terça-feira, 26 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16335: Tabanca Grande (491): Adão Pinho da Cruz, Médico Cardiologista, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Adão Pinho da Cruz(*), Médico Cardiologista, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com data de 22 de Julho de 2016:

Amigo Carlos Vinhal

Obrigado pelas vossas palavras.

Aí vai a informação que pedem:

Adão Cruz
Alferes miliciano médico na Guiné, de 1966 a fim de 1968.
Companhia 1547 do Batalhão 1887, salvo erro.
Locais onde estive com maior permanência: Canquelifá e Bigene.
Outros locais: Bissau, Bafatá, Gabu-Sará, Piche, Farim, K3, Binta, Guidage, Jumbembem, Cuntima, Barro e… Bijagós.

No início da minha carreira de médico fiz clínica geral em Vale de Cambra, três anos antes de ir para a Guiné e mais três depois de vir.

Fiz a especialidade de Cardiologia, com sub-especialização em ecocardiografia, tendo sido um dos pioneiros desta técnica em Portugal.

Exerci clínica privada no Porto e S. João da Madeira. Fui médico do quadro de cardiologia do Hospital de Santo António durante duas décadas, acabando a carreira hospitalar no Hospital de Gaia como assistente hospitalar graduado.

Ainda hoje, já bem velho, tenho a honra de ir semanalmente à reunião do prestigiado Serviço de Cardiologia deste hospital. Ainda vou ao consultório dois dias por semana.

Escrevo desde jovem e pinto desde a década de oitenta. Tenho onze livros publicados, entre pintura e literatura, especialmente poesia.

Vivo no Porto. Tenho três filhos e quatro netos.

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 2. Apontamento do editor:

Lembramos que o nosso camarada Adão Cruz chegou ao conhecimento do Blogue, e vice-versa, porque o seu filho Marcos é amigo da Joana, que por sua vez é filha do nosso camarada tertuliano Francisco Baptista. Sendo o mundo pequeno e a nossa Tabanca (tão) grande, natural esta aproximação. Há já duas entradas de Adão Cruz no nosso Blogue, textos enviados por Francisco Baptista.

Do muito que encontrei na Net sobre o nosso novo camarada, aqui fica:

I - Biografia transcrita, com a devida vénia, publicada na página "A Viagem dos Argonautas":

APRESENTAÇÃO DO ARGONAUTA ADÃO CRUZ

Adão Pinho da Cruz nasceu no lugar de Figueiras, freguesia de Castelões, concelho de Vale de Cambra, em 1937.

Licenciado em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, especializado em Cardiologia e sub-especializado em ecocardiografia.

Prestou serviço militar na Guiné, entre 1966 e 1967, como alferes médico. Usando palavras suas: «a profunda vivência da guerra e o profundo contacto com uma população miserável, constituíram uma das mais ricas e marcantes experiências da sua vida».

Apanhado pela explosão do 25 de Abril, não fugiu ao novos deveres de cidadania criados pela Revolução e, nomeado pelo Governador Civil de Aveiro, exerceu durante um ano as funções de Presidente da Comissão Administrativa da Câmara municipal de Vale de Cambra.

É membro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, da Sociedade Europeia de Cardiologia, da Sociedade Portuguesa de Escritores e Artistas Médicos e foi também membro da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos.

Para além da sua actividade como médico, é escritor e pintor, com diversos livros publicados, de contos, poemas e pinturas. Fez várias exposições, individuais e colectivas, realizadas em Portugal e no estrangeiro.

Principais obras publicadas: Esta Água Que Aqui Vem Dar (poemas e pinturas-1993), Vem Comigo Comer Amendoim (contos, ilustrados por Manuel Cruz-1994), Palavras e Cores (prosa poética e álbum de pinturas-1995), Adão Cruz – Tempo, Sonho e Razão (álbum de pinturas e textos de Albano Martins e César Príncipe-2003), Nova Ponte Sobre um Velho Rio (conjunto de três pequenos volumes de poesia, com capas sobre pinturas do autor-2006), Adão Cruz – Hora a hora rente ao tempo (álbum de pinturas e texto do autor-2007), Adão Cruz – Um gesto de silêncio (álbum de pinturas e poemas, com texto do autor -2010), VAI O RIO NO ESTUÁRIO, poemas de braços abertos (poesia e textos) e VAI O RIO NO ESTUÁRIO, cores de braços abertos (pintura e texto do autor).


II - Vídeo no Youtube referente a uma Exposição de pintura de Adão Cruz, inaugurada em 14 de Maio de 2011, na galeria Zeller, Rua 14 nº 750 - 4500 ESPINHO - onde se pode ficar com uma ideia do seu trabalho.

Ver aqui  
Com a devida vénia a Carlos Wanzeller


III - No Jornal Labor, Secção Sociedade

Com a devida à autora do texto, Anabela S. Carvalho

Adão Cruz, poeta da natureza, pintor da liberdade

Médico, poeta e pintor, Adão Cruz exibe na biblioteca um excerto da sua intimidade. Razão para uma conversa que começou nas artes e atravessou, de forma ligeira, uma vida que se cruza com a história recente do país


O cardiologista Adão Cruz tem na biblioteca municipal uma exposição de quadros e poemas, inaugurada em clima de “Poesia à Mesa”. É uma das raras oportunidades para ver em S. João da Madeira o trabalho do médico, que já publicou sete livros de poesia e nove de pintura. E motivo de conversa com o labor sobre a poesia, a arte e a vida.

Adão Cruz cresceu no lugar de Figueiras, freguesia de São Pedro de Castelões, Vale de Cambra, em completa harmonia com a natureza. Essa infância, que tanta nostalgia lhe traz, transborda facilmente para os versos, que escreve desde catraio. É talvez o único tema, por assim dizer, da poesia de Adão Cruz, que, na verdade, não tem tema nenhum.

Já a pintura surgiu mais tarde. O médico tentou transpor os mesmos sentimentos para a tela e saiu-lhe uma espécie de “expressionismo ficcionista do sentimento”. Um figurativo à sua maneira, ou seja, “rude” e “espontâneo”, sem regras ou preocupações técnicas e académicas que, como disse Júlio Pomar, “é a doença congénita das artes”. Uma espontaneidade e liberdade que o médico mantém também quando escreve e que, na sua opinião, mais fielmente respeita o sentimento que o move.

Falar com Adão Cruz sobre poesia e arte é falar sobre o próprio conceito de uma e de outra. A questão tem-no ocupado nos últimos anos. “Qualquer expressão artística tem na sua essência o sentimento poético”, afirma. O que é o mesmo que dizer que a poesia está em todas as formas artísticas. O que é a poesia? Defini-la é como tentar definir o próprio amor, exemplifica. “O sentimento poético e o sentimento artístico não nascem do dia para a noite. Pode haver algum componente genético mas têm de ser vividos, esculpidos pela vida”, explica. E essa depuração só se faz através daquela que para o médico de 77 anos é a maior riqueza dos homens: o pensamento e a razão. Depois o desafio é expressar esse sentimento, sem tender para o sentimental. “Costumo dizer que somos uma espécie de garimpeiros a peneirar o cascalho das palavras”, afirma.

Para Adão Cruz, na poesia e na pintura, de pouco vale a forma. É no efeito das suas palavras ou traços em quem os observa que está o real valor da obra. Por isso não dá nomes aos quadros, por exemplo. “Essa coisa da obra ser nossa, é de facto. Mas depois é de toda a gente que a vê”, revela. Essa gente verá no poema ou no quadro algo que não estaria na sua origem mas é uma interpretação válida porque gerada através dos estímulos que o artista criou. A consciência disto alicia Adão Cruz, avesso a descodificações que muitas vezes “empobrecem a obra e as capacidades de interpretação” da mesma.

O seminário, a guerra e o 25 de Abril

A vida do médico cardiologista está repleta de episódios que marcam e definem um rumo de vida. Aos 11 anos, depois de uma infância em total “ordenação com a natureza”, foi internado num seminário jesuíta, donde fugiu três anos depois. “Aquilo foi a trucidação da minha vida de infância. Foi um corte radical que me marcou a vida toda. Até hoje!”, revela. Na hora de rezar o jovem Adão brincava com o terço e na hora de meditar olhava irrequieto em volta. Estava entre os piores comportados do seminário e o reitor, resignado, até já tinha concluído pela ausência de vocação no jovem. Numa manhã, Adão pirou-se.

Daí foi para Colégio de Vale de Cambra mas as boas vindas do reitor - outro padre que, numa das primeiras abordagens ao novo aluno, deu-lhe uma chapada - não o convenceram. Acabou por mudar-se para o Colégio de Oliveira de Azeméis, que frequentava com a irmã, a professora Eva Cruz.

Fez-se médico e andou seis anos a calcorrear montes e vales de Vale de Cambra e da região, numa altura em que a medicina transitava para a era moderna. “Foi a minha grande escola de medicina”, comenta. Chamado para a guerra colonial, esteve destacado na Guiné durante dois anos. Nesse período, o jovem médico, que já levava de Portugal sentimentos antifascistas e anticolonialistas, despertou a consciência social e política. Assistiu à exploração dos agricultores, fez-se amigo dos nativos e até hoje troca correspondência com alguns.

Quando voltou, foi recebido em apoteose. Os habitantes de Vale de Cambra receberam o médico com a pompa e circunstância da época: banda de música e missa solene. Mas o 25 de Abril virou o bico ao prego. A oposição de Adão Cruz ao regime fascista e os ideais de esquerda empurraram-no para a presidência da comissão administrativa da câmara de Vale de Cambra, período do qual não guarda especial saudade. Em pleno PREC, os ânimos estavam acerbados e o extremismo eclodia. A população estranhou ver o médico ao lado dos comunistas e, estimulada pelos líderes de direita, começou a contestá-lo. Adão Cruz chegou a correr para Vale de Cambra a meio da noite porque uma multidão de 300 pessoas ameaçava invadir a câmara. Quando lá chegou, nenhum dos contestatários o olhava de frente. O episódio não deu em nada porque o respeito que granjeou no passado acabou por falar mais alto.

A ruína dos sonhos

Desiludido, um ano depois de tomar posse, candidatou-se à Assembleia Constituinte. Era a única forma de abandonar o cargo e o médico estava decidido a fazê-lo. “Fiquei muito magoado porque dei tudo para dar alguma dignidade àquela gente”, recorda. Lembra nomeadamente as reuniões de câmara com representantes das freguesias e com quem mais quisesse aparecer, em oposição ao que acontecia durante o fascismo. “O nosso empenho era democratizar”, conclui, ainda com mágoa.

Por esta altura, o médico já vivia em S. João da Madeira, onde até hoje mantém um consultório modesto e discreto na Rua do Visconde. Desde que se mudou para o Porto, é o consultório com 40 anos que o traz à cidade duas vezes por semana.

Aposentou-se há anos mas esporadicamente ainda volta ao Hospital Santo António, onde fez o grosso da carreira. Olha com muito desalento para a evolução do Serviço Nacional de Saúde em particular e do país em geral. “Estou convencido que qualquer pessoa vê que isto é a destruição de tudo o que se adquiriu até aqui”, lamenta, convencido de que só muito mais tarde se voltará a adquirir tudo o que se perder agora. Teme que a ganância, a escassez e a pressão sobre a população façam emergir uma sociedade pobre e individualista onde os seus filhos e netos viverão. “Dos direitos mais importantes do homem é o direito ao trabalho. Qualquer sociedade devia tê-lo como prioritário”, comenta, lembrando que o SNS chegou a estar na 12.ª posição mundial mas hoje não dá resposta a quem precisa. “Nunca pensei que os meus sonhos ruíssem desta forma”, confessa.

A conversa com Adão Cruz esteve para terminar neste tom mas a fotografia dos netos e o regresso à poesia rapidamente lhe mudaram a expressão.

Por: Anabela S. Carvalho


IV - No Blogue Jardim das Delícias, estão publicados alguns textos e reproduções de trabalhos de pintura do camarada Adão Cruz, do qual extraímos, com a devida vénia ao autor da obra e ao editor do Blogue, esta bela pintura intitulada "Mãe".



3. Ficam agora algumas fotos enviadas por Adão Cruz que o remetem para a Guiné e para a sua nobre função de médico militar.








O nosso camarada Adão Cruz actualmente

OBS: - As fotos não vieram legendadas, só com a indicação de que eram de Bigene e Canquelifá. Se a todo o tempo o camarada Adão Cruz quiser identificar os seus companheiros, proceder-se-á à inclusão das respectivas legendas.


4. Era suposto agora publicar uma pequena história, habitual no postes de apresentação, mas como este já vai longo, e porque temos já dois belíssimos textos em carteira, estes serão publicados brevemente.

Ao nosso novo amigo e tertuliano Adão Cruz, um dos médicos militares, aos quais, assim como a todo o pessoal do serviço de saúde, tanto devemos, damos as boas-vindas e convidamo-lo a sentar-se à sombra do nosso poilão, não para descansar, mas para nos falar da sua experiência como médico em teatro de guerra, cuja missão era salvar vidas, amigas ou não, ao contrário de nós tínhamos de defender, a todo o custo, as populações amigas e as zonas de acção que nos estavam confiadas.

Correndo risco de esquecer algum, aqui ficam os camaradas médicos militares que fazem parte da nossa tertúlia:

Amaral Bernardo (BCAÇ 2930)

José Pardete Ferreira (CAOP 1 e HM 241)

Manuel Valente Fernandes (BCAV 8323)

Mário Silva Bravo (CCAÇ 6)
e
Rui Vieira Coelho (BCAÇ 3872 e 4518).

CV
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

25 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16134: (In)citações (91): "Um gajo não sabe o que foi a guerra colonial", diz Marcos Cruz, filho do Dr. Adão Cruz, um dos médicos do BCAÇ 1887 (Francisco Baptista, ex-Alf Mil)
e
25 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16235: Os nossos médicos (86): O Parto - ou o nascimento do Adão Doutor em Bigene (Adão Cruz / Francisco Baptista)

Último poste da série de 11 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16294: Tabanca Grande (490): Adelaide Barata Carrêlo, filha do ten SGE Barata, CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71)... Com sete anos apenas, sofreu a brutal flagelação do IN ao quartel e vila do Gabu, em 15/11/1970, que causou 3 mortos e 4 feridos graves entre as NT e 8 mortos e 80 feridos (graves e ligeiros) entre a população... Passou a ser a nossa grã-tabanqueira nº 721

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O nosso novo amigo e camarada Adão Cruz passa a ser o grã-tabanqueiro nº 722.

O Carlos Vinhal já nos fez uma extensa e bonita apresentação da pessoa e do currículo do Adão Cruz, resta-me saudar a sua entrada, em meu nome, Luís Graça, e dos demais amigos e camaradas da Guiné que nos honram com a sua presença sob o poilão da Tabanca Grande.

Boa noite, Lu+is Graça