau lembram que este relacionamento estará sempre profundamente inquinado enquanto não houver reforma do Estado. Já nas considerações finais, o autor lembra que há aproximações entre as organizações de massas e grupos de base dos dois países no que tange ao aumento de desigualdades, às questões de género, ao desemprego, aos riscos ambientais e ao imperativo de que as organizações e grupos da sociedade civil devem permanecer equidistantes dos partidos. O investigador deixa diferentes questões em aberto que cabe aos outros responder, como é o caso das necessidades locais e como elas são perspetivadas pelas agências de financiamento e pelos grandes centros de cooperação internacional.

Temos aqui uma estimulante base de trabalho para conhecer na atualidade o grau de mobilização nas relações entre a sociedade civil e o Estado nos dois países, geograficamente próximos e com identidades tão distintas.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16503: Notas de leitura (881): “Memórias de um Esquecido”, por José Cerqueira Leiras, edição de autor, 2003 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16516: Parabéns a você (1138): Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16 (Guiné, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16507: Parabéns a você (1137): Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Artilharia Reformado (Guiné, 1963/65; 1968/70 e 1972/73); Maria Teresa Almeida, Amiga Grã-Tabanqueira da Liga dos Combatentes e Raul Albino, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2402 (Guiné, 1968/70)

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16515: Convívios (770): Encontro do pessoal da CCAÇ 2797 e Pel Canh S/R 2199 (Cufar, 1970/72), dia 8 de Outubro de 2016, no Porto (Luís de Sousa)

1. O nosso Camarada Luís de Sousa (ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2797, Cufar, 1970-72), enviou-nos uma mensagem datada de hoje, 22 de Setembro de 2016, anunciando o próximo encontro do pessoal da sua Companhia e do Pel Canh SR 2199:

Boa tarde caro Vinhal,
Como vem sendo hábito por esta altura, realiza-se o convívio anual da CCaç 2797 e do Pelotão de Canhões S/R 2199 que passaram por Cufar entre 1970/72.

Desta vez será no Porto no dia 8 de outubro, sábado (aliás é sempre ao sábado, o que me leva a pensar que será uma singela homenagem à Sábado, a bajuda com o mais formoso bum-bum de Cufar, à data).

A concentração será no Jardim de Arca de Água, por volta das 10 horas da manhã, e vai haver bianda para todos no antigo Quartel de Transmissões à hora habitual.

A organização é do Domingos Oliveira Cardoso com contacto: 960 206 897.

Obrigado e saudações.
Luís de Sousa
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16513: Convívios (769): XV Encontro dos ex-militares do HM 241 dos anos de 1966 a 1972, dia 8 de Outubro de 2016 em Espinho (Manuel Freitas)

Guiné 63/74 - P16514: Tabanca Grande (496): José Luís da Silva Gonçalves, ex-Soldado Radiotelegrafista da 2.ª CCAV/BCAV 8320/73 (Olossato, 1974), 729.º Grã-Tabanqueiro

1. Mensagem do nosso camarada e novo amigo tertuliano, José Luís da Silva Gonçalves (ex-Soldado Radiotelegrafista da 2.ª CCAV/BCAV 8320/73, Olossato, 1974), com data de 12 de Setembro de 2016:

Boa tarde.

Como disse na minha comunicação anterior, quando confirmei as afirmações do Nelson Cerveira[1], sobre os acontecimentos decorridos aquando a nossa partida da Guiné-Bissau em Outubro de 74, encontrei o Blogue por acidente, e quis logo inscrever-me nele. Não sei se fiquei inscrito mas pelo menos tenho recebido os vossos mails.

Prometi que mandaria imagens desse embarque no Niassa e vou tentar enviá-las em anexo assim como as minhas actual e na altura.

Pertenci à 2.ª Companhia do BCAV 8320/73 e era Operador Rádiotelegrafista.

Não sei o que é preciso mais para poder colaborar, mas de qualquer forma aqui deixo as minhas saudações, para todos os ex combatentes da Guiné-Bissau.

José Luís da Silva Gonçalves

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Nota do editor:

[1] - Meus caros, Acidentalmente, quando procurava os brasões, do BCAV8320/73, vim dar com este blogue, e aproveito para confirmar as declarações do Nelson Cerveira, na sua narrativa, sobre o 25 de Abril de 74 e o nosso embarque no Niassa, de regresso. Tenho algumas fotos desse embarque das lanchas para o navio, que se me ensinarem como se faz terei todo o gosto em enviar. Eu era operador rádio telegrafista na 2ª companhia que esteve estacionada no Olossato. Saudações para todos e disponham sempre.

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Centro de Transmissões do Olossato



A bordo das LDG que nos levaram até ao Niassa - Dia de muito nevoeiro

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2. Comentário do editor de serviço:

Caro José Luís
Estás apresentado à tertúlia.
Foste dos felizardos que foram para a Guiné já em tempo de paz. A vossa missão foi praticamente entregar parte do espólio do Império, destino há muito traçado a um Portugal, cujo regime já apodrecido, fazia prever. Diga-se o que se disser, o modo como se procedeu à descolonização não foi o melhor, mas manter ou acabar a guerra competiria ao poder político. Como este não não resolveu a situação, foram os militares que tiveram de tomar em ombros essa missão.
Cumpriu-se o destino, mas de modo atabalhoado, com todos os inconvenientes para ambos os lados.

Regressaste em Outubro já de um país independente, a Guiné-Bissau, com a missão cumprida e sem baixas como se queria.

Gostava que nos contasses pormenores desses tempo, lá no Oio, por onde também passei nos idos anos de 1970/71/72, e também já em Bissau enquanto faziam todos os preparativos para a retirada final. Como era o clima em relação às nossas tropas, tanto da parte dos civis como dos militares do PAIGC, e qual a perspectiva dos nossos camaradas guineenses para os tempos de paz que se avizinhavam?
Tens muito para nos contar.

Como não podia deixar de ser, ao terminar, deixo-te um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.

Ao teu dispor o camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16502: Tabanca Grande (495): Jorge Ferreira, ex-alf mil, 3ª CCAÇ (Bolama, Nova Lamego e Buruntuma, 1961/63), nosso grã-tabanqueiro nº 728...

Guiné 63/74 - P16513: Convívios (769): XV Encontro dos ex-militares do HM 241 dos anos de 1966 a 1972, dia 8 de Outubro de 2016 em Espinho (Manuel Freitas)

1. Em mensagem do dia 2 de Setembro de 2016, o nosso camarada Manuel Freitas (ex-1.º Cabo Escriturário do HM 241, Bissau, 1968/70), dá notícia do próximo Encontro Anual do Pessoal daquele Hospital.

Bom dia Luís Graça,
Pedia-te o favor, a exemplo dos anos anteriores, que publicasses no blogue este anuncio.
Obrigado pela atenção.

Um abraço
Manuel Freitas





DIA 08 OUTUBRO DE 2016
ESPINHO 

XV Convívio dos ex-militares do HM 241 dos anos de 1966 a 1972


Contacto: Manuel Freitas - tlm. 964 498 832 
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16479: Convívios (768): XXII Encontro do pessoal da 1.ª CART/BART 6521/72 (Pelundo e Jemberem, 1972/74), a levar a efeito no próximo dia 25 de Setembro de 2016 em Seia (António Faneco, ex-1.º Cabo)

Guiné 63/74 - P16512: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XIII Parte: Cap VII: Guerra I: 15 de maio de 1965, op Razia: a mata de Cufar Nalu agora é nossa!... Viva a merda da guerra!...


Lisboa > 1970 > O nosso camarada João Sacoto (ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619,Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), com o João Bacar Jaló, cap comando graduado,  comandante da 1ª CCmds Africanos. João Sacôto, que foi comandante da TAP; agora reformado, é membro da nossa Tabanca Grande desde 20/11/2011.

Foto: © João Sacôto  (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



[Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. Foto à abaixo à esquerda, março de 2016, Oitavos, Guincho, Cascais]




Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XIII Parte > Cap VII - Guerra 1: 15 de maio de 1965, op Razia: a mata de Cufar Nalu agora é nossa!... Viva a merda da guerra!... (pp. 43-46)

por Mário Vicente 

 Sinopse:


(i) Depois de Tavira (CISMI) e de Elvas (BC 8),

(ii) o "Vagabundo" faz o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra"):

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix)  início da atividdae, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia).



Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > VII - Guerra 1:  15 de maio de 1965, op Razia: a mata de Cufar Nalu agora é nossa!... Viva a merda da guerra!... (pp. 43-46)

15 de Maio [de 1965]. Há que efectuar a denominada "[op] Razia”. Reforçada com a milícia do João Bacar Jaló em cooperação com as CCAÇ 728 e CCAÇ 764, a CCAÇ 763 [, emblema à direita,] lança-se na operação que tem como objectivo a conquista e destruição do mítico acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu.

Não seria obra fácil! Forças especiais tinham passado por Cufar Nalu  [, a norte de Cufar, vd. carta de Bedanda] e nada tinham encontrado. Só que o aquartelamento de Cufar continuava a ser flagelado várias vezes ao dia. As teorias de Nino insufladas aos seus homens, tínhamos pleno conhecimento, eram teorizadas em ideias dos grandes pensadores revolucionários do marxismo, e que apenas uma ínfima parte ou quase a totalidade dos soldados Portugueses não tinha conhecimento, porque para ali foram mandados para cumprir um dever. Na mentalidade do guerrilheiro já existia toda uma endoutrinação revolucionária baseada no marxismo, contra o imperialismo e seus apoiantes.

Enquanto o soldado português cumpria um dever perante a Pátria, mas sujeito a diversas pressões de índole psíquica individual e externa, o guerrilheiro do PAIGC em qualquer lugar que a morte o surpreendesse, seria um grito que procuraria ser ouvido por outro revolucionário que empunharia a sua arma. Eram estas as condições, desconhecidas pela maioria. Sem politica, a CCAÇ 763 ia entrar na mata de Cufar Nalu.

Ocupando posições, a CCAÇ 764 do lado norte na estrada para Bedanda a nascente barrando o caminho de Boche Mende fica a CCAÇ 728, na orla a sul da mata a CCAÇ. 763, inicia a batida tendo como eixo o caminho que conduz à ex-tabanca de Cufar Nalu, com o 3º. Grupo de Combate em primeiro escalão, seguido do 2º. Grupo intercalando com o grupo de Comando e o João Bacar Jaló com o seu pessoal e o 1º. Grupo cobrindo a retaguarda, a CCAÇ [763] começa a progressão lenta e atentamente. 

Passados uns momentos pára tudo e ouvem-se vozes na mata vindo em direcção ao Grupo de Combate que seguia em primeiro escalão. Aos segundos de silêncio sucedem-se dois a três minutos de forte tiroteio. A CCAÇ 763 tinha sido desflorada para a guerra. No contacto com o IN é abatido um guerrilheiro e capturada uma pistola metralhadora de 9mm M25 com carregador e munições de origem checa. 

A partir deste momento o contacto é contínuo. O crepitar das armas dentro da mata é ensurdecedor, é difícil contactar com o pessoal mas devagar vamos progredindo. Vagabundo sofre aqui uma grande desilusão, a sua secção homens escolhidos a dedo para acompanharem o Ranger, alguns podem já ser despachados: o Tirante, herói do arame farpado, vendedor de jornais e briguento de profissão sendo o terror do aquartelamento, atira com a G3 fora e tenta esconder-se debaixo dos camaradas; o Velhinho refractário, não se consegue mexer e parece uma bola de sebo ao lume a escorrer gordura; o Matacanha apesar da escola do Forte da Graça em Elvas, só tinha habilidade para a faca; o Maçarico coitado derivado ao tamanho, apenas poderia ser aproveitado para mula de carga. Os restantes são dos bons e só há que ter em atenção o homem da bazuca, pois assim que começa a fogachada tem de se segurar até acalmar, não vá atirar com o cano pró lado e ser herói fugindo para a frente, ou ser cobarde fugindo para trás, tudo era possível nos primeiros tiros. 

Depois desta primeira experiência, ficará determinado que o Velhinho vai para a cozinha descascar batatas, bela troca! Veio o Orlando, Vagabundo ganhou aqui um ou o melhor soldado da sua secção; o Matacanha passou a ajudante do padeiro para amassar a farinha, e o Tirante coitado, ficará a aguardar o regresso à Metrópole para no Júlio de Matos dele tentarem fazer qualquer coisa, pois nunca mais deixou de estar embriagado, e, agora com o focinho sempre partido pois toda a gente lhe malha, de herói passou a bombo da festa.


Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1961) (Escala de1/50 mil) > Posição relativa de I Cufar, Cufar Nalu, Rio Cumbijã, Boche Mende e Bedanda

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


Deixemos as tristezas e voltemos à malta que aos poucos vai progredindo na mata em contacto contínuo. Tendo como referência o estreito carreiro, pois já nos apercebemos pelos envolvimentos e forma de nos flagelar que nos querem retirar dessa orientação que não há dúvidas nos levará ao local desejado. Progredindo em contacto permanente, a meio da tarde certificamo-nos, estarmos muito próximo do acampamento pelo que se pede o apoio da artilharia e da Força Aérea com as coordenadas precisas.

Agora sim, com os rebentamentos das granadas dos obuses e os roquetes dos T6 parece estarmos no dia do juízo final, ecoando por toda a mata mais parece tornado descarregando sobre a selva. Os elementos estão em guerra com a Natureza. Verificamos que o efeito prático da artilharia e dos T6 será mais psicológico do que físico, pois agora já se apercebe a situação do acampamento, protegido por altos poilões, árvores enormíssimas cujas copas dificultam a penetração das granadas e que rebentam por cima. O acesso ao acampamento é extremamente difícil! A vegetação de natureza espinhosa e densa, dificulta extremamente a progressão e o pequeno carreiro, tornou-se agora num enfiamento apenas arbustivo que deve ir dar a algo nada agradável.

A noite começa a aproximar-se e aqui ela cai rapidamente, o assalto ao acampamento no anoitecer pode ser um suicídio. Há ordens de tomar posições para pernoitar e se efectuar o assalto de madrugada. A CCAÇ dispõe-se em meia lua em frente do acampamento. Vagabundo distribui o seu pessoal para a pernoita e como o Maçarico ainda não está bem entrosado, manda-o preparar um abrigo para os dois por detrás de uma enorme mafumeira, árvore com três a quatro metros de diâmetro. Pobre do Maçarico! Olhando para o monstro da árvore chama a atenção para Vagabundo:
– Mas. meu furriel, esta árvore está bichosa!

Nem uma granada de obus rebentava aquela fortaleza. Coitado, por causa disto lá era gozado de quando em vez com “a árvore bichosa”.

Durante a noite ouvem-se sons de movimentação no acampamento e vozes sussurrantes. Será que estarão a preparar a defesa até às últimas consequências? Errado! Pela madrugada as bazucas em força, fazem um chuveiro de granadas. A CCAÇ  apoiada pela milícia do João Bacar lança um ataque cerrado ao acampamento que se encontrava deserto, pois durante a noite os guerrilheiros tinham abandonado as suas posições. Montada a segurança, não fosse numa variação sermos surpreendidos com algum ataque IN, procedeu-se à busca e destruição de instalações e abrigos alguns cobertos de chapas de zinco que possivelmente seriam da fábrica de descasque de arroz.

[Foto à esquerda: João Bacar Jaló, cap comando graduado, c. 1970]


Para além do guerrilheiro abatido no carreiro, presume-se que tenham havido mais baixas por parte do PAIGC, dadas as poças de sangue e material ensanguentado encontrado nos abrigos e espaldares. Verificamos que de facto para além de extraordinariamente bem camuflado não seria um acampamento mas sim uma fortaleza. Ficou sempre no ar, a forma como se teriam retirado os guerrilheiros, sem serem detectados pelas forças em acção. 

Um Grupo de Combate reforçado da 4ª CCAÇ, companhia de nativos de Bedanda, pernoitou no ex-acampamento, para evitar a sua reocupação. Mas não voltará a existir mais nada, por agora a mata de Cufar Nalu fica da CCAÇ 763 e o dia 15 de Maio será o dia oficial da Companhia.

Pelas mesas dos cafés de Bissau, os homens de Cufar foram cantados com grande espanto, pois havia pouco tempo os comandos de Brá tinham percorrido toda a mata e nada tinham encontrado. 

Está começada a guerra. Agora taco a taco, vamo-nos perseguir uns aos outros, ferindo ou matando conforme cada um puder. Viva a “Merda da Guerra”! Quem chegar em condições ao seu pedaço de terra, que tenha a coragem de contar tudo o que aqui se passa e sofre!... Vagabundo durante anos pensou muito nos outros de tal maneira que se esqueceu de si. Não sabe para onde vai nem o que faz, só sabe que nada sabe.

Abandonam o conquistado (abandonado) acampamento, seguindo o trilho por onde se teria inteligentemente escapulido a malta do PAIGC, num zig-zag de carreiro que mais parecia labirinto, onde por vezes as curvas em redondo voltam ao mesmo sítio, técnica de visualização à distância, sentindo-se a perfeita arte da guerrilha.

Chegamos à orla da mata, mesmo juntinho ao rio Manterunga [, afluente do Rio Cumbijã], precisamente onde o IN fazia a sua carreira de tiro para o nosso aquartelamento. Metemos pela bolanha e rumamos a casa. Cansados, suados, com a fome e sede já a apertar, agora que o sol já alto queimava e do cantil já não escorria gota de água, Vagabundo, seguindo o conselho do tenente Obstetra, o nosso amigo médico, meteu a mão ao bolso, sacou o frasquinho de whisky e levando-o à boca, bochechou, deitando fora o líquido que deixou a boca grossa, mas atenuou o sentir da sede. Há coisas que parecem loucas, mas dão resultado e o furriel mais uma vez confirmou sentindo a pressão do desejo da água mais aliviado. O pensamento, mais uma vez desprendeu-se e voou, deixando de sentir o esforço das pernas a tirarem os pés da lama num “ploff, ploff” de água e lama saltando pela lingueta das botas de lona.
Gostaria tanto que as coisas fossem diferentes!... Não se sentia bem ali e recordava a mulher que o faz sentir perdido.

N
ão pára de raciocinar se poderia ter feito mais alguma coisa!?...Eis-me aqui em confusão deguerra com a convicção que é muito fácil ser corajoso, quando não se tem nada a perder, mas não posso arrastá-la comigo nesta lama… Também não quero morrer e não a ver. Nada faz sentido ao estar longe e não estar com ela! Não quero acordar e não saber se a voltarei a ver!... Estou farto de saudades dela e tão pouco sei se ela me recorda. Totalmente dilacerado, quero que ela me una de novo! Psíquica situação esta adoração por essa mulher. É doce sentir nos lábios o acre sabor dos seus beijos que nunca tive…

Como pode um homem ter tanto medo da rejeição daquilo que mais deseja, ficando inerte, imolando-se mentalmente só com medo de ter pela frente a hipótese do não?!... Cobardia? Defesa de não ter força para a rejeição? Será?... A dúvida do que é, onde está! Mais grave: que símbolo sou eu no seu eu!?...

Contornando a mata de Cufar Novo, agora levantando poeira leve e fina dos arrastantes pés, pisando terra de capim queimado, a cabeça da coluna está próxima do arame farpado e da entrada Porta de Armas virada para a pista, antigo portão da quinta do sr. Camacho.

Os que ficaram estão concentrados à entrada. Cerqueira com o seu grupo em primeiro escalão conforme saíram são os primeiros a chegar, esperam e não entram. Carlos, Paolo e João serão os primeiros a fazê-lo. Nesse momento a malta do Almeida vira as G3 para o ar e saem rajadas de vitória gravando nos céus de que o dia 15 de Maio será para todo o sempre um símbolo para terras de Cufar e da CCAÇ 763.

Timidamente primeiro, depois em forte salva, olhos humedecidos, os que tinham ficado aplaudem os seus companheiros e trocam-se sem palavras apertados e solidários abraços. A mata de Cufar Nalu era nossa.

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16362: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XII Parte: Cap VII: Guerra I: O nosso primeiro prisioneiro, o Calaboço

Guiné 63/74 - P16511: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (35): A honra não tem preço

Um pátio da Tabanca dos Melros
Foto: © Jorge Portojo


1. Em mensagem do dia 18 de Setembro de 2016, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta história ouvida por si na Tabanca dos Melros, e aqui contada com o seu inconfundível estilo literário, para integrar mais uma das boas memórias da sua guerra:


Memórias boas da minha guerra

34 - A honra não tem preço

Ao segundo Sábado de cada mês, há um almoço convívio de ex-combatentes, na Quinta Choupal dos Melros. O primeiro convívio efectuou-se em Dezembro de 2009. A ideia deste evento ficou registada com a criação do nome da “Tabanca dos Melros”. Está situada num local lindíssimo, composto por vários pátios, telheiros e salões, aproveitados de uma grande casa de lavoura, enriquecido de alfaias, móveis antigos, quadros, bustos e outras obras de arte. É dono desta propriedade e do bom gosto do seu recheio, o “Melro” Gil, ex-Cmdt Piloto Aviador.

 
Convívio à sombra da ramada, como se diz no norte

Quem me levou lá foi o Jorge Portojo, que é a alma desse agradável convívio. É ali que tenho passado horas e horas de sã camaradagem com ex-combatentes, cuja vivência da guerra do ultramar é o grande elo comum.
Ali, se ouvem histórias, se brinca com elas e se discutem alguns pormenores mais ou menos assertivos. Porém, o bom ambiente reina e prevalece acima de qualquer discórdia. Confesso que nos dá muito prazer usufruir deste óptimo relacionamento e, ao mesmo tempo, poder contribuir para a sua continuidade.
Foi lá que, há dias, “apanhei” esta história, testemunhada (vivida?) por um dos presentes.

O que a seguir vou contar terá acontecido em finais de 1972, princípios de 1973, num destacamento próximo de Cacheu, no noroeste da Guiné.

Um pelotão com pouco tempo de Guiné foi incumbido de ocupar aquele destacamento. De um dia para o outro, o Alferes Bastos, conhecido também por Alferes Bolinhas, devido à estrutura física ligeiramente arredondada, tornou-se a pessoa mais importante daquela zona. Tinha “casa de comando”, os faxinas que entendesse e a vassalagem dos seus militares e dos indígenas.

Andava ainda a adaptar-se a essas mordomias naquele reino de calmaria, quando se vê visitado por Hamed Jalu, Chefe de Tabanca, acompanhado de Jeni, uma das suas filhas.
- Alfero, a mim bem cumpre nha honra di paga pa bô mil quinhento peso.

Espantado, o Alferes respondeu:
- A mim… não… não deve nada. Mil e quinhentos pesos?! Porquê?

O Chefe de Tabanca esclareceu então que esse dinheiro lhe havia sido emprestado, para um pequeno investimento na Tabanca. E como não tinha conseguido pagar a dívida ao anterior Comandante, vinha entregar a sua filha como pagamento da dívida.
O Alferes ainda ripostou:
- Não vou ficar com a sua filha. Leve-a e depois, quando puder, vem pagar.

O Chefe da Tabanca reagiu logo:
- Não, alfero. É probrema di honra. Bô cá pude nega. Honra cá tem preço. E foi embora. 

A Jeni não veio viver para o aquartelamento mas ficou por perto, ao dispor do Alferes.

Inicialmente, o Alferes não sentia muita vontade em servir-se da rapariga. Ainda sentia bem perto de si as carícias e os aromas das despedidas amorosas do Continente. Porém, à medida que o tempo passava, ia caindo na realidade e embrenhava-se cada vez mais nesse novo ambiente. Aliás, começou a desfrutar do bom e das mordomias existentes ao seu dispor. Daí, a estar na cama com a Jeni foi um pequeno passo.

Quando isso aconteceu, ele ficou deslumbrado. Parecia que nunca tinha sentido tanto prazer. É certo que ele já andava “esfomeado”, porém, quando se apercebeu de todas as curvas firmes daquele corpo seco e fresco, quando sentiu as suas carícias e a sua pele macia, ficou irremediavelmente preso à “bajuda”.

Passaram-se uns meses e o Alferes já não via outra coisa que não fosse cumprir religiosamente as suas visitas prolongadas à Jeni.

Os seus militares não se atreviam a fitar aquela miúda, a bajuda do Alferes Bastos. Ninguém sonhava que aquela conquista se devia a um compromisso de honra, que nada tinha a ver com as capacidades de conquistador, do aparente garanhão. O certo é que ele próprio, envaidecido, gostava que o admirassem como conquistador. Era só vê-lo “inchado” e aperaltado a caminho da Jeni. Apenas, o Furriel Matosinhos, um verdadeiro atleta, digno de pisar as arenas do Olimpo, não se conformava. Sorrateiramente, lá se ia aproximando da Jeni. Chegou ao ponto de a “apanhar”, de imprevisto, nua, a ensaboar as coxas e sua “mama firme”. Porém, perante as várias insistências, ela ameaçou-o de que iria falar dessa perseguição ao Alferes.

Mulheres guineenses

Tudo corria às mil maravilhas até que um dia chegou um rapaz que veio pagar a dívida-resgate da Jeni. Desembrulhou uns papéis e mostrou os 1.500 pesos:
- A mim bem paga bô e tomá Jeni pa bai sê muié de mim.

O Alferes não lhe ligou grande importância e, para o despachar, atirou:
- Ela, agora vale 2.000 pesos. Tu não tens dinheiro para pagar.

O rapaz saiu a barafustar baixinho. O Alferes ficou a pensar na próxima visita dele.

Após o jantar, como de costume, o Alferes pôs-se a caminho e foi para a tabanca, para estar com a Jeni. Porém, a Jeni já lá não estava. No dia seguinte aconteceu o mesmo.
Ao terceiro dia, o rapaz voltou. Sem mais delongas, desembrulhou os papéis e mostrou os 2.000 pesos. Entregou-os, sem dizer uma palavra.

No dia seguinte, o Alferes Bastos foi falar ao Chefe de Tabanca. Cumprimentaram-se, mas a Jeni não se aproximou, nem o rapaz que fora fazer o pagamento. Pensando numa saída airosa, o Bastos sacou do bolso 500 pesos e estendeu-os para o Chefe Hamed Jalu, ao mesmo tempo que dizia:
- Toma lá estes 500 pesos que consegui ganhar com a venda da Jeni.

O Chefe Hamed não se mexeu. Apenas se esticou mais, apoiado na sua bengala, levantou bem a cabeça e, olhos nos olhos com o Alferes, respondeu:
- Não, alfero, não. Honra ca tem preço!

Silva da Cart 1689

(NOTA: Em crioulo, “ca” significa “não”)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16488: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (34): A “santidade” do Santos

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16510: Recortes de imprensa (82): A notícia da morte de Amílcar Cabral e as cinco razões apresentadas para uma eventual explicação do crime, dadas pelo "Diário de Lisboa", de 22/1/1973, jornal vespertino conotado com a oposição democrática ao Estado Novo. que se pubicou entre 1921 e 1990




1. Edição do "Diário de Lisboa (diretor: António Ruella Ramos),  22 de janeiro de 1973, com a notícia do assassinato de Amílcar Cabral, que saiu na capa, com desenvolvimento,  não na última página, mas na página 24... Muito possivelmente devido à censura /(ou "exame prévio" a que estava sujeita a impresnsa escrita da época), não é feita qualquer alusão ao alegado envolvimento da PIDE/DGS...

A peça baseia-em em duas agências noticiosas estrangeiras: Reuters (R) e France Press (FP)... Na notícia avançam-se com cinco hípóteses de explicação para o assassinato da Amílcar Cabral (sublinhados nossos, a vermelho), entre elas,  o conhecido "ateismo" de Amílcar Cabral (5) e o alegado "ódio aos fulas" (4), para além da conflitualidade latente enter caboverdianos e guineenses (1), os "ciúmes" do Sekou Touré (3) e a "desconfiança" dos russos (2)...

 Recorde-se que entre os implicados terá estado o nosso conhecido e mal amado Mamadu Indjai (ou N'Djai), mandinga (ou, mais provavelmente, biafada, segundo o nosso conselheiro para as questões étnico-linguísticas e culturais, o dr. Cherno Baldé) e, ao que parece, bom muçulmano (*).

A "colagem dos excertos" é da  responsabilidade dos editores do blogue, e foi feita a partir de um exemplar, digitalizado, disponível no portal Casa Comum / Fundação Mário Soares. (**)

Cortesia de Casa Comum / Fundação Mário Soares: 

Citação:(1973), "Diário de Lisboa", nº 17989, Ano 52, Segunda, 22 de Janeiro de 1973, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5387 (2016-9-20)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16506: (De)Caras (45): Médicos cubanos 'versus' comandante Mamadu Indjai (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/74)

Guiné 63/74 - P16509: Os nossos passatempos de verão (15): jardim e miradouro do Torel, na colina de Santana, em Lisboa, simplesmente uma das mais belas e amigáveis cidades do mundo



Lisboa > 9 Setembro de 2016 > Colina de Santana > Jardim e miradouro de Torel > Vista sobre a baixa e o estuário do Rio Tejo (1): à direita,  o elevador de Santa Justa; e à esquerda, o Arco da Rua Augusta...


Lisboa > 9 Setembro de 2016 > Colina de Santana > Jardim e miradouro de Torel > Vista sobre a baixa e o estuário do Rio Tejo (2)

Lisboa > 13 Setembro de 2015 > Colina de Santana > Jardim e miradouro de Torel >  Palacetes de gosto revivalista, do séc,. XIX

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Lisboa > 13 Setembro de 2015 > Colina de Santana > Jardim e miradouro de Torel > Vista sobre a sétima colina e o miradouro de São Pedro de Alcântara


Lisboa > 13 Setembro de 2015 > Colina de Santana > Jardim e miradouro de Torel > Vista sobre o antigo convento e a igreja do Carmo.




Lisboa > 9 Setembro de 2016 > Um dos mais belos jardins e miradouros da capital, na encosta de uma das sete colinas > Mural "Do great things" / "Façam coisas grandes"... Homenagem a um grande poeta (*)... [Junto ao mural, a nossa grã-tabanqueira Alice Carneiro].

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O jardim e miradouro é o de Torel, na encosta da colina de Santana... O mural "Do great things" ["Façam coisas grandes"], com 6 m x  4 m (c. 24 metros quadrados)  tem a assinatura  de Odeith, Sérgio Odeith ... O  grande poeta, homenageado, é o Fernando Pessoa...

O jardim do Torel está situado junto ao campo dos Mártires da Pátria  (ou campo de Santana), na encosta virada para a a Baixa lisboeta e a avenida da Liberdade. O sítio, denomiando Torel,  é um espaço ocupado por um conjunto de palacetes de arquitetura  revivalista (século XIX). Tem duas entradas: a principal pela rua de Júlio de Andrade, perto do Elevador do Lavra;  e uma outra, mais abaixo, na Rua do Telhal. A provável origem do nome terá a ver com a família,  presumivelmente de ascendência holandesa, que habitou o local.

O  Jardim do Torel passou a estar aberto ao público nos anos de 1960. Até então era propriedade privada. Depois de ter sido alvo de uma intervenção de requalificação e restauro, é um hoje um dos belos sítios da cidade. Imagine-se que até tem uma praia urbnana, iniciativa da junta de freguesia de Santo António que, em 2014, ano da inuaguração., recebeu 80 mil visitantes...

Infelizmente continua a ser desconhecido de  muita gente... O Festival Todos - Caminhada de Culturas, edições de 2015 e 2016, deu o devido  protagonismo a este espaço nobre da cidade.

Camarada, lisboeta ou de visita a Lisboa: um dia destes, vem até aqui... Para não te cansares, apanha o Elevador do Lavra, que é o elevador mais antigo da cidade.

Sérgio Odeith, nativo da Damaia, Amadora, Portugal. considerado um dos melhores "graffiters" (, por favor, não confundam com grafiteiro!) do mundo, é o autor deste gigantesco mural,  com o nosso Fernando Pessoa pintado no jardim do Torel...

Foi com esta peça que Portugal participou, em 2015,  na campanha global de lançamento do Windows 10, da Microsoft. Na altura o artista português, distinguido pela Microsoft,  disse; “Já pintei a Amália, o Carlos Paredes e o Eusébio. Faltava-me o Fernando Pessoa. Não há muitos mais portugueses que tenham feito grandes coisas e agora, com esta campanha ‘Do Great Things’, surgiu a oportunidade”.

Amigos e camaradas: chegado ao fim o verão de 2016, pomos  um ponto final no nosso passatempo, a que ninguém ligou grande atenção (e muito menos acertou na resposta....). Se o poste não suscitou o interesse de muitos, espero ao menos que alguns possam descobrir, um dia destes, durante o outono que aí, mais esta jóia da cidade que amamos no singular e que, às vezes, maltratamos, no plural... Lisboa, simplesmente, uma das cidades mais belas e amigáveis do planeta... LG

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Guiné 63/74 - P16508: Os nossos seres, saberes e lazeres (174): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (1) (Mário Beja Santos

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
Era um sonho antigo, fazer uma diagonal ou uma tangencial pelo que foi a Jugoslávia, uma simples amostra, para ver se gostava e aspirava a mais. Foi sucesso absoluto. Haja saúde e uns euros de reserva e volto a esta natureza. Momentos houve em que andei de boca aberta e olho arregalado, caso de Split, o imperador Diocleciano (que era dálmata) mandou construir aqui um grandioso palácio (de 295 a 305 depois de Cristo), é um palácio-fortaleza onde o seu mausoléu é hoje uma impressionante catedral. Pois vive-se dentro de Split à sombra da grandiosidade deste palácio imperial.
Eu depois conto.

Um abraço do
Mário


Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (1)

Beja Santos


A primeira imagem é a da gare ferroviária de Belgrado, há aqui vestígios de cultura vai para 7 mil anos, aqui confluem os rios Sava e o Danúbio, e daqui parto amanhã até ao fundo do Montenegro a horas que me permitirão ver muitas e muitas florestas da Sérvia. Está prevista uma viagem emocionante de aproximadamente 500 quilómetros, 254 túneis e 435 pontes, deve ter custado uma fortuna. Sempre ouvi comentários vagos e reticentes sobre as belezas de Belgrado. Ver-se-á adiante que a capital da República da Sérvia, a antiga capital da Jugoslávia tem muitíssimo a oferecer a quem vem explorar tesouros.




Fiz muitas contas antes de me afoitar a esta digressão pela Sérvia (de raspão), pelo Montenegro, Croácia, Trieste e Veneza. Graças ao Booking.com hoje encontra-se hospedagem por escassos euros. Saído do meu albergue, um belíssimo espécime Arte Deco com os degraus escalavrados mas com muita gente a fazer pinturas, atirei-me à procura da pompa sérvia, as ligações com a arte italiana, a do império austro-húngaro, por exemplo, são por de mais evidentes. Entrei no Hotel Moscovo, de 1906, não esquecer que os sérvios são fundamentalmente ortodoxos e bons aliados da Rússia, e foi este o ambiente que eu encontrei, acho que vale a pena por aqui dormir e comer, quando se tem abonos apreciáveis.



Belgrado surpreende pelos recantos de grande beleza, por muita habitação degradada ou envelhecida, espaços vazios. Esta é a parte histórica da cidade, do outro lado do Sava e do Danúbio há uma nova Belgrado, rutilante, deve ser a coqueluche da modernidade. Com estes milénios todos em cima, Belgrado conheceu saques e destruições violentas. Quando os exércitos de Adolfo Hitler tiveram que vir repentinamente ajudar os exércitos italianos na Grécia, Belgrado sofreu intenso bombardeamento, teve perdas irreparáveis, como a sua biblioteca nacional, desapareceram em cinzas documentos únicos. De um lado vislumbro o parlamento, que já foi federal, em 2006 Montenegro abandonou a Sérvia e até tem como moeda o euro. Aos poucos, a federação diluiu-se e houve ruturas sanguinolentas, não esquecer os apertões à economia da Eslovénia, o ferro e fogo com a Croácia e o fogo e ferro com a Bósnia Herzegóvina. No lado oposto ao Parlamento está o Palácio Presidencial e mesmo ao lado a homenagem ao Prémio Nobel Ivo Andric (1892-1975), galardoado em 1961, tempos depois as Publicações Europa-América editavam A Ponte sobre o Drina, foi no caixote de livros para a Guiné, ficou reduzido a cinzas em Março de 1969. Obrigado pela companhia que me deste!


Saltar para o futuro não é incompatível em manter o remanescente desses equipamentos que foram ou são motivo de orgulho. Não esqueço as cabines telefónicas britânicas, de uma beleza insuperável, percebo que as comunicações móveis trouxeram mudanças radicais. Mas gostei muito de ver esta caixa de correio, encontrei outras semelhantes, tem igualmente uma beleza insuperável, oxalá que os sérvios vão continuando a mandar cartas uns aos outros. E veja se este edifício dos correios, um quase palácio-fortaleza, a denotar que havia respeitabilidade nacional pelas suas comunicações.



A manhã vai alta, tem que dosear a energia, pela frente perfilam-se mais 13 dias em que é preciso dar à perna e estar muito atento aos usos e costumes destes eslavos do Sul (por isso é que se chamava Jugoslávia). Entusiasma-me esta arquitetura, o reino da Sérvia e depois a Jugoslávia foram contaminados por muita arte italiana, austríaca, alemã e mesmo francesa, fazia parte do ar do tempo. Olho para esta fachada e não teria dificuldade em acreditar ser património alemão, austríaco ou francês. Não acham? Vou à procura de uma boa sopa adobada, talvez de um prato de gulache e vou atirar-me, salvo seja, à arquitetura religiosa sérvia em Belgrado.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16487: Os nossos seres, saberes e lazeres (173): From London to Surrey (3) (Mário Beja Santos