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terça-feira, 15 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16721: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XII: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [III]: o encontro, em Boké,com o médico português Mário Pádua (Jorge Araújo)


Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > "Guerrilheiro recebendo assistência médica" (Reprodução com a devida vénia...)

Citação:
(1963-1973), "Guerrilheiro recebendo assistência médica", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43678 (2016-11-8)









Guiné-Conacri > Boké > 1968 > Aspetos da  assistência médico-cirúgica no hospital do PAIGC por onde passaram médicos cubanos como  o dr. Virgílio Camacho Duverger (1934-2003), mas também o português dr. Mário Pádua (que não era cirurgião mas patologista clínico)


Fotogramas do filme "Madina Boe" (Cuba, 1968, 38'), do realizador José Massip (1926-2014), obtidas a partir da função "print screening" do teclado do PC e da visualização de um resumo, em vídeo (28' 22'') , disponibilizado no You Tube, na conta "José Massip Isalgué". O documentário foi carregado no You Tube no dia da morte do cineasta (ocorrida em Havana, em 9/2/2014). O documentário chama-se "Amílcar Cabral" (e pode ser aqui visualizado) (Imagens reproduzidas com a devida vénia).



Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona.


1. INTRODUÇÃO

Depois de na narrativa anterior [P16662]  termos efectuado uma análise histórica superficial (entre o real e a ficção) ao modo como Amílcar Cabral [1924-1973] abordou /utilizou a morte em combate do cmdt Domingos Ramos, um quadro superior da estrutura militar do PAIGC e que fizera a sua formação inicial no exército português, ao concluir o 1.º Curso de Sargentos Milicianos, realizado em Bissau no ano de 1959, retomamos a publicação do nosso projecto de investigação tendo por título «d(o) outro lado do combate». (*)

Este tem a sua génese na divulgação de algumas das memórias transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969.

Com efeito, o presente texto corresponde ao terceiro fragmento do diálogo estabelecido com o médico militar Virgílio Camacho Duverger [1934-2003], sendo a terceira e última entrevista no alinhamento do livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch. Trata-se de uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação.
[Consulta em 30 de maio de 2016]. Disponível em:
http://www.centropablo.cult.cu/libros_descargar/historiamedicos_cubanos.pdf ]

Uma vez que estamos perante uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurámos respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendemos não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço histórico ao que foi transmitido, com recurso ao vasto espólio disponível no nosso blogue e a outras referências retiradas da Net, em particular da Casa Comum, Fundação Mário Soares.

Por outro lado, e tendo em consideração as questões formuladas pelo entrevistador, estas permitiram-nos fazer a ligação com outros aspectos intrínsecos ao conflito, de que são exemplos concretos a falta de recursos básicos e as deserções militares.


2. O CASO DO MÉDICO VIRGÍLIO CAMACHO DUVERGER [III]

Virgílio Camacho Duverger, cujo nome de guerra era “Vítor Córdoba Duque”, nasceu a 29 de novembro de 1934, em Guantánamo, chegando à Guiné-Conacri nos primeiros dias de junho de 1966, a seis meses de completar trinta e dois anos e sete anos após ter ingressado no Exército Rebelde como técnico de saúde.

Depois de ter assistido à morte do cmdt da Frente Leste, Domingos Ramos, ocorrida em Madina do Boé, em 10 de novembro de 1966, faz agora cinquenta anos, o dr. Virgílio Duverger é transferido com destino à Frente Sul, por troca com o dr. Rómulo Soler Vaillant, que entretanto adoecera. Porém, durante essa permuta, é nomeado chefe do Hospital Militar de Boké, aonde se manteve durante dois meses.

Seguem-se mais alguns desenvolvimentos revelados durante a entrevista dada pelo cirurgião cubano Virgílio Camacho Duverger.

- Entrevista com 22 questões [Parte 3 > da 13.ª à 15.ª] - “Testemunhos antes da morte”

[A nota introdutória é da responsabilidade do jornalista Hedelberto López Blanch, justificando, pelo desenlace à posteriori, o titulo dado à entrevista: «testemunhos antes da morte»].

O diálogo com o médico Virgílio Camacho Duverger [1934-2003] foi realizado pelo jornalista e historiador cubano Hedelberto Blanch numa tarde de janeiro de 2003, num pequeno gabinete do Hospital [Clínico Quirúrgico] Hermanos Ameijeiras, aonde mantinha uma consulta voluntária todas as terças-feiras.

Viria a falecer dez meses depois vítima de enfarte do miocárdio.


(xiii) Como era o trabalho em Boké?

Em Boké [em junho de 1967] já existia uma base hospitalar com quinze camas, com uma pequena sala de operações. Depois chegou o dr. Raúl Currás [Regalado] (morreu num acidente em Angola). Ele era médico interno e tinha de fazer em certas ocasiões de anestesista. Eu tinha que administrar todos os medicamentos e material de cirurgia aos dois hospitais [de mato] da Frente Sul, no interior da Guiné-Bissau. Nestes lugares começou-se a atender a população civil e os casos mais frequentes eram as hérnias.

Chegou o momento em que houve que limitar a entrega de materiais, sobretudo de cirurgia, pois corria-se o risco de poderem fazer falta para os combatentes feridos, por se terem esgotado. Recordo dois casos que operámos e tivemos que os coser com linha doméstica. Para as operações cirúrgicas utilizávamos a técnica intravenosa Pentotal sódico na veia quando era necessário, e se não, usava-se anestesia local.


(xiv) Permaneceu muito tempo em Boké?

Cerca de dois meses e depois passei a um dos hospitais [no mato] na Frente Sul, aonde as acções de combate eram em maior número dos que as na Frente Leste devido à quantidade de aquartelamentos portugueses. 

Desde o local aonde ocorriam os combates até ao hospital, às vezes demorava-se três ou quatro dias para se transportar os feridos e estes chegavam em muito más condições. Decidiu-se, então, organizar uma pequena enfermaria aonde se podiam fazer algumas operações, embora tivéssemos muito pouco material como fio cirúrgico e soros.


(xv) Recorda algum caso interessante?

A escassez era muita e por isso tínhamos de inventar. Em certa ocasião, recordo-me que a um paciente com uma ferida no abdómen,  tive de lhe fazer uma pequena ressecção abdominal, e a recuperação foi com água de coco, pois não tínhamos soro para fazer venóclise [método para infundir líquidos dentro das veias], e plasma muito menos. Todos os casos evoluíram perfeitamente porque os africanos são virgens não só em relação aos antibióticos como também aos restantes medicamentos.

Outro caso que recordo e que tinha lido nos livros, foi um paciente que chegou com uma ferida torácica perto da região axilar [de axila]. Aí suspeitámos sobre o que havíamos lido, pois a explosão podia ter causado dano em algum vaso importante e estivemos vigilantes na crosta, produto da lesão produzida pela explosão do projéctil, pois se caísse poderia dar lugar a um sangramento agudo. Assim aconteceu, mas como estávamos atentos, o acudimos a tempo. Não tínhamos os instrumentos necessários, nem sangue nem plasma. Foi um dos momentos mais angustiantes por que passei, pois com a mão esquerda tinha o vaso agarrado, comprimindo-o, ou seja, eu tinha, praticamente, numa mão a vida desse combatente, e na outra o instrumental, que não era o adequado, tentando controlar a hemorragia.

Parei e depois esperei, pois o que estava descrito na literatura de consulta era que deveria esperar e observar por onde poderia gangrenar [morte local dos tecidos], uma vez que foi na artéria axilar que leva a nutrição fundamental ao membro superior.

Naquele caso, teve-se que amputar ao paciente, nada mais que uma parte da mão. Coisa rara, pois na maioria dos casos há que amputar o braço ou o antebraço. Era guineense, e fiz-lhe uma necrose distal da mão, ou seja, era uma evolução satisfatória naquele sentido.

Continua…


3. Nota de Jorge Araújo sobre o médico português Mário Pádua

Entretanto, este pequeno grupo de médicos cubanos, em Boké, recebe, também nesta data, em julho de 1967, um reforço inesperado para a sua equipa multidisciplinar com a chegada, agora, de um português - o dr. Mário Moutinho de Pádua – que seis anos antes, em 1961, ano zero da que se convencionou chamar de «Guerra Colonial» ou «Guerra do Ultramar», decidira desertar da sua unidade militar [, BCaç 88] em Angola, optando por aderir aos objectivos dos movimentos africanos de oposição e resistência às colónias europeias, onde o PAIGC acabaria por contar com a sua colaboração.

Dos diferentes itinerários e das muitas experiências vividas ao longo de cada um deles, o dr. Mário Moutinho de Pádua decidiu publicar em livro as suas memórias a que deu o título de «No Percurso de Guerras Coloniais, 1961-1969», Edições Avante, 2011. Trata-se de um tema já abordado no Blogue da iniciativa do camarada Beja Santos que nos presenteou com as suas esclarecedoras «Notas de Leitura» [P10184].

Deste trabalho divulgado no poste supra, tomámos a liberdade de citar, com a devida vénia, alguns fragmentos, com destaque para os elementos sócio históricos que considerámos relevantes, justamente para enquadramento da presente narrativa.

Em primeiro lugar, é de referir que este cidadão português, natural de Coimbra, filho de um conhecido e respeitado advogado e notário com escritórios em Luanda nos anos cinquenta/sessenta do século passado, ficará na história da Guerra Colonial/Ultramar como sendo o primeiro oficial do exército português [alferes miliciano] a desertar em Angola, em outubro de 1961 [portanto, seis meses após o início do conflito], na companhia do [1.º] Cabo Alberto Pinto, para se juntar [em?] [não conseguimos confirmar a opção deste segundo militar] aos movimentos de libertação. [http://recordacoescasamarela.blogspot.pt/2012/07/o-passado-presente-agora-novo-jornal.html].

Para melhor entendimento do percurso narrado pelo autor sobre as suas experiências, eis uma Sinopse [https://www.wook.pt/livro/no-percurso-das-guerras-coloniais-1961-1969-mario-moutinho-de-padua/11518509]:

“O autor foi o primeiro oficial português a desertar em Angola, em 1961. Neste livro narra a sua impressionante experiência a seguir à deserção, nomeadamente as prisões e torturas de que foi alvo no Congo, a sua passagem pela [ex] Checoslováquia e o seu desencanto com vários aspectos do “socialismo real”, a sua participação na construção de uma Argélia recém-libertada do colonialismo, e por fim a sua contribuição como médico na luta travada pelo PAIGC na Guiné”.

Quanto à sua colaboração com o PAIGC, ela inicia-se com a sua chegada em 1967 a Conacri [um ano depois de ter ocorrido semelhante situação com o primeiro contingente de “internacionalistas” cubanos, do qual faziam parte nove médicos]. As suas primeiras actividades clínicas acontecem no Lar do Combatente, em Conacri, onde trata os guerrilheiros feridos e doentes.

Decorrido algum tempo [pouco] sente a necessidade de realizar outras tarefas mais consentâneas com as suas habilitações académicas, vindo a concretizar esse objectivo poucas semanas depois com a sua transferência para o Hospital de Boké [julho de 1967]. Aí trabalha em cooperação com a equipa de médicos e enfermeiros cubanos, aonde os recursos clínicos eram muito limitados.

Essas lacunas estavam já identificadas há algum tempo como prova o telegrama abaixo dirigido, em 11 de abril de 1967, ao «Comité de Solidariedade Afro-asiático Thallmann Platz, em Berlim», por Amílcar Cabral.

Com tradução do francês, eis a sua transcrição na íntegra:

Telegrama ao Comité de Solidariedade Afro-asiático Thallmann Platz 8/9 Berlim

“Face situação muito grave motivo falta total medicamentos colocando perigo vida vários combatentes feridos e elementos população vítimas bombardeamentos lançamos premente apelo envio urgente quantidades medicamentos possíveis nomeadamente álcool, mercurocromo, curativos, algodão, antibióticos, antipalúdicos (antimaláricos), antidiarreico, soro, leite STOP Confiante vossa solidariedade esperamos confirmação expedição endereço PAIGC BP [caixa postal] 298 Conacri STOP Fraternais agradecimentos

Amílcar Cabral
Secretário-geral do PAIGC
BP 298 Conacri, 11 abril 1967"




Citação: (1967), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34963 (2016-11-8)

No âmbito da sua missão, [certo dia?] o dr. Mário Pádua desloca-se a uma base guerrilheira no interior do território guineense [Frente Sul], aonde tem contacto com a enfermaria aí existente. Era uma base com uma dezena de cabanas enquadradas e camufladas pelas copas de grandes árvores, e aonde havia uma sala de operações. Ao observar o seu interior ficou surpreso com a extraordinária limpeza do solo, para além de existir uma enfermeira afugentando as moscas durante as intervenções cirúrgicas.

Passadas algumas semanas abandona Boké [agosto de 1967], sendo transferido para Ziguinchor, no Senegal, e colocado no Lar do Combatente, que havia sido criado há pouco tempo.

Os meios postos à disposição do PAIGC, como já foi referido anteriormente, eram rudimentares, onde nas suas bases os guerrilheiros passavam toda a casta de provações e muitas vezes subalimentados, e onde os combatentes feridos estavam em primeiro lugar. Refere que estes logo que desembarcavam assistia-se ao espectáculo de feridas enormes, abertas, que já não se podiam suturar, dado o intervalo de tempo que decorrera após a lesão [alguns dias].

(...) "Eu [Mário Pádua] e os enfermeiros guineenses, meus colaboradores, limpávamos os tecidos infectados com água oxigenada, cortávamos os tecidos mortos e terminada a limpeza cirúrgica tentávamos aproximar os bordos esticando a pele com adesivo. Sucedeu, em feridas fundas e com pequeno orifício de entrada, que quando retirava a sonda exploratória, me vinha ao nariz o cheiro inconfundível da gangrena gasosa.

"Um dia comecei a tratar um soldado que tinha o braço direito muito destroçado embora não sangrasse. Estas limpezas cirúrgicas em geral demoravam horas. Este doente não se queixava de dores. Quando terminei, pele, músculos, vasos e nervos de um dos membros superiores tinham praticamente desaparecido. Apenas restavam os ossos completamente descarnados. Nestas circunstâncias só restava a amputação." (...)


Refere ainda que os guerrilheiros passavam literalmente fome, para além de serem anémicos. No Lar de Ziguinchor momentos houve em que a alimentação estava reduzida a arroz. Por isso valoriza o excessivo sofrimento dos combatentes.

Acrescenta que “quando os feridos demoravam dias para chegar a Ziguinchor, as larvas fervilhavam nos tecidos expostos. O que fazia parte da rotina da guerra e me deixava estupefacto era o transporte dos feridos e doentes por zonas flageladas, vinham em macas fabricadas com troncos. O esforço físico exigido dificilmente se pode conceber”.

Entretanto, durante a sua presença em Ziguinchor, o dr. Mário Pádua contabiliza duas experiências únicas, estas relacionadas com dois militares portugueses que, quis o destino, ali foram parar, por motivos diferentes: um por deserção, estratégia, improvidência, fuga voluntária para a prisão ou outra razão difícil de provar [que só o próprio saberá qual foi], o outro para sobreviver aos ferimentos em combate depois de ter sido capturado por grupo de guerrilheiros, o que veio a verificar-se… e ainda bem!

Capa do livro "Desertor ou patriota"
O primeiro, de nome David Ferreira de Jesus Costa [David Costa], soldado da CART 1660 (1967/1968), que um dia [17 de maio de 1967] decidiu, consciente ou inconscientemente, pôr a sua vida em risco ao abandonar, pela calada da noite, o quartel de Mansoa, vindo a ser localizado na mata por elementos do PAIGC, que o convidaram a acompanhá-los depois de ele lhes ter dito de que tinha fugido do exército português. Dirigiu-se ao Morés, seguindo-se outras bases, talvez Maqué, Naga e Sambuia, até chegar a Ziguinchor, provavelmente algumas semanas depois.

Esta história foi contada pelo próprio e publicada em livro com o título «Desertor ou Patriota», Editora Ausência, 2004, e que constava já do espólio de memórias do Blogue, por iniciativa do camarada Virgínio Briote [P3371, de 2008], do camarada Beja Santos na sua tradicional e importante coluna «Notas de Leitura» [P6776, de 2010] e do camarada Jorge Lobo, companheiro do David Costa na CART 1660 [P7351, de 2010].

Este episódio, ao ser recentemente resgatado como tema em debate da nossa tertúlia “desertores” [P16686], originando novos comentários com diferentes perspectivas, levou-me a adiar a conclusão desta narrativa, alterando-a, inclusivamente, para não ser repetitivo.

Da investigação realizada na Casa Comum, Fundação Mário Soares, encontrei umas notas de Amílcar Cabral, escritas nos primeiros dias de janeiro de 1969, onde refere:

“Depois de sair daí [passagem de ano de 1968 na Frente Sul], tive más notícias que são as seguintes:

A priemrias  relatuva a baixas do PAIGC, na sequência do ataque a Gantur+é, em 6/1/1969… [a desenvolver em próxima narrativa].

“A segunda má notícia é que o Daniel Alves [será que era o nome de guerra de Daniel Costa, ou estaremos perante outro desertor com o mesmo nome próprio?] conseguiu enganar a malta e fugiu em Dakar. É um facto banal numa luta (deserção ou traição), mas pode complicar-nos muito a vida em relação aos amigos. Vamos ver como é que as coisas se passarão, mas é pena que nos tenhamos deixado enganar dessa maneira, tanto mais que sempre desconfiámos do Daniel [?] que a estas horas já deve estar com os tugas. […] Quanto ao Daniel [?] até pode-nos servir de propaganda, mas o diabo são os amigos que têm medo de tudo”. […]



Arquivo Amílcar Cabral > Documento, s/d, de Amílcar Cabral,  em que dá a notícia do desaparecimento, em Dacar, do  desertor português Daniel Costa...

Citação:
(s.d.), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34366 (2016-11-8)

O segundo, de nome Manuel Fragata Francisco [ou Manuel Fragata], soldado da CART 1690 [1967/1969], sediada em Geba, ao participar na “Op Invisível”, realizada a 19 de dezembro de 1967, na mata do Óio, é gravemente ferido, sendo aprisionado e levado para a base de Sinchã Jobel. Desta base seguiu depois, certamente, por Sará, Morés, Maqué, Naga e Sambuia, em direcção ao Hospital de Ziguinchor, onde foi recebido e tratado pelo dr. Mário Pádua.

Sobre esta ocorrência, o camarada A. Lopes Marques refere nos [P45 + P15202} que o cmdt do PAIGC, Agostinho Cabral de Almada, com nome de guerra “Gazela”, lhe contou que o soldado Fragata foi atingido pelos estilhaços de uma granada de RPG2, tendo ficado “furado” e, por consequência, impossibilitado de caminhar. Ficou prisioneiro, e levado de maca [talvez de troncos onde, certamente, a sua dor e o sofrimento seriam constantes em cada batimento cardíaco] desde a mata do Óio até ao Hospital de Ziguinchor, em Casamansa, Senegal [aonde terá chegado muito perto do Natal de 1967].


Mapa da Guiné-Bissau > Indicam-se os prováveis itinerários utilizados pelo David Costa (a vermelho) e o Manuel Fragata (a azul) até Ziguinchor.

Aí permaneceu cerca de dois meses e meio em recuperação, sob os cuidados do dr. Mário Pádua, até que em 15 de março de 1968 foi entregue à Cruz Vermelha do Senegal e repatriado, por via aérea, para Portugal, onde ficou internado no anexo do Hospital Militar Principal, na Rua Artilharia Um, em Lisboa.


Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > 15 de março de 1968 > Entrega de prisioneiros portugueses à Cruz Vermelha do Senegal (Reprodução com a devida vénia...)

Citação:
(1968), "Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44075 (2016-11-8)


Instituição:
Fundação Mário Soares

Pasta: 05224.000.038Título: Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal

Assunto: Osvaldo Lopes da Silva durante a entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal, em Dakar [Eduardo Dias Vieira, José Vieira Lauro e Manuel Fragata Francisco].

Data: Sexta, 15 de Março de 1968
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Fotografias
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quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16701: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (49): quatro apontamentos: (i) Angola, as boas famílias e os seus desertores; (ii) o nosso presidente em Havana; (iii) o desertor guineense da Força Aérea; e (iv) o ministro das obras públicas de Luís Cabral, Tino Lima Gomes, a camarada Milanka e o meu velho patrão Ramiro Sobral, que não precisava de subir ao alto do poilão para ver ao longe...


Guiné > Bissau > s/d [meados dos anos 60] > Aspecto parcial do centro histórico, Câmara Municipal à direita, Palácio do Governador ao fundo à esquerda... Bilhete postal, nº 133, Edição "Foto Serra" (Colecção Guiné Portuguesa")...

O António Rosinha pede-nos para "enriquecer o poste com esta  lindíssima foto  onde se vê a casa que o Luís Cabral queria que a Tecnil lhe adaptasse, antes de ser deposto em 1980 (...). Essa foto (tirada de helicóptero, penso eu) é das mais bonitas sobre Bissau (...): uma lindíssima residência, r/c  e 1º andar com um Jeep Villis da nossa tropa junto à entrada de casa (...).  Foi essa casa que o Luís Cabral queria adaptar para sua residência, e que o Ramiro Sobral, o patrão da Tecnil, lhe agoirou o destino.

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalizações e edição: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)


Foto à direita,  Antº Rosinha (Pombal, 2007):

(i) é beirão; 

(ii) é um dos nossos 'mais velhos';

(iii) andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado;

(iv) fez o serviço militar em Angola, foi fur mil, em 1961/62;

(v) diz que foi 'colon' até 1974;

(vi)  'retornado', andou por aí (com passagem pelo Brasil), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência'; 

(vii) o seu patrão, o dono da TECNIL,  era o velho africanista Ramiro Sobral; 

(viii) é colunista do nosso blogue com a série "Caderno de notas de um mais velho'';

(ix)  pelo  seu bom senso, sensibilidade, perspicácia,  inteligência emocional, históri de vida, cultura e memória africanistas, é merecedor do apreço e  elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, mesmo quando as nossas opiniões podem divergir;

(x) ao Antº Rosinha  poderá aplicar-se  o provérbio africano, há tempos aqui citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado em baixo da árvore a fumar o seu cachimbo".    


1. Então era assim: no tempo feliz africano, em que até parecia que era fácil governar Angola, independente, havia umas famílias angolanas antigas que,  sem exagero, representavam uma verdadeira aristocracia.

O povo, desde o indígena ao colono, ao comerciante e ao fazendeiro, olhava para essas famílias de baixo para cima com o maior respeito (merecido).

Eram, por alto, os Van Dunem, os Páduas, os Laras, os Cochat, os Ribas, os Mascarenhas, os Cardona, os Peyroteo, os Van der Kellen, os Almeida (Demóstenes) Boavida e muitas outras boas e lindas e numerosas famílias e a maioria grandes portugueses.

Havia médicos, poetas, agrónomos, geógrafos, geólogos, advogados, notários, desportistas.

Contam-se pelos dedos aqueles que tiveram o comportamento de Mário Pádua, Lúcio Lara ou Pepetela ou Pinto de Andrade, por exemplo.

No entanto,  eram a maioria por uma independência de Angola, no caso destas famílias, mas não por uma selvajaria, e a maioria ficou do lado certo, do nosso lado, porque não era aquela guerra internacional que eles queriam na sua terra.

Eu vi, conheci, assisti, e como essas famílias e mesmo Mário Pádua, estamos a maioria em Portugal,  outros no Brasil.

Curioso que no caso dos guineenses, os indígenas,  e o próprio PAIGC, não se mostram muito agradecidos a esses «heróis». Talvez porque de alguma maneira esses personagens (estudantes do Império) roubam protagonismo ao povo.

Salazar,  como não tinha filhos, criou a «Casa dos Estudantes do Império: berço de líderes africanos em Lisboa», foi uma espécie de João VI que tinha o filho Pedro IV nosso.

Também os brasileiros sentem falta de heróis próprios.

Não quero ser fracturante, mas temos que contar a História, tal qual, bem esmiuçada.

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(*) Vd. poste de 8 de novembro de 2016 >  Guiné 63/74 - P16699: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (21): Mário Moutinho Pádua, o primeiro oficial português a desertar, em Angola, em outubro de 1961... Será, mais tarde, médico do PAIGC, no hospital de Ziguinchor, entre fevereiro de 1967 e setembro de 1969... Regressou a Portugal em novembro de 1974, e cumpriu o resto do serviço militar... Aposentou-se em 2003 como médico do Hospital Pulido Valente (Juvenal Amado)



2.  É preferível este encontro [Marcelo Rebelo de Sousa-Fidel Castro] agora, pois mais tarde algum dos dois podia já ter "desencarnado". Se Castro ainda estiver bem lúcido, como parece, e se informar bem, vai como muita outra gente deglutir sozinho, com os seus botões, uns sapitos.

Palmas para a coragem de Manuel Luís Lomba, mas também para a oportunidade aproveitada do nosso Presidente. Devagarinho a História está a ser contada, e muitas vezes já é gritada.

Lembro-me de ver,  durante a Guerra do Ultramar, numa reportagem numa sala de cinema em Luanda, o pai do nosso Presidente actual [Baltazar Rebelo de Sousa, governador-geral de Moçambique, em 1968-1970]  inaugurar um baile de cerimónia, com a primeira dama do Malawi, e vice-versa, Hasting Banda, presidente do Malawi, com a primeira dama de Moçambique.

(Essas coisas não aparecem em guerras do género Joaquim Furtado).

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Vd. poste de 7 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16693: Carta aberta a... (14): ...ao Comandante Supremo das Forças Armadas Portuguesas, Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)


3. Pessoalmente conheci um desertor guineense, ou que ficou para a história da Guiné como desertor, e que levou com ele uma avioneta de Bissau para Conacry.

Tinha o seguinte currículo popularmente conhecido na sociedade de Bissau:

(i) era furriel da Força Aérea, guineense, da minha idade, portanto foi para a Força aérea antes da Guerra do Ultramar;

(ii) era guineense de uma família antiga,  «colonialista», que se foi amestiçando;

(iii) como era menino bonito e inteligente, era um desperdício ir lutar para o mato como os indígenas. (Isto o povo pensava em crioulo, mas eu traduzo.)

Foi de armas e bagagens estudar com bolsa para a Jugoslávia e regressou com bagagem pesada, canudo de engenheiro/arquitecto, após a independência.

O PAIGC, reconhecido, atribui-lhe mais que uma pasta governamental, e também agradecido o governo português também lhe concedeu bolsas de estudo para os filhos nos Pupilos do Exército em Lisboa.

Já faleceu. em acidente com arma de caça.

Chamava-se Tino, Tino Lima Gomes. Era um português como milhares de transmontanos, açorianos, angolanos, etc., nunca foi indígena, nasceu «assimilado».
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Vd. poste de Guiné 63/74 - P16686: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (18): Mais um caso "atípico", o de David [Ferreira de Jesus] Costa, ex-sold at art, CART 1660, Mansoa, 1967/68 (Virgínio Briote)


4. Luís Cabral pretendia reformular uma residência bastante moderna que foi propriedade de um antigo 'colón' que eu não conheci, para sua residência, penso eu. Essa residência ficava atrás do gabinete do primeiro ministro, e tinha uma portaria que era preciso adaptar, na cabeça de Luís Cabral, para receber o Volvo presidencial, bem junto à porta da residência.

Só que havia um pedaço de jardim e duas colunas à entrada da residência que era preciso derrubar, construir noutra disposição, e isso Luís Cabral não queria.

E, agora,  vou falar em nomes de gente muito simpática e não quero de maneira nenhuma fazer «politiquice» nem com as pessoas nem com a atitude das mesmas nem do momento. O ministro das Obras Públicas era Tino Lima Gomes que era arquitecto e ainda chegou a dar uma vista de olhos na portaria mas sem qualquer solução.

Mas a esposa dele, a camarada Milanka, de nacionalidade jugoslava, arquitecta nas Obras Públicas,  é que foi encarregue de descalçar a bota, e eu no campo executar o impossível. 

Só que a camarada Milanka não tinha coragem de dizer ao presidente que era impossível executar como ele queria, e eu descarreguei o meu fardo para o meu patrão Ramiro Sobral que se encontrava em Bissau. Onde ia,  mês sim, mês não.

E o velho,  de 75 anos, e muitos anos de África, habituado a resolver casos bicudos, analisou e solucionou:
– Senhora Dona Millanka (toda a gente dizia "camarada Milanka"), sabe porque ando nesta vida com esta saúde aos 75 anos? Porque a porta da minha casa em Viseu tem 3 degraus. E subir e descer esses 3 degraus dão-me imensa saúde. Convença o senhor presidente que com 3 degraus resolve o problema e dá-lhe imensa saúde para daqui a muitos anos continuar com o meu dinamismo.

Passados uns instantes,  já só comigo no automóvel, Ramiro Sobral, como que a falar para os próprios botões, previa:

– Com degraus ou sem degraus,  não vais envelhecer aqui, não.

Talvez uns 15 dias depois, dá-se o golpe a 14 de Novembro de 80 que derruba Luís Cabral.

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terça-feira, 8 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16699: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (21): Mário Moutinho Pádua, o primeiro oficial português a desertar, em Angola, em outubro de 1961... Será, mais tarde, médico do PAIGC, no hospital de Ziguinchor, entre fevereiro de 1967 e setembro de 1969... Regressou a Portugal em novembro de 1974, e cumpriu o resto do serviço militar... Aposentou-se em 2003 como médico do Hospital Pulido Valente (Juvenal Amado)


Guiné > s/l > c. 1964/66 > Coluna em movimento 

Foto do álbum de Belmiro Tavares, ex-alf mil, CCAÇ 675 (Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), Prémio Governador da Guiné (1966).

Foto: © Belmiro Tavares (2010). Todos os direitos reservados. [Edição; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


Imagem à esquerda: capa do livro No percurso de guerras coloniais, 1961-1969 , de Mário Moutinho de Pádua. 1ª ed. Lisboa: Avante, 2011, 246 p. : il. ; 21 cm. (Coleção Resistência).

1. Texto enviado pelo Juvenal Amado, com data de ontem, e que pretende enriquecer o nosso debate sobre o tema "desertores".


Luís eu tenho em meu poder este  livro do Mário Pádua sobre o qual o Mário Beja Santos já ez recensão para o blogue (*). Comprei-o para oferecer ao Carlos Filipe e depois tive que lho pedir emprestado para o Mário. Também já viajou até Luanda, mas isso são outras histórias...



[Foto à direita: capa do livro do Juvenal Amado
"A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem - Guiné, 1971 - 1974" (Lisboa: Chiado Editora, 2015, 308 pp.;  o nosso camarada foi 1.º Cabo Condutor Auto Rodas, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74]

Mário Moutinho de Pádua (, que eu pensava ter nascido em Angola, mas não, nasceu em Lisboa, ) é um homem politicamente comprometido, julgo porém que essa faceta não deve pesar na análise que se poderá fazer da sua obra, bem do que ele nos conta sobre a sua deserção do BCAÇ  88 estacionado em Maquela do Zombo e as dificuldades que enfrentou,  muito mais difíceis do que ele alguma vez esperava.

Neste livro narra a sua impressionante experiência a seguir à deserção, nomeadamente as prisões e torturas de que foi alvo no Congo, a sua passagem pela Checoslováquia e o seu desencanto com vários aspectos do "socialismo real", a sua participação na construção de uma Argélia recém-libertada do colonialismo, e por fim a sua contribuição como médico na luta travada pelo PAIGC na Guiné

A edição tem um prefácio de Pepetela ( praticamente quatro páginas) que começa assim;

Mário de Pádua foi o primeiro oficial português a desertar em Angola em Outubro de 1961, acompanhado pelo o 1º  cabo Alberto Pinto.

Este seu livro é uma espécie de crónica de vida, onde conhecemos a sua fuga do Norte do país, acompanhado pelo Alberto Pinto, as prisões que conheceram no Congo, então Leopldeville, hoje R P. do Congo onde era inconcebível que soldados portugueses se recusassem a combater contra angolanos.

No livro também são descritas condições e traições entre e dentro dos movimentos de libertação, bem como as alterações das condições nos países de acolhimento, que se alteravam em relação aos militantes do MPLA , após os derrube e morte de líder independentistas como Ben Bella e Pratice Lumumba como exemplo.

Em relação a deserções que tive conhecimento transcrevo aqui parte de um meu comentário a esse respeito.

Desde cedo se falou nas deserções e dos refractários. Eu próprio, estive numa situação delicada sem culpa nenhuma quando destacado numa diligência em Santta Margarida, os responsáveis pelo meu depois batalhão de caçadores 3872 que se estava a formar em Abrantes, andaram mais de 8 dias à minha procura. Quando me apresentei,  vindo directamente de Sta Margarida, ainda levei um raspanete do capitão e tive de explicar onde tinha estado.

Mas em Alcobaça,  logo no início da guerra em 1961, desertou na noite do embarque um individuo filho de um dos mais prestigiados médicos ligados à oposição [, o dr. Lameiras]. Segundo creio, foi apanhado por suspeitas de atitudes conspiratórias clandestinas na universidade e foi incorporado e mobilizado para Angola. Naquela noite desertou e mais tarde se lhe juntou a irmã, também perseguida pelas mesmas razões. Depois do 25 de Abril a irmã regressou e foi dirigente do MDP-CDE mas ele só regressou alguns anos depois. Vim a saber que a sua fuga não foi aceite pela organização no exílio e durante muito tempo esteve entregue à sua sorte, gravemente doente,  a correr perigo de vida. As infiltrações pela PIDE eram temidas e,  assim, quem desertava por sua conta e risco, acabava por passar muito mal sem a solidariedade militante.

Dos casos de Cancolim [, CCAÇ 3489,] já aqui foram mais que falados. Mas Cancolim também veio a receber alguns soldados que,  tendo sido refractários, acabaram por beneficiar de amnistia de Marcelo Caetano e resolveram assim regressar. Também alguns saíram das prisões por delitos vários para serem embarcados e assim serem indultados dos castigos que tinham sido impostos.

Bem,  se ir para a Guiné se poderá chamar de indulto, é discutível .

Também alguns comentários fazem-me pensar nas palavras da “Maria Turra",  que dizia que era o medo que tínhamos dos nossos superiores, que nos levava a combater.

É que algumas deserções são aqui descritas dessa forma. (**)

Um abraço
Juvenal Amado


2. Mário Moutinho de Pádua - Notas biográficas

(i) nasceu em Lisboa a 3/10/1935;

(ii) aos 8 anos emigrou com os pais e o irmão para Angola, tendo a família fixado residência em Benguela;

(iii) aos 10 anos matriculou-se no liceu do Lubango onde se manteve até aos 13;

(iv) transferiu-se então para Portugal; voltou a Angola dois anos depois, desta vez para o liceu de Luanda onde os pais se encontravam;

(v) aos 17 anos iniciou o curso de Medicina em Lisboa que terminou em 1960;
(vi) convocado em janeiro de 1961 para o serviço militar foi enviado para Angola em abril de 1961 com o posto de alferes médico;

(vii) desertou do exército colonial em Outubro de 1961 pedindo asilo político no Congo-Kinshasa, asilo que só lhe foi concedido em fevereiro de 1962, tendo ficado preso até esta data;

(viii) pouco depois tornou-se assistente de especialidade no Hospital de Lovanium;

(ix) do Congo viajou para a Checoslováquia em setembro de 1963;

(x) seis meses depois seguiu para a Argélia onde trabalhou no Hospital de Mustapha até fevereiro de 1967;

(xi) na Argélia fez parte da Frente Patriótica de Libertação de Portugal (FPLN) que operava a rádio "Voz da Liberdade";.

(xii) em fevereiro de 1967 começa a prestar a sua colaboração profissional ao PAIGC; a  maior parte deste serviço ocorreu no "Lar" (Hospital) do Partido,  em Ziguinchor, no Senegal, perto da fronteira
com a então Guiné portuguesa;

(xiii) em setembro de 1969 parte para França, onde durante 5 anos efectua os estudos de especialidade e trabalha num hospital dos arredores de Paris;

(xiv) em novembro de 1974 regressa a Portugal; aqui termina o serviço militar e exerce actividade médica em Centros de Saúde e no Hospital de Pulido Valente em Lisboa de onde se aposenta em 2003.

Fonte: Angola-eBooks.com (com a devida vénia...)
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(**) 7 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16695: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (20): Mais um caso "atípico" ? A deserção do soldado escriturário nº mec 2055276, Carlos Alberto Sousa Emídio, da CCAÇ 3476 (Canjambari e Dugal, 1971/73), em 17/8/1972, e cujo rasto se perdeu desde então...

sábado, 5 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16686: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (18): Mais um caso "atípico", o de David [Ferreira de Jesus] Costa, ex-sold at art, CART 1660, Mansoa, 1967/68 (Virgínio Briote)


Capa do livro Desertor ou patriota : a extraordinária aventura de um soldado raso / David Costa. - 1ª ed. - Vila Nova de Gaia : Ausência, 2004. - 157, [2] p. : il. ; 21 cm. - (Passado recente ; 3). - ISBN 989-553-078-1 [Preço, 12 €]


1. É uma história do "arco da velha", rocambolesca, trágico-cómica, absurda, kafkiana, impiedosa... de um homem, um camarada nosso, que bebeu o cálice da amargura, na sequência de uma leviandade que lhe custou a liberdade, a honra e anos de vida.... Que lhe poderia ter custado, inclusive, a vida!


Desertor, sim, técnica e juridicamente falando... Mais um desertor "atípico", usado e abusado pelo PAIGC [e aqui, o português e médico, Mário Pádua, também não fica bem, na fotografia... ou será que na guerra revolucionária vale tudo ?!... O PAIGC tem obviamente todo o interesse em instrumentalizar, politizar, aproveitar, para efeitos de propaganda, a "infeliz" deserção do David Gomes...

Em boa verdade,  o pobre do David Costa desertou e não desertou... Foi apanhado pelo PAIGC fora do seu aquartelamento, por estar desorientado, emcionalnamente perturbado, à beira do "burnout", da exaustão física e emocional...  Não se entregou ao PAIGC, fez o "número" que lhe convinha quando foi feito prisioneiro... E manteve esse "número" por uns tempos. Passou a ser considerado, lisongeado, ganhou inclusive a liberdade... E aqui brincou com o fogo, mais uma vez...

A "carta à mulher"  que é dura de roer... Será possível que um homem, com a craveira intelectual, humana e profissional, do dr. Mário Pádua, lhe tenha feito "essa maldade" ? Um guineense ou um caboverdiano do PAIGC podia fazê-lo... Mas um português sabia que o David tão cedo não poderia juntar-se livremente à mulher e aos filhos... O David, meu caro dr. Mário Pádua,  não era um intelectual, um antifascista, um homem politizado, informado, consciente!... Era, tão apenas, na época, um pobre diabo de um soldado raso... [, Enfim, não sei se esta história está mal contada,  ou mesmo se a  versão dos acontecimentos não pode estar  enviesada pela distância temporal: o livro é publiavdo em 2004, quase 40 anos depois dos factos ocorridos]...

É uma história ao mesmo tempo exemplar... que merece ser revista, revisitada, relida, meditada... O David Costa, David Ferreira de Jesus Costa, de seu nome completo, ex-sold at art, CART 1660 (Mansoa, 1967/68), redime-se, do seu passado de "déserteur malgré-lui" [, desertor, por mero acaso, ou à força],  escrevendo um livro de memórias, que já foi aqui objeto de recensão crítica, primeiro pelo  por Virgínio Briote (*) e, mais tarde,  por Mário Beja Santos (**).

Por ser a primeira,  e a mais antiga, vamos reproduzir aqui a "nota de leitura" que o o nosso querido editor, hoje jubilado , V. Briote, escreveu em 2008, acrescido de alguns comentários de um camarada do David Costa, o ex-1º cabo Jorge Lobo, feitos na altura ou em 2010, no poste do Beja Santos (**).



Desertor ou Patriota, de David Costa: da brincadeira ao pesadelo... 

por Virgínio  Briote



A extraordinária aventura de um soldado raso


David Costa nasceu na freguesia de Fânzeres, concelho de Gondomar, a 12 de dezembro de 1945. Incorporado em julho de 1966, casado à pressa para ver se se livrava da mobilização, nem com um filho recém-nascido e outro a caminho escapou. Como ele diz a certa altura, só os cegos e os paralíticos podiam ter alguma esperança.

Tudo começou em Fevereiro de 1967. No cais da Rocha Conde de Óbidos ouviu a prelecção habitual:
– Soldados de Portugal! É grande a vossa honra, pois a Pátria chama-vos a defender aquelas terras tão orgulhosamente portuguesas.

Embarcou no Uíge num daqueles dias frios para cinco dias depois respirar o ar quente de Bissau. Nem deu tempo para dar uma volta pela cidade. Encaixotados nas viaturas, lá rumaram, ele e os camaradas, a caminho de Mansoa.

Um tipo cheio de sorte. Ainda em Lisboa deram-lhe a notícia:
– O teu serviço vai ser trabalhar na secretaria, incorporado na CART 1660.

Em Mansoa encontrou-se com os velhinhos do BCAÇ 1912, que não deixaram passar a oportunidade de praxar a periquitada:
– A vossa chegada não tarda vai ser condignamente festejada...Não vai faltar molho! – E, de facto, assim aconteceu.

Numa daquelas noites, a gozar o cinema ao ar livre, aí vai aço, tugas de um raio! “Corríamos inseguros à procura de qualquer coisa que nos abrigasse”, remata o infeliz amanuense condutor que, afinal, estava a ver que também sobrava alguma coisa para ele.


Uma brincadeira de mau gosto, que lhe saiu cara


Mas nessa noite como em outras que se seguiram estava longe de adivinhar o que, dezenas de anos depois, chamou “a extraordinária aventura que eu vivi”. Foi no fatídico dia 17 de maio de 1967 que começou a odisseia do David. Brincalhão, cheio de arte e manha, era o encarregado do transporte do correio, o que o levava a Bissau sempre que havia avião.

“Tudo não passou de uma simples brincadeira com uma carta mal fechada, da qual caíra uma foto de uma linda rapariga. Com essa fotografia, destinada ao Floriano, resolvi fazer umas graças, exibindo-a como troféu de grande conquistador que eu era. Brincadeira de mau gosto, certamente, imperdoável também, com certeza, mas que me saiu tão cara!...”

Condenado pelos camaradas que lhe viraram as costas, resolveu ir dar uma volta pela povoação. Foi andando, diz ele, a matutar, acabrunhado, andando até dar por ela que era noite e já estava fora de Mansoa e sem sequer vislumbrar qualquer referência. Em pânico, desorientado, meteu-se pelo mato, andou para trás e para a frente e para os lados possivelmente, até que pela madrugada viu um holofote a girar. Era um destacamento das NT que ele não fazia ideia qual fosse.

Entra, não entra, arrisca a entrar por baixo do arame farpado, a desaparecer pelo chão, quando lhe vem à cabeça a ideia de poder ser visto à distância por alguma sentinela que, certamente, não o identificaria e, o mais certo, pensou para ele, "fura-me todo".

Escapa-se do aquartelamento (ao longo de toda a história vê-se que conjuga o verbo escapar de trás para a frente) e decidiu internar-se no mato ao encontro, não sabia ainda, de uma pequena coluna da guerrilha. Estava ele a dizer “Tem calma David!”, quando uns vultos estacam à frente dele. Curvados, observam-lhe a cara, murmuram entre eles, até que um se chega à frente de um David a tremer por todos os lados.
–  Que andas aqui a fazer fora do quartel?
– Fugi, ontem à noite –  saiu-lhe pela boca, sem pensar, diz ele.

Apanhado pelo PAIGC, levado para o Morés e, depois, para o Senegal. Começa assim a odisseia do soldado raso David Costa. Levado pelo comandante Alexandre Dias Correia e mais seis elementos bem armados e equipados com fato camuflado, dirige-se à mata de Morés. Sempre bem tratado pela guerrilha e pela população, conhece José Landim, que se apresenta como chefe militar da base de Morés.

Depois foi a viagem por trilhos, bolanhas e ribeiros, em direcção ao Senegal. No trajecto ainda conheceu em Iracunda, bem perto do Olossato, o Aristides Pereira, futuro Presidente da República de Cabo Verde que, contente pela deserção do soldado, o abraçou e tratou com muita simpatia. Foi aí que assistiu a uma sessão política, que o deixou boquiaberto. Acarinhado por todos, rumou novamente em direcção à linha de fronteira, conduzido pelo comandante Alexandre Correia e pelos seus homens. Dois ou três dias depois chegaram.

Antes de embarcar numa camioneta que o aguardava, chorou abraçado ao comandante, que à despedida lhe disse:
– Vai em paz e que Deus te acompanhe. Obrigado por seres dos nossos…

Em Ziguinchor teve honras de ser recebido por Luís Cabral e pelo Mário Pádua, um médico português que desertara do Exército Português em Angola e tratava agora dos feridos e doentes do PAIGC. Levaram-no a um alfaiate, tirou medidas para um fato, comprou camisas e sapatos, fumou Craven-A e Rothelmans, parecia-lhe tudo surreal, diz ele.

Numa noite, após jantar com Luís Cabral, duas senhoras e o Mário Pádua, este entrou-lhe no quarto e perguntou-lhe a quem queria dar notícias. Que pergunta! O David não parava de pensar na sua jovem mulher. Então, o Pádua passou-lhe para as mãos uma carta escrita e uma folha de papel de avião em branco com o respectivo envelope.

“Quando me deixou só, comecei a ler aquela folha e fiquei muito desanimado. À medida que a ia lendo, ia perdendo a vontade de continuar. Não entendia nada de política, mas qualquer um perceberia que aquela carta era uma condenação. Eu ia dizer à minha mulher para não se preocupar comigo. Que estava muitíssimo bem e não me faltava nada. Que tivesse confiança, pois mais tarde ou mais cedo iria ter comigo, onde quer que eu estivesse. E pelo meio destas mensagens cheias de esperança dizia-se que quem tinha a culpa de tudo era Salazar…Que Salazar e Tomás eram doidos e o Cardeal Cerejeira também. Mesmo ignorante, logo percebi que jamais voltaria a Portugal sem problemas gravíssimos…”, escreve o David no seu livro.

Fez o que lhe sugeriram, copiou com a sua letra a folha que o Pádua lhe entregara. Depois o David continua a contar as atribulações que diz ter passado. Deram-lhe uma espécie de dinheiro de bolso e deixavam-no passear sozinho. Dias depois, diz ter escrito uma carta para a mulher,  contando a sua própria versão e pedindo que fizesse a entrega da carta no QG, no Porto.

A aventura no Senegal continua em Dakar para onde foi levado e conhece na sede do PAIGC um tal José Augusto, natural de Braga, ex-apontador de morteiro de uma unidade militar portuguesa, que desertara em tempos e que vivia no Senegal com a mulher e a avó.


Da Gâmbia até Bissau: o início de outro pesadelo, 
incluo a célebre chapada de Spínola


A odisseia do David no Senegal acaba num convento em Dakar, levado por um padre que o encontrara desanimado numa igreja. Não falta nesta história uma freira, jovem e bonita… Foi, aliás, através das freiras que obteve um passaporte e foi levado para Bathurst, Gâmbia, de onde depois de ter enviado um telegrama ao Comando Chefe das FA em Bissau, regressou numa avioneta civil à Guiné.

Bom, depois começou outra história. Prisão, interrogatórios, julgamento, condenação por deserção, chapada de Spínola... 

Ironia ou não, o David regressou em 20 de junho de 1971 no mesmo navio que, em fevereiro de 1967, o transportara para a Guiné...Passou à disponibilidade em 29 de agosto de 1971.



2. Seleção de comentários


Jorge Lobo  [ex-1º cabo at art, CART 1660 (Mansoa, 1967/68), nosso grã-tabanqueiro desde  10/1/2011]

[24 de novembro de 2010 às 14:56 
Jorge Lobo


Fui colega do David Costa,   na CART 1660,  em Mansoa,  e assisti ao vivo e a cores ao incidente que levou o rapaz a desertar do quartel e bem assim, acompanhei o caso até ao meu embarque para a metrópole, tendo mesmo o escoltado e assistido ao vivo ao seu julgamento no tribunal militar de Bissau.

Tudo se começou na caserna. O 1º cabo enfermeiro Chantre vinha-se queixando não ter recebido duas cartas de datas diferentes ambas com foto da namorada. Quem por norma trazia o correio era o David Costa mas, naquele dia  (trágico para o David) não tinha sido ele a ir a Bissau trazer o correio onde mais uma vez, a namorada enviava ao Chantre uma 3ª foto sua dentro da carta.

Desta vez então, o Chantre recebeu a carta e feliz com a foto,  mostrava-a aos colegas de caserna.
Porém, uns dias antes, o David...tinha mostrado a um dos colegas uma foto igualzinha à que o Chantre acabava de receber e mostrava a esse mesmo colega que já tinha visto a outra foto nas mãos do David.

Daí até se descobrir que tinha sido o David quem violou as cartas com as fotos anteriores, foi um pequeno passo. Ao ver-se descoberto, o David desapareceu do quartel e,  a partir daí, só ele mesmo sabe o que se passou.

Depois dele ter regressado, três meses depois do início da sua odisseia, contou-nos lá em Mansoa a versão da sua aventura de forma diferente a uns e a outros dos colegas.(Isto já em prisão, claro.)

Sinceramente,  eu passei a desacreditá-lo e mais desacredito hoje em dia, depois de ler em diversos blogs da internet, versões diferentes, segundo parece deixadas por si ou com o seu conhecimento.

Há coisas que não coincidem. Nuns lados ele diz que passou por uns locais e noutros porém fala em outros bem diferentes... Num lado diz que dormitava quando foi capturado pelo IN, e noutras ele diz ter-se esbarrado de frente com os guerrilheiros do PAIGC.

Tambem me parece estranho como é que ele foi parar a Morés, quando ele tinha dito que,  ao sair de Mansoa.  tinha entrado na estrada de Bissorã,  a qual o levaria a um destino bem diferente de Morés.
Estas e outras contradições tornaram o seu livro pouco credível.


Jorge  Lobo [.23 de novembro de 2010 às 21:36 ]

Caro David Costa, sou o 1º cabo  Lobo,  da CArt 1660,  e presenciei toda a cena da carta com a fotografia da namorada do Chantre, isto na caserna da CArt 1660,  em Mansoa.

Sabia vagamente o que te aconteceu mas não com todos esses pormenores. Em Bissau quando de cabo de dia antes da partida para a Metrópole, cheguei a levar-te as refeições ao presidio.

Desejo do coração que tenhas já esquecido a pior parte dessa tua odisseia e que sejas muito feliz na companhia dos teus.

David Costa [6 de dezembro de 2014 às 14:21]

Sou o David Costa e lembro-me perfeitamente de ti,  cabo Lobo, recebi com agrado tuas palavras e envio te um grande abraco com muitas saudades e o desejo de um dia te encontrar. Abraço David

Jorge  Lobo [ 30 de setembro de 2016 às 15:10 ]

Só hoje li a tua mensagem,  amigo David! Também espero um dia destes encontrarmo-nos algures para bater um papo e matar saudades daqueles tempos longínquos da guerra na Guiné. 

Admiro o teu sacrifício ao teres passado mais do dobro do tempo que o pessoal da CArt 1660 passou na Guiné. Ainda hoje recordo com mágoa as palavras daquele coronel,  juiz do tribunal militar, quando ele dizia que foste condenado a 2 anos, um mês e ...um dia de prisão. quando uma semana depois a nossa companhia regressava à metrópole. 

Muita coisa aconteceu na minha e na tua vida nesse entretanto,  entre 11 de novembro de 1968 até à altura em que tu regressaste depois dessa tua odisseia digna de um qualquer Alexandre o Grande....

 Um grande abraço e,  se me quiseres contatar,  podes faze-lo através do meu facebook  Jorge Pereira,  https://www.facebook.com/jorge.lobo.77715 

E depois combinaremos algo. Até breve, amigo. Jorge Lobo, 1º cabo, 1º pelotão da CART  1660. (****)

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Notas do editor:

(*) Vd, poste de 28 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3371: Bibliografia de uma guerra (35): Desertor ou Patriota, de David Costa: da brincadeira ao pesadelo... (V. Briote)


segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16634: Agenda cultural (503): DocLisboa 2016 - 14º Festival Internacional de Cinema (20-30/10/2016): retrospetiva do cinema documental cubano: passou hoje, dia 24, às 15h30, na Cinemateca, o filme "Madina Boé", do realizador José Massip (1926-2014), filmado presumivelmente na região do Boé e na base de Boké (Guiné-Conacri)









Fotogramas do filme "Madina Boe" (Cuba, 1968, 38'), do realizador José Massip (1926-2014), obtidas a partir da função "print screening" do teclado do PC e da visualização de um resumo, em vídeo (28' 22'') ,   disponibilizado no You Tube, na conta "José Massip Isalgué". 

O documentário foi carregado no You Tube no dia da morte do cineasta (ocorrida  em Havana, em 9/2/2014=. O documentário chama-se "Amílcar Cabral" (e pode ser aqui visualizado): é narrado em espanhol, tem subtítulos em espanhol, mas também pequenos diálogos em crioulo e em português (por ex., com o médico dr. Mário Pádua, angolano branco, oficial do exército português, de que desertou, tendo saído de Angola para se juntar mais tarde ao PAIGC). ~

Há sequências de cenas que vão da preparação militar a saídas paar atacar posições portuguesas, da caça às refeições, das jogatanas de futebol ao quotidiano do hospital de Boké (ou será o hospital de Ziguinchor, no Senegal, onde o Mário Pádua esteve originalmente colocado ?), enfim, até a uma visita de Amílcar Cabral às "tropas em parada"...

Enfim, Cuba não mandou, para o PAIGC, apenas instrutores, conselheiros militares e médicos, mandou também cineastas com o talento de um José Massip. Até nisso Amílcar Cabral foi hábil, soube pôr o cinema e os cineastas de vários países ao seu lado, contrariamente aos políticos e generais portugueses do Estado Novo... O cinema português não tem, que eu saiba,  um único filme com a assinatura de um cineasta de prestígo sobre a guerra na Guiné (1961/74)...




Madina Boé

José Massip
1968 / CUBA / 38’

24 OUT / 15.30, CINEMATECA – SALA M. F. RIBEIRO

Sinopse: "Filmado nas áreas libertadas da Guiné-Bissau, durante a sua guerra de libertação de Portugal, o filme segue o Exército Popular para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde, documentando a educação política dos combatentes, as técnicas de guerrilha e o treino físico." (Fonte: DocLisboa' 16; o programa em pdf está disponívelo aqui)


Outros três filmes cubanos que passaram nesta sessão:

Hombres del Cañaveral 
Pastor Vega 1965 • CUBA • 10’ 

Um dia na vida de trabalhadores voluntários das cidades na colheita da cana-de-açúcar. Reflexo do debate ideológico em torno das qualidades morais do trabalho numa sociedade revolucionária, mas sem traço da propaganda do panfleto político. 

Guantánamo 
José Massip 1967 • CUBA • 63’ 

A história desta localidade, submetida durante mais de 50 anos à influência da base naval estado-unidense de Caimanera, e a sua transformação após o triunfo revolucionário.    

Gente en la Playa 
Néstor Almendros 1960 • CUBA • 12’

 Almendros quis filmar o dia seguinte à nacionalização das praias privadas, em Cuba. O que aconteceu foi a invasão desses sítios pelo povo, ávido de conhecer os locais onde os sócios de clubes recreativos se divertiam.

Retrospectiva Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba

"Com a mudança radical da realidade cubana, nos anos 1960, e por oposição política e estética ao cinema de Hollywood, nasce um novo cinema em que o documentário tem um papel primordial. Esta retrospectiva, com curadoria de Michael Chanan, feita em parceria com o Museo Reina Sofia e em colaboração com a Cinemateca de Cuba, traz-nos o trabalho desta nova vaga de documentaristas cubanos – que tem em Santiago Álvarez e Julio García Espinosa as suas figuras centrais –, perspectivando-o com as obras de cineastas estrangeiros que mantiveram relações com Cuba, na década de 1960 – destaques para Agnès Varda, Chris Marker e Joris Ivens."


José Massip (1926-2014)


RTVE.es / AGENCIAS > Muere el director José Massip, impulsor del nuevo cine cubano
09.02.2014

(...) Impulsor del cine cubano

José Massip fue uno de los fundadores del Instituto Cubano de Arte e Industria Cinematográficos (Icaic), y uno de los impulsores del denominado "nuevo cine cubano" desde los primeros años de la década de los años sesenta del siglo pasado. En el año 2012 recibió el Premio Nacional de Cine, como reconocimiento a su trayectoria de más de 50 años en el sector.

Massip, nacido en La Habana el 28 de junio de 1928, contaba con una sólida formación intelectual que no solo reflejó en su obra cinematográfica sino también como poeta, investigador y profesor. Se graduó de la carrera de Filosofía y Letras por la Universidad de La Habana y más tarde en Sociología por la Universidad de Harvard, en Estados Unidos.

Fue uno de los fundadores de la sociedad cultural "Nuestro Tiempo", que reunió a numerosos intelectuales, escritores, músicos y artistas de la plástica que se oponían a la política del régimen de Fulgencio Batista, derrocado al triunfar la revolución cubana el 1 de enero de 1959. Massip consideró a "Nuestro Tiempo" como el antecedente más importante del Icaic porque opinó que esa sociedad "significó un espacio cardinal en la historia de la cultura cubana".

Documentalista y corresponsal


En 1955 se integró a un grupo de jóvenes realizadores que filmó el documental "El Mégano", una denuncia de las precarias condiciones de vida y trabajo que tenían los carboneros de la Ciénaga de Zapata de la isla, que está considerado como el antecedente más importante del cine cubano de la Revolución.

Massip también fue corresponsal de guerra en África y su experiencia durante las guerras de liberación de Guinea Bissau y de Angola las llevó al cine a través de varios documentales como Angola: victoria de la esperanza que dirigió en 1976, y además escribió el libro Los días del Kankouran.

Como investigador ofreció conferencias y escribió artículos y ensayos sobre la historia de Cuba, entre ellos, colaboró con el historiador Emilio Roig de Leuschenrig en el libro de éste Ideología de Antonio Maceo.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15202: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte V): a partir da Op Invisível, de 18-19/12/1967, passa a ser uma ZLIFA (Zona LIvre de Intervenção da Força Aérea)... O alf mil Fernando da Costa Fernandes, de Santo Tirso, é morto, não sendo possível resgatar o seu corpo, e o soldado Manuel Fragata Francisco, de Alpiarça, é gravemente ferido, aprisionado e levado para Ziguinchor onde é tratado pelo dr. Mário Pádua e mais tarde, em 15/3/1968, entregue à Cruz Vermelha Internacional

1.  Continuação da publicação desta série, "Jogos de Cabra-Cega: Sincha Jobel", com a reedição de alguns postes do A. Marques Lopes, que tem por objeto central a descoberta e a tentativa de destruição, pelas NT, de Sinchã Jobel, uma base ("barraca") do PAIGC, em pleno coração da Guiné, na zona leste, no regulado de Mansomine, entre Mansambá e  Bafatá 

São os postes nº 35, 36, 39, 40, 45 e 763, originalmente inseridos na I Série do nosso blogue, e como tal como pouco lidos e conhecidos... Fizemos a revisão de texto (e atualizámos o texto de acordo com a ortografia em vigor). (*)

Estes "jogos de cabra-cega" fazem parte da trama do romance que o A. Marques Lopes lançou, recentemente, em junho passado, sob a chancela da Chiado Editora (capa ao lado). O autor, João Gaspar Carrasqueira, é pseudónimo literário. Aiveca, a personagem central do romance, é o "alter ego" do A. Marques Lopes. A editora meteu o livro na sua coleção "Bios", classificando-a como "biografia" e não como "romance"... Na realidade, é uma autobiografia ficcionada, de 582 pp.

Todos nos lembramos do jogo da cabra-cega, do nosso tempo de infância e de escola? "Tapam os olhos ao que é apontado para ser cabra-cega, Dão-lhe várias voltas para perder o sentido de orientação. Dão-lhe empurrões para o desorientar ainda mais e não saber para onde se virar" (, preâmbulo do livro). A vida (e a guerra) é um jogo de cabra-cega.

Há uma versão anterior, publicada no poste P45, de 5 de junho de 2005, portanto, há mais de 10 anos.... : Sinchã Jobel VII (Marques Lopes)

Quanto à CART 1690, recorde-se o seguinte:

(i) foi mobilizada pelo RAL 1, fazendo parte do BART 1914 (Tite, 1967/1969);

(ii) partiu para a Guiné em 8/4/1967 e regressou à Metrópole em 3/3/1969;

(iii) esteve em Geba e em Bissau;

(iv) comandantes: Cap Art Manuel Carlos da Conceição Guimarães [, morto na estrada Geba-Banjara, em 21 de agosto de 1967, com 29 anos,] e Cap Mil Art Carlos Manuel Morais Sarmento Ferreira;

(v)  tem um dos mais trágicos historiais da guerra da Guiné: 10 mortos em combate, incluindo o Cap Art Manuel Guimarães, 2 alferes milicianos e um furriel miliciano; 12 militares "retidos pelo IN" (e levados para Conacri), dos quais 2 morreram no cativeiro; 5 militares, feridos em combate, e evacuados para o Hospital Militar Principal, da Estrela, em Lisboa, incluindo dois alferes milicianos, o A. Marques Lopes e o Domingos Maçarico.

2. Sinchã Jobel VII  

por  A. Marques Lopes:

O alferes Fernandes, referido no relatório que se segue, foi, mais tarde, substituído pelo alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto, o Aznavour, por ser parecido com o Charles Aznavour, que morreu também, em 8 de Setembro de 1968 num ataque a Sare Banda (ver relatório).

[Este alferes Fernando da Costa Fernandes, natural de Santo Tirso,  tinha vindo para a CART 1690, para substittuir o A. Marques Lopes, entretanto evacuado parta o HMP, na sequência da mina A/C acionada em 21/8/1967, na estrada Geba-Banjara, que vitimou mortalmente o cap art Manuel Guimarães. O Fernandes será "dado como desaparecido" em campanha, nesta Op Invisível, em 19 de Dezembro de 1967... Na realidade, foi morto e o seu corpo nunca foi recuperado].


Foto de um militar português, prisioneiro do PAIGC, em
"tratamenmto hospitakar"... Podia ser o Fragata, da CART 1690, mas não é,
segundo informação que recolhemos junto do seu antigo comandante de pelotão,, o
A. Marques Lopes.. Cortesia do portal Casa Comum / Aqruivo Amílcar Cabral,
da Fundação Mário Soares
O soldado Fragata (Manuel Fragata Francisco), um alentejano de Alpiarça, do meu grupo de combate, ficou nesta operação [, isto é, foi ferido e feito prisioneiro pelo IN].

Mas a história toda foi-me contada pelo comandante Gazela [do PAIGC ]: ficou furado por vários estilhaços de uma roquetada e foi levado, em maca, pelos guerrilheiros desde a mata do Óio até a um hospital de Ziguinchor, na Casamansa,  Senegal. Foi obra,  hão-de concordar, e não foi fácil, como calculam. Aí, em Ziguinchor, foi tratado pelo portugês dr. [Mário] Pádua, um médico desertor, e que me confirmou isto quando, há alguns anos, o encontrei em Lisboa.

Depois desse tratamento, o Fragata foi repatriado pela Cruz Vermelha Internacional e foi para o Anexo do HMP, na Rua Artilharia Um, em Lisboa. Disse o comandante Gazela que, com a simplicidade própria daqueles nossos soldados, o Fragata, ao apanhar o avião de regresso, disse: "Obrigado. Graças ao nosso partido – referia-se ao PAIGC - "posso voltar para casa".

Infelizmente, o Fragata, passado pouco tempo após a saída do Anexo, morreu num desastre de
motorizada na sua terra.


[Foto à direita:  Amílcar Cabral e Osvaldo Lopes da Silva por ocasião da entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal, em Dakar, em 15/3/1968: os militares portugueses eram o Eduardo Dias Vieira, o José Vieira Lauro e o Manuel Fragata Francisco (não sabemos a ordem por que aparecem, ams o A. Marques Lopes não tem dúvidas em reconhecer o primeiro, à esquerda, de muletas, como sendo o Fragata.  

Cortesia do portal Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral, da Fundação Mário Soaresa].



Depois desta operação, aquela zona foi considerada ZLIFA (Zona Livre de Intervenção da Força Aérea), isto é, só os T6 e os Fiat G 91 é que passaram a voar para lá para despejarem toneladas de bombas e napalm sobre a floresta que rodeava a clareira de Sinchã Jobel. Sem grande efeito prático, pois as bombas rebentavam no cimo das copas das árvores, deixando praticamente intactas as partes no solo. E a guerra continuou...

Em 1998, o Comandante Gazela confidenciou-me que, naquele dia 24 de Junho de 1967, eles não se aperceberam que eu tinha ficado na bolanha. Só o souberam dois dias depois, quando o Suleiman Baldé, chefe dos milícias de Sare Madina, lhes disse que me tinha emprestado uma bicicleta.

Este Suleiman Baldé, embora nas milícias, era do PAIGC e acabou por ser morto mais tarde pelas NT. Quando consegui sair de Sinchã Jobel, no dia 25, cheguei a essa tabanca de Sare Madina e foi, de facto, o Suleiman Baldé que me emprestou uma bicicleta. E foi de bicicleta que cheguei à sede da companhia, em Geba.

Fui chamado, depois, ao Comando do Agrupamento [, em Bafatá]. Primeira preocupação dele: se eu tinha trazido a G3... e, não sei se a sério se a brincar, “há um problema, é que você passou 24 horas no campo do inimigo”… Não fiz boa cara, com certeza, pois o Comandante do Agrupamento teve de sorrir e disse-me: "Você, agora, tem aí história para contar num livro”. Não sei quando ele aparecerá, mas estou a trabalhar para isso.

Uma reflexão: na Guiné, e estas operações são prova disso, quem fez a maior parte da guerra dura e prolongada não foram as tropas especiais (sem pôr em causa o seu valor), mas sim o sacrificado Zé Soldado, isolado no mato, sem farras em Bissau, pau para toda a colher e, as mais das vezes, sacrificada carne para canhão.





Guiné-Bissau > Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > Um  bomba da Força Aérea Portuguesa, das muitas que terão sido  lançadas sobre a base do PAIGC, durante a guerra, e que não chegou a explodir. Na foto, o nosso amigo e camarada A. Marques Lopes quansdo voltoui "local do crime", 40 anos depois...

Foto: © Xico Allen (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]


3. Op Invisível I, 18-19 de dezembro de 1969 (Excerto do relatório)

“Situação particular:

Em face das ações realizadas sabe-se que o IN atua no regulado de Mansomine onde possui a base de Sinchã Jobel.

“Missão:

Executar uma batida nesta região tentando desalojar o IN.

“Força executante:

Dest A – CART 1742, a 2 Gr Comb.

Dst B - CART 1690 a 2 Gr Comb ref. c/ 1 PEL MIL 110 / C MIL 3


“Desenrolar da ação:

"Em 18 de Dezembro de 1967, às 22h00, as forças intervenientes saíram autotransportadas de Geba em direção a Sare Gana, progredindo em seguida apeadamente em direção a Ganhagina, que atingiram em 19 , às 04h00.

"Não se pôde efetuar a cambança da bolanha nessa altura, em virtude do guia não conhecer o caminho, para atingir a bolanha pelo que as forças intervenientes se instalaram, montando a devida segurança.

“Pelas 06h00 as forças intervenientes iniciaram novamente a progressão à bolanha, que atingiram pelas 07h50 hora a que se iniciou a cambança da mesma.

"Nesta altura foram avistados elementos IN em cima de árvores, pelo que se tomaram as devidas medidas de segurança para a travessia da mesma. A cambança terminou às 08h50, iniciando-se em seguida a progressão à base de patrulhas.

"Cerca das 11h50 fez-se um alto, devido novamente ao guia se ter perdido e precisar de se orientar. Foi destacada 1 Secção reforçada para fazer a proteção ao guia, enquanto a restante força interveniente montava segurança no local de estacionamento.

“Às 12h45 iniciou-se novamente a progressão à base de patrulhas que foi atin-gida às 15h52. Nesta altura ouviram-se vozes de elementos IN, o que levou as forças intervenientes a supor que o IN se encontrava instalado naquele local. Devido a este facto a missão foi alterada e estabeleceu-se que o Dest B faria o assalto ao objetivo enquanto o Dest A faria a detenção do IN. Para o assalto ao acampamento IN o Dest B nomeou 1 Gr Comb, enquanto o 2º. Gr Comb faria a proteção ao 1.º e serviria de reserva.

“Estabeleceu-se também o ponto de reunião das forças intervenientes. Quando o 1º Gr Comb progredia em direção do acampamento IN, foi emboscado e surpreendido por um súbito desencadear de intenso e nutrido fogo IN. Tentou anular-se o mesmo reagindo as NT fortemente. Como o 1° Gr Comb fosse o que nessa altura se encontrasse mais submetido ao fogo IN, veio o2º Gr Comb em auxilio do primeiro, mas o mesmo foi atacado pela retaguarda e, portanto, não pode proteger a retirada do primeiro.

“Começou também nessa altura o IN a fazer fogo com o Mort 82, com que abateu o alferes miliciano Fernandes. Verifiquei que nessa altura já o Dest B tinha as seguintes baixas: alferes miliciano Fernandes, 1º. cabo Sousa,  da CART 1742 (que estava a fazer fogo com a ML MG-42), soldado metropolitano Fragata e um soldado milícia que não consegui identificar, além de vários feridos.

“Procurei trazer o alferes miliciano Fernandes para a retaguarda, e quando o puxava pêlos pés, fui surpreendido por um grupo IN, que corriam em direção aos furriéis milicianos Marcelo e Vaz e em minha direcção gritando que nos iriam apanhar vivos.

"Note-se que neste grupo IN avistei elementos brancos os quais usavam o cabelo bastante comprido (a cobrir as orelhas), facto também confirmado pelos já citados furriéis milicianos. Devido a tal, tive que abandonar o corpo do alferes miliciano Fernandes e retirar.

"Quando retirava em direção ao ponto de reunião, encontrei uma secção da CART 1742, e 4 soldados da minha companhia que me informaram ser impossível entrar em contacto com a CART 1742, enviei 5 soldados desta última companhia afim de averiguar tal impossibilidade, enquanto se montava a segurança com os restantes elementos. Logo após esses 5 soldados regressarem, fui informado que a CART 1742 já retirara. Devido a tal e uma vez que o IN já nos estava a envolver, iniciei a retirada em direção à bolanha.

“Durante a retirada fomos constantemente perseguidos pelo IN que disparava incessantemente rajadas de armas automáticas ligeiras e metralhadora pesada, além de encontrarmos diversos elementos IN já instalados ao longo do caminho que conduzia à bolanha e que fez com que este grupo tivesse que atravessar a bolanha num local diferente do que inicialmente estava previsto, e que batiam o caminho por onde nos deslocávamos.

“Quando atravessámos a bolanha o IN bateu a mesma com granadas de morteiro 82 (algumas das granadas estavam equipadas com espoleta de tempos), rajadas de armas pesadas, ligeiras e roquetadas, tendo o mesmo entrado na bolanha em nossa perseguição, e ainda após concluída a travessia depararam-se-nos alguns elementos IN instalados deste lado da bolanha. Conseguimos, no entanto, fazer a travessia da mesma e iniciarmos a progressão em direção a Sare Ganá, que atingimos às 21h00.

"Chegados a Sare Ganá, verifiquei que a CART 1742 já aí se encontrava e que faltavam 16 elementos da minha Companhia e 1 elemento da CART 1742. [Estes militares foram recuperados no dia 21 de dezembro de 1967, durante a Op Invisível II, realizada com esse objetivo] .

“Resultados obtidos: Baixas sofridas pelo IN: Mortos confirmados 14; numerosas baixas prováveis.»

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Nota do editor:

(*) Último poste da série >  24 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15150: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte IV): Op Insistir (27/10/1967): com a 5ª CCmds e dois 2 grupos de combate de cassanhos, da CART 1690