quarta-feira, 24 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17391: Os nossos seres, saberes e lazeres (213): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 16 de Fevereiro de 2017:
Queridos amigos,
Quando vos ocorrer organizar uma estadia nos Açores, lembrem-se de São Miguel e do Vale das Furnas. O casario do Vale é mimoso, a autarquia é infatigável a ajardinar, o Parque Terra Nostra está esmeradamente cuidado, a Poça de Dona Beija é uma permanente atração turística, nada mais desafiador no Inverno que estar dentro de uma água a 39 graus, com hipóteses de saltar de piscina em piscina, e um passeio pela lagoa é imprescindível, depois de ver as caldeiras é impossível não ficar rendido à planície extensa de águas espelhadas, à mata jardim José do Canto e o ao património construído que ele legou para bem do legado cultural micaelense, como tesouro artístico português de que nos devemos orgulhar.

Um abraço do
Mário


São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (3)

Beja Santos

O viandante acordou determinado: a direção é a Lagoa das Furnas, prova de resistência, ida e volta a pé algo como 14 quilómetros, com visita a pontos de referência obrigatória: a mata jardim José do Canto; e a capela de Nossa Senhora das Vitórias, nesta estão sepultados Maria Guilhermina Taveira Brum da Silveira e o seu marido, o incansável desenvolvimentista agrário, José do Canto. Nada com apresentar o local. A lagoa situa-se na cratera de um vulcão, é uma planície extensa de águas espelhadas, rodeada de montes arborizados, guarda na sua margem sul a vasta e bela propriedade de José do Canto. O viandante começa-se por entreter com um campo de inhames ainda no parque Terra Nostra, mete-se ao caminho, há muito a palmilhar, não há sol nem chuva, nem calor nem frio, segue-se por veredas firmes, as passadas esmagam a bagacina, a paisagem abre-se e súbito avista-se a lagoa e as fumarolas, sente-se que há desvelos próprios de parque natural, e deambula-se pelas caldeiras, algumas delas ao serviço da restauração.




Recomenda-se, a quem queira conhecer a personalidade extraordinária de José do Canto o livro “Os Cantos”, de Maria Filomena Mónica, Alêtheia Editores, 2010. Desde a primeira hora do povoamento que a ilha suscitou a atração pelas imensas potencialidades que o solo oferece: as madeiras como a faia; o pastel, as pastagens. António Feliciano de Castilho viveu três anos em São Miguel, coadjuvando José do Canto, “um dos homens de mais saber e gosto daquele arquipélago e que perfeitamente justifica a parcialidade que a fortuna tem para com ele. É o rico mais benéfico e de melhor gosto de quantos tem conhecido”, escreveu o poeta, que fundou uma sociedade dos Amigos das Letras e Artes em São Miguel. Entre 1852 e 1863, em terrenos de autêntica pedra-pomes, criou uma das mais belas propriedades dos Açores. Tem mata jardim, chalé franco-suíço, situado perto de outro edifício, construído pouco antes, e de estilo completamente diferente (flamengo), que é atualmente a Casa dos Barcos, a capela de Nossa Senhora das Vitórias iniciou-se em 1864.


O viandante não resistiu ao jogo da representação sobre a representação, havia na mata jardim uma exposição fotográfica e esta fotografia da casa dos barcos pareceu-lhe inexcedível. O que a mata oferece é um estadear de espécies: camélias, macieiras, fetos, tudo decorado a preceito dentro de alamedas, é um projeto original francês que serve para deslumbrar o visitante.




A ermida é um belo edifício neogótico, manifestação artística que floresceu na segunda metade do século XIX, principalmente em França e Inglaterra, e que hoje tem grandes apreciações cáusticas, os puristas entendem que tudo não passa de uma cenografia sem originalidade. Entra-se na capela, hoje usada para certos eventos, e depara-se-nos uma sobriedade tocante nos vitrais, nos altares, no púlpito, no lajedo. Sentiu-se o viandante muito bem e curvou-se respeitosamente junto dos túmulos daquele casal que se envolveu num espantoso projeto agrícola. Agora que se anda à procura de empreendedores devia-se estudar a preceito o dinamismo e a ousadia de José do Canto. Quando o viandante se despede da sua entusiasta cicerone, alegando que tem umas horas de marcha pelo caminho, a bondosa senhora prontamente atalhou conversa, tinha que vir até as Furnas, contasse com a boleia. E lá vieram a tagarelar, deu tempo ao viandante comer uma boa sopa de grão e um hambúrguer, prato típico para turistas e sinal de que a colónia açoriana nas américas deixou aqui legado. E não se resistiu a tirar fotografias a uma bela montra de casa comercial, exibindo cestos de fruta e legumes. Se já se vinha de uma originalidade, agradeceu-se mais esta. E o passeio no Vale das Furnas vai prosseguir.



(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17366: Os nossos seres, saberes e lazeres (212): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17390: Meu pai, meu velho, meu camarada (54): Navios, do álbum fotográfico de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo at inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, no Lazareto, entre julho de 1941 e setembro de 1943, em missão de soberania, juntamente com, entre outros militares, o fur mil e futuro cap SGE e escritor Manuel Ferreira (1917-1992), o autor de "Hora di Bai", de quem Leiria está a celebrar os 100 anos de nascimento


Foto nº 1



Foto nº 1A >  > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 23 de julho de 19141 > Chegada do 1º batalhão expedicionário do RI 5 (Caldas da Rainha)...  "Na foto [, do batelão que nos levou para terra,] estou eu com mais alguns camaradas da minha companhia. No porto do Mindelo [fotos nº 2 e 3 ] fomos entusiasticamente recebidos"]. Luís Henriques está assinalado com um rectângulo a amarelo.

Os portugueses desconhecem ou subestimam o enorme esforço militar que o país fez, na época da II Guerra Mundial, para garantir a soberania portuguesa nos territórios ultrmarinos. Cerca de 180 mil homens foram mobilizados nessa época. Em Cabo Verde chegou a temer-se a invasão dos alemães, dado o valor estratégico do arquipélago, à semelhança do arquipélago dos Açores, cobiçado pelos aliados.  Quantas vezes me falava disso, o meu pai, o meu velho, o meu camarada... No Mindelo, tal como em Lisboa, havia espiões de um lado e do outro,  alemães, italianos, ingleses, portugueses... E terá sido nesta época de fome, de guerra e de desgraça que se começou a desenvolver o nacionalismo cabo-verdiano que estará na origem do futuro PAIGC, fundado e liderado por Amílcar Cabral.



Foto nº 2 >  Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Outubro de 1941 > "O belo porto de mar de São Vicente; ao centro o ilhéu que se confunde com um barco [, o ilhéu dos Pássaros]",



Foto nº 3 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Maio de 1943 >  "A cidade do Mindelo e ao fundo o Monte Verde. Vê-se parte da baía da Galé". [A cidade na altura deveria ter 15 mil habitantes. O nº de expedicionários desembarcados em meados de 1941 chegou aos 3300,o que dava um rácio de 220:1000 (220 militares por mil habitantes)


Forto nº 4 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  O navio da marinha mercante "Serpa Pinto. Não há legenda no verso. Possivelmente Foto Melo. [Para mostrar aos beligerantes da II Guerra Mundial, que pertencia a um país neutral, o navio era pintado de negro, o caso, e com o nome de Portugal, bem visível, pintado a branco,  tal o nome do navio. Toda as as tripulações da nossa marinha mercante, bem como da nossa frota bacalhoeira,  sem esquecer a marinha de guerra, foram verdadeiros heróis, naquela época. E não poucos, bravos marinheiros e pescadores, perderam a vida, engrossando a lista de vítimas da nossa história trágico-marítima.

Embora com pavilhão de um país neutral, os nossos navios eram frequentemente intercetados tanto pelos Aliados como pelas potências do Eixo (e em especial pelos alemães, cujos submarinos "infestavam" o Atlântico...) e alguns foram atacados e afundados. Por exemplo, o  barco de pesca "Exportador primeiro" foi cobardemente atacado a tiro de canhão por um submarino italiano. a sul do Cabo de São Vicente, em 1/6/1941....Ou o navio de carga  e passageiros, da CCN, o "Ganda" afundado, "por engano", por um submarino alemão, ao largo da costa de Marrocos, em 22/6/1941... Estes são apenas 2 dos 11 navios, de pavilhão português,  afundados durante a II Guerra Mundial. 


Foi uma das glórias da nossa marinha mercante e a sua história (1914-1954) merece ser conhecida:

(...) "O N/T Serpa Pinto foi um navio de passageiros que foi operado pela Companhia Colonial de Navegação na Carreira da América do Norte (Lisboa–Nova Iorque), na "Rota do Ouro e Prata" (Lisboa–Rio de Janeiro–Buenos Aires) e na "Rota das Caraíbas" (Lisboa–Havana), entre 1940 e 1955.

"Foi o navio de passageiros que, durante a Segunda Guerra Mundial mais viagens transatlânticas realizou entre Lisboa, Nova Iorque e Rio de Janeiro, transportando refugiados da guerra em geral, e particularmente judeus em fuga do nazismo, trazendo de volta à Europa, cidadãos de origem germânica expulsos dos países americanos. Adquiriu assim popularidade, ficando conhecido pelos epítetos de 'Navio da Amizade', 'Navio Herói' e 'Navio do Destino' "  (,,,)
 

Fonte: Wikipédia


Foto nº 5 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  Março de 1942 > "A escola Sagres em São Vicente durante o seu cruzeiro  no Atlântico"

[Atenção: este não é o navio-escola Sagres atual... Este é o antigo veleiro, de 3 mastros, Rickmer Rickmers, ao serviço da Marinha Portugues, como navio-escola Sagres, entre 1927 e 1962...Também conhecido por Sagres II. Foi substituído, em 1962, como navio-escola da Marinha Portuguesa, pelo Sagres III (antigo NE Guanabara da Marinha do Brasil). ]


Foto nº 6 >  Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  29 de setembro de 1942 (?) > Navio inglês, não é indicado o nome no verso... "Esteve em S. Vicente no dia 29 de setembro com diplomatas. [Eu] estava no hospital quando ele cá esteve".



Foto nº 7 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > " No dia 11 de Abril [de 1942] chegaram estes dois barcos hospitais italianos ao porto de S. Vicente para irem fazer troca de prisioneiros e doentes com os ingleses. 1942"



Foto nº 8 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > "No dia 23 de dezembro [de 1942] 
os barcos hospitais italianos Vulcania e Saturnia em São Vicente  pela 2ª vez",

Durante a II Guerra Mundial, a Itália viu afundar-se 12 dos 18 navios-hospitais.  Na realidade, estes dois não eram navios hospitais mas 4 dos navios transatlânticos  (incluindo o Duilio e o Giulio Cesare que, com mais 2 petroleiros, Arcole e Taigete, conseguiram, numa operação cohecida, resgatar e repatriar cerca de 28 mil pessoas, entre crianças, mulheres e homens, da África Oriental, sob a égide da Cruz Vermelha Internacional em três viagens de circumnavegação do continente africamo, entre 2 de abril de 1942 e agosto de 1943. O Duilio e o Guilo Cesare serão afundados no bombardeamento aéreo dos Aliados na baía de Muggia em julho de 1944, Num total de 25 mil tripulantes inscritos, a Marinha Mercante italianam na II Guerra Mundial, perdeu cerca de 1/3 (7164).



Foto nº  9 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  Navio hospital italano "Duilio" [No verso, pode ler-se a legenda, muito sumida: "Hospital de diplomatas (sic) italiano que esteve em São Vicente em 1/6/194 (?). Foto Melo"...

[Segundo a imaginação, algo delirante, dos nossos  expedicionários, 3300 acantonados num apequena ilha de 15 mil habitantes, os passageiros, que não terão desembarcado, travavam uma luta atroz contra a falta de álcool a bordo... Constava-se que, à falta de bebibas no bar, bebiam álcool puro!...Recordo-me do meu pai contar esta história... O navio de passageiros "Duilio" tinha 23 636 toneladas, foi afundado em julho de 1944]



Foto nº 10 >  Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Junho de 1942 > "Paquete Colonial que tantas as vezes esteve em S. Vicente". Possivelmente Foto Melo.




Foto nº 11 >   Ilha da Madeira >  Funchal > s/d > "O Paquete Mouzinho. Oferecido pelo meu amigo [e conterrâneo, da Lourinhã] José B[oaventura]  Lourenço [Horta]  no dia em que o fui visitar ao Hospital em São Vicente. 26 de Julho de 1942." É provável que o José Boaventura Horta tivesse adquirido a foto a bordo. E, se não erro, o amigo do meu pai, meu conterrâneo e meu vizinho (no tempo em que vivi na Lourinhã, menino e moço) era da arma de artilharia (6ª Bateria Antiaérea do Grupo de Artilharia Contra Aeronaves).

[O "Colonial" e o "Mouzinho" eram paquetes gémeos, adquiridos pela Companhia Colonial de Navegação (CCN) no final da década de 1920. Faziam a carreira de África.  Foi no T/T "Mouzinho que o 1º cabo inf Luís Henriques e outros expedicionários do RI 5, das Caldas da Rainha, rumaram para Cabo Verde, em julho de 1941]




Foto nº 12 >  Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Novenmbro  de 1941. "(Ao fundo, navio italiano)  Para as refeições [ilegível] nos juntávamos todos os 30 [do pelotão]". [Ao lado esquerdo, um grupo de miúdos, à espera dos restos...]


Fotos (e legendas): © Luís Henriques (1920-2014) / Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].




1. Fotos do álbum de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo at inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, no Lazareto, entre junho de 1941 e setembro de 1943, em missão de soberania;  este e outros batalhões foram entretanto integrados RI 23].


[Foto `*a esquerda, Luís Henriques > 19 de agosto de 1942 > "No dia em que fiz 22 anos, em S. Vicente, C. Verde. 19/8/1942. Luís Henriques ".]


Estas e outras foram gentilmente cedidas ao prof João B. Serra, da Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha /Instituto Politécnico de Leiria, a quem a Câmara Municipal de Leiria incumbiu de  organizar  uma exposição comemorativa do 1º centenário do escritor Manuel Ferreira (1917-1992), que também foi expedicionário em São Vicente, neste período, com o posto de furriel miliciano, mais tarde cap SGE e professor universitário.  O autor de "Hora di Bai" (1958) era natural da Gândara dos Olivais, Leiria, onde tenho amigos e familiares que o conheceram em vida.  Morreu em Linda a Velha, Oeiras. Era casado com uma mindelense.

Recorde-se aqui, também mais uma vez, o excelente trabalho do nosso colaborador permanente José Martins (com raízes familiares em Leiria) sobre o nosso  dispositivo militar em Cabo Verde durante a II Guerra Mundial (**).

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 20 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17064: Meu pai, meu velho, meu camarada (53): Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), ex-1.º cabo, 1.ª Comp /1.º Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (Ilhas de Santiago, Santo Antão e Sal, 1941/43) (Augusto Silva Santos) - Parte V: Restos de espólio: o orgulho de ter pertencido ao Onze... E mais duas fotos de Pedra de Lume

(**) Vd. poste de 20 de agosto de  2012 > Guiné 63/74 - P10282: Meu pai, meu velho, meu camarada (30): Dispositivo militar metropolitano em Cabo Verde (Ilhas de São Vicente, Santo Antão e Sal) durante a II Grande Guerra (José Martins)

Guiné 61/74 - P17389: Parabéns a você (1258): Rui G. Santos, ex-Alf Mil da 4.ª CCAÇ (Guiné, 1963/65)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17384: Parabéns a você (1257): Luciano Jesus, ex-Fur Mil Art da CART 3494 (Guiné, 1971/74)

terça-feira, 23 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17388: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (17): Uma farra "açoriana" em Cufar.. ou o "universo concentracionário" em que viviam as NT


Foto nº 1 


Foto nº 2 A


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4A


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7A


Foto nº 7B

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ  4740 >  1973 > "Uma farra das NT"... O fotógrafo é o segundo, na foto nº 1, a contar da esquerda para a direita


Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


O Luís Mourato Oliveira na Praia da Areia Branca,
Lourinhã.  É bancário reformado, lisboeta.

1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro, que foi alf mil inf da CCAÇ 4740 (Cufar, 1973) e do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74). (*)


De rendição individual, foi o último comandante do Pel Caç Nat 52. Irá terminar a sua comissão no setor L1 (Bambadinca), em Missirá, depois de Mato Cão, e extinguir o pelotão em agosto de 1974.

Até meados de 1973 esteve em Cufar, a comandar o 3º pelotão da CCAÇ 4740, no 1º semestre de 1973. Tem bastantes fotos de Cufar, que começámos a publicar no penúltimo poste  da série (**).

Hoje mostra-se uma sequência de fotos (7) a que o fotoógrafo chamou "farra das NT". Sem mais legendas, as fotos falam por si, sendo muito reveladores do universo concentracionário em que se vivia na Guiné, nos aquartelamentos e destacamentos das NT. É a caserna na sua intimidade...

Recorde-se que esta subunidade, a CCAÇ 4740, era constituída por pessoal açoriano. Centena e meia de homens, na flor da idade, partilhavam espaços reduzidos, geralmente sob a  forma de  toscos "bunkers", semi-enterrados, construídos de troncos de palmeira, chapa, bidões, terra e argamassa, e  onde coabitavam  com os bichos (mosquitos e demais insector, roedores, répteis) e a atmosfera  era muitas vezes irrespirável, devido aos cheiros, à humidade, ao calor, à  semi-obscuridade, à sujidade, ao pó ou à lama (conforme a estação do ano: época das chuvas ou época seca)... Noutros casos, eram verdadeiros armazéns de depósito de material humano, com cobertura de chapa de zinco (foto nº 2)...

A ventoínha (fotos nº 4 e 6)  era um luxo, só para alguns, e só durante escassas horas da noite, quando se ligava o gerador... Nestas casernas do mato, os homens  viviam, conviviam, comiam e dormiam quase sempre em tronco nu, de calções e chanatas (fotos nºs 2,3, 5, 6, 7). O álcool, o tabaco e as cantorias, além das jogatanas de cartas, eram dos poucos escapes que a malta tinha nas "horas vagas"... Os dias sucediam-se aos dias, perdia-se a noção do tempo... Deiixa-se crescer o bigode, contra os regulamentos, para se pparecer mais bravo e macho (fotos nºs 3, 4 e 7).

No meio de toda esta promiscuidade, salvava-se a amizade, a solidariedade, a camaradagem... E cada companhia que chegava procurava melhorar, para si e para os vindouros, as condições de vida que encontrava... Se a guerra tivesse durado 100 anos, como alguns queriam, estou ciente que em Cufar já haveria hoje painéis solares, ar condicionado e bar aberto...

Temos, no nosso blogue,  uma série sobre "Os Bu...rakos em que vivemos" que pode ser revisitada. Na realidade, não eram "bunkers" de cimento armado à prova de canhão s/r ou morteiro 120  (com raras exceções, como Guileje), mas verdadeiros "buracos" a que os nossos chefes chamavam pomposamente "abrigos"... De Cafal Balanta a Mato Cão, de  Mampatá a Banjara, da Ponte do rio Udunduma a Ponte Caium, de Sare Banda a Missirá, de Madina do Boé a Copá..., a Guiné era, toda ela, uma terra "esbu...rakada".

Camaradas, estas fotos merecem a vossa atenção, os vossos comentários! (LG)

PS - A CCAÇ 4749 (Cufar, 1972/74) tem um sítio na Net. Ver aqui. E vai realizar o seu XI Encontro Nacional, em Fátima, no dia 10 de junho de 2017.
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Notas do editor


segunda-feira, 22 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17387: Notas de leitura (960): “Arcanjos e Bons Demónios, Crónicas da Guerra de África 1961-75”, por Daniel Gouveia, 4.ª edição, DG Edições, 2011 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Maio de 2017:

Queridos amigos,
Sim, é verdade, os teatros de guerra distinguem-se à légua, quando se fala de manchambas, mainatos, embondeiros ou pacaças, sabemos que esta linguagem não é aplicável ao território guineense, onde não há montanhas, nem abismos, nem se fazem viagens de centenas de quilómetros.
A guerra de Daniel Gouveia passou-se em Angola, mas o escritor teve a varinha mágica de versar as coisas num contexto tal que ninguém fica de fora, somos empurrados em todas estas viagens, peripécias, bizarrias e acontecimentos épicos, como será a última história de uma parturiente que tinha o seu bebé atravessado, lá foi de jipe até ao hospital, as esperanças eram poucas, o jipe deu uma sacudidela mais violenta, a criança empinou-se para a frente, houve um final feliz.
É um livro testemunho de alguém que deve ter uma visão positiva da vida, que não conhece rancores e tem as melhores memórias de se ter feito homem no meio daqueles arcanjos e bons demónios.

Um abraço do
Mário


Arcanjos e bons demónios: histórias de cuidado, de fraternidade e horror (1)

Beja Santos

“Arcanjos e Bons Demónios, Crónicas da Guerra de África 1961-75”, por Daniel Gouveia, 4.ª edição, DG Edições, 2011, é um livro notável, seja qual for o prisma com que encararmos estas crónicas em que um alferes descobre um continente, novas dimensões da solicitude, impensáveis usos e costumes, mas também o medo, a camaradagem e o amor ao próximo. Digamos que são memórias a partir da senectude de alguém que se temperou em múltiplos ofícios, desde velejador oceânico, passando por gestor comercial, à tradução edição de livros. Percebe-se que houve uma laboriosa congeminação para ter chegado a este documento ímpar. É timbre da melhor literatura de guerra pôr o homem perante os seus desafios, por caminhos em que se vê que ele está a crescer e que pela vida fora nada superará o que ali aconteceu, de armas na mão ou a ajudar os outros. Daniel Gouveia concebe as suas crónicas naquele saboroso estilo da narrativa das mil e uma noites, do tipo na sequência do capítulo anterior até chegarmos a um derradeiro episódio que nos deixa com vontade de saber mais.

Crónicas montadas numa grande capacidade de observação e de confessado deslumbramento. Logo a descrever uma queimada:
“A queimada era a grande convulsão da planície. A hecatombe dos pequenos e lentos: caracóis, formigas, pássaros ainda no ninho, cágados surpreendidos longe do seu pântano. A muralha de fogo avançava, crepitante, atirando ao ar palhas a arder, folhas, cinzas, em turbilhões desencontrados, com um ruído de trovão contínuo, pontuado por estoiros de troncos a rachar. Uma dança de vermelhos e amarelos, golfando fumo que coava o sol numa luz acastanhada e sombria. E castanho era o cheiro que inundava o ar e alarmava os bichos. A frente de chamas agitava-se, qual pano de fundo no drama dos que não tinha uma toca suficientemente funda. Por cima revoluteavam as águias, sacudidas pela turbulência, antes de picarem sobre alguma cobra ou rato em fuga louca, desvairados pelo ardor nos olhos”.

Dotado de uma grande capacidade de olhar e exprimir sentimentos, é fluente e impressivo a contar-nos as dores da morte, o rescaldo na desgraça, os imprevistos de uma agonia, a tentativa de fotografar uma onça na armadilha. Em vagas sucessivas, o leitor é introduzido na fauna e na flora, acompanha quase por dentro os estrépitos do confronto entre o homem e o bicho. O pelotão em patrulha dera com o rasto de pacaças e o guia pontificou, tinham passado havia pouco minutos, seriam uns vinte animais, com crias, estavam a cinquenta metros dali. Não se pode perder o episódio.
“- Como é que sabes isso tudo? 
- Meu alferes, o excremento ainda fumega. O trilho largo assim… São umas vinte, mais ou menos. Vê estas bostas mais pequeninas? São das crias. 
- E como é que sabes que estão a cinquenta metros? 
- O meu alferes não ouve? 
- Ouço o quê? 
- Este barulho, de vez em quando, de paus a partir… São elas a andar, devagarinho. Enquanto pastam, pisam ramos secos, partem paus. Olhe! Ouviu agora?”.

Toda a boa literatura é uma história bem contada, é o que encontramos aqui, já não se pode lagar o texto, o guia explica o que vai fazer, a tropa dispõe-se na defensiva, o guia deita-se a bater com as mãos e os pés no chão e a imitar o grito da cria de pacaça quando é atacada. O que se segue atabafa os sentidos:
“Passaram uns segundos, durante os quais nada se ouviu senão a restolhada e guinchadeira do guia, no que mais parecia um ataque epiléptico. Os primeiros risos dos soldados foram, porém, apagados por um ruído surdo, levantando-se progressivamente do interior da mata. Primeiro era um trovão longínquo, em crescendo contínuo. Depois o chão começou a tremer e o trovão a aproximar-se, acompanhado do estralejar de ramos partidos e vergastadas de arbustos. O que se ouvia contrastava com a quietude absoluta do que a vista registava, num ambiente irreal de tensão avolumada a cada instante. A seguir, as folhas das vergônteas mais finas entraram em vibração. Por fim, o barulho atroador e o tremer do solo assemelhavam-se ao metropolitano a entrar na estação. De repente, a ramaria baixa que limitava a clareira abriu-se num rompante e dela saiu um turbilhão de patas e chifres com 400 quilos de carne lançada a toda a força. Vinha num trote rapidíssimo, com o focinho rente ao chão, narinas e olhos dilatados, resfolegando. Ouviu-se um tiro e aquela visão aterradora desmoronou-se, percorrendo os últimos metros já desarticulada e rojando os flancos, em espasmos de agonia. Os animais que vinham atrás eram muito menos corpulentos e, tal como o guia previa, mal chegavam à clareira, guinavam, em fuga precipitada, para a esquerda e para a direita, deitando um último olhar apavorado ao chefe morto”.

Não se trata das descrições de uma guerra com um recurso ao teatral, à bazófia, ao caricatural ou chocarreiro. O que se escreve vem da inspiração de olhar seres humanos, brancos ou negros, na sua inteireza, procurar entender as normas culturais do residente ou do militar que ali aterrou, vem da predisposição de estar aberto à sabedoria dos outros, daí as peças saborosas da conversa do alferes com aquele guia que sabe quando passou o javali, que estudou as folhas, e que por ali passou uma cabra-do-mato perseguida por uma onça. O alferes recebe uma soberana, a rainha D. Isabel, dos Marimbas, com poder de vida ou de morte sobre os súbitos, entrou no quartel a dançar, acompanhada pelo seu séquito. “Com uma desenvoltura de negar os seus 80 e tal anos, comandou uma rodopiante coreografia de requebros de anca e revoluteios de braço, com a qual o grupo franqueou a distância entre a porta de armas e o centro da parada, no meio de nuvens de pó levantadas pelos pés descalços”. Alguém advertiu ao alferes que devia mandar vir duas cervejas para a rainha. Conversaram, o alferes entendeu a parte diplomática: mandasse o alferes nos portugueses e a deixasse a ela mandar nos pretos, que se haviam de entender muito bem, pois isso de perder poder não agrada a ninguém e era melhor ajudarem-se nesse particular. A conversa terá corrido bem, despediram-se com a garantia mútua de paz e concórdia, e o cantineiro lá explicou ao alferes porquê mandar servir duas cervejas bem frescas à rainha:
“Saiba que para esta gente é má educação oferecer apenas uma unidade seja do que for. Porque isso é oferecer o mínimo. Se queremos mostrar verdadeiro gosto em presentear, tem de ser, pelo menos, duas unidades. De outra maneira estamos a insultar a pessoa”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17383: Notas de leitura (959): Prefácio de António Graça Abreu, ao livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo, lançado em Leiria no passado dia 6 com a presena do presidente da Câmara Municipal local, Raul Castro, também ele ex-combatente

Guiné 61/74 - P17386: Blogpoesia (511): "Sucessão de formas concêntricas"; "Dedos famintos, desalmados" e "Lavar na fonte", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Lavadouros do Rio Leça, inaugurados em 1937. Já não existem
Com a devida vénia a Matosinhos Antigo


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Sucessão de formas concêntricas

Vem de longe este túnel de formas concêntricas que eu sou.
Dum encontro fatal brotou um ser compósito:
Alma e corpo, com forma de gente.
Único e irrepetível.
Um elo, apenas.
Com um destino que é seu.

Propagou-se no tempo,
Em imagens crescentes.
Desde um simples minúsculo, idêntico,
Ao ponto que sou,
Numa permanência perfeita e total.

Sinto quem fui desde o começo,
Não como alheio.
Diviso para trás,
Mas ignoro o que serei no futuro…

Berlim, 17 de Maio de 2017,
8h38m
Mais um dia de sol
Jlmg

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Dedos famintos, desalmados

Dedos famintos, desalmados,
Daquele jovem iluminado,
Percorrem os teclados dum órgão alucinado
Clamando os sons incandescentes da Tanauser do nosso Wagner.
Enchem a catedral. Até as pedras centenárias
Das colunatas vibram nos seus prumos,
Como vibrantes cordas.

E, pelo chão, em deliciosas cadências,
Os pés do organista
Marcam o ritmo
Como se fosse bateria.

É a hora expoente da arte musical.
Tanta beleza!
Que nos enche e sacia a alma
Com os magnos eflúvios sonoros
Que só um órgão de tubos
É capaz de dar…

Berlim, 20 de Maio de 2017
18h3m
Ouvindo a Tanhauser de Wagner tocada num órgão de tubos, por Jonathan Scott
Jlmg

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Lavar na fonte

Sob a latada sombria, no fundo do campo,
Havia um tanque.
Uma bica constante despejava um rego de água vindo da rocha no seio da terra.

As moças chegavam com cântaros de barro.
Enchiam e lá seguiam para casa, contentes.

O tanque comprido parecia piscina.

De alguidares à cabeça, chegavam mulheres,
Com resmas de roupas.

Enchiam o …longo, em pedra,
A todo o comprido.
Cada uma, um sabão em barra.

Mergulhavam a peça.
Estendiam-na na pedra.
Esfregavam, com força o sabão.
O sujo, envergonhado, sumia.

De novo um mergulho.
Esfregavam, torciam.
A água escorria.
Esta já estava.

Entretanto, na galhofa,
Se contavam as últimas.
Nada escapava.
Melhor que a Reuter…

Do abade ao ferreiro.
Da Seara e da Tripa.

Se entoavam cantigas de igreja
E brejeiras.

Quem passava na estrada, encima,
Parava a ouvi-las.

As horas corriam.
Saía uma e logo outra chegava.
Assim se passava a manhã.

Pela tarde, reluziam ao sol,
Pendentes nas cordas,
Toda a roupa lavada,
Melhor que nas máquinas...

Berlim, 18 de Maio de 2017
8h56m
Dia quente de sol
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17354: Blogpoesia (510): "Oração à paz"; "Alimento secreto" e "Festa do sol", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17385 Louvores e condecorações (11): CCAV 252 (Bafatá, Bula, Mansabá e S. Domingos, 1961/63) (Mário Magalhães, grã-tabanqueiro nº 742, um dos nossos "veteraníssimos")

1. Mensagem, de  do nosso "veteraníssimo" Mário Magalhães, membro nº da Tabanca Grande nº 742, ex-srgt mil da CCAV 252, Bafatá, Bula, Mansabá e S. Domingos, 1961/63, com data de 11 de Abril de 2017:

[ Foto à esquerda, Mário Magalhães que serviu o país, como militar, em dois períodos distintos;

(i) fez o serviço militar, de 7 de abril de 1959 a 7 de março de 1961 (Escola Prática de Cavalria, Curso de Sargentos Milicianos; BA 4, Açores, Polícia Aérea); 

(ii) foi reintegrado em 6 de junho de 1961 (CIOE, Lamego), sendo mobilizado para a Guiné , de agosto de 1961 a novembro de 1963, como fur mil  da CCAV 252; 

(iii) esteve em Bafatá, Nova Lamaego,  Buruntuma, Bula, Caió e S. Domingos; 

(iv) realizou múltiplas actividades operacionais nas zonas de: Bula, Binar,Caió, Mansoa, Farim, Olossato, Oio/Morés, Susana, Varela, S. Domingos, Ingoré, etc.; 

(v) foi promovido a 2º srgt mil em 28/2/1963.]

Caros Camaradas Tabanqueiros,

Agradeço todos os comentários que ,amavelmente ,bons camaradas se dignaram tecer após e a propósito da minha inscrição como membro da TG, bem como em referência á CCav 252 á qual pertenci e servi, não apenas como expedicionário mas como combatente em repetidas ocasiões sempre encaradas com o maior empenho e rigor militar.

Segue texto do louvor colectivo á CCav.252 emitido pelo Comandante-Chefe das FA da Guiné, louvor que por si só define o verdadeiro estatuto da Unidade no contexto descritivo dum "Teatro de Guerra". (**)


Louvor atribuído à CCAV 252, com data de 4 de novembro de 1963, pelo então com-chefe, brigadeiro Fernando Louro de Sousa 
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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P17384: Parabéns a você (1257): Luciano Jesus, ex-Fur Mil Art da CART 3494 (Guiné, 1971/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17380: Parabéns a você (1256): Mário Pinto, ex-Fur Mil Art da CART 2519 (Guiné, 1969/71)

domingo, 21 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17383: Notas de leitura (959): Prefácio de António Graça Abreu, ao livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo, lançado em Leiria no passado dia 6 com a presença do Presidente da Câmara Municipal local, Raul Castro, também ele ex-combatente


Capa do livro do Luís Branquinho Crespo, "Guiné: um rio de memórias".
 Leiria, Textiverso, 2017


Leiria > Celeiro da  Casa do Terreiro > 6 de maio de 2017 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017) > Da esquerda para a direita, eng Carlos Fernandes, escritor,especialista em história local e regional (ele próprio natural das Cortes, tal como o Branquinho Crespo, e aqui presente na qualidade de editor),  o  dr. António Graça de Abreu, apresentador da obra, o  dr. Luís Branquinho Crespo, autor, o  dr. Raul Castro, presidente da Câmara Municipal de Leiria,  e José Cunha, presidente da União de Freguesias de Leiria, Pousos, Barreira e Cortes



Leiria > Celeiro da  Casa do Terreiro > 6 de maio de 2017 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017) >  O  dr. Raúl Castro, presidente da Câmara Municipal de Leiria,   ele próprio antigo combatente na Guiné, aqui no uso da palavra. (Nasceu em Abrantes, em 1948, é presidente da autarquia leiriense , desde 2009).


Leiria > Celeiro da  Casa do Terreiro > 6 de maio de 2017 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017) > O eng Carlos Fernandes, representante da editora,  no uso da palavra.



Leiria > Celeiro da  Casa do Terreiro > 6 de maio de 2017 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017) > O dr. António Graça de Abreu, membro da nossa Tabanca Grande, apresentador da obra, e o  dr. Luís Branquinho Crespo, autor.


Leiria > Celeiro da  Casa do Terreiro > 6 de maio de 2017 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017) >  Aspeto da assistência


Leiria > Celeiro da Casa do Terreiro > 6 de maio de 2017 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017) > Sessão de autógrafos, com o Luís Branquinho Crespo, à direita. (Ex-alf mil, CART 2413, Xitole e Saltinho, 1968/70, advogado em Leiria, passou a integrar a nossa Tabanca Grande desde 18/5/2017, com o nº 744).

Fotos : © Luís Branquinho Crespo (2017). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem, de 18 do corrente, emviada pelo António Graça de Abreu,membro da nossa Tabanca Grande;


Meu caro Luís:

Segue o meu prefácio às "Memórias" do Luís Branquinho Crespo.

Na apresentação do livro, baseei-me neste meu texto, mais umas notas e improvisos. Saímo-nos todos muito bem, para uma sala cheia, aí com 60 pessoas. 

Para publicar no blogue, faltam as fotos do acontecimento. Espero que o Branquinho tas envie em breve. Esteve lá o Presidente da Câmara, dr. Raul Castro, nosso camarada da Guiné, e mais gente grada e de qualidade, de Leiria e arredores.

Este mail também vai para conhecimento do Branquinho Crespo.

Abraço amigo,
António Graça de Abreu


2. Guiné: um rio de memórias, de Luís Branquinho Crespo (Leiria, Textiverso, 2017) > Prefácio de António Graça de Abreu 

Nós todos, ex-combatentes na guerra da Guiné, apanhados na verdura dos anos pelas convulsões do fim do império, somos hoje pacatos cidadãos com bonitas idades entre os sessenta e muitos, setenta e os oitenta anos. Temos trajectórias sinuosas e extremadas por bolanhas, tarrafos, florestas e rios dessa fantástica terra verde e amarela onde delapidámos e construímos os dias, e que permanece em nós, na memória serena ou exaltada de um passado como pequenos ou grandes guerreiros numa guerra que aparentemente nada tinha a ver connosco, mas onde fomos dignos portugueses, como sempre dando corpo a uma enorme e implacável gesta, com séculos de história, eivada de heroicidade, medos e loucura.

Alguns de nós temos tido a ventura de, quase cinquenta anos depois, regressarmos aos lugares onde derramámos sangue, muito suor e algumas lágrimas, onde assumimos uma vez mais este singular sortilégio de um povo estranho e excelente a quem, como recordou o padre António Vieira, já em 1670, “Deus deu pouca terra para o nascimento e tantas outras para a sepultura; para nascer pouca terra, para morrer, toda a terra; para nascer Portugal, para morrer, o mundo.” [1]

Os livros de memórias, diários, relatos factuais escritos pelos velhos combatentes das guerra de África (1961-1974) continuam a aparecer regularmente nos escaparates das livrarias sempre com novas abordagens, objecto do entendimento de cada um, em retratos exemplares de um passado distante mas que continua vivo, está no tutano dos nossos ossos e só se extinguirá quando levarmos connosco para uma outra vida os retratos esfusiantes da nossa quase meninice, com uma espingarda nas mãos, os olhos tracejados a sangue e o esvair de mil sonhos.

Quanto ao conflito bélico, no que à antiga Guiné Portuguesa diz respeito, todos os que por ela passámos, somos porventura os eleitos dos deuses da guerra, pelo extremar das situações de combate, pela inclemência de um clima hostil, pela dificuldade de inserção do nosso combatente num quotidiano onde as chagas e o sofrimento corriam em catadupas, onde, contraditório como tudo o que a Portugal costuma dizer respeito, acabámos por encontrar a harmonia possível, o entendimento fraterno com os nossos camaradas de armas e com as populações nativas. Foi a quase mágica adaptabilidade portuguesa, experimentada, testada pelos quatro cantos do mundo, essa capacidade de inventarmos mais vida, de estarmos de bem connosco e com as mais desvairadas gentes a quem, por tantas singulares razões, ligámos a nossa existência.

O Luís Branquinho Crespo, na tropa, em 1964
Luís Branquinho Crespo é um dos nossos, um excelente oficial miliciano na Companhia de Artilharia 2413 que fez a guerra da Guiné aquartelada no Xitole e depois no Saltinho, terras do interior do território guineense, entre 1968 e 1970.

Ao publicar agora o seu livro Guiné, Rio de Memórias, Branquinho Crespo desdobra-se em descrições iluminadas sobre esse período único da sua vida. Logo nas primeiras páginas temos o relato emocionado da despedida de Carlos Viegas, o alter ego que o autor utiliza como nome nestes textos, ao despedir-se da sua mãe, uma senhora rasgada pelo sofrimento da partida para a guerra do seu filho querido, agarrando-se ao estribo do comboio “branca, lavada em lágrimas e contendo as golpadas da dor da despedida num silêncio que lhe gritou dentro do peito. Tinha a alma cheia de labaredas, como a flor da blusa.”

Esta mãe, é por certo a mãe de todos nós, os que um dia partimos para a guerra da Guiné.

Mas este livro de Luís Branquinho Crespo, ao contrário do que eventualmente possa parecer, não corresponde apenas a um caudal de memórias sobre um passado cada vez mais distanciado das nossas vidas.

Luís Branquinho Crespo, em 2002,
com 57 anos
Branquinho Crespo regressou à Guiné em 2010 para, de bem com a sua consciência, de bem consigo próprio, recordar o passado e empreender depois uma fascinante viagem por terra,
de volta a Portugal. Nesta sua obra mostra-nos um pouco das realidades da Guiné-Bissau, do dia a dia do país trinta e sete anos após a independência, com todos os problemas subsequentes a uma má descolonização e aos quase permanentes conflitos internos numa terra já soberana e dona do seu destino.

O autor lembra a tragédia dos fuzilamentos, em 1975, de centenas e centenas de guineenses que combateram na guerra ao lado das tropas portuguesas. Conversa com um africano que a quase tudo assistiu e que se refere aos homens “descarregados vivos e nunca mais ninguém os viu. Percebes? Nunca mais foram vistos, mas todas noites acordam comigo.” São marcas terríveis num filho da Guiné.

Nas suas andanças recentes pelas terras guineenses, Luís Branquinho Crespo encontra uma figura de português exemplar, de seu nome ou alcunha António Pouca Sorte, homem do barrocal algarvio, expatriado na Guiné-Bissau pós-independência, por obtusas razões, impossibilitado de voltar a Portugal e que se começa a esquecer gradualmente da pátria portuguesa. Depois de 17 anos de vida na Guiné-Bissau, quando perguntado “Afinal o que se passa contigo?” António Pouca Sorte responde: “Eu sou como a Guiné, o meu nome é todo o mundo me esquece.”

Como referi, Branquinho Crespo fez a viagem por via terrestre no regresso da Guiné-Bissau a Portugal, no ano de 2010, num jipe com mais dois amigos através da Guiné, o Senegal, a Mauritânia, o antigo Sahara Espanhol, Marrocos, Espanha e finalmente Portugal. Foram quase cinco mil quilómetros de jornada pelas franjas marítimas do deserto do Sahara, por terras abrasadas pelo calor, distantes de tudo excepto do coração dos raros homens que por aí viajam, se reencontram e em solo quente e inóspitos retalham pedaços de vida.

Este “Guiné, Rio de Memórias” transforma-se então num livro de viagens, entrelaçando ficção e realidade no exaustivo jornadear, de terra em terra, de floresta em floresta, de deserto em deserto, desde a Guiné-Bissau até à “doce pátria” lusitana. São páginas curiosíssimas que se lêem com espanto, numa escrita rica, acutilante, descomplexada mas intensamente trabalhada. De resto, o autor escreve todo este livro com uma limpidez e uma qualidade rara nestas obras que vão sendo publicadas sobre as nossas guerras em África.

Em Goré, no Senegal, ao encontrar os antigos entrepostos de escravos que no passado eram levados para as américas em condições infra-humanas na travessia do Atlântico, Branquinho Crespo debruça-se sobre o infamante comércio de escravos e fala-nos nos “negreiros árabes que ali os descarregavam, depois de terem desbastado à catanada todos os que estivessem cansados (…) Impressionante o número dos que por aquela janela, aquela porta de saída tinham partido. E os que morreram? E como morreram? E como sofreram antes de morrer? E os lançados ao mar? (…) Vão lá e digam o que vão sentir. Ali está uma parte da miséria da humanidade. No meio daquelas cores quentes sente-se frio, muito frio. Tanto frio.

E apenas três almas portuguesas, de jipe, para atravessar o Sahara.”

Guiné, Rio de Memórias, o livro de Luís Branquinho Crespo é uma obra sobre um regresso a África. Mas como recorda o autor “nunca se regressa completamente”, a Guiné da nossa vida de quase meninos, no calor da guerra, no calor do tempo, no calor da fraternidade entre todos, permanecerá dentro de nós, para sempre.

Essa terra onde, como o autor escreve, “a ideia de Estado é uma coisa vaga ou desconhecida. Aliás na Guiné existe Nação, o que parece um contrassenso, mas é assim mesmo. E o Estado está a nascer ou vai nascendo. Ou nunca mais nasce. Ou vai morrendo, mas ainda está imberbe e não é recomendável. Talvez tudo isto espante, mas é verdade.”

E no entanto este livro é igualmente uma obra de confiança nas sinuosidades do comportamento humano, também de crença num futuro melhor para as multifacetadas gentes da Guiné-Bissau que como recorda Branquinho Crespo “Tem uma população jovem alegre, disponível e apesar de tudo cheia de esperança. E vai mudar, começa a haver sintomas de que algo vai mudar. Vão, vejam, sintam.”

Que se cumpram os bons augúrios de Luís Branquinho Crespo nessa espantosa terra verde e amarela, a que todos nós, ex-combatentes na Guiné-Bissau estamos ligados pela memória que nos circula no sangue e no bater ritmado do coração. (**).

António Graça de Abreu

[1] Padre António Vieira, Sermão sobre a fama de Santo António, a 13 de Junho de 1670, em Roma.


3. Onde e como adquirir o livro:

O  livro pode ser pedido à editora que tem a seguinte direcção:

Textiverso, Unipessoal, Lda
Rua António Augusto Costa, n.º 4
Leiria Gare
2415-398 LEIRIA
Contactos telefónicos:
244 - 881 449
966 739 440

E também ao autor:

Luís Branquinho Crespo

Largo da Infantaria 7, n.º 129 - 1.º Andar
2410-111 LEIRIA
Contactos telefónicos
244 843 270
918 353 265

Os interessados não se esqueçam de indicar a direcção...

O livro “ Guiné – Um Rio de Memórias” importa no valor de € 15,80 já com portes e esse valor pode ser transferido para o seguinte IBAN 0010 0000 1888 8110 0015 3

Caso pretendam pagar por cheque pode ser enviado para qualquer uma das direcções acima indicadas,

Guiné 61/74 - P17382: Convívios (804): 2º encontro da Tabanca do Algarve, Faro, 20/5/2017 (José Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68)


Foto nº 1 > Faro: Monumento aos combatentes (junto ao RI 4)


Foto nº 2 > Faro: Monumento aos combatentes. pequena aloucação do camarada  João Boteleiro



Foto nº 3 >  Aspecto (parcial) do almoço de convívio (1)


Foto nº 4 >  Aspecto (parcial) do almoço de convívio (2)

Foto nº 5 > Aspecto (parcial) do almoço de convívio (3): da esquerda para a direita,  reconhecemos dois dos nossos grã-tabanqueiros "algarvios": o Henrique Matos, que é açoriano (ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 52, Enxalé, 1966/68). e  o José António Viegas, (ex-fur mil do Pel Caç Nat 54, Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68).


Fotos : © José António Viegas (2017). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem de ontem, sábado, 20 de maio, às 17h08, do nosso camarada, amigo e membro da nossa Tabanca Grande José António Viegas (ex-fur mil do Pel Caç Nat 54, Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68):


Assunto - 2º Encontro dos Ex-Combatentes da Guiné (Concelho de Faro) - Tabanca do Sul



Realizou-se hoje em Faro o 2º encontro de ex-combatentes da Guiné.

Foi com muita satisfação que nos voltámos a juntar depois de mais uma chamada do ex-Major Marguilho.

Depois de uma singela homenagem aos nossos Camaradas caídos no Campo de Batalha do Concelho de Faro no Monumento[22 mortos no total, sendo 8 no TO da Guiné,segundo o portal Ultramar TerraWeb], e com uma pequena prelecção do nosso Camarada Dr. João Botelheiro, foi deposta uma ramo de flores seguido de 1 minuto de silêncio, para que nunca sejam esquecidos.

Seguiu-se depois um almoço de convívio. (**)


2. Comentário do nosso editor:


Parabéns, Zé Viegas, parabéns Henrique Matos, os únicos membros da Tanca Grande que eu reconheço nas fotos que vieram sem legendas... Vocês tinham prometido fazer um 2º encontro este ano, e cumpriram. Mas agora vamos lá acertar a designação da Tabanca: é Tabanca do Algarve ? É Tabanca do Sul ? É só Tabanca de Faro ?...

E tragam mais malta para a Tabanca Grande, mãe de todas as tabancas: o nosso blogue precisa de "periquitos", com álbuns fotográficos e algum jeito para a escrita!... Aquele abraço para a brava gente de Faro. (LG)

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