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terça-feira, 9 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22699: (De)Caras (182): os dois "ponteiros" de Bambadinca, o velho Brandão (da Ponta Brandão) e o histórico Inácio Semedo, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento - II (e última) Parte


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Bairro Joli > Novembro de 2010 > "
A casa no Bairro Joli, perto de Santa Helena, onde estou a viver. Foi erguida por Inácio Semedo, que pertenceu ao PAIGC,  e que por isso foi obrigado a viver em Angola durante 7 anos. Um dos seus filhos, o Eng.º Fernando Semedo, procura pôr de pé o sonho do seu pai, dar vida ao projecto agro-industrial." (*)

Fotos (e legenda): © Mário Beja Santos  (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa da Ponta Nova, junto ao Bairro Joli e a Santa Helena, e  Ponta Brandão,  entre Bambadinca e Fá Mandinga. 

 Eram as duas pontas com destilaria de aguardente de cana  que  restavam ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Mas, antes da guerra,  havia outras pontas e outras destilarias, em Bambadinca. Explorando a carta de Bambadinca de 1955, encontramos mais pontas para além da Ponta Brandão e da Ponta Nova: por exemplo, Ponta Barbosa, a sudoeste de Fá Mandinga, Ponta Cabarande e Ponta Amaro (acima de Bissaque), mais a norte, na margem esquerda do Rio Geba Estreito... Mas também Ponta Gregório Mendonça, a nordeste de Bambadincazinho, e Ponta Mamadu, a sul...Havia ainda a Ponta Romão, a sul do campo de aviação de Bambadinca... Havia outra Ponta, sem nome, do outro lado do rio, a oeste da Ponta Amaro... Enfim, "manga de pontas", que havia à volta de Bambadinca antes do início da guerra... Quem seriam estes "ponteiros" ? O que lhes aconteceu ? 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021).


1. Diz a  história do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), que em Bambadinca restavam só duas destilarias de aguardente de cana (**).  

Uma delas era a da Ponta Brandão (***), sabemos nós de ciência certa. A outra pertencia a outro ponteiro, Inácio Semedo Sénior: foi o próprio filho Inácio Semedo Júnior que mo disse, em 2008. Mas só ontem localizámos na carta de Bambadinca a Ponta Nova, ao reler as crónicas do Mário Beja Santos, que revisitou Bambadinca e os seus arredores em novembro de 2010, crónicas a que deu nome "Operação Tangomau"(*).

A Ponta Nova e a sua destilaria pertenciam à família do Inácio Semedo, um histórico nacionalista, proprietário, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento, 
numa cerimónia que se realizou justamente em Bambadinca,  no início dos anos 50, segundo informação do historiador e nosso saudoso amigo Leopoldo Amado (1960-2021).

Inácio Semedo, agricultor, proprietário, foi um nacionalista da primeira hora, que andou a conspirar com o Amílcar Cabral e outros históricos do PAIGC, e que como tal caiu nas malhas da PIDE. Condenado a dois anos de prisão, acabou por sair da Guiné e ir para Angola, onde viveu 7 anos (, segundo imformação do Beja Santos). 

O velho Semedo era pai do Inácio Semedo Júnior, que aderiu à guerrilha em 1964, tendo combatido no sul, e mais tarde, a seguir à independência, formou-se em engenharia na Hungria, onde se doutorou em ciências. Conheci-o em Lisboa, em 2008, estando afastado da vida política.  Disse-lhe que era uma pena se não escrevesse as suas memórias. Foi embaixador do seu país em Portugal e na Suécia. (****)

Falando, ao telefone, em 15 de outubro de 2008,   com ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, e ex-embaixador aposentado, apurei o seguinte:

(i) na altura, ele estava com 65 anos de idade, devendo  ter nascido, portanto, por volta de 1943;

(ii) era natural de Bambadinca;

(iii) era filho de Inácio Semedo Sénior, um histórico do PAIGC;

(iv) a família tinha propriedades na região; nomeadamente o pai tinha uma destilaria de aguardente de cana, tendo o costume de comprar arroz aos Brandão, de Catió, para alimentar os seus trabalhadores balantas de Bambadinca (possivelmente oriundos de Samba Silate, Nhabijões, Mero, Bairro Joli,  Santa Helena...);

(v) trocava-se, naquele tempo, aguardente por arroz, sendo o arroz do sul, o celeiro da Guiné, o melhor;

(vi) a Guiné era pequena e todo o mundo se conhecia antes da guerra;

(vii) disse-me ainda que estava então, em 2008, a ver se ainda recuperava parte do património da família em Bambadinca...

2. Sobre o Inácio Semedo, sénior, ver aqui a sua evocação pelo embaixador Carlos Frota (que em 2013 era x-embaixador de Portugal nas Coreias, ASEAN e Indonésia, docente da Universidade de S. José, Macau; passou três anos na Guiné-Bissau). (*****)

O Carlos Frota foi visitar o velho Semedo, à sua ponta, no Bairro Joli, nas imediações de Bambadinca, já depois da independênca. Ia acompanhado, dos dois filhos do velho Inácio Semedo, o mais velho, Júlio Semedo, na altura ministro dos negócios estrangeiros e um dos dirigentes históricos do PAIGC, e Inácio Semedo Jr, embaixador em Washington.

" (...) Revisitando a 'minha' Guiné, lembro com saudade muitas pessoas, algumas já desaparecidas,como José Baptista, jovem diplomata do Protocolo do MNE guineense, e passados poucos anos embaixador em Lisboa. (...)

Lembro-me também com respeitosa saudade de Inácio Semedo, sénior, nos seus setenta e muitos anos naquela época que nos recebeu, num domingo, para o almoço, na sua casa de Bambadinca, com a dignidade de um grande senhor que era.

Homem seco, de uma disciplina pessoal e frugalidade extremas, era proprietário agrícola e habituado por isso a exercer autoridade sobre quem estava sobre as suas ordens, fazendo-o de forma quase paternal. E todos lhe retribuíam com afectuoso respeito essa maneira de estar na vida."

Reunimo-nos à mesa, cheia de acepipes mais coloridos e bem cheirosos uns do que outros, com a família alargada, incluindo naturalmente o Júlio, ministro dos Negócios Estrangeiros, e o Inácio Junior, embaixador em Washington. E isto, entre as brincadeiras da criançada e ordens da dona da casa directamente para a cozinha.

Foi uma reunião de família, a qual fomos associados com a informalidade que só os africanos e poucos outros (nos portugueses incluídos) sabem ter.

E falou-se de tudo entre família, desaparecendo, logo à entrada da porta, o meu estatuto de diplomata português, para dar lugar, simplesmente e para meu grande prazer, ao do amigo. Meus filhos foram imediatamente “adoptados” também como os netos mais recentes.

E durante a conversa, ininterrupta, houve referências, naturalmente, à luta do PAIGC pela independência. Mas, dos casos relatados, não transparecia nenhum ódio, nem mesmo animosidade, para com o antigo inimigo.

Havia resignação sofredora, uma como que fatalidade pelo que acontecera, mas transposto “isso” (um “isso” que implicou, infelizmente, milhares de mortos, de ambos os lados) ressurgiram os afectos entre muitos, para além das barreiras da cor da pele e do estatuto social.

Tive aliás o ensejo de testemunhar essa estranha camaradagem entre velhos inimigos quando, como Encarregado de Negócios, fui anfitrião da primeira delegação militar portuguesa que se deslocou à Guiné depois de 1975-76.

Para minha estupefacção, e durante todo um jantar que ofereci a militares portugueses e seus interlocutores guineenses, eles trocaram entre si anedotas de “tugas” e “turras”, acabando tudo em risadas e abraços! Magnífico efeito da paz!

Nós éramos vizinhos do ministro Júlio Semedo. Estivemos na festa de baptizado da sua filha, como vizinhos normais que éramos. A única anormalidade foi que, durante um bailarico improvisado, dançámos numa sala onde havia um militar armado até aos dentes em cada canto, “apenas” porque entre nós estava também…o camarada presidente Nino Vieira…E entre bom vinho português, garrafas de cerveja Cicer (muito gostosa, de fabrico local) e galinha de churrasco, nas várias mesas dispersas pela sala e abundantemente providas, lá via de repente o olho de uma Kalashnikov apontada…a ninguém!

Estranha confraternização, realmente! (...)".


3. A família Brandão, de Catió, também deu pelo menos um militante do PAIGC, que ele, Inácio Semedo Júnior, irá conhecer na luta de guerrilha, no sul. Seria o Brandão Mané, de que já aqui falámos em tempo ? (******)

A família Brandão de Bambadinca  seria também aparentada com os Semedo,  se bem percebi na mibha coversa ao telefone com o Inácio Semedo Júnior em 15 de outubro de 2008.

Disse-me ainda que, aos 16/17 anos [, por volta de 1959/60,] veio estudar para Portugal, onde fez o liceu. Deve ter aderido ao PAIGC  e/ou saído de Portugal nessa época.  

Em 1964 [, com c. 21 anos,] vamos encontrá-lo, ao Inácio Semedo Jr, na guerrilha, no sul, sob as ordens do comandante Manuel Saturnino da Costa, irmão do Vitorino Costa, morto pela CCAÇ 153, do cap u«inf José Curto, em meados de 1962. 

Garantiu-me que nunca andou na guerrilha, na sua terra natal, Bambadinca, na zona leste. A orientação do PAIGC era, compreensivelmente, pôr os guerrilheiros em regiões diferentes daquelas onde tinham nascido e vivido, e tinham família, vizinhos e amigos.

Mais tarde (não percebi quando, exactamente) o jovem Inácio Semedo foi para a Hungria, onde tirou então o curso de engenharia e e doutorou-se. A seguir à independência trabalhou no Ministério das Obras Públicas, cujo titular da pasta era o Arquitecto Alberto Lima Gomes, mais conhecido por Tino, e que viria a morrer, mais tarde, num acidente de caça, actividade de lazer de que era um apaixonado.

Inácio Semedo Jr. vivia, em 2008, em Portugal, retirado da vida pública do seu país. Tinha um filho bancário. Confessou que não conhecia o nosso blogue, por não estar muito familiarizado com a Internet. Tinha endereço de e-mail mas era o filho que o ajudava a gerir a caixa de correio.

Continuava ligado ao seu partido de sempre, o PAIGC. Prometemo-nos voltar a contactar (, o que nunca mais voltou a acontecer, imfelizmente), quando houvesse maior disponibilidade, de parte a parte. Para falarmos da nossa Bambadinca ("hoje tão decadente, tão triste, tão morta"...), do nosso Geba Estreito ("onde já não circulam os barcos que lhe deram vida, cor e movimento"...), enfim, da "nossa Guiné" (onde o Inácio Semedo continuava a ir regularmente...).

Pergnto-me: o que será feito dele ?
 ___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

10 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7417: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (4): 20 de Novembro, de Bambadinca para o Bairro Joli

(...) Tangomau tem paciência. Já cumprimentou meio mundo, como não tem o caderno à mão não fixou nomes que se irão tornar tão comuns como Braima, Madjo, Aliu, Fatu ou Nhalim. Calilo no que resta de uma Renault Express leva-o até ao Bairro Joli, é em casa da família Semedo que se vai aboletar. É melhor ficar por aqui. É que muito há a dizer sobre o Bairro Joli e esta quinta que Inácio Semedo ergueu com tanto amor, muito antes da guerra. O importante é saber que a bola de fogo paira sobre os palmares de Finete quando ele é acolhido no Bairro Joli. E por hoje, ponto final. (...) 


15 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7440: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (5): Do Bambadincazinho para Ponta Varela

(...) A partir de Bambadinca, chega-se num ápice ao Bairro Joli, contíguo de Santa Helena. Por aqui andei no passado longínquo em missões pacíficas e em nomadizações hostis. Durante a guerra, comprava-se aqui gado, muito útil para os problemas de intendência de Missirá, os dois cabritos que Jobo Baldé ali assou no Natal de 1968, daqui vieram, seguiram pela bolanha de Finete num Unimog 411 e finaram-se na véspera de Natal, para gáudio de quem combatia e vivia naquele ponto do Cuor. Estes caminhos do Bairro Joli eram espiolhados devido à incontestável conivência de alguma população com os inimigos de Madina/Belel. Era o drama das relações de sangue de quem tinha optado pela luta ou ficado à sombra da bandeira portuguesa.

Em Santa Helena, Fá Balanta e Mero viviam comunidades balantas onde se acoitavam, à sorrelfa, civis e militares do mato, que procuravam informações, compravam tabaco ou sal, abasteciam-se de gado, traziam esteiras e produtos das suas hortas. Atravessavam o Geba estreito entre as bolanhas de Finete e Ponta Nova. Aparecíamos ao amanhecer em missões pouco conciliatórias e às vezes com inquirições duras. A verdade é que a comunicação, mesmo com mortes e feridos de permeio, nunca se interrompeu completamente. Ora é acima de Ponta Nova que eu vou habitar. Aqui se devotou Inácio Semedo a construir casa, destilaria e horta. A casa, basta ver a fotografia, é bem semelhante àquelas que se podiam ver em Malandim, Saliquinhé ou São Belchior, até mesmo no Enxalé, ao tempo. (..)



(****) Vd. postes de:


26 de outubro de  2008  > Guiné 63/74 - P3359: Em busca de ... (46): Inácio Semedo, agricultor de Bambadinca, um histórico do nacionalismo guineense (Pepito)

(...) Luís: Conheço muito bem o Inácio Semedo Jr.. É um bom amigo meu e pessoa por quem tenho muita consideração. Combatente da Libertação da Guiné-Bissau, sempre foi um Homem de Estado, com uma postura digna. (...)

Nada de estranho quando se é filho do já falecido Inácio Semedo, agricultor que, com o meu pai[ Artur Augusto Silva,] (...), fez parte de um grupo que nos idos de 50 pugnou pelo desenvolvimento do associativismo rural na então Guiné Portuguesa.

Quase 40 anos depois, tive a honra de o convidar a presidir às primeiras jornadas sobre o Associativismo Agricola na Guiné-Bissau. Fui a casa dele em Bambadinca para o efeito. Não estava lá, mas antes na sua propriedade agrícola onde o fui encontrar, já muito velhote, numa cadeira de rodas, a orientar os trabalhos. Uma verdadeira lição que nunca esquecerei.

Quando contactares o filho, ficarás rendido à sua simplicidade e maneira de ser. (...)

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3317: Em busca de ... (45): Inácio Semedo Jr, ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, de Bambadinca (Berry Lusher / L. Amado / L. Graça)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 3 de Março de 2008 > Passando por Bambadinca, no regresso de uma visita ao sul, ao Cantanhez, no âmbito do Seminário Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > O antigo campo de futebol, que ficava dentro do perímetro do aquartelamento de Bambadinca, no meu tempo (CCAÇ 12, 1969/71).


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 3 de Março de 2008 > Passando por Bambadinca, no regresso de uma visita ao sul, ao Cantanhez, no âmbito do Seminário Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Dois antigos militares, fulas ou mandingas, naturais de Bambadinca, que terão feito parte de um Pel Caç Nat que, se bem me lembro, terá estado em Quebo, durante a guerra colonial.

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 3 de Março de 2008 > À saída de Bambadinca, já na estrada para Bissau... Uma das muitas bolanhas da região, hoje abandonadas, servindo agora de campo de pasto para as vacas. O abandono das bolanhas (e, portanto, da cultura do arroz) leva também, provavelmente, ao assoreamento do Geba Estreito, que já não é navegável... Outrora ia-se até Bafatá!

Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.



1. Mensagem enviada por Luís Graça ao Doutor Inácio Semedo, com data de ontem:

Caro Doutor Inácio Semedo, meu caro amigo:

Conforme a nossa conversa telefónica de há hora e meia atrás, junto lhe dou conhecimento do pedido feito pelo seu amigo Berry Luscher, em francês, língua que seguramente você domina. De modo qualquer aqui fica um resumo, em tradução livre, da mensagem que me chegou à minha caixa de correio electrónico, no dia 10 de Outubro (*):

Trata-se de um antigo cooperante suíço, francófono (?), que foi delegado do Alto Comissário para os Refugiados nos anos de 1976 a 1978. Nessa altura supervisionou, na Guiné-Bissau, a construção de hospitais (sic) em Sonaco, Farim, São Domingos, Catió e Bubaque, bem como de um certo número de postos sanitários e de casas de habitação para médicos.

Em 1983, a Presidência do Conselho de Ministros, na pessoa do “meu amigo” (sic) Victor Saúde Maria (**), tinha proposto ao governo suíço a abertura de um consulado honorário “sob a minha direcção” (sic). No entanto, na sequência de um "golpe de Estado palaciano" [, o de Nino Vieira, em 1984], o assunto morreu. “Foi pena para o vosso país [ele julga que somos guineenses], já não tive mais oportunidade de vos ajudar através das minhas relações, ao mais alto nível, na Suíça”.

Encontrando-se a preparar uma pequena publicação sobre as suas actividades, no passado, na Guiné-Bissau, o Sr. Berry Lucher gostaria de poder entrar em contacto com representantes do Ministério com quem trabalhava, entre eles Inácio Semedo.

O seu pedido ao nosso blogue é o seguinte: “Ser-vos-ia possível informar-se sobre esta pessoa [, Inácio Semedo,] que, na época, era o meu contacto com as autoridades governamentais ? No caso de ainda estar vivo, gostaria muito de renovar e revitalizar laços que me são caros”.

O Sr. Berry Luscher descobriu, por acaso, o nosso blogue onde encontrou referência a Inácio Semedo e outros históricos do PAIGC (***). Daí a razão por que se dirigiu a nós, pedindo ajuda.


2. Pedi ajuda ao meu amigo e membro do nosso blogue, o Doutor Leopoldo Amado, historiador, luso-guineense, profundo conhecer do PAIGC e da luta de libertação, que me mandou a seguinte informação, por e-mail, relativamente a este assunto:

Caro Luís Graça,

Inácio Semedo Jr. foi dos grandes diplomatas guineenses e está presentemente na situação de reforma. Como embaixador, representou a Guiné-Bissau em muitos países, entre os quais Portugal e Suécia.

Ignoro se terá trabalhado antes na área da saúde em Bissau, mas é certo que é filho de Inácio Semedo, um histórico do PAIGC e contemporâneo de Amílcar e das lides da luta clandestina ainda antes do início da guerra.

Inácio Semedo Jr. é pois meu amigo e encontra-se em Lisboa. Eis as suas coordenadas [...].


Abraço. Leopoldo Amado



3. Mensagem que mandei, a seguir ao meu contacto telefónico, a Inácio Semedo:

Caro Inácio: Fiquei feliz por o encontrar e por saber que foi um antigo e valoroso Combatente da Liberdade da Pátria. E, para mais, com ligações a Bambadinca, terra onde passei bons e maus momentos, entre Julho de 1969 e Março de 1971, e que revisitei em Março de 2008, na sequência da minha participação, como conferencista, no Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008).

Espero poder conhecê-lo pessoalmente e dar-lhe conta do apreço e amizade que eu tenho pela Guiné e pelos guineenses, alguns dos quais têm sido meus alunos, nos últimos anos... Falar-lhe-ei também do blogue que criei e mantenho, Luís Graça & Camaradas da Guiné... Como combinado, procurarei contactá-lo a partir de finais de Novembro (****).

Entretanto, sinto-me autorizado por si a fornecer os seus elementos de contactos ao Sr. Berry Lusher, arquitecto, antigo cooperante suíço na Guiné-Bissau, e que quer retomar velhas relações de amizade consigo (*****).

Votos de sucesso para si e para os seus projectos.

Luís Graça


___________

Notas de L.G.:

(*) E-mail do Sr. Berry Lusher:

Subject - Adresse d'Inacio Semedo

Porrentruy, le 10 octobre 2008

Bonsoir Monsieur,

Je suis un coopérant suisse anciennement délégué auprès du Haut Commissaire au Réfugiés (HCR) pendant les année 76 à 78. A cette occasion j'ai supervisé la construction des hôpitaux de Sonaco, Farim, St. Domingos, Catio,et Bubaque, ainsi qu'un certain nombre de postes sanitaires et des maisons d'habitation pour les médecins.

En 1983, la Presidência do Conselho de Ministros, sous la signature de mon ami Victor Saûde Maria, avait proposé au gouvernement suisse l'ouverture d'un consulat honoraire sous ma direction; une révolution de palais avait opéré un changement à la tête de l'état et les nouveaux dirigeants n'ont point donné suite à cette question de consulat . Dommage pour votre pays que je n'avais ainsi plus l'occasion d'aider par mes relations au plus haut niveau suisse.

Aujourd'hui, je prépare une petite publication sur mes actiivités guinéennes et je cherche à entrer en contact avec certaines relations locales, entre autres Inacio Semedo.

Vous serait-il possible de me renseigner sur ce personnage qui à l'époque était mon contact avec les autorités gouvernementales, s'il est encore du monde des vivants j'aimerais beaucoup renouer et revitaliser des liens qui me sont chers.

C'est en découvrant par hasard votre blog et en relisant le nom de toutes ces personnes que j'ai fréquenté dans votre cher pays que je me permets de solliciter votre aide pour donner suite à ma requête qui doit bien vous surprendre.

Bien à vous Berry Luscher


(**) Victor Saúde Maria (1939-1999), militante, fundador e dirigente do PAIGC. Foi o primeiro Ministro dos Negócios Estrangeiros da jovem república da Guiné-Bissau (1974-1982), sob a presidência de Luís Cabral. Foi também 1º Ministro, depois do golpe de Estado de João 'Nino' Vieira, num período relativamente curto, de 14 de Maio de 1982 a 10 de Março de 1984. Esteve então preso por alegada conspiração contra o vencedor do golpe de Estado de 1980. Exilou-se entretanto em Portugal. Regressou à pátria já na década de 1990, tendo fundado em 1992 o Partido Unido Social Democrata (PUSD). Ainda concorreu às eleições presidenciais em 1994. Morreu, aparentemente de doença, em 25 de Outubro de 1999.


(***) Na verdade, as referências que temos, no nosso blogue, é a Inácio Semedo, pai... Vd. poste de 12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXV: Antologia (24): Elisée Turpin, co-fundador do PAIGC (Élisée Turpin)

(...) "Para além das células, estabeleceram-se pontos focais, ou seja, elos de ligação no interior do País. Por exemplo, o elo de ligação em Farim era o Dionísio Dias Monteiro; em Bolama era Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai); em Catió era Manuel da Silva.

"Lembro-me de algumas pessoas que se movimentavam na altura como activistas políticos e muitos deles envolvidos na criação do Partido: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Rafael Barbosa, Luís Cabral, Abílio Duarte, Fernando Fortes, João Rosa, Inácio Semedo, Victor Robalo, Júlio Almeida, João Vaz, Domingos Cristovão Gomes Lopes. [Negritos nossos].

"Contudo, no dia 19 de Setembro de 1956, na fundação (criação formal do Partido, denominado PAI - Partido Africano da Independência), compareceram apenas 6 pessoas: Amilcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Júlio Almeida, Elisée Turpin" (...).


Vd. também poste de poste de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVIII: Memórias de Turpin e da Bissau do seu tempo (Mário Dias)

Sobre as pessoas referidas pelo Elisée Turpin, o nosso camarada Mário Dias (que foi para a Guiné, ainda adolescente no início dos anos 50), diz o seguinte:

(...) recordo-me perfeitamente de:

- Benjamim Correia, que tinha uma loja de bicicletas e acessórios e era um conceituado comerciante muito estimado e considerado entre a população da Guiné, 'colonos' incluídos;

- Rafael Barbosa, que era funcionário das Obras Públicas e tinha uma pequena deficiência numa perna que o obrigava a mancar;

- Quanto ao Inácio Semedo, o único Semedo de que me recordo era o guarda-redes do Sporting de Bissau, alcunhado de 'Swift'; talvez não seja o mesmo(Negritos nossos]

- Luís Cabral, irmão do Amílcar, trabalhava na Casa Gouveia.

Porém, aqueles de quem melhor me lembro - por com eles ter lidado mais de perto - são:

- Fernando Fortes, que era funcionário dos Correios em Bissau: tinha um irmão (Alfredo, salvo erro) que nos meus tempos de Farim (1953/55) era o Delegado Aduaneiro naquela localidade;

- João Rosa foi meu colega de trabalho na NOSOCO. Era o guarda-livros. Fui muitas vezes a casa dele no Chão Papel. Era muito meu amigo e fui visitá-lo ao hospital quando ali foi internado, já sob prisão da PIDE;

- João Vaz era o alfaiate dos serviços militares. A oficina era na Amura e era ele que fazia o fardamento para os recrutas e demais militares. Ainda tenho comigo um camuflado que ele me fez sob medida. (...).



(*****) Inácio Semedo Júnior: 65 anos, natural de Bambadinca, filho de Inácio Semedo. A família tinha propriedades na região, segundo ele mesmo me disse ao telefone. Nomeadamente o pai tinha uma destilaria de aguardente de cana. Costumava comprar arroz aos Brandão, de Catió, para alimentar os seus trabalhadores balantas (possivelmente de Nhabijões, Mero, Santa Helena...). Trocava aguardente por arroz. O arroz do sul, do celeiro da Guiné, era o melhor. A Guiné era pequena e todo o mundo se conhecia. A família Brandão, de Catió, também deu pelo menos um militante do PAIGC, que ele, Inácio, irá conhecer na luta de guerrilha, no sul. Em Bambadinca também havia uma família Brandão (com quem os Semedo seriam aparentados, se bem percebi...).

O pai, Semedo, agricultor, proprietário, foi um nacionalista, que andou a conspirar com o Amílcar Cabral e outros históricos do PAIGC, e que como tal foi preso e torturado pela PIDE e condenado a 2 anos de prisão. O filho, Inácio Semedo, está a ver se ainda hoje recupera parte do património da família em Bambadinca... (Não consigo localizar essa ponta, propriedade dos Semedo: vi uma referência a uma casa em Gã Beafada, não tenho a certeza onde seja...).

Aos 16/17 anos veio estudar para Portugal, onde fez o liceu. Deve ter aderido ao PAIGC nessa época e/ou saído de Portugal nessa época. (Segundo o Leopoldo Amado, o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento do pai, numa cerimónia que se realizou em Bambadinca).

Em 1964 vamos encontrá-lo na guerrilha, no sul (Quitafine ?), sob as ordens do comandante Saturnino. Nunca andou na sua terra natal, a orientação do PAIGC era pôr os guerrilheiros em regiões diferentes daquelas onde tinham nascido e vivido.

Mais tarde (não percebi quando, exactamente) o jovem Inácio foi para a Hungria, onde tirou o curso de engenharia e fez o doutoramento em Ciências. A seguir à Independência trabalha no Ministério das Obras Públicas, cujo titular da pasta era o Arquitecto Alberto Lima Gomes, mais conhecido por Tino, e que viria a morrer, mais tarde, num acidente de caça, actividade de lazer de que era um apaixonado. É nesta época que o Inácio conhece o arquitecto suiço Berry Lusher, de quem se torna amigo. Uma das suaS funções era então receber, encaminhar, apoiar, acompanhar e tutelar centenas de cooperantes, estrangeiros, incluindo portugueses.

Vive hoje em Portugal, retirado da vida pública do seu país. Tem um filho bancário. Confessa que não conhece o nosso blogue, por não estar muito familiarizado com a Internet. Tem endereço de e-mail mas é o filho que o ajuda a gerir a caixa de correio.

Continua ligado ao seu partido de sempre, o PAIGC. Neste momento está a mobilizar e angariar apoios e contactos, tendo em vista as eleições do próximo mês de Novembro.
Prometemo-nos voltar a contactar lá para o final desse mês, quando haverá maior disponibilidade, de parte a parte. Para falarmos da nossa Bambadinca ("hoje tão decadente, tão triste, tão morta"...), do nosso Geba Estreito ("onde já não circulam os barcos que lhe deram vida, cor e movimento"...), enfim, da nossa Guiné (onde o Inácio Semedo continua a ir regularmente, a última vez em Junho passado...).

(*****) E-mail de resposta de L.G., enviado ontem ao Sr. Berry Lusher:

Monsieur Luscher:

(i) J'ai de bonnes nouvelles pour vous! Votre ami Inacio Semedo Jr est vivant, il est retiré de la vie diplomatique (aprés avoir representé son pays au Portugal et en Suède), et il demeure à Lisbonne. Nous avons un ami en commum, l'historien Leopoldo Amado. J'ai eu le plaisir de parler avec Mr. Semedo au téléphone. Je suis autorisé par lui a vous donner les contacts suivants [..]

(ii) Je ne suis pas guinéen. Je suis portugais, an ancient combattant pendant la guerre coloniale en Guinée (1963/74). Je suis le webmaster du blog Luis Graca et Camarades de la Guinée, le plus grand blog, en langue portugaise, sur l'expérience de la guerre coloniale / lutte de libération en Afrique... C'est un espace de partage, de connaissance, de recherche, d'échange, de solidarité, d'amitié et de camaraderie. Nous avons dix règles d'étique, incluant le respect pour la vérité et pour l'enemie du passé. Des portugais et des guinéens, on partage des histoires, récits, images, documents, etc.

Sur mois, je suis sociologue de la santé et du travail, à l' École Nationale de Santé Publique, Nouvelle Université de Lisbonne.

Bonne santé et bon travail à vous!

Luis Graca (...)

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12229: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (5): Relatório de 22/12/1966, assinado por Brandão Mané, sobre a situação militar na região Xitole-Bafatá, reportando importantes perdas em homens e material

1. Transcrição de documento, manuscrito, de 4 páginas, numeradas de I a IV, assinado por Brandão Mané, com data de 22/12/1966, com referência á situação militar na região de Xitole-Bafatá (pp. I a III).

Em anexo (p. IV), vem um comunicado do Comando Regional Xitole-Bafatá sobre o ataque à Base Central do Sector de Xime (que era então em Baio / Buruntoni, a sudoeste do aquartelamento e tabanca do Xime). Fixação de texto: L.G.(*)

____________

Relatório

Região de Xitole Bafatá, 22/12/1966

Situação militar

I

Por falta de não reunir [sic] condições – falta de atiradores de canhão, obuzes de bazookas [sic], e de “morteiro”, além de medicamentos – , não foi realizada operação nenhuma desde o mês de Novembro [de 1966] até à presente data. (**)

Somente efectuaram-se sabotagens com minas nas estradas e outras nas áreas controladas pelo inimigo, das quais ainda não obtemos [obtivemos] informação concreta.

Durante este período sofremos quatro ofensivas do inimigo das quais segue o comunicado.

II

Nas duas últimas tivemos perdas de armas.

Contra a Base Central do Sector de Corubal, no dia 22 de Novembro, o inimigo apanhou uma pistola P.A. 7, 65 mm nº 220526.

Contra a Base Central do Sector do Xime, no dia 15 do corrente mês, numa ofensiva de surpresa pela sua forma mas causada peal falta de vigilância dos n/ [nossos] camaradas, o inimigo conseguiu apanhar duas carabinas semi-autom[áticas] nºs 2773, 42.708, duas pistolas P.M. [, Pistola Metralhadora,] Patchanga 7,62 mm, nºs 2042 [e]  318, duas carabinas de repet[ição], nºs 887 [e] 3578, um[a] Gurianov [, Metralhadora Pesada Goryounov 7,62 mm M-943] nº 131, uma pistola P.A. 7,62 mm, nº 22526. (**)

Foram gastas, da nossa parte, nestas quatro ofensivas as seguintes quantias de munições: 475 balas de carabina de semi-autom[ática] (carabina) 7,62.

III

1188 balas de (Patchanga) [Shpagin, cal. 7,62 mm M-941 (PPSH)], 239 balas de carab[ina de] repet[ição], 140 balas de P.M. (rico jazz) [, Pistola Metralhadora Thompson, cal. 11,4 mm], 300 balas de mauser semi-autom[ática], 30 balas de mauser de repe[tição], 2 obuzes de baz[ooka] 40 mm, 4 obuzes de bazooka P.A. 27 [Pancerovka]  , 4 obuzes de bazooka mod[elo] americano, 4 obuzes de morteiro 60 mm.

[Assinado:] Brandão Mané

IV

Comando Regional Xitole Bafatá

22/12/1966

Comunicado

O Comando Regional comunica que no dia 15 do corrente [mês de Dezembro] houve uma ofensiva inimiga, desencadeada pela infantaria inimiga, contra a Base Central do Sector de Xime (Baio), onde conseguiram destruir uma meia dezena de barracas depois de capturarem oito armas. (Citadas no relatório). Tivemos onze feridos, dos quais cinco graves.

Seguindo os vestígios deixados pelo inimigo, mostram [sic] que tiveram baixas.

[Assinado:] Brandão Mané


Fonte: (1966), "Relatório sobre a situação militar na região Xitole-Bafatá", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40103 (2013-10-31)



Instituição: Fundação Mário Soares

Pasta: 07200.170.012

Título: Relatório sobre a situação militar na região Xitole-Bafatá

Assunto: Relatório sobre a situação militar na região de Xitole-Bafatá, assinado por Brandão Mané. Em anexo um comunicado do Comando Regional Xitole-Bafatá sobre o ataque à Base Central do Sector de Xime.
Data: Quinta, 22 de Dezembro de 1966
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Diversos. Guias de Marcha. Relatórios. Cartas dactilografadas e manuscritas. 1960-1971.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos

2. Comentário de L.G.:

O que surpreende neste documento é a qualidade do português... E ao mais tempo o detalhe e o rigor da informação, que vai ao ponto de identificar uma por uma as armas capturadas pelas NT.

Por outro lado, é intrigante o nome do comandante, Brandão Mané (que pode ser apenas um nome de guerra). Brandão é apelido portuguguês. Mané é apelido mandinga ou beafada... Trata-se de alguém escolarizado, que fala e escreve português corretamente.

Seria alguém ligado ao vasto clã dos Brandão ? O ramo mais conhecido era o dos Pinho Brandão, de Catió. O patriarca da família poderia ter sido  o velho Brandão,  de Ganjola, natural de Arouca, desterrado para a Guiné possivelmente no final dos anos 20 ou princípíos dos anos 30, uma figura  já aqui evocada diversas vezes, por  camaradas como o Mário Dias (que esteve na Op Tridente, no Como, jan/março de 1964) e o J. L. Mendes Gomes (que esteve no Como, Cachil e Catió, entre 1964 e 1966).

Mas também havia uma família Brandão em Bambadinca, com ligações a Catió. Provavelmente, eram parentes. Falando, ao telefone,  há uns anos atrás (2008) com Inácio Semedo Júnior, ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, ex-embaixador aposentado, apurei o seguinte:

(i) na altura com 65 anos de idade, deveria ter  nascido, portanto, por volta de 1943); 

(ii) era natural de Bambadinca; 

(iii) era filho de Inácio Semedo, um histórico do PAIGC; 

(iv) a família tinha propriedades na região; nomeadamente o pai tinha uma destilaria de aguardente de cana, tendo costume comprar arroz aos Brandão, de Catió, para alimentar os seus trabalhadores balantas de Bambadinca (possivelmente de Nhabijões, Mero, Santa Helena...); 

(v) trocava-se, naquele tempo,  aguardente por arroz, sendo o  arroz do sul, do celeiro da Guiné, o melhor; 

(vi) A Guiné era pequena e todo o mundo se conhecia. 

A família Brandão, de Catió, também deu pelo menos um militante do PAIGC, que ele, Inácio Semedo Júnior, irá conhecer na luta de guerrilha, no sul. Seria este Brandão Mané ? Em Bambadinca também havia uma família Brandão (com quem os Semedo seriam aparentados, se bem percebi...).

O pai, Inácio Semedo, agricultor, proprietário, foi um nacionalista da primeira hora, que andou a conspirar com o Amílcar Cabral e outros históricos do PAIGC, e que como tal foi preso e torturado pela PIDE e condenado a 2 anos de prisão. 

O filho, Inácio Semedo Jr, estava então, em 2008,  a ver se ainda recuperava parte do património da família em Bambadinca... .

Aos 16/17 anos[[, por volta de 1959/60,]  veio estudar para Portugal, onde fez o liceu. Deve ter aderido ao PAIGC nessa época e/ou saído de Portugal nessa época. (Segundo o Leopoldo Amado, o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento do pai, numa cerimónia que se realizou justamente em Bambadinca, antes do início da guerra).

Em 1964 [, com c. 21 anos,] vamos encontrá-lo, ao Inácio Semedo Jr,  na guerrilha, no sul,  sob as ordens do comandante Manuel Saturnino da Costa. Nunca andou na sua terra natal, Bambadinca, zona leste. A orientação do PAIGC era,. compreensivelmente,  pôr os guerrilheiros em regiões diferentes daquelas onde tinham nascido e vivido.

Mais tarde (não percebi quando, exactamente) o jovem Inácio Semedo foi para a Hungria, onde tirou o curso de engenharia e fez o doutoramento em Ciências. A seguir à independência trabalhou no Ministério das Obras Públicas, cujo titular da pasta era o Arquitecto Alberto Lima Gomes, mais conhecido por Tino, e que viria a morrer, mais tarde, num acidente de caça, actividade de lazer de que era um apaixonado. 

Inácio Semedo vivia, em 2008, em Portugal, retirado da vida pública do seu país. Tinha um filho bancário. Confessou que não conhecia o nosso blogue, por não estar muito familiarizado com a Internet. Tinha endereço de e-mail mas era o filho que o ajudava a gerir a caixa de correio.

Continuava ligado ao seu partido de sempre, o PAIGC.  Prometemo-nos voltar a contactar  (, o que nunca mais voltou a acontecer),  quando houvesse maior disponibilidade, de parte a parte. Para falarmos da nossa Bambadinca ("hoje tão decadente, tão triste, tão morta"...), do nosso Geba Estreito ("onde já não circulam os barcos que lhe deram vida, cor e movimento"...), enfim, da "nossa Guiné" (onde o Inácio Semedo continuava a ir regularmente...).

Sobre a tipologia, designação e evolução do armamento do PAIGC temos diversos postes no nosso blogue (**).
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 23 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12192: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (4): O anúncio,em 4 de janeiro de 1961, do envio para a China, para a Academia Militar de Nanquim, dos futuros dez primeiros comandantes do PAIGC, João Bernardo Vieira [Nino], Francisco Mendes, Constantino Teixeira, Pedro Ramos, Manuel Saturnino, Domingos Ramos, Rui Djassi, Osvaldo Vieira, Vitorino Costa e Hilário Gomes.

(**)  Sobre a tipologia, a evolução e a designação do armamento do PAIGC, vd. poste de 7 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3032: PAIGC: Instrução, táctica e logística (13): Supintrep, nº 32, Junho de 1971 (XIII Parte): Armamento (A. Marques Lopes)

(...) Tipo de Armamento > DESIGNAÇÃO

Foguetão 122 mm > GRAAD ou JACTO DO POVO

Morteiro 120 mm > BADORA

Canhão S/R B-10 > BEDIS
Canhão S/R 75 mm > TECHONGO

Lança Granadas-Foguete PANCEROVKA P-27 > BAZOOKA BICHAN, LANÇA GRANDE, PAU DE PILA, BAZOOKA CHINÊS

Lança Granadas-Foguete RPG-2 > BAZOOKA CHINA, BAZOOKA LIGEIRO, LANÇA PEQUENO

Lança Granadas-Foguete 8,9 cm (M20 B1) > BAZOOKA CUBANA

Metralhadora Pesada DEGTYAREV (DSHK) Cal. 12,7 mm M-38/56 > DEKA, DESSEQUE, DCK,

Metralhadora Pesada GORYOUNOV Cal. 7,62 mm M-943 SG > TRIPÉ, GORRO NOVO

Metralhadora Pesada ZB – 37 ZDROJOVSKA > TRIPÉ, TRIPÉ BESSA

Metralhadora Ligeira DEGTYAREV DP Cal. 7,62 mm > BIPÉ DISCO ou DISCO BIPÉ SOVIÉTICO

Metralhadora Ligeira DEGTYAREV RDP Cal. 7,62 mm > BIPÉ CHECO, BIPÉ PACHANGA

Metralhadora Ligeira M-52 Cal. 7,62 mm > BIPÉ CAUDO, BIPÉ MAQUESSEN

Metralhadora Ligeira BORSIG Cal. 7,92 mm > BIPÉ

Espingarda Automática KALASHNIKOV (AK) Cal. 7,62 mm > AKA ou ACAG3, PM SOVIÉTICO

Espingarda Automática SIMONOV (SKS) Cal. 7.62 mm > CARABINA AUTOMÁTICA ou CHIME AUTOMÁTICA, CANHE BALE (JOL), CARABINA SINECE, CARABINA CHINESA, E.S.A SIMA

Espingarda M-52 Cal. 7,62 mm > CARABINA CHECA

Espingarda MAUSER K98K > MAUSER

Espingarda Semi-automática M-52 Cal. 7,62 mm > CHIME AUTOMÁTICA, CARABINA BOMBARDEIRA

Carabina MOSIN-NAGANT M-944 > CARABINA RÔSSIA (SOVIÉTICA)

Pistola-Metralhadora M-23 > MERENGUE

Pistola-Metralhadora M-25 > MERENGUE ou RICON RICO

Pistola-Metralhadora SHPAGIN Cal. 7,62 mm M-941 (PPSH)> PA[T]CHANGA, METRO ou METAR

Pistola-Metralhadora SUDAYEV Cal. 7,62 mm M-943 (PPS) > PM de FERRO, 
DECÉTRIS, MODELO PACHANGA, PM CHINESA

Pistola-Metralhadora THOMPSON Cal. 11,4 mm > RICO JAZ[Z]-THOMPSON

Pistola-Metralhadora BERETTA N-38/42 e M-38ª> BERETTA

Pistola-Metralhadora SHMEISSER MP-38 e MP-40 > COPTER

Pistola CESKA ZBROJOVKA Cal. 7,65 mm > PISTOLA SEMI-AUTOMÁTICA


Pistola CESKA ZBROJOVKA Cal. 6,35 mm > PISTOLA SEMI-AUTOMÁTICA PEQUENA

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14914: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VIII: População: da Ponta Brandão a Cansamba




Foto nº 9 > Guiné > Zona leste > Galomaro >  Setembro de  1969) >  Foto tirada na tabanca em autodefesa de Cansamba. A  bajuda estava a bordar. Quando  me preparava para lhe tirar a foto,  pediu-me que esperasse um pouco e foi ao interior da morança. Pensava eu que ia tapar os seio mas não, foi pôr o lenço na cabeça.



Foto nº 1 > Bambadinca, setembro de 1969: as (e)ternas crianças



Foto nº 2 > Tabanca de Bambadinca, setembro de 1969 (1)


Foto nº 3 > Tabanca de Bambadinca, setembro de 1969 (2): a arte de rapar a cabeça



Foto nº 4 > Bambadinca, cais do rio Geba (1): lá como cá, "trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco", diz o provérbio popular


Foto nº 5 > Bambadinca, cais do rio Geba (2)


Foto nº 6 > Galomaro, setembro de 1969: lavadeiras (1)


Foto nº 6 A > Galomaro, setembro de 1969: lavadeiras (2)



Foto nº 7 > Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > Amedalai, setembro de 1969: o pilão e o trabalho infantil



Foto nº 8 > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Ponta Brandão,  fevereiro de 1970: major Cunha Ribeiro (2ª cmdt do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), na psico. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar...

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Continuação da publicação do excelente álbum fotográfico do Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968/fevereiro de 1970):

[foto atual à direita; o Jaime Machado reside em Senhora da Hora, Matosinhos; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]



II  Atividade operacional do Pel Rec Daimler 2046, agora ao serviço do BCAÇ 2852 

Novembro de 1968

Op Hálito

Iniciada em 11, às 5h00,  com a duração de 2 dias e com a finalidade de detectar elementos IN,  e efectuar uma coluna de reabastecimentos à xompanhia aquartelada no Xitole. Tomaram parte na Operação:

Cmdt – Cmdt BCAÇ 2852 [Bambadinca]

Dest A – CART 1746 a 2 Gr Comb  [Xime] + CART 2339 a 3 Gr Comb [Mansambo]

Dest B – CART 2413 a 2 Gr Comb [Xitole] +

PEL CAÇ NAT 53 [Bambadinca]

1 Gr Comb  Ref CMD AGR 1980 [Bafatá]

3 ESQ PEL REC DAIMLER 2046 [Bambadinca]

1 ESQ PEL MORT 1192 [Bambadinca]

1 SEC MIL

Consistiu esta Operação no Reabastecimento do Xitole  utilizando o itinerário Bambadinca / Mansambo / Xitole, fazendo-se a travessia do Rio Pulom,  utilizando uma jangada e 4 barcos de borracha.

Foi necessário desobstruir o itinerário das abatizes, fazendo-se a transposição dos reabastecimentos das 10h30 às 14h00. A esta hora iniciou-se a retirada sendo as NT emboscadas por duas vezes por um grupo de 40/50 elementos, sendo a primeira com accionamento de mina A/C, causando 1 morto 12 feridos às NT e 1 desaparecido além de uma viatura danificada.

Apesar de ser a primeira vez que os militares deste Pelotão tinham contacto com o IN,  demonstraram mesmo assim uma calma, uma presença de espírito e um controle de fogo dignos de assinalar.

As NT chegaram a Mansanbo pelas 19h00, donde recolheram a Bambadinca.

Ainda no mês de novembro de 1968, efectuou vários patrulhamentos em itinerários do regulado do Cossé [, setor de Galomaro,] onde se tinha manifestado uma violenta acção IN contra a tabanca de Mussa Iero a qual fora incendiada.



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhabijões, Mero e Santa Helena, três tabancas consideradas, desde o início da guerra, como estando "sob duplo controlo", ou seja, com população (maioritariamente balanta) que tinha parentes no "mato" (zona controlad pelo PAIGC)... Em Finete, Missirá e Fá Mandinga havia destacamentos nossos. Entre Bambadinca e Fá Mandinga ficava Ponta Brandão. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar...

 Havia uma outra, em Bambadinca (diz a história do BART 2917, mas eu nunca soube onde ficava exatamente). Os balantas adoravam aguardente de cana. Era natural que a guerrilha do PAIGC (ou os seus elementos locais, em Nhabijões, Mero e Santa Helena) viessem aqui, a Ponta Brandão, abastecer-se. O Jorge Cabral conhecia, melhor do que eu, a Ponta Brandão (a escassos 5 quilómetros de Bambadinca, à esquerda da estrada para Bafatá, e a meio caminho de Fá Mandinga; ia-se lá por causa da aguardente de cana e de uma certa bajuda, que devia ser filha ou mais provavelmente neta do velho Brandão).

Uma destas duas destilarias pertencia à família do Inácio Semedo, um histórico nacionalista, proprietário, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento; ao que parece, foi preso, torturado pela PIDE e condenado a dois anos de prisão (,era pai do Inácio Semedo Júnior, que aderiu à guerrilha em 1964, tendo combatido no sul, e mais tarde, a seguir à independência, formou-se em engenharia na Hungria, onde se doutorou em ciências; conheci-o em Lisboa, em 2008, afastado da vida política; é uma pena se não escrever as suas memórias; tem um filho bancário). 

Sobre o Inácio Semedo, sénior, ver aqui a sua evocação pelo embaixador Carlos Frota que o foi visitar, à sua ponta, em Bambadinca, já depois da independênca (Carlos Frota: Guiné: turras e tugas. JTM - Jornal Tribuna de Macau, May 2, 2013), de que se cita o seguinte excerto:

" (...) Lembro-me também com respeitosa saudade de Inácio Semedo, sénior, nos seus setenta e muitos anos naquela época que nos recebeu, num domingo, para o almoço, na sua casa de Bambadinca, com a dignidade de um grande senhor que era.

Homem seco, de uma disciplina pessoal e frugalidade extremas, era proprietário agrícola e habituado por isso a exercer autoridade sobre quem estava sobre as suas ordens, fazendo-o de forma quase paternal. E todos lhe retribuíam com afectuoso respeito essa maneira de estar na vida." (...)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).

PS - O Carlos Frota (, atual embaixador de Portugal na Indonésia,)  ia acompanhado, dos dois filhos do velho Inácio Semedo, o mais velho, Júlio Semedo, na altura ministro dos negócios estrangeiros e um dos dirigentes históricos do PAIGC,  e Inácio Semedo Jr, embaixador em Washington.

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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

17 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14890: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VII: O edifício dos CTT de Bambadinca: c. 1968/70 e 2010 ... (Fotos completadas com as de Humberto Reis, ex-fur mil op esp., CCAÇ 12, 1969/71)

11 de julho 2015 > Guiné 63/74 - P14864: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VI: Mulheres e bajudas (III)

8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14851: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte V: Mulheres e bajudas (II): A Rosinha, a lavadeira de Bambadinca, 40 anos depois (em Bissau)

8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14847: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte IV: Mulheres e bajudas de Bambadinca (I)

29 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14806: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte III: O grave acidente com arma de fogo que vitimou o Uam Sambu, do Pel Caç Nat 52, na manhã de 1/1/1970

24 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14790: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte II: Ao serviço do BART 1904 (de maio a setembro de 1968) e do BCAÇ 2852 (de outubro de 1968 a fevereiro de 1970)



domingo, 26 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3359: Em busca de ... (46): Inácio Semedo, agricultor de Bambadinca, um histórico do nacionalismo guineense (Pepito)

Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da Semana > 19 de Outubro de 2008 > "Pegadas de hipopótamos neste campo de arroz na tabanca de Cubampor junto a um afluente do rio Cacheu, mostram o apetite destes animais pelas culturas agrícolas.

"Tem sido um verdadeiro problema, para o qual ainda não encontrámos resposta técnica eficaz, conciliar as necessidades alimentares dos hipopótamos que vivem no seu habitat natural, com os naturais anseios das populações ribeirinhas que procuram desesperadamente a sua própria segurança alimentar.

"Eis aqui um grande e clássico conflito entre o Ambiente e Desenvolvimento, cada um apresentando as suas legítimas razões".


Foto: © AD- Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados

1. Mensagem, de hoje, do Pepito, membro da nossa Tabanca Grande, engenheiro agrónomo, co-fundador e actual director executivo da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento:

Luís:

Conheço muito bem o Inácio Semedo Jr.. É um bom amigo meu e pessoa por quem tenho muita consideração. Combatente da Libertação da Guiné-Bissau, sempre foi um Homem de Estado, com uma postura digna (*).

Nada de estranho quando se é filho do já falecido Inácio Semedo, agricultor que, com o meu pai[ Artur Augusto Silva,] (**), fez parte de um grupo que nos idos de 50 pugnou pelo desenvolvimento do associativismo rural na então Guiné Portuguesa.

Quase 40 anos depois, tive a honra de o convidar a presidir às primeiras jornadas sobre o Associativismo Agricola na Guiné-Bissau. Fui a casa dele em Bambadinca para o efeito. Não estava lá, mas antes na sua propriedade agrícola onde o fui encontrar já muito velhote, numa cadeira de rodas, a orientar os trabalhos. Uma verdadeira lição que nunca esquecerei.
Quando contactares o filho, ficarás rendido à sua simplicidade e maneira de ser.

abraço

Pepito (***)

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 15 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3317: Em busca de ... (45): Inácio Semedo Jr, ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, de Bambadinca (Berry Lusher / L. Amado / L. Graça)

(**) Vd. I Série do blogue > Poste de 20 de Maio de 2006 >
Guiné 63/74 - DCCLXXV: Antologia (38): O cativeiro dos bichos (Artur Augusto Silva)


(***) Pepito: Pensei em ti e na Isabel. Vamos agora assitir à exibição do filme documental que acaba de ganhar o Grande Prémio da Cidade de Lisboa para a melhor longa metragem no âmbito da 6ª edição do Festival Internacional de Cinema Documental (Lisboa, 16 a 26 de Outubro de 2008).

O filme premiado passa-se aí na tua vizinha Guiné-Conacri, e tem muito a ver com o teu 'core business' que é o desenvolvimento sustentado e integrado. Obrigado pelo teu mail. Já falei, uma vez, ao telefone com o Doutor Inácio Semedo Jr. Prometemo-nos voltar a falar "depois das eleições"... Pareceu-me uma pessoa afável, com muito nível, cultura e sensilidade.

The execution, de Yue Minjun. Esta imagem, fortíssima, serviu de fundo ao logótipo do VI Festival Internacional de Cinema Documental. 175 filmes passaram por Lisboa em 10 dias. O cinema documental está conquistar cada vez mais adeptos entre o público português.


Grande Prémio Cidade de Lisboa para a melhor longa-metragem - 15.000€

End of the Rainbow, de Robert Nugent
83´ França 2007

Sinopse > "Uma grande companhia mineira multinacional transfere uma imponente unidade de prospecção de ouro da Indonésia para uma região remota da Guiné Conacry, em África. Nesta zona rural extremamente pobre, a presença da mina acaba por criar um clima de mudança e vários conflitos entre os habitantes locais. Quais as vantagens do proclamado progresso para uma aldeia africana? A transformação do mundo imposta pelo poder do dinheiro não garante necessariamente felicidade nem melhores condições de vida".

sábado, 8 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7571: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (11): Regresso de Madina e Belel, com paragem em Canturé

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Janeiro de 2011:

Malta,
Este dia 26 vai desdobrado, tal o estendal de encontros e desencontros. Até num lastro de camião se viajou com a motocicleta de Lânsana Sori bem empanada.
Demasiado tarde, descobriu-se que a solução para chegar aos lugares mais ermos é mesmo uma motocicleta.
O Tangomau está tocado por ter sido apanhado pelas circunstâncias imprevisíveis, ele que se julgue metódico e disciplinado como um alemão. Por engano, está a horas de regressar e os horários não sopram de feição, haverá objectivos que não se cumprirão.
É por isso que a viagem nunca termina, é sempre possível recomeçá-la, haja determinação por parte do viandante.

Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (11)

Beja Santos

Regresso de Madina e Belel, com paragem em Canturé

1. É indiscutível que a passagem pelo Enxalé foi empolgante, há ali vestígios que mereciam uma atenção maior, estudo aturado e, sabe-se lá, um projecto de recuperação. A vida dos camaradas não deve ter sido fácil mas o ambiente é muito belo, o Tangomau recordou as duas viagens que lá fez e até pôde, com dificuldade das imagens difusas com 40 anos, recordar como o quartel ocupava um espaço central circundado pela compactação das moranças. Agora é tudo diferente, desafogado, são panorâmicas amplas, ali ninguém se pode queixar de claustrofobia ou ter sentimentos dominados pela aridez ou falta de água. Aqui se junta a última imagem de um plinto que tanto entusiasmou o Tangomau. Há já uma outra versão que seguiu no episódio anterior. Mas fica-se a guardar muito respeito por esta pedra escalavrada onde o homem cinzelou a sua presença, nada disto tem a ver com as garrafas lançadas ao mar, são monumentos aos vindouros, qualquer coisa como: “Recorda-te, camarada subsequente, aqui lavrámos a paz e a guerra, derramámos sangue, penámos as penas do inferno, não nos esqueças, chegará a hora em que sentirás vontade de gravar as tuas alegrias e as tuas dores, neste ou num novo plinto, até à consumação deste sofrimento.



2. É um momento extraordinário, o que se passou em Belel. A tabanca é pequena, os homens ainda estão na horta. Pediu-se para falar com alguém de uma idade próxima do Tangomau. E responderam: “Vamos já chamar o chefe da tabanca e um antigo combatente aqui de Belel”. Foi assim que chegaram à fala Farazinho Pereira e Sampere Mendes, ouviram atentamente as razões da viagem, o Tangomau identificou-se, mostrou os livros, pediu informações, quis saber quem ali vivia e como vivia. O que o Tangomau reteve desta conversa que decorreu numa atmosfera amena é que aqueles senhores, elementos do antigo “inimigo” guardavam a serenidade das contas feitas e sem fantasmas, tinham curiosidade em perceber qual a trajectória desta deambulação dentro do Cuor. E fizeram perguntas sobre a Missirá daquele tempo, até se pôs um mapa em cima dos joelhos e comentavam-se nomes de localidades por onde, uns e outros, patrulhavam, minavam e emboscavam. É por isso que se vê com muito enlevo a serenidade e a postura de quem nada deve com que se enfrenta a câmara. À despedida, tanto Farazinho Pereira como Sampere Mendes insistiram: “Volta sempre que queiras. É mais fácil tu vires de Bambadinca que nós irmos lá, de bicicleta é muito longe. Gostamos de visitas, pena é tudo ser tão pobre, para repartir”.



3. O regresso é um pequeno calvário para Lânsana Sori, paragens de quilómetro em quilómetro para bombear um pneu furado. Ele insiste e pede desculpa ao cliente. Mal sabe ele como o Tangomau se deslumbra com a cantilena dos pássaros, a passagem das formigas, os mares de capim agreste. Nestas paragens, até há tempo para conversar com quem viaja ou quem está à sombra, na tentativa vã de se refrescar. Há quem pergunte sempre ao Tangomau que missão o traz ali, se é médico, comerciante ou missionário. Passe o devaneio, a pesporrência, um quase estado de delírio, o Tangomau exulta, à semelhança de Ponta Varela veio hoje bater à porta do antigo “inimigo”, só recebeu consideração, provas de afabilidade, gente curiosa que quer saber mais sobre os porquês desta quase peregrinação. Uma coisa é chegar às tabancas como Amedalai ou Samba Juli e reencontrar rostos amigos, conhecidos, confrontar diferenças, pressentir queixumes, múltiplos sofrimentos. Outra coisa é a remoçada Missirá, que se expandiu, que não tem marcas da guerra. Outra coisa mesmo é bisbilhotar por territórios novos que eram terra de ninguém, as tropas do Tangomau podiam confrontar-se com as do PAIGC, mas era terra de ninguém mesmo, ali não havia direito de posse. Assim se conversou com Aliu Fati em Mato de Cão ou com o povo de Chicri, por exemplo. Mas outra coisa diametralmente distinta é subir aos territórios onde o PAIGC tinha as suas barbacãs, torres de atalaia, pontes levadiças, ali, quanto muito, era entrar a disparar e sair-se sem quaisquer tipos de diálogo. É esta a sensação que frutifica no ânimo do Tangomau. Enquanto Lânsana Sori se desmultiplica no esforço de bombear aquele pneu inútil, o Tangomau tagarela, capta imagens, com a devida licença, destes grupos humanos perguntadores, eles vêm do trabalho, o sustento liminar estampa-se-lhes no rosto. Nisso esta imagem é um espelho fiel.



4. Deu que fazer chegar à estrada do Enxalé, houve que negociar com um camião transportara a motocicleta semiadormecida, condutor e passageiro, tudo até à Batanjã Mandinga, onde se localiza uma oficina. Na caixa desse camião, o Tangomau deslumbrou-se com o desfrute da paisagem, mais dois metros acima do solo, dá para ver o Geba ao longe, os campos de nenúfares, as fainas de gente laboriosa. O que se fotografou perdeu-se e daí o recurso a uma imagem que sobrou do passeio ao Xime, aqui estão os vestígios do porto que o Tangomau viu medrar e transformar-se na mais importante infra-estrutura portuária da região Leste, a partir dos finais de 1969. Caprichos do destino, foi quando o transferiram de Missirá para Bambadinca, por coincidência Mato de Cão perdeu a relevância que tivera todo este tempo da sua estadia no Cuor. O pneu foi substituído, a motocicleta deu meia volta, voltou-se a passar o Geba, visitou-se Canturé. Quem arquitecta romances, novelas ou contos possui alguns segredos íntimos. O Tangomau está convencido que já descobriu o ambiente em que se finaliza aquele livro que anda por aí à solta a germinar, uma viagem que começou em 1967 e que terminará em Dezembro de 2010. Mas há que confirmar diferentes lugares. Por isso se volta a Canturé, uma das encruzilhadas maiores da vida do Tangomau.



5. Não faltasse uma hora para o sol se pôr a pique e o Tangomau iria vasculhar de Finete até Malandim. Urgindo o tempo, ali vai a motocicleta na gáspea, o estradão é de uma beleza impressionante, orlado pelos possantes poilões que vêm de um passado muito mais antigo que o Tangomau. Há que simular junto do povo de Canturé que é uma curta viagem, há ali um ou dois pormenores a ter em conta e depois se regressa a Bambadinca. Até se inventa o pretexto de que é precisa uma fotografia às toranjas de Canturé. A hora a que chega é de remanço e por isso o povo e as suas autoridades vão em conversas, querem sessão de boas vindas com Malã Mané, o chefe de tabanca à cabeça e incluindo Aruma Dahaba (ineditamente um familiar de Fodé). Malã esteve na guerrilha, nas fileiras do PAIGC. Trata sempre o Tangomau por Baké, prova de consideração mais elevada não há. Entre outras coisas, Baké é o guerreiro destemido, não há bala que lhe perfure o corpo. As saudações arrancam desse passado e chegam quase meteoricamente ao presente. O Tangomau está de olhos semicerrados, mais em escrita mental que em relação social. Está sonhador, esta Canturé que ele calcorreou praticamente todos os dias é de uma rara beleza, é luxuriante, tem hortas, está quase tudo cultivado, tudo é pobre mas nada é miserável. O Tangomau põe-se de pé e ata todos os vínculos com Canturé, abraçando Malã Mané, veio a propósito, a seguir a Belel e a Madina. Convém esclarecer, em abono da verdade, que a imagem que aqui se mostra foi tirada à porta da casa do Fodé, dois dias depois, em dia de festa. O que é inesquecível foi Malã ter afirmado perante o seu povo que recebia o visitante com orgulho em Canturé, aquele Baké mais do que destemido dera provas provadas de uma estima arreigada pelo Cuor e pelas gentes. E aquela guerra eram águas passadas.



6. Foi um dia extenuante, amanhã será mais. Porque amanhã ir-se-á de Missirá a Sansão, antes de Missirá, Maná; depois Madina de Gambiel; regressar-se-á a Bambadinca, Lânsana Sori precisa de descansar uma hora para a provação que se segue, de Bambadinca ao Xime, daqui até à Ponta do Inglês. O Tangomau anda com a consciência revolvida, vai regressar a Bissau dentro de dois dias deixando na escuridão pontos fundamentais: Fá, Demba Taco, Samba Silate, por exemplo. E se ficasse mais um dia, deitando para as ortigas o que se propõe fazer em Bissau? É neste dilema que se despede do Bambadincazinho e vai ver o pôr-do-sol no Bairro Joli. É tempo de mostrar gente da casa. Como se disse, vive aqui o engenheiro Fernando Ramiro Semedo, irmão do embaixador Inácio Semedo, ambos filhos do fundador deste projecto, Inácio Semedo, um dos dirigentes históricos do PAIGC. Fernando Semedo procura pôr de pé um projecto de recuperação de diferentes culturas entre o Bairro Joli e a Ponta Nova. É casado com Dada, o casal tem dois meninos. Estamos a ver Alberto Djata, trabalhador e quase da casa. É Felupe e já estivemos a ver fotografias de danças Felupes. O Alberto cozinha magnificamente. Trata-se de um instantâneo, o Alberto está concentrado e parece feliz. Depois o Tangomau foi para o balcão, levou “Gog”, de Giovanni Papini, aproveita o esplendor dos últimos raios solares.



7. Muitos críticos consideram “Gog” como a obra-prima absoluta de Papini. Trata-se de uma sátira de alguém que saiu do manicómio, fez fortuna e agora tem meios para satisfazer imensos caprichos. Um deles passa por conhecer os grandes monumentos literários mundiais. E Papini escreve: “Tive coragem para ler aqueles livros todos, menos três ou quatro que, logo às primeiras páginas, não pude suportar. Hostes de homens, chamados heróis, que se estripavam durante dez anos a fio, sob as muralhas de uma pequena cidade, por culpa de uma velha seduzida; a viagem de um vivo à fossa dos mortos, com o fim de falar mal dos mortos e dos vivos; um doido héctico e um doido gordo que vão, mundo fora, em busca de sovas; um guerreiro que perde um juízo por uma mulher e se diverte a arrancar azinheiros pelas selvas; um pulha cujo pai foi assassinado e que, para o vingar, faz morrer uma rapariga que o ama e outras personagens diversas; um diabo coxo que levanta os telhados de todas as casas para exibir as suas misérias; as aventuras de um homem de estatura média que faz de gigante entre os pigmeus e de anão entre os gigantes, sempre de modo inoportuno e ridículo; a odisseia de um idiota que, através de ridículas desventuras sustenta que este mundo é o melhor dos mundos possíveis; as peripécias de um professor demoníaco servido por um demónio profissional; a aborrecida história de uma adúltera provinciana que se enfastia e, por fim, se envenena; as surtidas loquazes e incompreensíveis de um profeta acompanhado de uma águia e de uma serpente; um rapaz pobre e febril que assassina uma velha e que depois – imbecil – nem sequer sabe aproveitar um álibi e acaba por cair nas mãos da polícia”. O Tangomau está divertido com leitura tão saborosa e tão desviante das epopeias do seu quotidiano. É nisto que a bola de fogo anuncia o rigor da noite tropical, com os vagidos, os mistérios e os odores das florestas à volta. Vamos ter noite estrelada pela certa. O Tangomau empolga-se, aquilo não é uma bola de fogo, é um primo dos cometas que se lança num estranho oceano vegetal. E diz para si, fundamentalista: quem não aprecia este fim de dia não sabe viver. Saboreia o jantar e vai cedo para a cama, preparar a longa jornada que o espera. E que será imprevisível, aquele sábado, 27 de Novembro, reserva-lhe alguma das mais bonitas emoções de todo o sempre. Para ler depois.

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7567: Notas de leitura (185): Guiné-Bissau, Aspectos da Vida de um Povo, de Eva Kipp (Mário Beja Santos)

Vd. postes da série de:

2 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7370: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (1): Primeiras notícias da Guiné-Bissau

4 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7379: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (2): O primeiro dia em Bissau

7 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7397: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (3): O segundo dia em Bissau

10 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7417: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (4): 20 de Novembro, de Bambadinca para o Bairro Joli

15 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7440: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (5): Do Bambadincazinho para Ponta Varela

18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7462: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (6): Bambadinca, recordações da casa dos mortos

26 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7504: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (7): O primeiro dia no Cuor

27 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7511: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (8): O primeiro dia no Cuor (continuação)

30 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7528: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (9): O dia no Xitole e o regresso a Finete

5 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7557: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (10): O dia no Enxalé, em Madina e Belel