segunda-feira, 27 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17182: Notas de leitura (941): Cocaína e golpe de Estado, fantasmas de uma nação amordaçada na revista Reporters sans fronteires, Paris, número de Novembro de 2007 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos,
Enfronhado que ando a consultar a documentação possível referente ao consulado de Luís Cabral (1974-1980), no CIDAC, dei com estes artigo de 2007, que me pareceu um excelente trabalho, uma referência segura para o drama em que tem vivido a Guiné-Bissau.
A situação exacerbou-se em 2012, António Indjai capitaneou um golpe de Estado militar, temia que a reforma das Forças Armadas subtraísse às figuras de topo a capacidade de enriquecer com o negócio da droga. Tudo leva a querer que o atual Presidente da República está a conseguir encostar os narcotraficantes à parede, a detenção pelos norte-americanos de Bubo Na Tchuto foi percebida como um cerco àquilo que era, verdadeiramente, um negócio impune.

Um abraço do
Mário


Cocaína e golpe de Estado, fantasmas de uma nação amordaçada

Beja Santos

Trata-se de um trabalho jornalístico que veio publicado na conceituada revista Reporters sans fronteires, Paris, número de Novembro de 2007.

Diz o articulista que Bissau, a capital de um pequeno país africano, com uma superfície pouco maior do que a Bélgica, é uma cidade desfalecida e obsoleta, uma antiga praça portuguesa que se vai desagregando ano após ano.

Uma estranha placidez reina na cidade, mas toda a gente só fala do narcotráfico, que devora o país como um cancro. E observa que há duas Guiné-Bissau. Aquela que começa no Aeroporto Osvaldo Vieira, com os seus táxis em ruína e pejada de comércio informal, dirigida por um governo sem meios. E a outra, que está debaixo de observação pela Interpol. Fala-se abertamente dos colombianos que guiam os mais modernos modelos da Jaguar e dos militares que ostentam telemóveis que custam mil dólares. Fala-se das entregas noturnas de toneladas de cocaína por aviões clandestinos que aterram na selva, particularmente nos Bijagós. Toda a gente sabe qualquer coisa mas ninguém diz nada.

Os jornalistas guineenses que pretendam levar as suas investigações a fundo, todos, sem exceção, passam por grandes dissabores. Alguns deles têm mesmo que se exilar. Allen Ieró Embaló, considerado o melhor jornalista do país, foi forçado a exilar-se por ordem de Bubo Na Tchuto, Chefe de Estado-Maior da Armada. Em 24 de Junho de 2007 homens armados entraram-lhe em casa e vasculharam-lhe tudo e apreenderam-lhe os apontamentos, o computador, a câmara e um pacote de fotografias. O jornalista queixou-se ao comissariado de Bissau, que não lhe deu seguimento. As ameaças continuaram e o jornalista enviou a família para Dakar e deixou discretamente o país. O ano 2007, de resto, foi um dos mais crispados para os jornalistas do país. O caso Mário Sá Gomes, figura emblemática da Liga Guineense dos Direitos Humanos, fez temer a erupção de novos perigos numa altura em que se tratava abertamente a Guiné por Narco-Estado. Pela rádio, Sá Gomes disse que o Presidente da República devia mandar prender Batista Tagme Na Waie, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, e operar uma mudança profunda nas fileiras militares. Este general perdera totalmente o controlo dos diferentes ramos das Forças Armadas depois das altas patentes se terem enriquecido com a venda da droga. Nino Vieira, dizia-se, estava prisioneiro dos militares. Tagme Na Waie ficou furioso com as declarações de Sá Gomes, mandou prendê-lo, Sá Gomes refugiou-se no edifício das Nações Unidas em Bissau, de onde só saiu depois de ter negociado garantias com os militares que iriam deixar em paz o jornalista. A Guiné-Bissau é um país desprovido de uma administração, com um sistema judiciário inoperante em que as prisões são células exíguas, em que se pode ser preso nas casernas militares, fora de todo o controlo do poder judicial.


Estas mesmas peripécias de detenção veio a sofrer o jornalista Alberto Dabo, correspondente guineense da agência Reuters. Publicara no Diário de Notícias um artigo em que se citava, extraído da revista Time, os nomes de militares corruptos, foi o suficiente para ser ameaçado de prisão.

O diretor nacional da Interpol reconhecia publicamente haver altos responsáveis guineenses que faziam negócios com os narcotraficantes.

Segundo Agnello Regala, diretor da rádio Bombolom, “nós vivemos ao mesmo tempo livres e oprimidos. Parece-me que o pessoal político e militar tem medo dos órgãos de comunicação social”. Fafali Koudawo, diretor do hebdomadário Kansaré, evoca as ameaças permanentes dos militares, vive-se uma impunidade total. Com salários próximos dos 50 euros mensais, os jornalistas não querem imitar os heróis. Porquê arriscar a pele quando um quilograma de cocaína pode dar para comprar um Mercedes?

Lucinda Gomes Barbosa Aucarie, Diretora da Polícia Judiciária, queixa-se da falta de cooperação das autoridades colombianas. Em Agosto de 2007, dois colombianos forma detidos na posse de 95 mil euros, 1,5 milhões de francos CFA, duas granadas, uma pistola, uma AK-47, Pablo Camacho e Luís Fernando Ortega Mejia saíram da cadeia, pouco depois, com uma caução de 23 mil euros. Em Abril de 2007, o capitão Rui Na Flack e o alferes Augusto Armando Balanta foram detidos na posse de 635 quilos de cocaína. Autoinvestido misteriosamente de poder judiciários, o general Tagme Na Waie mandou-os libertar. Agnello Regala observa que o combate ao narcotráfico através dos meios de comunicação social exige três elementos indispensáveis: sensibilizar a opinião pública para os perigos do tráfico da cocaína; jornalistas mais motivados para a condução de investigações mais rigorosas, criar condições de trabalho decentes a todos aqueles que estão envolvidos na denúncia e criminalização do narcotráfico.


Ano após ano, a situação do narcotráfico na Guiné tornou-se insustentável. Em Julho de 2010, os EUA anunciaram no Conselho de Segurança das Nações Unidas que iriam impor sanções contra os narcotraficantes da Guiné-Bissau, tinham decretado em Abril a detenção de Bubo Na Tchuto e do general Ibraima Papa Camará. Nessa altura, o presidente Malem Bacai Sanhá declarou que o país “não é a propriedade privada dos militares” e que “a Guiné não pode ficar para sempre refém das Forças Armadas, está cansada de sobressaltos”, fez estas declarações diante do Primeiro-Ministro Carlos Gomes Júnior e o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, António Indjai.

A Guiné-Bissau era tida, nessa altura, pela Autoridade Internacional de Estupefacientes como uma grande plataforma para o narcotráfico que percorre a África Ocidental, não estão imunes a Guiné Conacri, o Senegal e o Mali. As Nações Unidas calculavam que a cocaína que entrava mensalmente na Guiné correspondia ao PIB anual de 240 milhões de euros.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17175: Notas de leitura (940): “Capital Mueda”, de Jorge Ribeiro, Campo das Letras, 2003 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17181: Parabéns a você (1228): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf do BCAÇ 2861 (Guiné, 1969/71); Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA da CART 2732 (Guiné, 1970/72); Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Especiais do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974) e Maria Dulcínea (Ni), Amiga Grã-Tanbanqueira




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Nota do editor

Último poste da série de 25 de Março de 2017 > Guiné 61/74 - P17176: Parabéns a você (1227): Rui Silva, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 816 (Guiné, 1965/67)

domingo, 26 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17180: In memoriam (281): João Vieira de Melo, 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro da CCAV 1485, falecido, vítima de ferimentos recebidos em combate, no dia 20 de Fevereiro de 1966, um herói limiano que tarda em ser homenageado (Mário Beja Santos / Mário Leitão)

João Vieira de Melo. Na Recruta e como 1.º Cabo Aux Enf
Fotos editadas por CV

Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Março de 2017:

Queridos amigos,
Ao contrário do que muitas vezes se ouve dizer, há heróis por quem se luta e cujo o nome se pretende ver plasmado no nome de uma rua ou uma instituição, por exemplo.
Mário Leitão tem me dado ajudas, diretas e indiretas. Foi graças a ele que conheci aquele militar que viu a sublevação no sul da Guiné, ao longo do segundo semestre de 1962, na região de Fulacunda, e que finda a sua comissão foi chefe de posto na região de Bissorã, assistiu, de 1963 para 1964, à escalada da guerrilha, é um testemunho iniludível.
A sua investigação é altamente meritória, li esta página a um limiano cego, ele prontamente ma deu para aqui dela dar notícia, a memória de João Vieira de Melo deve ficar entre nós, é mais um herói do nosso blogue.

Um abraço do
Mário


João Vieira de Melo, herói limiano

Beja Santos

Leio regularmente jornais, revistas e livros a um grande amigo que é cego. Ele é natural de Ponte de Lima, e por essa razão todas as semanas lhe leio o Aurora do Lima e o Cardeal Saraiva.

No Cardeal Saraiva de 2 de Março, o colaborador Mário Leitão[1] [foto abaixo], um farmacêutico reformado que coopera com a Liga dos Combatentes e procede ao levantamento exaustivo de todos os limianos que participaram na guerra, escreveu um artigo titulado “João Vieira de Melo[2], exemplo de herói”.

Queixa-se da indiferença limiana quanto à exaltação das memórias daqueles combatentes que caíram em combate, recordando por exemplo que Ponte de Lima deu à pátria 20 filhos que morreram na hecatombe de La Lys e outros 52 nas três frentes da guerra de África. E a tal propósito que escreve:

“Hoje quero apresentar-vos um dos maiores heróis limianos de todos os tempos, chamado João Vieira de Melo, natural do lugar de Crasto, da freguesia de S. João de Ribeira. Este jovem agricultor foi abatido em combate na Guiné com apenas 21 anos de idade e em circunstâncias verdadeiramente heróicas, sendo de imediato evacuado para Lisboa, onde falecia alguns dias depois. Era 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro da CCAV 1485[3], integrada no BCAV 1987, que chegou a Bissau em finais de Outubro de 1965. Pouco antes de completar quatro meses de comissão, fez parte dos dois grupos de combate que a sua unidade enviou para a operação "Falcão II", iniciado no dia 13 de Fevereiro na região de Susana, onde o inimigo construíra um forte acampamento com abrigos contra morteiro e aviação, na orla da mata de Cassum. O numeroso grupo inimigo que os emboscou vinha bem equipado, causou cinco mortos e três feridos às nossas tropas. Por impossibilidade absoluta de serem recolhidos, ficaram no local os corpos de um 1.º cabo de um soldado. Três feridos graves foram evacuados para Bissau, dois deles faleceram horas depois.
O ato de supremo heroísmo assumido pelo Cabo Melo está descrito no louvor póstumo concedido em Julho pelo Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, e na ordem de serviço que em Setembro lhe concedeu a Cruz de Guerra de 4.ª Classe:
‘… atingido com gravidade numa fase inicial do combate, não hesitou em arrastar-se para o local onde o fogo inimigo era mais intenso, ao saber que naquela zona havia outros feridos que necessitavam de receber tratamento, sendo atingido mortalmente quando prestava assistência aos seus camaradas’.
A investigação realizada 50 anos depois junto de alguns dos seus camaradas permite-me observar com mais clareza o cenário: o jovem João de Melo não pensou em si, nem no amor a seus pais, nem no amor aos sete irmãos. Com uma bola nas costas, em vez de se proteger de trás de uma árvore, deitou-se no chão, e com a arma da mão direita e com a sacola de enfermeiro na mão esquerda, rastejou até à zona de morte. Junto do primeiro camarada que estava a socorrer, foi abatido com um tiro no crânio. Os camaradas testemunharam o seu excecional espírito de abnegação e camaradagem, e as extraordinárias qualidades de coragem, sangue-frio e serena calma debaixo de fogo”.

E Mário Leitão queixa-se amargamente:
“Já aqui protestei por não haver um monumento com os nomes dos 20 heróis limianos da Flandres, fazendo-me pensar que a comemoração do centenário da Grande Guerra, em terras de D. Teresa, foi uma grandessíssima treta, limitada a colóquios e exposições muito válidas, mas sem consequência duradoura: a perpetuação das entidades dos nossos soldados de então. Quando ao Primeiro-Cabo João Vieira de Melo, na perspetiva mais que anunciada que o executivo municipal não vai ligar patavina ao assunto, apelo à Junta de Freguesia da Ribeira para que coloque o seu nome na toponímia local. Temos muitos heróis no nosso concelho, mas o Cabo Melo está no topo da pirâmide!”.

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Notas do editor:
[1] - Mário Leitão foi Furriel Miliciano na Farmácia Militar de Luanda, delegação n.º 11 do LMPQF - Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos, Angola, 1971/73.
[2] - João Vieira de Melo, 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro da CCAV 1485, natural da freguesia de Ribeira, concelho de Ponte de Lima, foi ferido em combate em Susana no dia 13 de Fevereiro de 1965, falecendo no HMP - Lisboa, em 20 do mesmo mês. Está sepultado no cemitério de S. João da Madeira.
[3] - A CCAV 1485 era uma Companhia independente que chegou ao CTIG em 26OUT65 e regressou à Metrópole em 27JUL67. Do BCAV 1987 (Guiné, 29OUT66/02AGO68) faziam parte, além da CCS, as CCAVs 1615; 1616 e 1617
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17166: In memoriam (280): Manuel Fernandes Oliveira, ex-sold aux coz, CART 2716 / BART 2917 (Xitole, 1970/72): o funeral é amanhã,. 22 de março, 16h30,. em Serzedelo, Vila Nova de Famalicão

Guiné 61/74 - P17179: Agenda cultural (549): Integrada no 17.º Ciclo das Tertúlias Fim do Império, dia 29 de Março de 2017, pelas 15 horas, apresentação dos livro "Além do Bojador" e "O Malinké", da autoria de Manuel Fialho, editora 100 Luz, no Palácio da Independência, em Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

Apresentação de livro no Palácio da Independência
Com a devida vénia a Estados d'Alma

 


Em mensagem do dia 19 de Março de 2017, o nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, dá-nos notícia da apresentação de mais dois livros no Palácio da Independência, integrada no 17.º Ciclo de Tertúlias Fim do Império.




17.º CICLO DE TERTÚLIAS FIM DO IMPÉRIO LISBOA 

PALÁCIO DA INDEPENDÊNCIA

DIA 29 DE MARÇO DE 2017

"Além do Bojador, Na Guerra de Libertação da Guiné, a História Pré-colonial da África Ocidental". Romance; Ed 100 Luz, 2008, 2.ª ed 2013, do Engenheiro Manuel Ribeiro FIALHO (1942, Moura, manuelfialho@yahoo.com, 962 631 328); 

e

"O Malinké, Na diáspora pós-revolução, o perigo brasileiro e o abismo africano", romance, editor Dr. Carlos Pedro e Superintendente Pedro Teles.

Sobre o autor:
Manuel Mariano Fialho nasceu em 1942, em Moura. É engenheiro mecânico, tendo servido, como alferes miliciano, na Guiné, 1969/71; e trabalhado, posteriormente, no Brasil e com países da África Ocidental, o que lhe permitiu ter experiência para escrever dois excelentes romances sobre esta temática: "Além do Bojador, na guerra de libertação da Guiné, a História pré-colonial da África Ocidental", editora 100 Luz, 2008 e 2013, 507 pp; e "O Malinké, na diáspora pós-revolução, o perigo brasileiro e o abismo africano", editora 100 Luz, 2015, 364 pp, cujo narrador é um franciscano que foi capelão militar.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17161: Agenda cultural (548): Lançamento do 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional, Tomo II - Guiné, Livros I, II e III da obra "Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África", a ter lugar no próximo dia 18 de Abril de 2017, pelas 15h30, no Aquartelamento da Amadora da Academia Militar

Guiné 61/74 - P17178: Blogpoesia (501): "Duas rotinas..."; "O pastor alemão..." e "Carta a um amigo desconhecido...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Miragem, no deserto da Namíbia. 
Pete Turner - The Image Bank/Getty Images


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros durante a semana ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Duas rotinas...

Uma tem lagos e bosques.
Tudo é fartura e ordem.
Outra é parca, estreita,
Pacata.
Pertinho do mar.

Deu-mas a vida,
Ventos da história,
Quando menos esperava.

Preferia a que é minha.
Nela nasci e cresci.
Sonhei.
Nela me entendo.
Sei-a de cor.

Que bom que seria
Viver só com uma.
Com paz e justiça.
Onde na vida apareci...

Bar "Caracol" 26 de Março de 2017
11h01m
Jlmg

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O pastor alemão...

Possante, preso à corrente,
Mete paixão,
Ali passa seus dias,
Guardando a casa,
À vista da rua.
Sabe quem passa,
Em todas as horas.
Ao raiar da manhã,
Vou caminhar,
Canadianas nas mãos,
Atiçando meu fogo,
Em passadas ligeiras.
Me pressente à distância
E solta a ladrar,
Num ladrar que entendo,
A dar-me os bons dias.
Quando nos vemos,
Estrebucha aos saltos,
De orelhas hirsutas.
Os olhos profundos,
Fazendo-me queixa:
- porque é que me prendem?
Já bastariam as grades...
Dou-lhe razão
E todo o consolo.
Quando volto,
Na passagem inversa,
Me fala sereno,
Irradiando ternura.
Digo-lhe adeus
E juro-lhe que
Cá estarei amanhã,
Propondo ao dono
O lugar do pastor...

Mafra, 22 de Março de 2017
11h32m
Jlmg

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Carta a um amigo desconhecido...

São para ti, meu irmão desconhecido estas duas letras. 
Vives igual neste mundo endiabrado.
...

Nascemos ambos sem sermos consultados.

Rodeados, nos primeiros tempos, de tantos desvelos.
Tanta atenção a nós.

Crescemos. Tudo parecia bom e lindo.
Tanta esperança num mundo bom.

Mas eis que, a nosso lado, cresceram as nossas sombras.
Incomodando quem seguia ao pé de nós.

Cada um pensando que o sol seria apenas seu.

Daí confrontos. Guerras e lutas.
Desconfiança se tornou a regra.
Acautelar seu espaço o maior cuidado.

De todo lado chovem as agressões possíveis e inimagináveis.

Vêm do Estado, supostamente o garante básico. Mas que nos esfola.
As religiões com falsas visões de bem.
Os valores ilusórios que nos pregam a Comunicação Social, ávidas apenas, de grandes audiências para semear domínio.

As falsas miragens que as modas apregoam. Criando modelos vãos. Só empobrecem.

Acautela-te, irmão.

A verdadeira paz reside em ti mesmo.
Cultiva o bem e a ordem. Contempla o sol e o céu.
Vê bem onde dás tuas passadas.

Diz qualquer coisa...

Bar "Caracol" 25 de Março de 2017
9h44m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17172: Blogpoesia (500): "Vivo perdido entre a gente", um poema de amizade para um grande amigo (Fernando de Jesus Sousa)

sábado, 25 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17177: XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 29 de Abril de 2017 (3): Actualização das informações e publicação da primeira listagem dos inscritos

Palace Hotel Monte Real (Termas de Monte Real) > 16 de Abril de 2016 > XI Encontro Nacional da Tabanca Grande
Foto de família © Miguel Pessoa


XII ENCONTRO DA TERTÚLIA DA TABANCA GRANDE

DIA 29 DE ABRIL DE 2017

PALACE HOTEL DE MONTE REAL


Camaradas e Amigos Grã-Tabanqueiros:

No seguimento das diligências do camarada Mexia Alves junto do Pároco de Monte Real, Pe. José Baptista, foi acertado que a já habitual Missa de Sufrágio pelos camaradas caídos em campanha, assim como pelos camaradas e amigos tertulianos que entretanto foram falecendo, será celebrada pelas 11h30 na Igreja Matriz, localizada mesmo em frente ao Palace Hotel de Monte Real

Seguir-se-á a indispensável foto de família, tirada na escadaria do Hotel, documento que ficará para memória futura.

O tempo vai decorrendo, e diariamente vão chegando as inscrições que chegaram já às 71. Estamos a pouco mais de um mês do evento, portanto confirmem se o vosso nome faz parte da listagem. Caso não faça, e não sendo por culpa nossa, só têm que mandar mensagem para carlos.vinhal@gmail.com indicando o vosso nome, nome do(s) acompanhante(s) e local de procedência. Se necessitarem de pernoita indiquem a(s) data(s) e o tipo de quarto pretendidos.

O pagamento de almoço será efectuado à mesa e as dormidas no dia da saída do Hotel. Não exigimos pagamento antecipado ou sinalização porque entre amigos a confiança é mútua. 
No caso de desistência por motivo de força maior, a organização deverá ser avisada imediatamente para evitar custos administrativos sempre desagradáveis.

As informações mais importantes foram já publicadas (ver P17112), mas nunca é demais repetir que os preços a praticar são:

Almoço e lanche 
Adulto - 35,00€ 
Crianças até aos 12 anos - 18,00€

Alojamento
Quarto duplo - 60,00€
Quarto single - 50,00€

Nota importante: 
As inscrições para o almoço e os pedidos de reserva de quartos deverão ser feitos através da comissão organizadora do evento e nunca directamente com o Hotel.

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Segue-se a listagem com os 71 inscritos até ao momento

Abel Santos - Leça da Palmeira / Matosinhos
Agnelo Macedo e Delfina - Lisboa
Albano Costa e Maria Eduarda - Guifões / Matosinhos
António Dias Pereira e Teresa Maria - Tomar
António José P. da Costa e Maria Isabel - Lisboa
António Maria Silva e Maria de Lurdes - Sintra
António Martins de Matos - Lisboa
Carlos Alberto Cruz, Irene e Paulo - Paço de Arcos / Ooeiras
Carlos Vinhal e Dina - Leça da Palmeira / Matosinhos
David Guimarães e Lígia - Espinho
Eduardo Campos - Maia
Fernando Jesus Sousa e Emília Sérgio - Lisboa
Francisco José F. Oliveira - Lisboa
Francisco Palma - Cascais
Francisco Silva e Maria Elisabete - Porto Salvo / Oeiras
Idálio Reis - Sete-Fontes / Cantanhede
Isolino Gomes e Júlia - Porto
Joaquim Carlos Peixoto e Margarida - Penafiel
Joaquim Gomes Soares, Maria Laura e Aurora Brito - Porto
Joaquim Mexia Alves, Catarina e André - Monte Real / Leiria
Jorge Canhão e Maria de Lurdes - Oeiras
Jorge Ferreira - Lisboa
Jorge Picado - Ílhavo
Jorge Pinto e Ana Maria - Sintra
Jorge Rosales - Monte Estoril
José Almeida e Antónia - Viana do Castelo
José Barros Rocha - Penafiel
José Casimiro Carvalho - Maia
José Ferreira da Silva e Maria Vergilde - Crestuma / V. N. Gaia
José Francisco Macedo Neves e Rosa Maria - Guifões / Matosinhos
José Macedo e Goreti - Estados Unidos da América
José Manuel Cancela e Carminda - Penafiel
José Manuel Lopes e Maria Luísa - Régua
José Miguel Louro e Maria do Carmo - Lisboa
Luís Graça - Alfragide / Amadora
Luís Moreira e Irene - Sintra
Luís Paulino e Maria da Cruz - Algés / Oeiras
Manuel Augusto Reis - Aveiro
Mario Vitorino Gaspar - Lisboa
Miguel Pessoa e Giselda - Lisboa
Ricardo Figueiredo - Porto
Rogé Guerreiro - Cascais

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A comissão organizadora
Luís Graça
Joaquim Mexia Alves
Miguel Pessoa
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Poste anterior de 7 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17112: XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 29 de Abril de 2017 (2): Abertura das inscrições que terminam: (i) a 23 de abril; ou (ii) ou quando se atingir a lotação da sala (200 lugares)

Guiné 61/74 - P17176: Parabéns a você (1227): Rui Silva, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 816 (Guiné, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Março de 2017 > Guiné 61/74 - P17173: Parabéns a você (1226): Braima Djaura, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCAÇ 19 (Guiné, 1972/74)

sexta-feira, 24 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17175: Notas de leitura (940): “Capital Mueda”, de Jorge Ribeiro, Campo das Letras, 2003 (Mário Beja Santos)



Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos,
Deste poderoso relato, escreveu Luandino Vieira: "Capital Mueda é excelente e merecia um desenvolvimento em romance, tão boa matéria e tanto necessária sobre esses anos e factos que se incrustaram no imaginário português sem que os escritores lhe tenham dado - até à data - o tratamento que os Zurara, Couto e Mendes Pinto deram à outra época dramática da vossa nacionalidade".
Uma coluna desloca-se entre Mueda e Nangololo, a viagem é um calvário que um repórter de guerra capta em cheio, as conversas ciciadas, os comentários desbragados, as angústias e os pesadelos, os estrondos e as evacuações, uma via-sacra de centenas de homens que levam à carga os materiais para o telhado da Igreja de Nangololo.
É impensável que alguém fique indiferente a esta pequena tragédia que um grande repórter transforma na imagem perfeita daquela viagem absurda.

Um abraço do
Mário


Capital Mueda, por Jorge Ribeiro

Beja Santos

Asseguro que este relato não deixará ninguém indiferente, mergulhamos na coluna entre Mueda-Nangololo, e vamos fazer parte daquela viagem alucinante de uns escassos quilómetros que demoram penosos dias a percorrer. “Capital Mueda”, de Jorge Ribeiro, Campo das Letras, 2003, é mesmo uma viagem de alucinação descrita com grande mestria por um repórter de guerra (Jorge Ribeiro chefiou a Secção de Reportagem do Destacamento Fotocine).

Mergulhamos logo no sábado, 3 de Fevereiro, a coluna está quase pronta para sair de Mueda:  
“Uma companhia com dez secções de combate, três pelotões de sapadores, doze Berliets, quatro baterias de morteiros, dois granadeiros, duas Panhard, uma Fox, dez Unimogs, dois Caterpilars, outra companhia completa de atiradores para rendição, e um número calculado em cerca de 30 camiões civis, estão alinhados ao longo de dois quilómetros”.

Quem comanda é um capitão de ar de aterrado, anda por ali um coronel a vistoriar a partida da coluna. Os fotocines vão no camião dos sapadores:  
“Ponho um pé no pneu da Berliet, as mãos no taipal e subo. O camião está repleto, mas cabe sempre mais um. Por entre cunhetes de balas e morteiros 60 e 81, consigo encaixar o meu material de guerra – as bobinas de Gevapan, os canhões das objetivas, a utilíssima Pan-Cinor”.
Os militares vão conversando, estima-se a duração da viagem, não há ninguém que desconheça as minas, as antipessoais e anticarro. “No primeiro dia não nos devemos ter afastado de Mueda mais de três quilómetros”. Por ali se andou a desbastar mato, a cortar árvores, a afastar troncos da picada, as silvas resistem à catana. Ao escurecer, toda a gente desceu das viaturas e escavaram trincheiras. As conversas prosseguem, ciciadas, com o habitual jargão de caserna. Já estamos em 5 de Janeiro, a coluna avançou 500 metros, o calor abrasa, a malta começa a despir os camuflados, de um aparelho de cassetes saem sons estridentes solos de Jimi Hendrix. A coluna começa a subir o lendário Vale Miteda. Súbito, ergue-se uma espessa bola de fogo por entre a folhagem, ouvem-se gritos lancinantes, uma mina antipessoal apanhou José Pinto, 23 anos, minhoto de Barcelos, pede-se evacuação. Alguém vocifera:  
“O Hospital de Mueda é mais do que um hospital. É uma verdadeira escola e um local de prática cirúrgica como nunca mais haverá nenhum. Os médicos que vêm para aqui saem imberbes das faculdades, sem saber fazer um curativo. Eu bem os vejo os primeiros tempos a desmaiar, quando olham para umas tripas de fora, ou sacodem miolos da mão, parece ranho…”.

Começam os preparativos para mais uma noite, a coluna não sai do sítio, tudo se está a complicar ao terceiro dia de mato. Estamos a 6 de Fevereiro, ao acordar, o autor espreita para fora e vê o pessoal todo empoleirado e desnudado, estão a sacudir a roupa e a catar qualquer coisa, então ele apercebe-se que alguns deles imploram para que alguém lhes arranque da pele as cabeças de talaca. “Talaca é a designação local de uma formiga gigantesca, que possui a particularidade de nunca mais largar a presa onde uma vez enterrou as mandíbulas, quando se lhes puxa pelo corpo deixam lá ficar a cabeça”. É tratada uma mina anticarro. Um sapador observa:
“Eles agora põem três ou quatro num correr. Só que a primeira é de efeito retardado; para além de serem anticarro. Pode regular-se para o segundo, terceiro ou quatro rodado que lhes passar por cima”.
Fazem explodir a mina. É então que se ouve o estampido de uma bazucada contra o focinho do rebenta minas, responde-se à emboscada. Foi sol de pouca dura, quem vai na coluna sabe que está a ser vigiado. A 7 de Fevereiro, a meio do caminho, a coluna volta a encravar. Apareceu uma bomba dos nossos Fiats que não deflagrou e que os guerrilheiros aproveitaram encostando-lhe apenas uma mina anticarro. Novo rebentamento. Chega um helicóptero para recolher feridos, rajadas de metralhadora deixam picotado um “vidro” do heli. Há guerrilheiros dos dois lados. “São duas horas da tarde. Até às quatro não há tempo para cortar troncos, abrir terreno e voltar à picada. Vamos tratar dos feridos, comer, e preparar o arranque para amanhã”. Os do helicóptero foram generosos, trouxeram um saco de pão e algum correio. Estamos a 8 de Fevereiro, o motor do Caterpilar lá vai procurando limpar a estrada, a motosserra vai cortando as árvores, a coluna move-se, os flanqueadores parecem verdes de agonia, homens possantes parecem-se agora como velas a estiolar. Há picadores feridos. Quando o rebenta minas regressa à picada, ouve-se um estrondoso rebentamento de uma mina anticarro, mais feridos, a coluna está agora muito perto da Base Miteda.

Estamos a 9 de Fevereiro, a coluna avança mas para quando rebenta intenso tiroteio. Os de Nangololo captaram os pedidos de socorro e prometem vir em auxílio. Pelas três da tarde, chegam os de Nangololo. Sábado, 10 de Fevereiro, a coluna prossegue, dois T-6 andam lá no alto, vem um helicóptero buscar feridos. Pelo meio-dia, avista-se a Igreja de Nangololo, o clima de emoção é extraordinário, as tensões acumulados descarregam-se. É então que o autor descobre a razão desta coluna: todas aquelas viaturas transportam materiais para o telhado da igreja, cimento, vigas de ferro, tijolos, tudo para construir a cobertura anti-morteirada da igreja. “Sento-me, lentamente, na terra. Estendo a vista e o pensamento para longe, muito longe daqui. Fixo para sempre na rotina o admirável matiz de um porto sol no planalto. Amanhã, regressamos a Mueda”.

Um conjunto de personalidades irá pronunciar-se sobre este livro: Luandino Vieira, José Emílio-Nelson, João Paulo Borges Coelho, Pezarat Correia. Jorge Ribeiro fez reportagem de guerra durante 27 meses em Moçambique. No regresso, selecionou a coluna Mueda-Nangololo como um dos trabalhos que mais o marcaram – acima de tudo pela importância dimensão, significado e resultados da operação, desencadeada na mítica capital da guerra em Moçambique, Mueda, e este relato é hoje uma das referências na literatura da guerra colonial.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17159: Notas de leitura (939): "Irmãos de Armas", por António Brito, Clube de Autor, 2016 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17174: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte VIII: A estafeta "Chama da Pátria", em 9 de abril de 1942, ligando Pedra Lume até Vila Maria, na ilha do Sal




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1. Continuação da publicação da brochura "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do Capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp. inumeradas, il.) [, imagem da capa, à esquerda].(*)

José Rebelo, capitão SGE reformado, foi em plena II Guerra Mundial um dos jovens expedicionários do RI 11, que partiu para Cabo Verde, em missão de soberania então com o posto de furriel (1º batalhão, RI 11, Ilha de São Vicente, ilha do Sal e ilha de Santo Antão, junho de 1941/ dezembro de 1943).

Não sabemos se ainda hoje será vivo, mas oxalá que sim, tendo então a bonita idade de 96 ou 97 anos. Em qualquer dos casos, este nosso velho camarada é credor de toda a nossa simpatia, apreço e gratidão. E, se já morreu, estamos a honrar a sua memória e a dos seus camaradas, onde se incluíram os pais de alguns de nós.

O nosso camarada Manuel Amaro diz do José Rebelo:

(...) "Por volta de 1960, fez a Escola de Sargentos, em Águeda e, após promoção a alferes, comandou a Guarda Nacional Republicana em Tavira, até 1968. Como homem de cultura, colaborava semanalmente, no jornal "Povo Algarvio", onde o conheci, pessoalmente. Em 1969, já capitão, era o Comandante da Companhia da Formação no Hospital Militar da Estrela, em Lisboa." (...)

A brochura, de grande interesse documental, e que estamos a reproduzir, é uma cópia, digitalizada, em formato pdf, de um exemplar que fazia parte do espólio do Feliciano Delfim Santos (1922-1989), que foi 1.º cabo da 1.ª companhia do 1.º batalhão expedicionário do RI 11, pai do nosso camarada e grã-tabanqueiro Augusto Silva dos Santos (que reside em Almada e foi fur mil da CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73).

[Foto do então furriel José Rebelo, expedicionário do 1º batalhão do RI 11]

Trata-se de um conjunto de crónicas publicadas originalmente no jornal "O Distrito de Setúbal", e depois editadas em livro, por iniciativa da Assembleia Distrital de Setúbal, em 1983, ao tempo do Governador Civil Victor Manuel Quintão Caldeira. A brochura, ilustrada com diversas fotos, dos antigos expedicionários ainda vivos, tem 76 páginas, inumeradas.

O batalhão expedicionário do RI 11, Setúbal, partiu de Lisboa em 16 de junho de 1941 e desembarcou na Praia, ilha de Santiago, no dia 23. Esteve em missão de soberania na ilha do Sal cerca de 20 meses (até 15 de março de 1943), cumprindo o resto da comissão de serviço (até dezembro de 1943) na ilha de Santo Antão.

Era comandante do RI 11, na altura, o coronel inf Florentino Coelho Martins, combatente da I Guerra Mundial, e que, ao que parece, não escondia as suas simpatias republicanas, o que na época, no auge do Estado Novo de Salazar,  pagava-se caro. Pouco tempo depois foi substituído.

As páginas que publicadas [de 34 a 37] não vêm numeradas no livro. Ficamos a saber, pelo autor do livro, que a baía da Murteira era um dos "covis" dos submarinos alemães, durante a II Guerra Mundial. Nas barbas das nossas tropas, ali estacionadas, mas não dispondo de artilharia, os alemães rondavam a ilha do Sal e outras ilhas do arquipélago, administrados por um país que praticavam a "neutralidade colaborante"... Na baía da Murteira há hoje um empreendimento turístico mas também mas tem uma zona protegida, a Reserva Natural da Baía da Murdeira
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Guiné 61/74 - P17173: Parabéns a você (1226): Braima Djaura, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCAÇ 19 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Março de 2017 > Guiné 61/74 - P17167: Parabéns a você (1225): José Lino Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 23 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17172: Blogpoesia (500): "Vivo perdido entre a gente", um poema de amizade para um grande amigo (Fernando de Jesus Sousa)

Rio Corubal no Saltinho - Guiné-Bissau
Com a devida vénia a Guinea Bissau Turismo


1. Mensagem do nosso camarada Fernando de Jesus Sousa (DFA), (ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71, autor do livro de poemas "Sussurros Meus"), com data de 20 de Março de 2017, com um poema de sua autoria, dedicado a um grande amigo.


Vivo perdido entre a gente

Sou como a água dum rio,
Que livre passa a correr.
Tão alegre tão genuíno…
Sigo em paz o meu caminho
Nesta vontade de viver!

Sou um prado verdejante,
Nestas campinas da vida,
Onde as flores são uma constante!
O gosto de viver é permanente,
Mesmo com a felicidade perdida!

Sou a ave que no céu vai,
Plena liberdade em movimento!
Grito de voz que do peito sai,
Sonho que nunca se esvai…
Em expressões dum sentimento!

Sou um mar sou um continente,
Um velho livro que ninguém lê.
Sou a aragem que mal se sente,
Vivo perdido entre a gente,
Grão de areia que mal se vê!

Sou água do rio com lamentos…
Como elas sigo o meu destino!
A vida são breves momentos,
Com alegrias ou desencantos.
Tal como a água dum rio!…

Fernando Sousa
26/2/2017
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17158: Blogpoesia (499): "Oração ao sol..."; "Viver é arte..." e "O camião do lixo...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17171: Convívios (789): 40.º Encontro do pessoal da CCAÇ 3547 - "Os Répteis de Contuboel", dia 27 de Maio de 2017 na Vila do Bombarral (Manuel Oliveira Pereira)




1. Mensagem do nosso camarada Manuel Oliveira Pereira (ex-Fur Mil da CCAÇ 3547 - "Os Répteis de Contuboel", Contuboel, 1972/74), com data de 16 de Março de 2017, solicitando a divulgação do 40.º Encontro/Convívio da sua Unidade, coincidente com o 43.º aniversário do regresso da Guiné.

Amigos, ex-camaradas,
Solicito a divulgação do Encontro/Convívio da CCaç 3547 "Os Répteis de Contuboel"´, a ter lugar na Vila do Bombarral próximo dia 27 de Maio.
Se estiver por cá, penso também fazer-vos companhia a 29 de Abril; Amieira já vai longe.
Logo que tenha definida a minha agenda de "obrigações familiares", informar-vos-ei.

Continuo a procurar nos meus arquivos - um pouco espalhados - mas também a encetar contatos com elementos da CCS (Bafatá), C.Caç. 3547 (Contuboel), CCaç 3548 (Geba) e CCaç 3549 (Fajonquito), todas do BCaç 3884, a fim de "arranjar" a fotografia do nosso Comandante de Batalhão, Ten. Cor. Correia de Campos.

Abraço,
Manuel OLIVEIRA PEREIRA,
ex-Fur. Mil.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17165: Convívios (788): XX Encontro do pessoal da CCAÇ 4150 - "Os Apaches do Norte", dia 14 de Maio de 2017, na Senhora da Aparecida, Lousada (Albano Costa)

quarta-feira, 22 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17170: Os nossos seres, saberes e lazeres (204): Central London, em viagem low-cost (6) (Mário Beja Santos)

Interior do Museu de Fitzwilliam, em Cambridge


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 10 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,
Era o último dia, reservei para ele toda a energia disponível para percorrer jardins, voltar à King's College Chapel, percorrer horas a fio uma portentosa exposição em iluminura, nunca vi coisa com tal dimensão e grandiosidade, foi despedir-me dos colégios, sentei-me em frente à ponte de Silver State, andei a cheirar nas livrarias.
Há anos que uma semana não tinha uma dimensão de um mês, tal a diversidade de sítios, tal o comprazimento com a beatitude das formas, o agrado que permite visitar uma cidade universitária no início do ano letivo.
Despeço-me com saudade de Cambridge e um dia destes dou-vos notícia de uma nova viagem.

Um abraço do
Mário


Central London, em viagem low-cost (6)

Beja Santos

O viandante confessa que se está a despedir do seu leitor em estado de nostalgia, tivesse o dom da ubiquidade e neste exato momento passeava-se por Cambridge para rever o que tanto lhe agradou e procurar conhecer mais, a cidade universitária oferece muitíssimo. O que se vê neste estacionamento de bicicletas parece pura banalidade, mas atenda o leitor à profusão de mensagens apensas ao gradeado: concertos, espetáculos de toda a índole, conferências, troca de informações, por aqui se pode medir o pulso da vibração cultural entre exposições, récitas de teatro, apelos à solidariedade.



Todos os colégios têm cunho próprio, identificam-se por emblemas, o vestuário capricha pela sua própria simbologia, quem estuda em Peterhouse, Pembroke, Queens, Clare ou Christ’s tem a sua própria indumentária, os seus brasões. E há estabelecimentos comerciais para satisfazer a questão da identidade.



Esta região chama-se os Backs, ou seja, seis dos colégios mais antigos de Cambridge dão para o rio, possuem prados, jardins, são fundos com alamedas que permitem passeios de barco, de contemplar a magnífica arquitetura dos colégios. Na gíria turística, uma visita a Cambridge fica incompleta sem pôr o pé numa destas bateiras, muitas vezes conduzidas pelos alunos. Na primeira imagem desfruta-se uma vista do King’s College vizinho da mais esplendorosa capela que o viandante conhece.


Este é o Clare, o segundo colégio em, antiguidade de Cambridge, a sua ponte que liga para os Backs é magnífica, daqui também se pode avistar a fachada principal da King’s College Chapel.


O viandante sente-se atraído pelo colorido das bateiras, felizmente que uma nesga de sol modificou a paisagem, alterou as cores do rio Cam e dá perfeitamente para ver como o ambiente incita à contemplação, pega-se num livro e aqui se desfruta a natureza, é um aprazimento ouvir relógios e sinos, a cidade ganha mística, percebe-se como estes estudantes que acabam de chegar se sentem tão maravilhados pelo recolhimento e o vigor destes monumentos do passado ao serviço do presente e do futuro.



O museu mais importante de Cambridge chama-se Fitzwilliam, prende logo a atenção a solidez do edifício neoclássico com um vestíbulo magnificamente decorado. O seu património em coleções de arte é deveras impressionante. Para comemorar os 200 anos do museu, na altura em que o viandante por lá passou, decorria uma exposição sobre a arte e a ciência dos manuscritos iluminados, era um festival de iluminuras de incalculável valor. Estavam patentes manuscritos excecionais e o visitante tinha à sua disposição um itinerário entre os séculos XIII e XVII, percorrendo o Reino Unido, a Pérsia e o Nepal, e muito mais. Subestimamos a iluminura, há quem por ignorância a trate por arte decorativa. Ora estes manuscritos são as melhores fontes para estudar as técnicas da pintura, a arte do fabrico das cores, os materiais e poder estudar a história, usos e costumes, enfrentar uma dada realidade nestas belíssimas cores, como a imagem mostra.



Sim, Cambridge é uma cidade de colégios, onde prima a vida estudantil e afã cultural, mas o seu monumento número um é a King’s College Chapel, Henrique VI lançou a primeira pedra em 1441, as obras terminaram sete décadas depois, no reinado de Henrique VIII. Entra-se e fica-se aturdido com a sua abóbada em leque, nas paredes laterais há vitrais fabulosos construídos por flamengos e ingleses, a meio um grande órgão, e não se visita Cambrigde sem ouvir neste ambiente o coro juvenil do King’s, atenção a quem por ali viaja, habitualmente pelas seis da tarde tem-se entrada gratuita no ofício religioso, o viandante teve esse privilégio podendo estar constantemente a olhar o quadro “A adoração dos reis magos” por Rubens.


Acabou a viagem? A viagem nunca acaba, o viajante é que desanda para outras paragens. Nada como despedida desta viagem a Londres e Cambridge falando de uma exposição que estava patente na National Portrait Gallery sobre a presença dos negros na Grã-Bretanha antes de 1948, fixa-se esta imagem como se um menino dissesse ao outro: “Toma atenção pá, o que se vai passar nesta fotografia é uma coisa séria, ficarás para a posterioridade, alguém te recordará por teres ficado congelado no que vamos fazer”.

É assim um relato de viagem, como aqui se pretendeu fazer, deixei a minha saudade e aprazimento partilhando-os convosco.
Até à próxima.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17141: Os nossos seres, saberes e lazeres (203): Central London, em viagem low-cost (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17169: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XVIII Parte: Cap IX - Guerra 2: O primeiro Lassa a morrer em combate, o sold at inf Marinho


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCç 763 (1965/67) >  T6 com motor gripado, a aterrar na pista de Cufar, depois de alvejado  em Caboxanque.


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCç 763 (1965/67) > 1965 > Dakota afocinhando, na pista de Cufar, quando transportava motor do T6 alvejado em Caboxamque. O Mário Fitas é o 1º da direita-

Fotos ( e legendas): © Mário Fitas (2016). Todo os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. [Foto  em baixo, à direita, março de 2016, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais.]

Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XVIII Parte > Cap IX - Guerra 2 (pp. 58-61)

por Mário Vicente


Sinopse:

(i) Depois de Tavira (CISMI) e de Elvas (BC 8),

(ii) o "Vagabundo" faz o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o periquito fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965.

Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XVII Parte: Cap IX: Guerra 2 (pp. 58-61)

E voltamos ao Cantanhez agora para fazer a {Op] Retorno a 17 de Setembro [de 1965]

Flaque Injã é o objectivo e o novo acampamento IN. Os Lassas a três grupos de combate embarcam em duas LDM, no cais de Impungueda pelas 24h00,  desembarcando na bolanha a oeste de Caboxanque, progredindo rapidamente,  ultrapassando esta tabanca e a de Flaque Injã, internando-se na mata a leste desta última.

Como primeiro objectivo teríamos a visita ao antigo acampamento, destruído na operação Satan, no entanto foram emboscados cinco elementos tendo sido aprisionados dois, que conduziram a CCAÇ ao novo acampamento existente. A recepção foi forte por parte do pessoal do PAIGC, utilizando armas ligeiras e pesadas, com balas tracejantes. Apesar dessa forte resistência, os Lassas assaltaram o acampamento desalojando o IN a quem causaram seis baixas confirmadas, apreendendo diverso material. 

Dirigem-se depois para Caboxanque em cujo cais deveriam reembarcar. Na frente da coluna em primeiro escalão, vai a secção do Chico Zé,  comandada pelo Carlos Manuel,  da secção de cães, levando como guias, Alfa Nan Cabo, Gibi Baldé e  Carlos Queba. Seguem-se as secções de Tambinha e Vagabundo. Há que atravessar um túnel arbustivo, onde se encontra uma cobra verde enroscada. A malta vai passando a palavra para trás, para as precauções necessárias pois uma picada desta bonita e simpática coisinha, de vinte e cinco centímetros no máximo é morte certa entre três, quatro minutos. 

Quando a cabeça da coluna atinge as proximidades da mata, de acesso ao cais de Caboxanque, há umas rajadas e uns tiros de G3 isolados. Malta para o chão, seguindo-se uns segundos sepulcrais. Que terá acontecido? Carlos Manuel e os seus homens lá na frente tinham desfeito dois indivíduos, capturado uma metralhadora ligeira, uma pistola e vários cunhetes de munições É aqui que Alfa torce o nariz, vem atrás e fala com Carlos.
– Ali na frente, manga de chatice! Pessoal não pode passa lá!

Inquieto, nariz no ar como que animal adivinhando catástrofe da natureza, rinoceronte perscrutando o perigo, não deixando de fazer o seu vocal som característico de “tchee… tchee…”.. Manga de chatice são as únicas palavras que sabe dizer. Almeida e Vagabundo chegam à frente, Alfa e Gibi apontam o chão. A experiência de escuteiro leva o furriel a verificar a erva levemente inclinada e a concluir também que por ali passaram dezenas de indivíduos.

Almeida leva os três guias e conferenciam com Carlos e Paolo. Carlos manda os Lassas abandonarem a mata em ziguezague e entrarem na bolanha, afastando o máximo possível.

É impressionante! O festim estava preparado com toda a ciência, uma emboscada com uma técnica fora do vulgar.

Quando os comandos do PAIGC se aperceberam que lhes tínhamos morto a detecção à retaguarda, fazer a diversão para terreno aberto, escamoteando a entrada na zona de morte, papando-lhe as migas na cabeça, ficaram fulos. Desvairado, o pessoal do PAIGC veio também para terreno aberto. Então começou o lindo espectáculo das bazucas e dos RPG a digladiarem-se. Estamos um pouco em vantagem porque as granadas dos RPG ao caírem na bolanha enterrando-se na lama, grande parte não rebentava. O céu mantinha-se encoberto e não tínhamos apoio aéreo. Verifica-se que são mais do que nós e que sem medo avançam em terreno descoberto.

Dá-se um milagre!... O sol desponta e ouve-se o roncar dos velhos T6. Damos a nossa posição no terreno com granadas de fumo. O “Mais Audaz” localiza tudo e faz duas picagens. Vagabundo, rádio sintonizado com o ar,  ouve nitidamente o tenente piloto dizer:
– Só vejo malta a rebolar… estou a atingir em cheio… vou picar novamente e gastar os últimos roquetes!

E assim faz, aparecendo sobre o tarrafo do lado do cais de Caboxanque, faz nova picagem. Ficamos suspensos por momentos, o piloto informa que a aeronave foi atingida e que ia tentar aterrar na pista de Cufar. Corações pequeninos, ouvimos que tinha conseguido. Quando regressados a Cufar soubemos, o T6 tinha sofrido bastantes impactes que lhe causaram dezassete furos,  um dos quais no depósito do óleo que esvaziara por completo, o avião a tocar na pista de terra batida e o motor a gripar.

Entretanto o festival em Caboxanque continuava. Alertadas, as lanchas e a vedeta da Marinha tinham subido o Cumbijã. Com a sua ajuda e mais uma parelha de T6, as forças do PAIGC foram reduzidas ao silêncio e os Lassas embarcaram,  regressando a Cufar.

Passados dias soube-se e ficará gravada na história da CCAÇ 763, tínhamos tido à nossa espera uma Companhia do Exército Popular, comandada, nada menos nada mais, do que pelo comandante 'Nino', a qual sofreu das mais avultadas perdas em termos humanos averbadas pelo PAIGC.

Obrigado Alfa, FAP e Marinha,  pois estaríamos metidos numa enorme e indefinida encrenca se não fosseis vós. A sorte também conta, sendo de uma importância extraordinária nesta guerra.

Nunca será pouco enaltecer os amigos fuzos e marinheiros, e aquilo que por nós fizeram com as suas lanchas e vedetas. Aos pilotos, e às enfermeiras páras, bastará o conhecimento e forma como são recebidos em Cufar para saberem como lhes estamos gratos por tudo.

É claro que nem tudo foram rosas.

Havendo uma grande operação dos fuzos na zona de Cabedu, foi montado o posto de comando e evacuação em Cufar,  derivado da sua bela pista e segurança. Hospital de campanha montado do lado esquerdo junto à entrada do aquartelamento. Por escala os Vagabundos de piquete. O seu chefe furriel já alcunhado de Mamadu, vestido ou despido à maneira do mato, calção e camisa de caqui, bota de lona e boina preta, pistola caindo do cinturão à “pistoleiro” em vez de carregar com a G3. Malta almoçada, segurança montada às aeronaves na pista, um calor de rachar, toca de espreguiçar numa maca, instalada no improvisado Hospital de Campanha.

Foram-se juntando alguns soldados em redor do furriel, começando as anedotas e histórias da vida de cada um. Mamadu delirando contar e ouvir uma anedotazinha, contava aquela do dramático caso do patrício que se queria suicidar por infidelidade de sua companheira e que, subindo ao quinto andar do prédio, de lá gritava estar farto da vida e que se iria mandar dali abaixo. O povoléu juntava-se todo à espera do desfecho do drama, quando apareceu a mulher do infeliz e que em desespero gritou:
– Oh!, a  homem, não faças isso,  porque eu só te pus os cornos, não te pus asas!

Encontrava-se Mamadu e aquela malta toda nesta bagunçada, quando de repente aparece a alferes pára enfermeira. Ao ver a malta por ali sentada, correu com a soldadesca toda. O furriel continuou agora sentado na maca, mas também ele teve ordem para se pôr a andar. Verificando o protagonismo que a sra. alferes estava a tomar, o chefe dos Vagabundos resolveu manter o seu. Deu-se então um diálogo interessante. Mamadu levantou-se e informou:
– Saiba Vossa Senhoria, meu alferes, que eu não vou abandonar esta posição, se há alguém que tenha de solicitar autorização para permanecer neste local, não serei eu, pois quem é aqui o responsável neste momento é este maltrapilho do mato que se apresenta a vossa senhoria!...

Perfilando-se, na posição de sentido, o furriel pronunciou:
– Apresenta-se o furriel miliciano Mamadu, comandante do piquete com a responsabilidade total pela segurança desta tenda, bem como de todas as aeronaves que se encontram na pista. Não tenho as divisas nos ombros, porque no mato é adorno que não usamos e a boina preta está superiormente autorizada.

Grande discurso!... A alferes enfermeira [, Maria Ivone Reis, foto à esquerda,]  sorriu e repostou:
– São todos iguais!... Têm todos a escola do vosso capitão! Mas pelo menos deveria estar com roupa em condições!
–  Saiba sra. meu alferes, que a minha lavadeira Miriam está em Catió com montes de roupa à espera de portador, pelo que não tenho o prazer e a honra de lhe satisfazer esse desejo. Mas como sabe e muito melhor do que eu, para morrer tanto faz estar de smoking como de camisa rota, o importante é estar lavada!
– Machistas de merda!

Foi a resposta que o furriel recebeu. Tinha razão a alferes enfermeira!?... Sim! Tinha razão, mas a CCAÇ não pode parar com estas ninharias pois o caminho a percorrer é longo. Reentramos nos cercos e limpeza e bate-se toda a tabanca de Cubaque,  dando forma à operação Rissol. Voltamos a Camaiupa e Cantumane para efectuar a [op] Rastilho, reconhecendo toda a mata. Uns tiros sem importância para comunicação e reunião, nós sabemos que eles continuam lá, é vital para dar seguimento ao corredor de Guilege. 

Quando entrávamos em Cantumane aconteceu precisamente o mesmo que na operação Trovão. No mesmo local e da mesma forma, fomos emboscados e atacados com o sistema de abelhas. O grupo de combate que seguia em primeiro escalão é obrigado a recuar. Só depois do envolvimento dos outros dois grupos e após uma hora de fogo intenso, a CCAÇ consegue repelir o IN causando-lhe nove mortos e pelo menos um ferido. Pela nossa parte um morto e vários feridos com picadas de abelhas. O soldado Marinho regressou à sua terra para nela repousar eternamente. Alguém irá ao Terreiro do Paço, receber a medalha postumamente atribuída. Os feridos no total de oito tiveram de ser evacuados alguns para Bissau,  resultante das picadas das abelhas, pelo que nos tivemos de deslocar para a bolanha para serem levados pelos helicópteros.

Com a morte do primeiro militar da CCAÇ 763, houve que definir coisas muito importantes. Tendo em atenção, a construção da nossa identidade, com o direito à identificação e localização, de um ente que faz intrinsecamente parte do nosso génese, ou agregação espírito-matéria. Sendo um direito adquirido, fazendo parte da nossa complexa estrutura cultural, o cultivar o culto dos mortos, e fazermos o nosso luto. Nunca um combatente poderá ficar no campo de batalha, local da sua morte, mas sim onde as suas cinzas façam parte de um todo, de uma vontade una daqueles a quem estão ligados.

É Cultura Portuguesa, caso contrário não teríamos ninguém nos Jerónimos.Todos devem ter direito aos seus sentimentos!

É importante que as nossas famílias saibam o que lhes é entregue. Quem não dignificou o valente soldado português, vindo dos mais recônditos lugares deste país? Não são considerados e respeitados por quem devia.

Carlos manda formar a Companhia e é assumido o compromisso:
–  Qualquer elemento da CCAÇ 763 que tenha a infelicidade de aqui falecer, a família receberá o seu corpo. Todos contribuirão para o efeito, em função do seu vencimento. Assim acontecerá!

Não abrandamos o controlo a sul. Num golpe de mão a Cantone, Quepul Na Cuenha,  chefe de partido de Mato Farroba, e Go Na Ialá,  enfermeiro do PAIGC, são feitos prisioneiros. Go Na Ialá é abatido por uma sentinela ao tentar a evasão, saltando o arame farpado. Mas também não temos meios para fazer tudo na noite de 26 para 27 de Novembro, elementos do PAIGC aparecem nas tabancas a sul tentando aliciar a população, raptando alguns blufos que conseguiram fugir e se apresentaram no aquartelamento informando do acontecido.

Confirmamos as dificuldades do PAIGC com a população, e no recrutamento interno, mas chegam-nos informações de que o Exército Popular está a ser reforçado por pessoal estrangeiro que não se limita a dar instrução, entrando também em combate. Verificamos que a guerra começa a internacionalizar-se. Não é novidade, já haviamos abatido uma ave estranha.

Continua a cobrança!... Hoje pagas tu, amanhã pago eu!

Primeiro de Dezembro, uma data que ainda diz qualquer coisa a este povo português. Inauguramos uma escola para as crianças nativas. A sua actividade é iniciada com a frequência de uma centena de alunos das povoações a sul e por nós controladas. É-lhes igualmente distribuída diariamente a primeira refeição, tendo-lhe sido fornecidos livros e outro material, tudo a expensas da CCAÇ 763. Desempenha as funções de professora Dª. Glória, tendo como assistente na parte de desporto Jata, o nosso amigo Micaelense, sargento Luís Tavares de Melo.

Não param os Lassas, apesar dos mortos e dos feridos que já sofreram, é necessário aproveitar a maré alta e por isso já fomos para o outro lado do Cumbijã, estamos cá para quê?... Fazer a guerra? Faça-se!
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