quarta-feira, 14 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17469: Os nossos seres, saberes e lazeres (217): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (6) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 3 de Março de 2017:

Queridos amigos,
A etapa seguinte ao Vale das Furnas foi um tanto frustrante, se é verdade que a vegetação luxuriante do Nordeste só por si dá vontade de regressar, caiu depois um dilúvio que tudo alagou, impediu o passeio, a partir da Achada, até ao Parque da Ribeira dos Caldeirões, também ficará para a próxima.
E regressou-se a Ponta Delgada, é a penúltima paragem, mete museus, uma longa tarde sem fastio, do Museu Carlos Machado se falará em próximo folhetim, tal e tanta é a sua riqueza.
E a seguir a derradeira viagem, com a Lagoa do Fogo, passar-se-á pela Ribeira Grande até se ser depositado no aeroporto, já cheio de saudades. A dado passo escrevi uma observação de José Tolentino Mendonça, tenho comigo que é verdade axiomática: "A verdadeira viagem é aquela que dura tanto que já não se sabe porque se veio ou porque se está".

Um abraço do
Mário


São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (6)

Beja Santos

Vamos agora viajar para o Nordeste, a ideia é conhecer toda esta região de autocarro, ficar na Achada, conhecer o Parque da Ribeira dos Caldeirões, ter algum deslumbramento com os oceanos de vegetação, o incenso a derramar-se sobre o oceano lá ao fundo, sentir a beleza edénica da Ponta da Madrugada, tomar o peso ao que se pode desfrutar da Serra da Tronqueira, há apreciadores da Ilha do Arcanjo que classificam esta região nordestina como mais genuína e variada. Gostos não se discutem, vem-se à descoberta, o busílis é que se anuncia o mau tempo, sente-se a temperatura a descer enquanto o autocarro sobe, já se avista a Tronqueira, alguém pergunta se conhecemos os pássaros únicos e solitários que são os priolos. O viajante quer pouca conversa, enfronhou-se neste anfiteatro vegetal, a natureza parece enrugar-se e abrir veredas, passa-se por miradouros, avistam-se pontes, há mesmo quem sugira que não se pode sair deste passeio sem ir ao Pico da Vara, o ponto mais alto da ilha de S. Miguel, paciência, fica para a próxima, a pé ou de carro ir-se-á ao Pico Bartolomeu, ao Planalto dos Graminhais, ao Salto da Farinha e depois à Ponta da Madrugada. E assim se chega à Achada, não longe da Achadinha, ainda não chove mas está quase. Não há onde comer na Achada, a estalajadeira leva-nos até perto da Maia, foi um regalo de peixe, uma caldeirada de congro e algo mais. Depois começou o dilúvio, ao amanhecer ainda se conseguiu esta imagem, passeou-se pela Achada sob chuva inclemente, enfim, na Achada deu-se um achado, fotografou-se a primeira hidrângea, um ténue sinal de Primavera ainda por anunciar.


Segue-se agora de autocarro para Ponta Delgada, ainda chuvisca, mas dá perfeitamente para ver lá do alto o parque da Ribeira dos Caldeirões, cascatas elevadas, antigos moinhos, percebe-se que é uma preciosidade, o andarilho não sente o peso da deceção, fica para a próxima, é mais uma razão para voltar. Assim se chega à capital, na noite anterior, enquanto a ventania se assobiava de terra para o mar, pegou-se nesse ternurento manual que Armando Côrtes Rodrigues escreveu sobre os Açores, uma obra de amor onde tem palavra os primeiros escritores como Diogo Gomes de Cintra ou Gaspar Frutuoso, onde Sena Freitas descreve o Vale das Furnas e Guilherme Read Cabral fala desta ilha que tem identidade na sua arquitetura, nas cores do casario, no labor dos passeios, nos jardins mimoseados, no culto dos seus valores. Olhem bem esta casinha, vejam o passeio, contemplem a veneração a Antero de Quental que pôs termo à vida aqui a pouca distância, junto ao Convento de S. Francisco, que acolhe o orago indiscutível da região açoriana: o Senhor Santo Cristo dos Milagres.





Quando aqui cheguei em 1967, a Igreja do Colégio estava fechada ao público, não obstante, sempre que podia, vinha contemplar esta obra-prima da arquitetura do barroco jesuítico, hoje está aberta ao público, o viandante apanhou as obras em curso, percorreu a igreja e visitou o Núcleo da Arte Sacra do Museu Carlos Machado, opulento e muito bem restaurado, belas telas, azulejos e a espantoso altar-mor da Igreja de Todos os Santos. E daqui foi para o Convento de S. André, nova contemplação, cheia de embevecimento, que belas janelas, em proporção e harmonia, aqui se acolhe um museu singularíssimo, o Museu Carlos Machado, antes porém, e ali a poucos metros, o viandante foi ao núcleo de Santa Bárbara, prestar homenagem a um daqueles açorianos que prestigiou o nome de Portugal fora de portas, Ernesto Canto da Maia, um escultor que é santo do culto de quem o vem venerar, trata-o como o nome preeminente da escultura Arte Deco, tem linhas assombrosas, traços meigos e delicados.




Fica aqui uma amostra do portentoso Museu Carlos Machado, há um pouco de tudo em núcleos tidos como de imensíssimo valor, da ornitologia à oceanografia, o viandante passa resvés, quer finalmente conhecer a igreja do convento, onde nunca entrou, será o capítulo que se segue. Mas especou-se diante desta escultura que fazia parte da proa de um navio, que coisa tão bela. E ocorreu-lhe aquela frase de José Tolentino Mendonça: “A verdadeira viagem é aquela que dura tanto que já não se sabe porque se veio ou porque se está”.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17441: Os nossos seres, saberes e lazeres (216): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (5) (Mário Beja Santos)

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