quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17976: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 3 e 4: Promovido a 1º cabo condutor autorrodas e colocado no RAL 5, em Penafiel



José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74. Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo hoje autor, com dois livros publicados (um de poesia e outro de ficção). Senta-se debaixo do poilão da Tabanca Grande no lugar nº 756.

Foto de cima: no Regimento de Cavalaria 6, 1972, depiois de ter feitoa recruta do CICA 1 - Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas, no Porto, junto ao paláciod e Cristal;promovido a 1º cabo condutor autorrodas será colocado em Penafiel, e daqui mobilizado para a Guiné.

Fotos: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Prosseguimos a pré-publicação do próximo livro do nosso camarada José Claudino Silva:



Sinopse (*): 

(i)  foi à inspeção em 27 de junho de 1970,  e começou a fazer a recruta,  no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1;


(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.



2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva,  ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 3 e 4: Promovido a 1º cabo condutor autorrodas e colocado mo RAL 5, em Penafiel


[O autor faz questão de não corrigir as transcrições das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, que o criou. ]


3º Capítulo > UM MILITAR FAMOSO



1972: foi um ano bissexto. Aproveitei o dia 29 de Fevereiro para escrever,  gabando-me tanto que, julgo, passados estes 45 anos, ainda estou todo babado. Nessa semana, soube que passei com distinção no exame de condução. Fui eleito o melhor do pelotão e o segundo da recruta. Senti-me um militar invencível. O Major Alvega que se cuidasse. Recebi uma medalha das mãos dum general qualquer. Cerimónia que foi filmada pela RTP e que foi para o ar, no dia 4 de Março de 1972. Foi o meu primeiro instante de fama.

Tendo o privilégio de poder escolher onde queria continuar a instrução, escolhi o Regimento de Cavalaria Nn 6 que ficava na Constituição, também na cidade do Porto.

Acho agora, a esta distância, que esses acontecimentos fizeram com que o exército me comprasse. Deram-me mais um pouquinho para eu lhes ser fiel, e eu, idiota como sempre fui, fiz exactamente o que esperavam de mim: esforcei-me por ser um militar exemplar, o que na realidade não  era.

Na época, havia três formas de sair da unidade, de forma legal:  (i) dispensa -que servia para algumas horas; (ii) pretensão - para passar a noite fora; e (iii)  passaporte - para passar o fim-de-semana. 

Estes três métodos dependiam sempre de autorização superior. Recordo-me que, devido às dificuldades em se obterem essas autorizações, muitos dos recrutas estavam dispostos a pagar, para poderem sair dos aquartelamentos. Reconheço que fui um oportunista e ganhei algum dinheiro com isso, pois nunca tive grande dificuldade em obtê-las e podiam trocar-se. Eis os preços: 

(i) Dispensa - 50$00 [, equivalente hoje a 11, 62 €, segundo o conversor da Pordata];

(ii) Pretensão - 100$00;[, eqquivalente a 23, 25 €)

(iii) Passaporte - 200$00. [, equivalente a 46,50 €]


Acreditem que era caro. Como quase tudo que é ilegal. A minha medalha e aparecer na TV abrira-me algumas portas e eu passei a lixar alguns camaradas, quando devia ter sido mais solidário com eles. Um dia, precisei de um passaporte, e o Luís vingou os colegas todos, exigindo-me 400$00 [c. de . 93,00 €]. Bem feito! Virou-se o feitiço contra o feiticeiro e acabei com o negócio.

O Exército continuava a premiar-me. No RC 6, recebi mais uma medalha e um diploma de 2º classificado na instrução, sendo promovido a 1º cabo C.A.R. [Condutor Auto.Ridas]. Mais uma vez, pude escolher para onde queria ir, tendo três unidades à disposição. Escolhi o Regimento de Transmissões em Arca de Água, no Porto.

Neste aquartelamento, dormi pela primeira vez na vida numa cama de esponja.


4º Capítulo > 1º CABO CONDUTOR AUTORRODAS



Recebi as divisas de 1º cabo, em 19 de Maio de 1972. Nesse dia, completei 22 anos. O meu primeiro serviço como cabo foi de 30 de Abril para 1 de Maio. O quartel estava de prevenção. Foi a primeira vez em que senti ser o 1º de Maio um dia importante; até essa altura não fazia a mínima ideia.

No dia 30 desse mês, fui transferido para o R.A.L. 5 (Regimento de Artilharia Ligeira Nº 5), em Penafiel. Estava em casa. O quartel distava mil metros da minha residência. Dali partiria para a Guiné. Tinha sido mobilizado para ir defender a minha Pátria.

Carlos Mendes tinha, recentemente, representado Portugal no Festival da Eurovisão, com uma canção com música de José Calvário e letra de José Niza. Chamava-se “Festa da Vida”. Eu iria representar Portugal, na Festa da Morte. O meu amigo Fernando já tinha cumprido esse desiderato. Fora precisamente na província da Guiné que dera a sua vida... “Em Nome da Pátria”.

[Continua]

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Nota do editor:

(*) Postes anteriores da série:

Guiné 61/74 - P17975: Parabéns a você (1342): José António Viegas, ex-Fur Mil Art do Pel Caç Nat 54 (Guiné, 1966/68) e T-Coronel José Francisco Robalo Borrego, ex-Furriel Art do QP do 9.º Pel Art (Guiné, 1970/72)


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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17972: Parabéns a você (1341): António Inverno, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 (Guiné, 1972/74); Orlando Pinela, ex-1.º Cabo Reabast Mat da CART 1614 (Guiné, 1966/68) e Coronel Cav Ref Pacífico dos Reis, ex-Cap Cav, CMDT da CCAÇ 5 (Guiné, 1968/70)

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17974: Historiografia da presença portuguesa em África (99): António Estácio: O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense - Parte I: (i) preâmbulo e (ii) generalidades




V Encontro Nacional da Tabanca Grande, Leiria, Monte Real, 2010 > António Estácio, 


1. Por  expressa autorização do autor, o nosso amigo e camarada António [Júlio Emerenciano ] Estácio, que tem 44 referências no nosso blogue:´

(i) é lusoguineense, nascido em 1947, e criado no chão de Papel, em Bissau, com raízes transmontanas, tendo vivido também em Bolama;

(ii) formou-se como engenheiro técnico agrário (Coimbra, 1964-1967, Escola de Regentes Agrícolas, onde foi condiscípulo do Paulo Santiago), depois de frequentar o Liceu Honório Barreto;

(iii) fez a tropa (e a guerra) em Angola, como alferes miliciano (1970/72); 

(iv) trabalhou depois em Macau (de 1972 a 1998); 

(v) vive há quase duas décadas em Portugal, no concelho de Sintra; 

(vi) é membro da nossa Tabanca Grande desde maio de 2010; 

(viii) tem-se dedicado à escrita, dois dos seus livros mais recentes narram as histórias de vida de duas "Mulheres Grandes" da Guiné, a cabo-verdiana Nha Carlota (1889-1970) e a guineense Nha Bijagó (1871-1959);

(ix) o seu livro mais recente (2016, 491 pp.), de temática guineense, tem como título "Bolama, a saudosa", edição de autor;

(x) a comunicação que agora se reproduz foi feita no âmbito da V Semana Cultural da China, de 21 a 26 de Janeiro de 2002;


2. O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense - Parte I:  (i) preâmbulo e (ii) generalidades (pp. 431-439)

In: Estácio, António J.E. (2002) – O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense, in: Actas, V. Semana Cultural da China, Centro de Estudos Orientais, ISCSP/UTL: 431‑66

Guiné 61/74 - P17973: Os nossos seres, saberes e lazeres (240): De Manchester para Lisboa, ficam as saudades (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 22 de Agosto de 2017:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo a um belíssimo circuito, de Manchester chegou-se a Leeds, houve um cheirinho dos vales de Yorkshire e rumou-se para o Sul da Escócia, diga-se sem modéstia que todo aquele cantinho foi passado a pente fino. Deu para acompanhar uma campanha eleitoral inesquecível, vamos ver se não é até memorável pelos resultados obtidos e pelas inequívocas manifestações dos britânicos não quererem perder as grossas amarras que os unem ao continente.
Por obra e graça dos voos low-cost, conheceu-se Manchester e traz-se boa memória, entre arte e arquitetura.
Resta agora o filtro das recordações e esta constante ebulição de estudar novo destino, fazer a mala, usufruir e relatar o que se viu.

Um abraço do
Mário


De Manchester para Lisboa, ficam as saudades (9)

Beja Santos

Escolheu-se Manchester para arribação e reembarque por razões estritamente económicas, há voos low-cost a preços da uva mijona, é uma tentação para qualquer andarilho. E goza-se do privilégio de haver uma mão amiga que nos transporta até Yorkshire, um dos locais ingleses que mais aprazimento traz ao viandante. Vem esta conversa só para justificar que havia dois dias para calcorrear Manchester, de que só se conhecia o aeroporto. É a segunda maior cidade inglesa, foi o polo de atração do mundo algodoeiro, ainda hoje se respira sinais de muita vida afortunada, há para ali planos de urbanização um tanto estrambóticos, constrói-se ultramoderno e as estatuárias do passado ficam um tanto à deriva, como aqui se exemplifica. Não é um tremendo choque visual, mas questiona-se se estes planificadores urbanos não podiam encontrar outras conexões entre o passado, o presente e o futuro. Vê-se e passa-se adiante.



Parou-se diante do obelisco pela especial razão de que um antigo combatente venera certo tipo de lembranças, com as das guerras que atravessaram entre 1914 e 1945 a memória britânica não brinca em serviço, foram trincheiras, afundamentos em vários oceanos, veio gente combater de vários continentes, os alemães temiam as tropas indianas, tal era a crueldade, veio o rolo compressor alemão sobre a França, veja-se como se comportaram em Dunquerque, na batalha da Grã-Bretanha e por aí adiante. Por isso o viandante pára e tira-lhes o chapéu, houve para ali bravura sem bazófia, nestas horas de discussão do Brexit o viandante nunca esquece que a eles muito deve a democracia.



Há um propósito nestas duas imagens, o viandante sente-lhes complementaridade, o fausto do hotel e um edifício harmonioso que enlaça um cruzamento, ambos têm harmonia, são um verdadeiro eco e uma vida metropolitana que não se perdeu, a despeito de gritantes desarranjos nas escalas de toda esta edificação, intui-se que não há qualquer concorrência com a mega cidade que é Londres, esta foi desenhada para ser capital de império, a sede de todas as instituições, ali está o poder, a começar pela praça financeira que corre o risco de se vir a fragmentar, esperemos pelos próximos andamentos do Brexit.



Poderá ser produto de pura imaginação, mas o viandante encontra analogias entre as imagens da Nova Iorque do princípio do século XX com o que aqui Manchester conserva. Quer os sinais de ostentação daquele edifício que terá sido um imponente espaço comercial e o outro mais minguado, estão felizmente bem conservados e dá gosto a sua contemplação, não quero cansar o leitor com a batucada das observações e porventura delírios de quem anda em viagem, mas há nesta cidade uma inequívoca dinâmica e nesta arquitetura um inequívoco orgulho de manter de pé e conservado aquilo que, em tantas cidades, deu origem a enxaquecas insolúveis, veja-se Glasgow, dotada de um património arquitetónico invejável, deitou-se abaixo sem pudor, enxertaram-se umas construções modernas odiosas, e não se sabe bem como é que se vai desatar o nó sem gastar fortunas. E pense-se em Bruxelas, onde bairros graciosos parece que foram bombardeados, para proveito daqueles que ganham fortunas com os funcionários das instituições europeias.


Aqui está um sinal da Manchester de outras eras, por estes cursos de água chegavam matérias-primas ou partiam produtos acabados, tivesse o viandante tempo e até iria mostrar velhas fábricas que por ali proliferam, às escâncaras, a aguardar revitalização. Cidades há como Leeds ou Bristol encontraram soluções para os armazéns que marcaram a paisagem destes canais. É tudo uma questão de engenho e apetência para que os centros se mantenham habitados e com caráter.



Já se está com o tempo contado, há um aeroporto à espera e um avião para nos trazer para Lisboa. O viandante nunca perde oportunidade para visitar um qualquer museu municipal. Foi graças a um processo de orgulho cívico que eles têm vindo a medrar onde há gosto pela civilização. Não há muito tempo o viandante visitara o Museu Municipal de Vila de Rei, singelo e bem ataviado, aproveitou-se um bom edifício, recriou-se uma casa agrícola, dispuseram-se com gosto objetos ligados à vida rural e até houve o cuidado de aproveitar um edifício apenso ao museu, uma antiga cadeia onde se retrata da cela do preso, tudo com respeito pela memória. Foi por esta razão que se quis ver o Museu Municipal de Manchester, tem um acervo esplendoroso, o viandante prendeu-se de amores pela propaganda que pôs Churchill ao lado de Estaline, coisas da luta contra o nazismo e depois a história dos conservadores, que tem aspetos brejeiros.



Ora cá está, Manchester e os negócios marítimos e a réplica de um interior doméstico de outras eras. Por razões compreensíveis, e por se tratar de um museu de dádivas de uma cidade de média dimensão, não se vê aqui muito a antiguidade nem obras de arte vultuosas, como é possível ver no museu da cidade de Londres, estranhamente pouco badalado e que é um portento. Foi uma bela visita, deixa saudades, diga-se em abono da verdade que tudo deixou saudades, foram 17 dias em cheio, com gente muito cordial, de Inglaterra à Escócia e regresso até esta cidade que tem encantos indisfarçáveis, resta relembrar que até se andou a mirar uma manif contra o racismo, bem vigorosa, por sinal.

Para terminar, logo que possa estou de regresso.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17947: Os nossos seres, saberes e lazeres (239): Lesmahagow, adeus a Moffat, primeiro dia em Manchester (8) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17972: Parabéns a você (1341): António Inverno, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 (Guiné, 1972/74); Orlando Pinela, ex-1.º Cabo Reabast Mat da CART 1614 (Guiné, 1966/68) e Coronel Cav Ref Pacífico dos Reis, ex-Cap Cav, CMDT da CCAÇ 5 (Guiné, 1968/70)



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Nota do editor

Último poste da série de 14 de Novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17970: Parabéns a você (1340): César Dias, ex-Fur Mil Sap Inf do BCAÇ 2885 (Guiné, 1968/70); Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546 (Guiné, 1972/74) e Maria Arminda Santos, ex-Tenente Enfermeira Paraquedista (1961/1970)

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17971: (De) Caras (99): Saia uma sandocha de "cabrito pé de rocha, manga di sabe" (Vitor Junqueira, ex-alf mil, CCAÇ 2753, Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim / K3, Mansabá, 1970/72; médico reformado, Pombal)

1. Já não temos notícias, desde 23 de setembro de 2011, há seis anos (!), do nosso camarada Vítor Junqueira (ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753, Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá, 1970/72), hoje médico, reformado, e a viver em Pombal.  Foi o organizador do II Encontro Nacional da Tabanca Grande, em 2007, em Pombal.


Ele tem 64 referências no nosso blogue e escreveu alguns dos nossos melhores postes...  Em 30 de novembro de 2010 disse-nos, numa nota deixada na caixa de comentários (*) que estava bem de saúde e "conectado"... Sabemos pelo seu gosto pelas viagens, ou não fora ele, noutras vidas, oficial da marinha mercante. É seguramente um  daqueles nossos camaradas que já deu várias vezes a volta ao mundo...

Lembrei-me dele e, sem pedir-lhe licença, vou republicar aqui um dos textos mais saborosos que ele nos deixou e que os nosso "periquitos" (os membros da Tabanca Grande entrados nos anos mais recebtes) têm também o direito (e a obrigação) de conhecer...

Já na altura, considerei a história da sandocha de "cabrito pé de rocha, manga di sabe" como  uma daquelas histórias dos nossos encontros e desencontros com aqueles povos amigos e hospitaleiros da Guiné, que um dia teria de figurar na antologia do nosso blogue!...  (Ele não me chegou a mandar, e ainda bem, a receita do "cabrito pé de rocha, manga di sabe"). (**)


2. Cabrito pé de rocha, manga di sabe

por Vítor Junqueira


Quando a minha Companhia [, a CCAÇ 2753,] aterrou em Bissau, após uns dez dias de viagem no velho N/M T/T (era mais ou menos esta a sigla para navio motor  de transporte de tropas) Carvalho Araújo (#), fomos acolhidos no cais do Pidjiguiti por malta que eu não conhecia de lado nenhum, que soltava uns piu-piu esquisitos cuja razão de ser não entendia. 

Soube ali que eram os choferes, velhinhos, das camionetas que nos haveriam de conduzir ao destino. As viaturas, alinhadas em coluna ao longo do cais, estavam a ser carregadas enquanto as entidades superiores tratavam da papelada. Até ao desembaraço da Companhia, e enquanto carrega, não carrega, os piu-piu acossavam-nos de todos os lados. Comecei a ficar enervado e com apetite!

Naquela zona portuária, que se poderia chamar marginal da Amura, existiam umas tabernas semelhantes às que poderíamos encontrar em qualquer lugar do Portugal de então: um garrafão de cinco litros ou um ramo de louro pendurado na frontaria, e uma tabuleta com os dizeres "casa de pasto, vinhos e petiscos".

Seriam para aí umas quatro da tarde quando entrei numa delas. Pela primeira vez na vida dirigi-me a alguém de outra... etnia. A situação era nova para mim e um pouco estranha. Meio tonhó, perguntei num português escorreito e pausado a uma negra, com estatura de bisonte, que se encontrava sentada num mocho do lado de dentro do balcão:
– Boa tarde, minha senhora, tem alguma coisa de que possa fazer uma sandes?
– Tem. Tem sim. Olha, tem cabrito pé de rocha, tem...
– Cabrito?
– Sim, cabrito, é muito bom. Ainda está quente.

Virou-me as costas e dirigiu-se para um canto da baiúca de onde regressou com um pequeno tacho de barro na mão contendo uns pedacitos de carne guisada, com bom aspecto e um cheiro capaz de fazer um morto babar-se. Perguntou-me o que queria beber e falou-me em coisas estranhas, Fanta, Coca-qualquer-coisa... Pedi uma laranjada.

Ali fiquei encostado ao balcão a vê-la rasgar a carcaça e nela acomodar o conduto. Ia magicando com os meus botões o quanto as aparência iludem. Aquela mulher enorme era um monstro de simpatia, nos gestos, no brilho do olhar, na doçura da voz. Acho que começou ali a minha paixão pela Guiné. Serviu-me com delicadeza numa pequena mesa de pinho, carunchosa e coxa, que só se mantinha de pé porque estava encostada à parede.

Comi. E que bem me soube. Ao fim de tantos dias a comer a lambeta de bordo, que nem era má, mas à qual o balanço do navio retirava todo o requinte, aquele petisco caiu-me que nem ginjas. Paguei em escudos, recebi o troco em pesos e saí animado com a perspectiva das vindouras patuscadas de cabrito pé de rocha que já se perfilavam no meu horizonte de expedicionário. Fosse parar aonde quer que fosse, não faltaria caça daquela, pois se até na cidade se encontrava ao dispor... Aquele cabrito era mesmo delicioso. E o apelido pé de rocha? Devia estar relacionado com o habitat do animal. Altas montanhas com os picos cobertos de neve, pensei eu. O Kilimanjaro devia ficar ali perto, provavelmente.

Juntei-me ao resto da guerra, a quem dei conta das minhas descobertas e lá vou com a tropa toda, sob um altíssimo astral, direito ao AGRBIS (eu sabia lá o que isso era!). À nossa espera estava um hangar, sem portas, sem janelas, sem luz e com milhões de mosquitos, gordos e ferozes. Nos oito dias seguintes dormimos em cima dos ferros das camas porque colchões também não havia para distribuir. E quanto à bianda, ração de combate ao almoço, ração de combate ao jantar. Sobremesa, sempre à base de mancarra que umas garotas apareceram por ali a vender dentro de uns penicos que transportavam à cabeça.

O problema maior era a água. Na altura grassava uma epidemia de cólera no território pelo que nos aconselharam a beber só água engarrafada. Resultado, ao terceiro dia estava não só falido, como via as dívidas a acumularem-se. É que a única água engarrafada disponível que havia era a Perrier, usada no tratamento do whisky, que eu comprava a oitenta mil réis cada garrafa, no bar dos oficiais do Depósito de Adidos que ficava ao lado. Escusado será dizer que, por essa razão ou outra qualquer, houve caganeiras monumentais.

E eis que recebo guia de marcha para ir comandar os destacamentos de Safim e João Landim.

Força instalada, faço o reconhecimento da zona e concluo que no que respeita a infra-estruturas de apoio como tasca, restaurante, animação (batuque e bajudas), posso considerar-me um homem de sorte. Tenho ao dispor um fundo de maneio e o seu parente, o inevitável saco azul. Agora sim, tinha qualidade de vida. Permitíamo-nos comer quase à la carte. Além disso, por ali não se ouviam tiros. Perfeito...

É neste contexto que, estando um dia a bater uma galharda sesta, sou acordado subitamente por um militar que me vem perguntar se pode ir lá fora dar um tiro com a G3...
– A quem? – perguntei.
– Não sei bem de que se trata – diz ele – É um gajo da população que está ali à porta de armas a pedir que vá alguém à tabanca abater uma peça de caça.
– Alto e pára o baile – disse eu, meio desconfiado. – Quem lá vai sou eu.

Visto os calções num ápice, enfio os chinelos, pego na canhota que tinha dependurada à cabeceira da cama e, todo nervoso, antecipando um presunto de gazela para o tacho, dirijo-me ao cavalo de frisa que servia de porta de armas.

Lá estava o homem. Pareceu-me inofensivo. Pediu-me que o seguisse, enquanto, num crioulo que eu já começava a entender, me explicava que se tratava de um cabrito pé de rocha que andava por ali a vaguear. Nisto aponta para o cocuruto de uma árvore e diz:
– Pessoal, olha ali. Por favor mata ele...

Fiz um único disparo. Aos meus pés caiu um bruto babuíno (macaco-cão) que devia pesar para aí uns trinta quilos. 

Dispensei a minha quota-parte da caçada! (##)

Vítor Junqueira (***)

[Revisão / fixação de texto: LG]
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Notas do autor:

(#) Esta foi a última viagem do Carvalho Araújo. De Lisboa para Bissau, navegou notavelmente adornado a estibordo. No regresso, ouvi dizer que chegou pelo seu pé a Cabo Verde, tendo sido depois rebocado até ao seu destino final.

(##) Voltei a comer cabrito pé de rocha, muitos meses depois e, desconhecendo a ementa, numa acção de Psico. Outra delícia! Um dia destes mando a receita.
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Notas do editor:

(*) 30 de novembro de  2010 > Guiné 63/74 - P7363: Que é feito de ti, camarada ? (1): Prakistou, diz o Vitor Junqueira, mas não desconectado

(...) Pois, meus caros, eu prakistou, mais ou menos bom de corpo, de cabeça, dirão vocês e, não é verdade que ande por aí, meio perdido, meio desconectado. Estou convosco todos os dias, normalmente mais do que uma vez por dia! Aprecio a matéria dada, revejo-me nalguma prosa e, tacanho que sou, apenas pressinto na verve a corda lírica, vibrante e fácil, dom de apenas alguns tertulianos. (...)

(**) Vd. poste de 11 de novembro de  2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): "Cabrito pé de rocha, manga di sabe" (Vitor Junqueira)

(***) Último poste da série > 24 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17901: (De)Caras (99): o comandante do BCAV 2868 (Bula, 1969/70), o ten cor cav Carlos José Machado Alves Morgado, mais o com-chefe António Spínola, em Pete, em 9/11/1970 (Victor Garcia, ex-1º cabo at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71)

Guiné 61/74 - P17970: Parabéns a você (1340): César Dias, ex-Fur Mil Sap Inf do BCAÇ 2885 (Guiné, 1968/70); Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546 (Guiné, 1972/74) e Maria Arminda Santos, ex-Tenente Enfermeira Paraquedista (1961/1970)



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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17963: Parabéns a você (1339): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Art da CART 6250 (Guiné, 1972/74)

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17969: Lembrete (28): Para os camaradas da 23ª hora: termina à meia-noite o prazo de inscrição para o 34º almoço-convívio, em Algés, da Magnífica Tabanca da Linha... O vice-régulo Manuel Resende estava audivelmente feliz, ao telefone, há um bocado: com 72 inscrições, ía-se entrar para o livro dos recordes do Guiness!... Atenção, malta, que o cabrito do "Caravela de Ouro" é da Serra, certificado, não é o "cabrito pé de rocha, manga di sabi" que alguns de nós comemos, em sandocha, no mercado de Bandim...

72 magníficos e magníficas já estavam inscritos às 20h00 de hoje para o próximo almoço/convívio da Tabanca da Linha, 5ª feira, dia 16, às 13h00, no restaurante "Caravela de Ouro", em Algés (*)...

O Manuel Resende, vice-régulo da Tabanca da Linha, estava hoje, às 20h00, audivelmente feliz pelo número de inscrições recebidas até então... Disse-nos ele que já "tínhamos batido o recorde do Guiness" com tantos amigos e camaradas da Guiné a preparar-se para dar à língua e ao dente, daqui a 3 dias, no "Caravela de Ouro, em Algés...

Ele garante (e o régulo Jorge Rosales certifica, de papel passado) que  cabrito no forno do "Caravela de Ouro" é mesmo da  Serra (com maiúscula), assado no forno, não é  nem cabrão,  nem "cabrito  de rocha, manga di sabi", que alguns de nós provámos em sandocha, em Bissau.... e até chorámos por mais!... 

Melhor, de facto, só o do "Caravela de Ouro", em Algés!
Afinal de contas, este país, em geral, e esta tabanca, em particular, estão longe de querer fechar as portas...

Os retardatários ainda têm uma hora, a 23ª, para se inscreverem... Repete-se a informação há dias publicada no nosso blogue (**):

Guiné 61/74 - P17968: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 2: A recruta no Porto


José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74. Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo hoje autor, com dois livros publicados (um de poesia e outro de ficção). Senta-se debaixo do poilão da Tabanca Grande no lugar nº 756.


Fotos: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O autor em Amarante, onde vive hoje, reformado como bate-
chapas. 
1. Prosseguimos a pré-publicação do próximo livro do nosso camarada José Claudino Silva, de quem o nosso editor recebeu hoje a seguinte mensagem:

Estás à vontade para o que quiseres publicar em relação ao que te enviei.

Só irei publicar o livro no próximo ano. Consegui um excelente preço por exemplar e tenho um amigo a corrigir-me o texto, o  que ainda demora uns dias.

Logo que o livro esteja pronto vou propor fazer apresentações por todo o país nos eventos organizados pelas várias associações.A  minha real prioridade é, através dessa ideia, viajar e aproximar o quanto possível todos os ex-combatentes. Se vendo ou não algum livro é irrelevante.

Quero conhecer histórias como a minha e só assim o poderei conseguir. Nestes últimos tempos percebi que cada classe hierárquica tem uma visão diferente da guerra colonial e quero ao meu jeito verificar as discrepâncias que noto nos vários relatos.
Será o meu contributo para memória futura.

Um enorme abraço. Claudino


2. Resposta do nosso editor:

Obrigado, José Claudino,  pela tua rápida resposta às minhas dúvidas sobre o que publicar ou não da versão (ainda em revisão) do teu terceiro livro. O que estamos a fazer é um pré-publicação da versão que me mandaste (119 pp., com cerca de 70 pequenos capítulos).

Já foram publicados bastantes livros de autores que são membros da nossa Tabanca Grande. E praticamente todos editados  primeiro no blogue (nalguns casos, depois...), num série.  Esse facto não lhes retirou leitores, antes pelo contrário. O que é importante é fazer a promoção do livro, aqui e através de sessões de lançamento em vários pontos do país, nos nossos encontros. Podes contar connosco para isso e não só: se precisares de alguém para te escrever um prefácio ou fazer a apresentação do livro podes contar comigo e outros camaradas da Tabanca Grande.

Parabéns por já teres um editor, ou um gráfica, que te apresentou um orçamento em conta. Fazes bem em mandar fazer uma boa e completa revisão de texto, aspeto que muitas vezes é descurado por quem publica pela primeira vez, ou em editoras que te obrigam a pagar a parte a revisão de texto.  Nada é mais desagradável, para quem compra um livro, do que ver um texto, em papel (ou em suporte digital...) demasiado "gralhado".. Uma coisa é uma gralha ou outra que escapa ao revisor de texto. Outra coisa, é teres erros de ortografia, sintaxe, pontuação, formatação, impressão, etc.

Obrigado pela tua generosidade. Prometo que vais ter leitores desta tua série, atentos, interessados e críticos, se bem que solidários e generosos.  Um alfabravo do editor LG


4. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 2:  A recruta [no Porto]

[O autor faz questão de não corrigir as transcrições das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. Por outro lado, respeitamos a vontade do autor de, aparentemente, não seguir o Acordo Ortográfico em vigor. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Prátia", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, que o criou. ]


2º Capítulo: A RECRUTA

No dia 4 de Janeiro de 1972 escrevia a primeira carta como soldado.

“Isto aqui é bestial a comida até nem é muito má. Não devo ir a casa pois não me deram a farda”- Para no dia 10 escrever. “Agora já sei marchar, se não, o alferes manda dar-me uma carecada. Ai o meu cabelinho já o tenho curto de mais e ele ainda acha que está grande!” Sem dramas, acrescentava: “O papel que meti para sair por amparo familiar não vale nada. Paciência tenho de gramar 3 anos.”

Interessante, foi a frase da minha avó, quando me viu fardado pela primeira vez;
Ai Dino! O que te fizeram!

Logicamente, 15 dias depois já me apetecia dar um tiro, ou pôr uma bomba naquela merda toda, só que ainda não sabia disparar. Nem fazer bombas. Também a comida, que entretanto mudara de nome para rancho, já não era tão boa. Felizmente, dia 21 ia haver uma festa no quartel e eu ia estar de faxina, na cozinha.

Após um mês de recruta, mais precisamente no dia 8 de Fevereiro [de 1972], um pouco melancólico, escutava, à noite, a canção “Mais dans la lumière” de Mike Brant, um cantor pop de origem israelita que viveu entre o sucesso e a tragédia (suicidou-se em Abril de 1975 com apenas 28 anos,em Paris).. Mesmo não sendo fã dele, naquele tempo era bastante famoso e o título agradava-me. Embora não soubesse francês, consegui saber que significa. “Mas na luz”. Se a música era sobre a luz, a minha vida tinha tudo para nos próximos anos, ser muito escura.(**)

Ser recruta na cidade do Porto foi muito interessante. Mais de metade dos meus camaradas de armas nunca tinham saído das suas aldeias e eu, que já tinha visitado o Porto muitas vezes, acabei por ser o guia de alguns. Escusado será dizer que os locais, aonde mais os levava, eram locais de má fama; mas quem acabou por ter má fama fui eu. Já havia quem me considerasse um autêntico gigolô. Que culpa tinha eu de conhecer o Porto, da Via Norte à Rua Escura? E mais. Pagarem-me um café, ou uma gasosa, por os guiar até lá. Eu nem bebidas alcoólicas bebia. Se queria algum favor, de uma das mulheres, tinha de pagar como os outros. Excepto a Luísa, mas essa gostava mesmo de mim!

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Vd. primeiro poste da série > 11 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17961: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 1: Aprovado para todo o serviço militar

(**) "Mais dans la lumière", de Mike Brant

Letra (aqui com a devida vénia)

L'ombre étend son manteau
Et ton corps est déjà bien plus chaud
Et je vois dans tes yeux
Une larme, un aveu.

Mais dans la lumière
Tes yeux crient bien plus fort
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime.

Mais dans la lumière
C'est une arène d'or où
Je me bats au corps à corps.

Mais dans la lumière
Tes yeux crient, je t'adore
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime.

Mais dans la lumière
C'est une eau bleue qui dort où
Je me baigne encore

La nuit revient bientôt
Pour éteindre le feu de ma peau
Et mon sang n'est plus fou
Car tes yeux sont trop doux-

Mais dans la lumière
Tes yeux crient bien plus fort
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime-

Mais dans la lumière
C'est une arène d'or où
Je me bats au corps à corps.
Òù je me bats au corps à corps,
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime.

Mais dans la lumière
Tes yeux crient bien plus fort, je t'aime
Je t'aime, je t'aime, je t'aime.

Mais dans la lumière
C'est une arène d'or où
Je me bats au corps à corps.

Mais dans la lumière
Tes yeux crient bien plus fort
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime
Mais dans la lumière-

Autor: Renard Jean
Compositeur: Renard Jean
Editor: Editions Des Alouettes,Amplitude Editions Musicales
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