sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16598: Notas de leitura (890): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
O ciclo imperial ganha novos revérberos nas vésperas da Conferência de Berlim, está em marcha um plano anglo-germânico para subtrair às colónias de Angola e Moçambique boas fatias a Sul, para satisfazer os ideais de Berlim. O ciclo nacionalista-imperialista ganha impulso, comemora-se Camões, o nascimento do Infante D. Henrique, a chegada de Mouzinho e de Paiva Couceiro ou o Centenário da Índia, a questão colonial atravessa o país todo, é uma questão de regime, os próprios republicanos são contundentes a partir do Ultimato.
Iniciara-se um ciclo que só findará com a descolonização, a partir de 1974.

Um abraço do
Mário


As comemorações imperiais portuguesas, nos séculos XIX e XX (1)

Beja Santos

Em “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga, Temas e Debates, 1998, volume II, o historiador Fernando Catroga debruça-se detalhadamente sobre as comemorações como liturgias cívicas. Vamos ver como a natureza das comemorações, regra-geral, têm como alibi a “questão colonial”. A primeira grande manifestação do ciclo nacionalista-imperialista foi o jubileu de Camões, em 1880, para os seus festejos envolveram-se personalidades como Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Luciano Cordeiro, Pinheiro Chagas e Magalhães Lima, ou seja uma composição plural, com democratas e monárquicos, o evento envolveu prémios literários, a transladação dos restos mortais de Camões e Vasco da Gama para os Jerónimos, Lisboa engalanou-se. Era latente questão colonial, Portugal estava diminuído perante as novas potências, era necessário que este centenário constituísse uma prova de vitalidade perante o estrangeiro. Como escreve o historiador a propósito deste evento “Camões é interpretado como figura cimeira do Renascimento e, através dele, os Descobrimentos são elevados a acontecimento – inaugurador da modernidade”. Não foi por acaso que Teófilo Braga associou o problema colonial. Na época, a questão de Lourenço Marques entre Portugal e Inglaterra ganhava tons virulentos. Em 1894, ocorre a passagem do centenário do nascimento do Infante D. Henrique. Com a independência do Brasil, retoma-se a “coisa africana” com redobrado interesse. Descobrira-se a “Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné”, de Azurara, em 1841, o Infante ganhara uma visão mítico-romântica. A crise do Ultimato ocorreu em 1890 e abalou a monarquia. Recordar o Infante, encarado como a figura máxima da epopeia dos Descobrimentos, era um excelente motivo para esconjurar traumas. A monarquia empenhou-se, a começar pela família real. Depois de tudo o que se passou na Conferência de Berlim, depois do lançamento de ofensivas científicas, de expedições ao interior africano, com o nascimento do prestígio da Sociedade de Geografia de Lisboa, esta liturgia henriquina veio mesmo a calhar, celebrou-se no Porto, local de nascimento do Infante. Como escreve o autor:
“O cortejo cívico realizou-se no dia 3 de Março e constituiu uma espécie de parada histórica, em que os participantes, representando as forças vivas da Nação, desfilaram sob os auspícios do rei, tendo em vista suscitar um clima de consenso nacional”.
Mas os republicanos demarcaram-se das comemorações oficiais, as academias de Coimbra e Porto e muitos estudantes promoveram uma contracomemoração, cantou-se A Portuguesa.

De 1897 a 1898, a propósito do centenário da viagem de Vasco da Gama, em associação com as vibrações nacionalistas provocadas pelas campanhas de Paiva Couceiro e de Mouzinho de Albuquerque, as comemorações ganharam outra vibração. Nasceu o acordo secreto entre a Inglaterra e a Alemanha (1898) que poderia pôr em causa a soberania portuguesa sobre o Sul de Moçambique e de Angola. Felizmente que o conflito anglo-bóer jogou a favor da diplomacia portuguesa:
com o Tratado de Windsor (1899) anularam-se os efeitos do negócio anglo-germânico, pois a Inglaterra procurou salvaguardar a neutralidade de Portugal no conflito do Transval, de modo a impedir a entrada de material de guerra por Lourenço Marques.

É altura de introduzirmos nesta descrição um texto de Amador Patrício publicado no seu livro “Grandes reportagens de outros tempos”, Empresa Nacional de Publicidade, 1938 e intitulado “Chegada dos heróis de África-Lisboa”:
“Lisboa vestiu as suas melhores galas para receber os heróicos expedicionários que em terras africanas escreveram páginas das mais fulgurantes da História de Portugal. Os bravos combatentes de Marracuene, de Magul e de Coolela podem bem pôr-se a par dos cavaleiros de Aljubarrota ou dos defensores de Diu. Honra ao Comissário António Enes, ao Comandante Galhardo, à memória de Caldas Xavier, aos nomes de Sousa Machado, de Freire de Andrade, de Paiva Couceiro e, muito especialmente, de Mouzinho, que no lanço temerário de Chaimite pôs um remate triunfal às campanhas de África que asseguraram e consolidaram o nosso império de além-mar!”.

É uma exaltante reportagem, as multidões à espera da chegada do navio Zaire, Lisboa engalanada, D. Carlos vestido de Generalíssimo, a pompa e circunstância do desembarque, a família real não poupou esforços para receber os heróis do império:
“A Rainha Senhora D. Amélia convidou o Comissário Régio Sr. António Enes a subir para a sua carruagem. Às três e meia, uma salva de 21 tiros anunciava que El-Rei, seguido do seu luzido Estado-Maior, ia começar a revista às tropas. Foi muito saudado o Tenente-Coronel Machado, Comandante de Caçadores 3, que levava o braço esquerdo ao peito, ferido em combate.
Deram-se então algumas cenas comoventes. Uma praça de Engenharia saiu da forma para pegar num filhinho ao colo; e uma velhinha pobre, que assistia ao desfile, não se conteve que não gritasse cheia de entusiasmo: viva o meu neto!
A revista durou apenas 20 minutos, após a qual El-Rei se dirigiu para o Quartel de Caçadores 2 a esperar os expedicionários. Pelo caminho foi muito aclamado.
Começou depois o desfile. À frente, a cavalo, o Coronel Galhardo, acompanhado do seu Ajudante e do Capitão do Estado-Maior, Costa, ferido em Coolela; seguiam-se o Corpo de Marinheiros, com a sua charanga, as Forças de Engenharia, de Artilharia e de Lanceiros 1, Caçadores 1, comandados pelo Tenente-Coronel Ribeiro, Caçadores 3, como seu Comandante Sousa Machado, e Infantaria 2, sob o comando de Gomes Pereira”.

Na Avenida da Liberdade o povo aclamava delirante. Seguiu-se o Te Deum nos Jerónimos, a família real comparece em peso, o Ministério, o Cardeal Patriarca, a aristocracia, incluindo a religiosa. Segue-se uma récita de gala em S. Carlos. E temos a seguinte passagem:
“O maior entusiasmo foi no intervalo do segundo para o terceiro ato. Durante três quartos de hora soaram ininterruptos os vivas e as aclamações a António Enes e Galhardo, a Mouzinho de Albuquerque, Machado, Freire de Andrade, etc. O Capitão Paiva Couceiro, que estava na plateia e que no combate de Magul cometeu prodígios de bravura, foi levado em triunfo aos ombros dos espectadores e alvo de enorme ovação (…) Hoje realiza-se a visita de Suas Majestades ao Hospital da Estrela, onde se encontram os feridos da Campanha de África, e a distribuição da Medalha Rainha D. Amélia”.

Comemorações do Centenário de Camões (1880)

Desenho de Martins Barata alusivo à chegada dos heróis de África, 1896

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16592: Notas de leitura (889): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte X: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger´[I]: viajando até Conacri com nomes falsos... (Jorge Araújo)

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16597: Inquérito 'on line' (73): Até ao dia 20 deste mês, responder à questão "No mato, no(s) sítio(s) onde eu estive, havia familiares nossos... esposas com ou sem filhos"



A nossa amiga Adelaide Barata Carrêlo,
aos sete anos:
 viveu com a família  e andou na escola
em Nova Lamego (1970/71)
I. INQUÉRITO 'ON LINE': 


"NO MATO
NO(S) SÍTIO(S) ONDE EU ESTIVE,  NA GUINÉ,
HAVIA FAMILIARES NOSSOS"...




Hipóteses de resposta:

1. Sim, esposas (não guineenses)

2. Sim, esposas e filhos (não guineenses)

3. Sim, familiares guineenses (sem ser das milícias)

4. Não, não havia

5. Não aplicável: não estive no mato

6. Não sei / não me lembro



O inquérito em curso admite até 2 respostas (por ex., 1 e 3). O prazo de resposta temina no dia 20/10/2016, às 8h52,



Guiné > Região do Oio > Biambe >  CCAÇ 13 > Set 73 / jan 74 > O Henrique Cerqueira [ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, e da CCAÇ 13, Biambe e Bissorã, 1972/74] foi outro dos nossos camaradas que teve consigo, durante cerca de 9 meses (de outubro de 1973 a junho de 1974),  a esposa,  Maria Dulcinea (Ni)" [, nossa grã-tabanqueira],  e o pequeno Miguel Nuno, hoje um um homem de quarenta e tal anos, e já pai...

Aqui os vemos, mãe e filho, num "burrinho", o Unimog 411, numa "visita que fizemos à minha antiga companhia no Biambe"...

Foto (e legenda): © Henrique Cerqueira (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


II. Há dias o nosso editor escrevia aqui que, "tirando Bissau, era invulgar ver-se famílias de militares no mato, com crianças" (*), como era o caso da família Barata (que esteve em Nova Lamego, em 1970/71: o ten SGE José Maria Barata,  da CCS/BCAÇ 2893, mais a esposa e 3 filhos menores, incluindo a nossa amiga, grã-tabanqueira, Adelaide Barata Carrêlo).

Aparecererm alguns comentários (César Dias, Jorge Rosales, Henrique Cerqueira, Cherno Baldé, Tino Neves, Francisco Baptista, Jorge Picado, Manuel Carvalho, Adelaide Barata...), ajudar a esclarecer este assunto, e a justificar a realização de mais um inquérito 'on line'.

Por exemplo, o Henrique Cerqueira escreveu o seguinte;:

"Em Bissorã estiveram quatro esposas em que três das quais tinham filhos pequenos. Por ordem hierárquica havia: (i) uma esposa com uma filha pequena dum capitão da CCS,  Pontes Fernandes,  algarvio; (ii) a minha, com o meu filho Miguel; e ainda (iii) a esposa de um cabo da CCS com uma criança bébé. Em Inquida,  um destacamento da zona do Biambe,  esteve durante algum tempo a esposa de um alferes,  sem filhos. Comigo habitava ainda a esposa do alferes Santos, recém casada mas sem filhos,  que estiveram até final da comissão em 1974. Portanto em 1972/73 não era assim tão invulgar a presença de familiares com crianças fora de Bissau. "

O nosso amigo Cherno Baldé também deu uma ajuda para refrescar a nossa memória:

"O cap graduado Sampedro que substituiu o cap Patrocínio em Fajonquito (CCAC 3549, 1972/74), vivia com a esposa e um filho pequeno em Fajonquito. Lembro-me de ver o puto deambular dentro do quartel na companhia dos soldados. O ex-cap Sampedro continua a participar em todos os encontros anuais da companhia."

Muitos outros sítios no mato não eram, no entanto, "amigos das famílias", O nosso Francisco Baptista recorda dois que conheceu: 

"Em Buba nos 17 meses que lá estive nunca houve famílias de militares, penso por haver ataques de armas pesadas bastantes frequentes ao aquartelamento. Soube pelo Moutinho, "chefe" da Tabanca de Matosinho, s que ele quando esteve a comandar, como capitão graduado, Empada, não longe de Buba, teve lá a esposa alguns meses com ele, já posteriormente à minha saída dessa zona. Em Mansabá, onde estive poucos meses, encontrei lá a esposa do alferes médico, que não terá lá estado sequer dois meses, pois um dia após uma flagelação ao quartel, a senhora foi de avioneta para Bissau e regressou à terra dela."

O Manuel Carvalho, o nosso Carvalho de Mampatá, corrige uma imprecisão do amigo Francisco Baptista:

(...) Quanto à esposa do Eduardo Moutinho em Empada,  julgo que ela só passou lá o Natal de 69 e,  quando muito,  mais um dia ou dois, mas ainda hoje fala dessa experiência como uma coisa de que gostou muito. Esteve,  sim,  algum tempo em Quinhamel onde estiveram também as esposas de dois camaradas nossos, daí talvez a tua confusão." (...)

 Esperamos mais uma vez a ativa colaboração dos nossos leitores que podem opinar sobre esta matéria, tendo em conta a sua experiência e sua memória: de facto, no "mato" (ou seja, para lá de Bissau...), alguns de nós, em diferentes épocas, tiveram a sorte de poder levar consigo, para o CTIG, as suas famílias: na maior parte dos casos, só as esposas, mas também, nalgumas localidades, sedes de circunscrição e de batalhão, também filhos menores.

Em alguns dos nossos aquartelamentos e destacamentos também viviam familiares de camaradas nossos, guineenses, no caso das subunidades com militares do recrutamento local, não contando com as milícias (hipótese de resposta nº 3).

Quem não esteve no "mato" (ou seja, quem esteve só em Bissau...), também pode responder, assinalando a hipótese de resposta nº 5 ("Nâo aplicável, não estive no mato"). Sabemos que em Bissau havia bastantes militares com família, desde oficiais do quadro a médicos do HM 241: por ex., a família do nosso amigo Luís Gonçalves Vaz, filho do falecido cor cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74); tinha 13 anos e vivia em Bissau quando se deu o 25 de abril de 1974.

Testemunhos, histórias e fotos sobre este tema serão bem vindos!... A resposta ao inquérito é feita, como sempre, "on line", no canto superior da coluna da esquerda do nosso blogue. (**)


Guiné > Zona Leste > Bafatá > "Foto tirada no dia 30 de Março de 1971 em Bafatá, onde o grupo foi jantar, para celebrar os meus 24 anos. Na foto, e da esquerda para a direita temos: o caboverdiano Leão Lopes (fur mil, BENG 447), e ex-esposa Lucília; fur mil op esp Benjamim Durães;   Fernando Cunha (Soldado condutor);  Rogério Ribeiro (1º cabo aux enfermeiro);  Braga Gonçalves (alf mil cav) e ex-esposa Cecília; Isabel e o marido José Coelho (furriel mil enfermeiro);  e o 1º cabo condutor auto José Brás", todos da CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Foto (e legenda): © Benjamim Durães (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Arquipélago dos Bijagós > lha de Bubaque > "A esposa do coronel Henrique Gonçalves Vaz, os três filhos mais novos e o capitão Pombo, na pista de Bubaque na Páscoa de 1974... Fotografia de Henrique G. Vaz. [O Luís é o da esquerda].

Foto (e legenda): © Luís Gonçalves Vaz (2014). Todos os direitos reservados.  [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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(**) Último poste da série > 6 de outubro de 2016 > São todos iguais mas uns mais iguais do que outros?... Resultado final (n=94 respostas): os ricos, os poderosos e... os famosos andaram comigo na escola (38%), na tropa (26%) e na guerra (17%)

Guiné 63/74 - P16596: Parabéns a você (1148): Mário Ferreira de Oliveira, 1.º Cabo Condutor de Máquinas Reformado da Marinha Portuguesa (Guiné, 1961/63)

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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16591: Parabéns a você (1147): Cátia Félix, Amiga Grã-Tabanqueira

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16595: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XXXV - Valeu a pena, por Nuno Conceição (ex-fur mil mec auto)









Guiné > Região do Oio > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) >  Algumas das fotos que vêm em anexio ao livro "Histórias da CCAÇ 2533".

1. Continuação da publicação das "histórias da CCAÇ 2533", a partir do documento editado pelo ex-1º cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, com fotografias). (*)

Trata-se de uma brochura, com cerca de 6 dezenas de curtas histórias, de uma a duas páginas, e profusamente ilustrada (cerca de meia centena de fotos). Chegou às mãos dos nossos editores, em suporte digital, através do Luís Nascimento, que vive em Viseu, e que também nos facultou um exemplar em papel, para consulta.

Temos a devida autorização do editor (com quem falámos ao telefone) e autores para dar a conhecer, a um público mais vasto de amigos e camaradas da Guiné, as peripécias por que passou o pessoal da CCAÇ 2533, companhia independente que esteve sediada em Canjambari e Farim, região do Oio, ao serviço do BCAÇ 2879, o batalhão dos Cobras (Farim, 1969/71).

O primeiro poste desta série é de 16/4/2014. As primeras 25 páginas são do comandante da companhia, o cap inf Sidónio Ribeiro da Silva, hoje cor ref. Tanto esta companhia como a minha CCAÇ 2590 (mais tarde CCAÇ 12) viajaram, juntas no mesmo T/T, o Niassa, em 24 de maio de 1969, e regressaram juntas, a 17 de março de 1971, no T/T Uíge!... Temos, pois, aí uma fantástica coincidência!..

Hoje reproduz-se último texto, da autoria do ex-fur mec auto Nuno Conceição o  (pp. 109-111), fechando comn chave de ouro esta aventura coletiva que foi a edição deste livro e que é também uma homenagem ao Joaquim Lessa em cuja tipografia foi impresso o livro das "Histórias da CCÇ 2533", e que tem sido tamb+em, ao longo dos anos, a "alma dos convívios do pessoal.

 











In Histórias da CCAÇ 2533. Edição de Joaquim Lessa, tipografia Lessa, Maia, s/d, pp. 109-111.
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Guiné 63/74 - P16594: Convívios (771): No passado dia 5 de Outubro de 2016, realizou-se o XXI Encontro dos Combatentes da Guiné da Vila de Guifões, com a deposição de uma coroa de flores no Monumento aos Combatentes daquela Vila e um almoço que decorreu numa Quinta de Barcelos

XXI CONVÍVIO DOS COMBATENTES DA GUINÉ DA VILA DE GUIFÕES


Em mensagem do dia 11 de Outubro de 2016, o nosso camarada Albano Costa (ex-1.º Cabo da CCAÇ 4150, Bigene e Guidaje, 1973/74), enviou-nos a reportagem do XXI Convívio dos Combatentes da Guiné da Vila de Guifões, levado a efeito no passado dia 5 de Outubro na Quinta da Granja - Barcelos.


1. No passado dia 5 de Outubro realizou-se o XXI Convívio dos combatentes da Guiné da Vila de Guifões. 

Antes da partida para Barcelos, realizou-se uma cerimónia de homenagem aos combatentes de Guifões com a deposição de uma coroa de flores no Monumento existente no Jardim anexo à Igreja Matriz de Guifões.








2. Terminada a cerimónia, foi feita a viagem em dois autocarros para Barcelos, passando pelo Monte da Franqueira, local muito bonito com boas vistas para a cidade. 

De seguida fomos para a Quinta da Granja, onde foi servido o almoço às 116 pessoas que compunham o grupo. 

Da parte da tarde seguiu-se a entrega de lembranças aos combatentes presentes assim como de uma rosa a cada senhora. 

Tudo isto com a participação do sr. Presidente da Junta de Freguesia Vila de Guifões, a quem agradecemos a sua disponibilidade.









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Nota do editor

Último poste da série de 22 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16515: Convívios (770): Encontro do pessoal da CCAÇ 2797 e Pel Canh S/R 2199 (Cufar, 1970/72), dia 8 de Outubro de 2016, no Porto (Luís de Sousa)

Guiné 63/74 - P16593: Os nossos seres, saberes e lazeres (179): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
Já antes da série Guerra dos Tronos que Dubrovnik era a grande atração turística da Croácia. É preciso contemplar o maciço daquelas torres, a imponência dos panos de muralha, sentir que se trata de um sistema de fortificação sem paralelo, no Mar Adriático ou fora dele, e, a par disso, percorrer o interior da cidade muralhada e desfrutar de património histórico de impressionante claridade, marcado fortemente pelas influências veneziana e austro-húngara. As ruelas são igualmente encantadoras, bem como os panoramas que se desfrutam no alto da montanha e a ilha de Lokrum e toda a linha da paisagem.
A despeito do tempo instável, o viajante por ali andou cheio de curiosidade, mal sabendo que está nas vésperas do prato de substância, a surpresa das surpresas desta passagem pelos países dos eslavos do Sul, Split. Ah, e outra grande surpresa que veio a seguir, o Parque Nacional de Plitvice.
A seu tempo, tudo se contará.

Um abraço do
Mário


Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (4)

Beja Santos

Um esclarecimento prévio do viandante: para não se meter o Rossio na Betesga, melhor dito não se criar ilusão de que saltitava pela antiga Jugoslávia, teceu-se um trajeto com início em Belgrado, uma longa viagem de comboio que depois de se passar por Podgorica fez chegar a Bar e depois Sutomore, chovia que Deus dava, e a chover a cântaros entrou-se num autocarro que nos passeou pela orla do Mar Adriático, passando por Petrovac, Budva até Kotor, inegáveis belezas naturais e históricas da República do Montenegro. A nova etapa aponta para Dubrovnik, agora na moda depois das filmagens da série Guerra dos Tronos. Compreende-se o afluxo turístico, a curiosidade de gente de vários continentes que aqui arriba. As fortificações são esmagadoras, não têm paralelo no Adriático, 2000 metros de muralhas, torres angulosas, 14 torres quadrangulares, baluartes imponentes, não há melhor exemplo para um sistema de fortificação que foi aperfeiçoado do século XVI e a surpreendente harmonia que este cataclismo de pedra provoca, ninguém fica indiferente às impressionantes muralhas e ao todo arquitetónico da velha Ragusa.



Estamos na praça principal de Dubrovnik, a influência italiana. Mas a história da cidade fortificada vem de longe. Pertenceu a bizâncio até meados do século XIV, e depois a Veneza, mais tarde ficou submetida à autoridade dos reis croato-húngaros. O seu apogeu situa-se entre os séculos XV e XVI, o Mediterrâneo ainda é o centro do mundo, melhor dito centro do comércio mundial. Depois veio o apagamento, um tremor de terra destruiu a cidade, foi restaurada. Em 1806, chegaram os exércitos napoleónicos e dois anos depois Dubrovnik passou a pertencer à Dalmácia, tornou-se possessão austríaca de 1814 a 1918, até à criação da Jugoslávia.



Mais adiante, falaremos da beleza das fortificações. Naquele guia turístico de 1978 cuja capa se reproduziu, a imagem principal é de Dubrovnik, dá para perceber a imponência das suas muralhas e a organização reticular do meio urbano à volta de uma rua principal, esta é um grande alfobre de monumentos históricos, logo à entrada uma fonte sexangular que data do século XV, segue-se a Igreja do Santo Salvador, o Convento dos Franciscanos. Mas não esqueçamos que houve terramoto, a maior parte dos edifícios datam dos séculos XVII e XVIII, vai-se da fonte sexangular até ao fundo da rua principal onde está a fachada da Igreja de S. Brás, em estilo barroco, o Palácio Sponza e a Torre do Relógio, aqui está o coração da velha Ragusa, ao lado da catedral de Dubrovnik. As igrejas albergam belíssimos tesouros em pintura, órgãos, estatuária, há poucas lembranças de Bizâncio e muitos elementos barrocos para recordar a influência veneziana. Em 1991, a aviação sérvio-montenegrina fez um raide que culminou em incêndios e destruição. Por isso se fixou a imagem de um alerta para não se esquecerem essas horas negras que podiam ter arrasado irremediavelmente património da humanidade.




A arquitetura civil e a arquitetura religiosa estão amplamente abonadas dentro das fortificações: igrejas, conventos, palácios, escadarias monumentais, torres, há a sinagoga de Dubrovnik, antiquíssima porque construída no século XV, há mesmo uma igreja ortodoxa (importa não esquecer que estamos na Croácia, país eminentemente católico). Frente a Dubrovnik espraia-se a ilha de Lokrum que atrai os turistas com as suas praias e a sua vegetação mediterrânica e subtropical luxuriante. Mais tarde li que Maximiliano de Habsburgo, irmão do Imperador Francisco José, e que foi imperador do México, onde acabou fuzilado, comprou esta ilha e construiu um castelo. O viajante não foi lá mas sentou-se num balcão na muralha a contemplar essa indizível beleza.




O turista, de um modo geral, sabe bem o que o espera em Dubrovnik: a cidade propriamente dita, as suas ruas transformadas numa sucessão de restaurantes e estabelecimentos comerciais e nas ruelas que sobem até às alturas as habitações dos nativos, mais restaurantes, pensões e albergues; e as muralhas, a toda a hora chegam e partem excursões, ouve-se falar mandarim, coreano, russo, italiano, francês e inglês, tudo numa agitação para justificar as expressões embasbacadas com tanto colosso de pedra e a tal harmonia que ressalta daquelas dimensões e a arte de construir muralhas gigantescas introduzindo ondulação e suavidade que impressiona e não se esquece. Foi uma das pérolas ou jóias da coroa da antiga Jugoslávia, foi sempre uma atração turística, equiparada a Belgrado, Zagreb, Sarajevo, Split e às belezas naturais do Parque Nacional de Plitvice. E merece a honraria. O único desabono que o viandante lhe encontrou foi não poder andar descansado pelas ruas, era um aceno permanente de menus a qualquer hora do dia ou da noite, paciência, é uma das faturas do turismo de massas. Mas as recordações são inolvidáveis, a seguir veio a experiência maior desta viagem, Split, a cidade do imperador Diocleciano, recanto magnífico. Vamos então falar de Split.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16563: Os nossos seres, saberes e lazeres (178): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16592: Notas de leitura (889): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte X: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger´[I]: viajando até Conacri com nomes falsos... (Jorge Araújo)


Cuba > Havana > Janeiro de 1966 > Amílcar Cabral com Fidel Castro, em Cuba por ocasião da Conferência Tricontinental. Fonte:  Fundação Mário Soares > Portal Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral. (Com a devida vénia...)

Citação: (1966), "Amílcar Cabral com Fidel Castro", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43973 (2016-10-11)



 
Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes),
Portimão, Grupo Lusófona.


1. INTRODUÇÃO

Depois de dois pequenos desvios ao tema em título, mas complementares, tendo por protagonistas os comandantes Mamadu Indjai (o enigma dos seus ferimentos em combate) e Bobo Keita (os fundamentos que estiveram na base da sua saída da Mata do Fiofioli em maio de 1970) [P16506 + P16562], regressamos ao “trilho” anterior (passe a imagem metafórica) para retomar a divulgação de algumas das memórias transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969.

Esta narrativa, que é a décima, inicia a entrevista ao médico
militar Virgílio Camacho Duverger (1934-2003), a terceira no alinhamento do livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação. [Consulta em 30 de maio de 2016]. Disponível em: 
http://www.centropablo.cult.cu/libros_descargar/historiamedicos_cubanos.pdf ]

Recordo que,  por ser uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço histórico ao que foi transmitido, com recurso ao vasto espólio disponível no nosso blogue e a outras referências retiradas da Net.

Esta decisão não quer dizer que não se possa acrescentar algo mais em cada situação ou facto concreto, antes pelo contrário, pois o objectivo supremo é ficarmos cada vez mais perto da verdade, ainda que neste conflito bélico se tenham enfrentado poderes com interesses antagónicos e avaliações diferenciadas, e daí o título com que baptizei este trabalho de investigação: “d(o) outro lado do combate – memórias de médicos cubanos”.


2. O CASO DO MÉDICO VIRGÍLIO CAMACHO DUVERGER [I]

Virgílio Camacho Duverger nasceu em novembro de 1934, em Guantánamo, cidade a oitenta quilómetros de Santiago de Cuba, esta fundada pelo conquistador espanhol Diego Velázquez de Cuéllar (1465-1524), em 28 de junho de 1514.

A sua cidade, Guantánamo, tornou-se célebre após a implantação, a quinze quilómetros de distância, da Base Naval do mesmo nome pertencente aos Estados Unidos da América, onde no seu interior se encontra a também célebre «Prisão de Guantánamo». Esta Base Naval, situada na Baía, igualmente como o mesmo nome, foi arrendada de forma perpétua pelos Estados Unidos, em 23 de fevereiro de 1903.

O seu percurso académico foi realizado entre Guantánamo e Santiago de Cuba, aonde concluiu o seu bacharelato em 1952.

Iniciou a carreira de medicina em Havana, nesse mesmo ano, concluindo-a em dezembro de 1960, depois de um interregno de dois anos por motivo de terem encerrado a Universidade na sequência do ataque ao Palácio Presidencial em 1957, e reaberta depois do triunfo da Revolução. Em julho de 1959 ingressa no Exército Rebelde como técnico de saúde.

Incorporou-se como médico militar e,  no dia seguinte a obter o seu diploma, foi mobilizado para Mariel, seguindo-se, depois, a transferência para La Limpia del Escambray como médico militar. Poucos meses depois é designado para fazer a pós-graduação no Serviço Médico Rural. Seguiu-se Minas de Frio, uma localidade existente na Serra Maestra, que era aonde funcionava a escola de recrutas [cadetes] que Ernesto 'Che' Guevara [1928-1967] havia fundado em 1958.

[Foto à esquerda: Ernesto 'Che' Guevara.  1960, mundialmente famosa foto de Alberto Korda (1928-2001)]

Como era militar, enviaram-no para o acampamento Pino del Água, na província de Oriente, que pertencia à Associação de Jovens Rebeldes, aonde só havia um estomatologista.

Nesse contexto, recebe um telefonema donde lhe pedem para se apresentar em Santiago de Cuba, onde o chefe dos Serviços Médicos em Oriente lhe coloca a necessidade de ir como médico para o Batalhão fronteiriço, em Guantánamo, que acabara de fundar-se. Foi o primeiro médico desse Batalhão aonde termina a pós-graduação, passando, em maio de 1962, para o Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia [INCA]. Conclui a cirurgia geral em 1964 (como militar) e transita para o Hospital Militar Dr. Carlos J. Finlay como especialista.

Em janeiro de 1966, durante a 1.ª Conferência Tricontinental, é contactado pelo doutor José Ramón Balaguer Cabrera, naquele tempo chefe dos Serviços Médicos das Forças Armadas, a quem lhe é colocada a possibilidade de ir cumprir uma missão ao estrangeiro mas sem lhe dizerem o seu destino, o que aceita.

Concluído um período de treino de cerca de dois meses, seguiu em finais de maio de 1966 até Conacri, a bordo do barco «Lídia Doce», na companhia de mais vinte e seis “internacionalistas cubanos”, grupo constituído por artilheiros, médicos e motoristas. Este contingente acabaria por ser considerado o primeiro a chegar em missão de ajuda ao PAIGC.

Seguem-se os primeiros desenvolvimentos revelados durante a entrevista dada pelo dr. Virgílio Camacho Duverger.

Entrevista com 22 questões [Parte1 > da 1.ª à 7.ª]

“Testemunhos antes da morte” [Cap. XII, pp. 154-165]

[As notas introdutórias sobre o entrevistado são da responsabilidade do jornalista Hedelberto López Blanch, justificando-se, pelo desenlace à posteriori, o título dado à entrevista: «testemunhos antes da morte»... Vão a itálico. A perguntas vão numerados, em romano. Optámos também pelo itálico na transcrição da respostas do entrevistadlo. Os parêntes retos são nossos.]

Virgílio Camacho Duverger, destacado
Cuba, Havana, Hospital Hermanos Ameijeiras.
À esquerda. monumento a Antonio Maceo.
 Fonte: Wikipedia
profissional de saúde, pessoa amável e respeitada que nasceua 29 de novembro de 1934 em Guantánamo, antiga província do Oriente, entrevistei-o numa tarde de janeiro de 2003,  num pequeno gabinete do Hospital [Clínico-Cirúrgico] Hermanos Ameijeiras, [hospital líder de Cuba, situado no centro de Havana, entre o centro histórico  e o bairro de Vedado], aonde mantinha uma consulta voluntária todas as terças-feiras.

[De referir, como curiosidade, que no terreno onde se ergueu este hospital, inaugurado em 3 de dezembro de 1982, aí funcionou durante um século aproximadamente (1852-1950), a Casa de Beneficência e Maternidade de Havana e, depois, até ao triunfo da Revolução Cubana, em 1959, o Banco Nacional de Cuba e mais algumas dependências, nomeadamente a bolsa. Estes primeiros serviços estavam instalados em edifícios que ocupavam somente metade da área e que o novo estado cubano decidiu ampliar a sua construção, transformando-os em hospital, considerado dos melhores centros, da sua classe, no mundo. Quanto ao nome do hospital, este recorda os três irmãos Ameijeiras, mártires da luta revolucionária, que cresceram ao redor deste edifício].

Estava eu muito longe de pensar que somente dez meses após ter conversado com ele, em novembro de 2003, Camacho Duverger falecerá, vítima de enfarte do miocárdio. Incrivelmente,  fora atraiçoado na sua própria especialidade de cirurgião cardiovascular, depois de ter operado e salvado centenas de pacientes.

Como meritória homenagem a este destacado académico e médico internacionalista, que cumpriu a sua missão na Guiné-Bissau, eis as suas últimas declarações para este livro que colige histórias inéditas de alguns dos homens que, como Duverger, cumpriram o dever patriótico e humano de salvar vidas em outras terras do mundo.



(i) Fale-me dos seus estudos 

e da sua carreira médica.



Fiz os primeiros graus no Colégio La Salle de Guantánamo, e parte do ensino secundário nessa mesma cidade e erminei-o em Santiago de Cuba, em 1952 [, aos 17 anos]. Dou início à carreira de medicina nesse mesmo ano, em Havana, e quando estou no quarto ano, fecham a Universidade, depois do ataque ao Palácio Presidencial em 13 de março de 1957. 

Retomo o curso depois do triunfo da Revolução, e em julho de 1959 ingresso, com outros companheiros, no Exército Rebelde como técnico de saúde. Era aluno de medicina e faltava pessoal para os serviços médicos. Colocaram-me no Centro de Cria Cavalar, em El Cotorro [um município situado a sudoeste da Província e cidade de Havana]. Concluo o curso  de medicina em 6 de dezembro de 1960.

(ii) Que fez depois?

Imediatamente incorporei-me como médico militar, pois até a esse momento era aluno de saúde, e no dia seguinte a obter o título, mobilizam-me para Mariel [um município da província de Artemisa, a quarenta quilómetros de Havana], porque era a mudança [20 de janeiro de 1961] de governo de Dwight D. Eisenhower [1890-1969] para John F. Kennedy [1917-1963]. 

[Eisenhower foi um general de cinco estrelas dos Estados Unidos, tendo participado na Segunda Guerra Mundial como Cmdt Supremo das Forças Aliadas na Europa, assumindo a responsabilidade de comandar e supervisionar a invasão do Norte de África durante a “Op. Tocha”, entre 1942 e 1943. 

[Assumiu, ainda, a planificação da invasão da França e da Alemanha, entre 1944 e 1945. Em 1951 tornou-se o primeiro Cmdt Supremo da OTAN (NATO). 

[Dois anos depois foi eleito o 34.º Presidente dos Estados Unidos da América, mandato que decorreu entre 1953 e 1961].

Mais tarde transfiro-me para La Limpia del Escambray como médico militar. Três ou quatro meses depois sou designado para fazer a pós-graduação no Serviço Médico Rural, cujo chefe administrativo no Ministério da Saúde era o doutor José Miyar Barruecos (Chomi), [n. 1932; sendo-lhe atribuídas responsabilidades relacionadas com o desenvolvimento da biotecnologia, a criação e o funcionamento da Escola Latino-americana de Ciências Médicas (ELAM) e da Internacional de Educação Física e Desporto. É professor de Mérito da Faculdade de Medicina Victória de Girón].

Colocaram-me, então, em Minas de Frio [localidade existente na Serra Maestra, pertencente ao município de Bartolomé Masó, na província de Granma], Era aí que funcionava a Escola de Recrutas [Ciro Redondo (cadetes)] que Ernesto 'Che' Guevara [1928-1967] havia fundado [em 1958]. 

O chefe da Escola era Aldo Santamaria Cuadrado [1933-2003]. Durante a minha presença, passam a direcção administrativa de Minas de Frio para o Ministério da Educação. Como eu era militar, enviaram-me para o acampamento Pino del Agua, na província de Oriente, que pertencia à Associação de Jovens Rebeldes. Quando lá cheguei, só havia um estomatólogo.

Muitos jovens que passaram por essa Escola hoje são generais. Por essa altura, recebo um telefonema donde me pedem para me apresentar em Santiago de Cuba. Ali o doutor Monreal, chefe dos Serviços Médicos em Oriente, coloca-me a necessidade de eu ir como médico para o Batalhão fronteiriço, em Guantánamo, que acabara de fundar-se. Fui o primeiro médico desse Batalhão. Termino a pós-graduação e passo, em maio de 1962, para o Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia [INCA], que era dirigido pelo doutor René Cirilo Vallejo Ortiz [1920-1969] (médico de Fidel de Castro).

Esse instituto surge porque Fidel [de Castro], depois da invasão da Praia Girón [conhecida em Cuba como a “Batalha de Girón”, na Baía dos Porcos, que fora uma tentativa frustrada de invadir o sul de Cuba empreendida em abril de 1961 por um grupo paramilitar de exilados cubanos anticastristas, a chamada Brigada de Assalto 2506], deu-se conta da falta de cirurgiões, anestesistas e de outras diferentes especialidades cirúrgicas. 

Ali surge também o INCA [Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia] e a especialidade de maxilofacial, que não existia. Concluo a cirurgia geral em 1964 (como militar) e transito para o Hospital Militar Dr. Carlos J. Finlay como especialista.

(iii) Quando e quem lhe propôs 
a missão internacionalista?

Em janeiro de 1966, durante a [1.ª] Conferência Tricontinental [realizada em Havana, Cuba, entre 3 e 15 desse mês, e onde esteve presente Amílcar Cabral (1924-1973), foi aprovada, em 12 de janeiro, a criação da Organização de Solidariedade dos Povos de África, Ásia e América Latina], contacta comigo do Hospital Dr. Carlos J. Finlay, o doutor José Ramón Balaguer Cabrera [n. 1932], naquele tempo chefe dos Serviços Médicos das Forças Armadas.



[Havana (Cuba), janeiro de 1966. Intervenção de Fidel de Castro durante a Primeira Conferência Tricontinental, onde marcaram presença 512 delegados, provenientes de 82 países, bem como de 64 observadores e 24 convidados. 

De entre as centenas de delegados, destacam-se: Amílcar Cabral [1924-1973], da Guiné-Bissau; Salvador Allende [1908-1973], do Chile; Luís Augusto Turcios Lima [1941-1966], da Guatemala; Cheddy Bharat Jagan [1918-1997], da Guiana [Inglesa]; Pedro Medina Silva [1924-2012], da Venezuela; Nguyen Van Tien [1923-2001], do Vietnam do Sul; e Rodney Arismendi [1913-1989], do Uruguai].

[Fonte: http://epoca2.lajiribilla.cu/2011/n514_03/514_03.html - com a devida vénia]

[vídeo da conferência em: https://www.youtube.com/watch?v=CVZoxudN_Rk]


[O doutor José Cabrera, chefe militar da Força Armadas de Cuba] coloca-me a possibilidade de ir cumprir uma missão ao estrangeiro sem me dizer em que sítio. Incorporo-me num grupo para treino. Eram três grupos: um de artilheiros, outro de mecânicos-auto e outro de médicos. Cada grupo tinha nove elementos

Depois nos reagrupámos numa casa dividida por classes e na supervisão dos grupos encontrava-se um companheiro que era da “segurança”, conhecido por Artemio [tenente Aurélio Riscar Hernández Artemio] (com ele existiram alguns pequenos problemas porque quis aplicar algumas teorias e passado algum tempo na Guiné-Bissau o substituíram pelo Cmdt Victor Dreke) [facto ocorrido em fevereiro de 1967]. 

Dos três grupos de nove cada um, saíram em avião até Conacri, três artilheiros e dois médicos que o PAIGC necessitava com urgência. [Estes cinco elementos chegaram à capital da Guiné-Conacri em 29 de abril de 1966, numa viagem entre Havana-Moscovo-Praga-Marrocos-Conacri, chefiados por Aurélio Artemio].

Estivemos nessa casa aproximadamente dois meses. Deram-nos algumas aulas militares e de português. Aí começámos a suspeitar de que iríamos para alguma das colónias portuguesas. Por coincidência irónica, a casa aonde nos colocaram estava perto da embaixada de Portugal e às vezes, quando saíamos, passávamos em frente dessa vivenda diplomática. 

[Portugal mantem relações diplomáticas formais com Cuba pelo menos desde 1929, altura em que o Chefe de Missão em Washington passa a poder também ser acreditado em Cuba.]

Ao concluir o intenso e curto período de treino, saímos um dia numas viaturas fechadas e imaginei que íamos a caminho de Mariel, e porque não nos dizem o destino.

(iv) Os seus familiares 
sabiam alguma coisa?

Para os nossos familiares, desde que abandonámos a casa, estávamos na União Soviética a fazer um curso. Recordo-me que vivia no município de Playa, em 41 e 30, e às vezes passava perto de minha casa, quando tinha alguma coisa de trabalho para fazer, e não podia nem falar ao telefone.


(v) Quando e por que meio 
viajou?

Saímos em finais de maio de 1966 [21], porque passámos o Dia das Mães em Cuba. Numa lancha grande fomos até ao alto mar e aí subimos para o barco «Lídia Doce», um navio mercante cubano. Fizemos a travessia [atlântica] com dificuldades, pois em duas ou três ocasiões estivemos à deriva por avarias. 

[De notar que o dr. Virgílio Camacho Duverger, médico especialista,  fez parte do grupo no qual estava incluído o dr. Domingo Diaz Delgado, o primeiro entrevistado deste projecto, e que conta a história da viagem com mais detalhes – P16224. A missão do dr. Duverger vai-se prolongar até finais de 1967, tendo regressado a Cuba em princípios de 1968. Esteve boa parte do tempo na base de Boké, mas também passou pela  frente leste e pela  frente sul. Estava no Boé quando o cmdt do PAIGC Domingos Ramos foi morto por um estilhaço de morteiro das NT, aquerteladas em Madina do Boé.]


(vi) Iam vestidos 
à civil?

Chegámos a Conacri vestidos à civil e sem armamento. Todos os que faziam parte do meu grupo eram militares, sem excepção. Levávamos passaportes falsos.

(vii) Qual era 
o seu nome?

Víctor Córdoba Duque, porque como nos informou o nosso instrutor de “segurança” as iniciais dos nomes dos passaportes coincidiam com as reais (os nomes eram escolhidos por nós) [Virgílio Camacho Duverger], para que se alguma vez surgissem referências em algum documento com as nossas iniciais poderiam levantar suspeita e desse modo descobrir a nossa identidade.

(Continua) (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16441: Notas de leitura (874): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte IX: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (V): Finalmente o regresso a casa, depois do pesadelo do Fiofioli, na margem direita do Rio Corubal... Este homem, hoje professor universitário (?), tem histórias para contar aos netos... (Jorge Araújo)

(**) Último poste da série > 10 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16584: Notas de leitura (888): Guiné-Bissau entre 1960 e 1990: um olhar de um oficial português (Mário Beja Santos)