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segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16631: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): A maldição de Cancolim e a CCAÇ 3489 que teve dois casos (o capitão e um alferes) de "abandono" (no período de férias) e um de "deserção" para as fileiras do IN, o sold at inf José António Almeida Rodrigues (1950-2016)


Guiné > Bissau > Cumeré > 1/1/1972 > Passagem de ano > "À frente o alferes que nos abandonou e,  primeiro da última fila [, do lado esquerdo, de pé],  o capitão que também se foi" (sic)...

Legenda complementar [RB]: Em primeiro plano temos o Ferreira, e de baixo para cima da esquerda para a direita, estão o Gaspar, Baptista, Correia, Grosso, Jacinto, Oliveira, Piedade e o Sá;  mais acima estão o Rodrigo Oliveira e o Silva, por cima estão o Guarda, ao lado com a garrafa e o outro a seguir me recordo dos nomes, Conde, Romana, depois temos o Figueiredo, Andrade, o outro Silva e o Bidarra.

Foto (e legenda): © Rui Baptista (2009) Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].




1. Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): A maldição de Cancolim e a CCAÇ 3489 que teve dois casos (o capitão e um alferes) de "abandono" das nossas fileiras (no período de férias) e um de "deserção" para as fileiras do IN. 

Há uma maldição de Cancolim ? Há uma maldição do Saltinho / Quirafo ? Há uma maldição do Xime / Ponta do Inglês ? Há uma maldição de Bajocunda / Copá ? .... De Canquefilá ?  De Buruntuma ? De Cheche / Madina do Boé ?...

Há uma maldição do Leste, com a escalada da guerra no chão fula (atuais regiões de Bafatá e de Gabu), que se acentua a partir de 1969, e de que muitos de nós fomos observadores, testemunhas, atores, vítimas…

Por exemplo, João Amado, natural de Carvide, concelho de Leiria, sold aux cozinheiro, nº 03858869, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, morto em 2/3/1972, no ataque a Cancolim. (Está sepultado em Vieira de Leiria, concelho de Marinha Grande.). Ou Rui Baptista, ex-fur mil da mesma subnidade, felizmente vivo, residente em Póvoa de Santo Adrião, nosso grã-tabanqueiro (desde 9/12/2009) , que pertencia ao 2º pelotão,  "Os Vingadores (e que ficou sem comandante, o alf mil  Rosa Santos, transferido "para as tropas africanas"). Ou o Zé António Rodrigues, recentemente falecido, que foi "prisioneiro de guerra", mas antes foi acusado de "deserção"...

Mp nosso blogue, temos cerca de três dezenas e meia de referências a Cancolim e menos de metade à  CCAÇ 3489 (Cancolim, 1971/74).

Mobilizada pelo RI 2, a CCAÇ 3489 partiu para a Guiné em 18/12/1971 no T/T Angra de Heroísmo e regressou em 28/3/1974 no T/T Niassa, tendo chegado a Lisboa em 4 de abril desse ano, a escassas 3 semanas do 25 de abril de 1974.

A CCAÇ 3489 esteve em Cancolim. Comandantes: cap mil Manuel António da Silva Guarda; e cap mil inf José Francisco Rosa. Pertencia ao BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74), comandado pelo ten cor inf José de Castro e Lemos. Faziam ainda parte deste batalhão, a CCAÇ 3490 (Saltinho; comandante: cap mil inf Dário Manuel de Jesus Lourenço) e CCAÇ 3491 (Dulombi, Galomaro, cap mil art Fernando de Jesus Pires).

O Rui Baptista é membro da nossa Tabanca Grande , desde 3/12/2009. Recorde-se como ele se nos apresentou:

(…) “Nesse espaço de tempo que permaneci na Guiné (27 meses e alguns dias), sempre em Cancolim (há que retirar o tempo do IAO no Cumeré, duas viagens de férias a Lisboa e dois internamentos no Hospital Militar em Bissau), aconteceram coisas que jamais poderei esquecer” (…)

A "maldição de Cancolim" (o termo é nosso) percebe-se agora melhor, quando o Rui diz:

“A CCaç 3489 não teve muita sorte durante a comissão, principalmente nos primeiros meses. Logo no início em Cancolim em três quintas-feiras seguidas tivemos 4 mortos e 21 feridos”:

(i) Um morto e um ferido numa mina na picada entre Cancolim e o destacamento de Sangue Cabomba; 

(ii) 16 feridos ligeiros num despiste de uma viatura a caminho de Bafatá;

(iiii) e mais 3 mortos e 4 feridos na primeira flagelação do IN ao aquartelamento , em 2/3/1972.

E conta um detalhe biográfico do seu verdadeiro baptismo de fogo:

“Neste primeiro ataque tive a sorte de um ex-furriel dos velhinhos me ter empurrado para dentro da porta da secretaria;  ele, com esse gesto, acabou por ser ferido numa vista por um estilhaço de uma granada de morteiro 82 e eu escapei ileso”…

Não menos grave, ou talvez ainda muito pior para o moral da tropa, foi o que se seguiu:

(...) "Tivemos o abandono do capitão  e de um alferes, e a partida forçada para as tropas africanas do alferes Rosa Santos do meu pelotão”...

Repare-se que o Rui nunca fala em “deserção” (por pudor, por tabu, por respeito, por desconforto ?…) mas em “abandono” (sic)… Presume-se que os dois oficiais, milicianos, tenham "desertado" (é o termo técnica e juridicamente apropriado) durante as férias na metrópole, com menos de meio ano de comissão, portanto no verão de 1972…

A maldição continuou:

“Como o IN não nos dava tréguas, e com o pouco material de guerra que tínhamos para nos defender (na altura apenas um morteiro 81), com o assalto pelo IN ao nosso destacamento e a captura de 2 homens nossos, a fuga de um soldado para o IN, juntamente com as notícias de mortos no Saltinho [em Quirafo, em 14 de Abril de 1972,] e emboscadas no Dulombi, o desânimo instalou-se nas nossas tropas”.

"A fuga de um soldado para o IN" ?  A confirmar-se seria uma terceira "deserção", o que é muito para uma companhia só, depois de um capitão e de um alferes...

E prossegue o nosso camarada Rui:

“Com a substituição do capitão e dos alferes, acabamos por não ter um comando à altura de nos elevar o moral, passámos por um período do quase salve-se quem puder. Valeu-nos o reforço de um pelotão do Dulombi e a visita de alguns Páras [, do BCP 12,] para as coisas acalmarem em Cancolim”.

Mas a maldição não acaba aqui…

“O resto da comissão, principalmente os últimos 7 ou 8 meses de 1973, foi bem mais calmo. O último ataque a Cancolim foi em 20 de janeiro de 1974, nesse dia o IN veio de manhã quase junto ao arame, apesar de muitos de nós andarem a jogar futebol, conseguimos fazer com que batessem em retirada deixando um morto no terreno.

Antes disso, ainda houve duas visitas (forçadas) do Rui ao HM 241, em Bissau, a última das quais por ferimentos graves na sequência de rebentamento de mina A/C que tinha, ao que parece,  "código postal errado" (*)

No meio de tanta desgraça, desânimo e desnorte, ainda rapaziada de Cancolim conseguiu dar provas  de resiliência ao stresse físico e psicológico (exemplificada em brincadeiras, jogos,  atividades lúdicas, etc.),  capacidade essa  que todos nós,  combatentes no TO da Guiné, tivémos que saber desenvolver para sobreviver...

2. Quanto ao "abandono" ou "deserção" das fileiras, por parte de 3 militares da companhia...


A deserção, tal como o suicídio, pode ser contagiante, sobretudo quando o nosso chefe ou líder dá o exemplo... Há famílias "suicidárias", como pode haver unidades militares com tendências para a deserção, em todas as épocas, em todos os exércitos...

Isso aconteceu, infelizmente, em alguns casos (seguramente raros) no TO da Guiné, durante a "nossa guerra" (1961/74). Um deles pode ter sido o da CCAÇ 3489...

O pobre José António Almeida Rodrigues (1950-2016), ex-sold inf,  foi para a cova, ainda recentemente,  e a terra foi-lhe, certamente, mais pesada do que a outros camaradas , pela terrível "suspeição de deserção" que carregou toda a vida...

Dos outros dois antigos militares não falamos, presumindo nós que estão vivos  e que têm direito à reserva de intimidade (o ex-capitão sabemos que sim, que está vivo): só eles sabem por que razão "abandonaram" os seus homens, no verão de 1972... e só eles podem, em consciência, dar ainda, em público, mesmo que tardiamente, uma justificação para uma decisão que não terá sido tomada de ânimo leve. (Julgamos que, no final das férias de 1972, e a partir do momento em que ficaram sob a alçada da justiça militar, pelo "crime de deserção", terão saído do país, não sabemos se de maneira concertada, ou cada um por seu lado, e por sua conta e risco, nem para onde, nem como...).

Até há pouco, quando o caso do Zé António Rodrigues veio à baila no nosso blogue, justamente por ocasião da sua morte, estava ainda muito arreigada na memória do pessoal da CCAÇ 3489 a imagem (estereotipada e injusta) do Rodrigues como "desertor" e, pior ainda, "traidor".

O Rodrigues tinha um "comportamento antisssocial", era agressivo, imprevisível, indisciplinado, "bicho do mato", dizia-se... Ninguém tinha mão nele... A verdade é que o pelotão dele ficou sem alferes, logo cedo, quando este "não regressou de férias", na metrópole, tal como o capitão!...

O Rodrigues dava-se ao luxo de sair a seu bel prazer, para ir caçar, sozinho, ou com os caçadores da tabanca...

Enfim, Cancolim parecia andar sem rei nem roque...

O camarada Rui Silva, ex-furriel e nosso grã-tabanqueiro, disse-nos, ao telefone, que a maior parte da malta estava convencida que ele, Rodrigues,  se tinha "passado para o inimigo". Durante as 24 horas do seu desaparecimento, andaram atrás do seu rasto até ao rio Corubal. Encontraram munições (de G3), abandonadas, e que seriam presumivelmente dele... Logo a seguir o destacamento de Sangue Cabomba foi atacado (tal como Cancolim)...

Há quem "visse" o Rodrigues no meio dos "turras", a orientar o ataque a Sangue Cabomba!!!...

Crucificaram o Zé Rodrigues em vida!... A malta nunca lhe perdoaria  a alegada "traição"!... E nunca fizeram questão de o procurar nem ele procurou os seus antigos camaradas, na metrópole!... Em Bissau, quando esteve preso por "suspeita de deserção" (sic), o 2º comandante do batalhão terá falado com ele...Ele sempre se terá defendido dizendo que tinha sido feito prisioneiro pelo PAIGC (e tratado como tal)...

O António Batista, grã-tabanqueiro, da CCAÇ 3490, que infelizmente já também não está aqui entre nós, tendo morrido no mesmo dia do Zé António (!), deixou-os um testemunho em vídeo, e disse-nos, por mais de uma vez, que o Rodrigues levava porrada dos carcereiros...

Nunca teve nenhum "tratamento VIP" como desertor... E aliciou o Batista para fugir com ele, em março de 1974...

Recorde-se que ambos foram companheiros de infortúnio, no cativeiro, em Conacri e no Boé (entre 1972 e 1974) ... O António  da Silva Batista esteve preso desde abril de 1972 até ao fim da guerra.  O Zé Rodrigues, aprisionado em julho de 1972,  acabou por fugir dos seus captores, em março de 1974, e ensaiar uma heróica fuga, andando  9 dias ao longo das margens do Rio Corubal até chegar ao Saltinho... 

Fizemos questão de reparar esta injustiça,  no nosso blogue, embora tardiamente... O Zé António nunca teve oportunidade de se defender em vida!... E só conheceu a miséria, a infelicidade, a doença e a solidão. Está morto e enterrado!... Mas, apesar dessa vida de  miséria,  ele também conheceu em fim de vida a compaixão humana, a solidariedade e a camaradagem...  Entrou para a nossa Tabanca Grande, a título póstumo, por proposta do Zé Manuel Lopes, seu vizinho da Régua. (**)

______________

Notas do editor:

(**) Último poste da série > 17 de março de 2007 > Guiné 63/74 - P1606: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (13): Jorge Cabral

(...) Há quarenta anos nós,  jovens,  optámos. Informados ou desinformados,  fomos e lá estivemos. Partilhámos medos, sofrimentos, tristezas, alegrias.

Hoje resta-nos a memória desses tempos. E é essa memória corporizada na Tertúlia, que nos une.

A Tertúlia é, e deve continuar a ser, um Fórum de Camaradas, que em pé de igualdade, informam, relatam e recordam.

Quantos desertaram na Guiné? Porquê? Que fizeram depois? Deram informações?
Colaboraram com o Inimigo? Desconheço, mas não lhes atiro pedras. Não me peçam, porém, para os enaltecer, glorificar ou incensar. (...)

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15985: Tabanca Grande (484): José António Almeida Rodrigues (1950-2016), grã-tabanqueiro nº 713, a título póstumo

1. O José António de Almeida Rodrigues (1950-2016) foi nosso camarada, pertenceu à CCAÇ 3489 (Cancolim, 1972/74), undidade de quadrícula do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74), o mesmo batalhão a que pertenceu o malogrado  António da Silva Batista (1950-2016), e outros camaradas nossos que integram a Tabanca Grande (como o Juvenal Amado, o Luís Dias, o Carlos Filipe, o Rui Batista, cito de cor)...

[, foto à esquerda: José António Almeida Rodrigues no almoço semanal da Tabanca de Matosinhos, em 12/10/2011, cortesia do blogue Coisas da Guiné, do nosso grã-tabanqueiro A. Marques Lopes]


Por estranha coincidência, o Rodrigues e o Batista morreram no mesmo dia (!), ambos com 66 anos feitos, e foram companheiros de cativeiro (nas prisões do PAIGC em Conacri, Boé e Boké). A história do Batista é conhecida, até porque o seu caso teve alguma mediatismo, foi falado nos jronais e na televisão. E sobretudo no nosso blogue, onde tem cerca de meia centena de postes. A história (não menos triste) do Rodrigues, essa, era-nos  desconhecida, até ao dia em que o A. Marques Lopes e o José Manuel Lopes, da  Régua, nos deram a conhecer o seu caso : é o único prisioneiro, português, do PAIGC que conseguiu, sem qualquer ajuda, evadir-se (do campo onde estava internado, na região do Boé) e chegar até ao nosso aquartelamento do Saltinho (, sede da CCAÇ 3490, a subunidade a que pertencia o Batista).

A história do Batista e do Rodrigues são distintas mas têm pontos em comum. Ambos foram feitos prisioneiros no mesmo ano (1972), com uma diferença de escassos meses (um em abril, outro em junho) e na mesma região (no sul da zona leste, setor de Galomaro)...  Estiveram ambos na prisão Montanha, em Conacri, sendo depois transferidos, a seguir ao assassinato de Amílcar Cabral,  para um campo de detenção na região do Boé.  

Foi aqui, em 7 de março de 1974,. que o Rodrigues ensaiou, com sucess, a sua fuga de 9 dias e 9 noites, uma odisseia em que o Batista, embora aliciado, não o quis acompanhar... O Batista será entregue às autoridades portuguesas só a 14 de setembro de 1974, no processo de troca de prisioneiros.. O Rodrigues chegou mais cedo a casa, mas o resto da sua vida será um inferno (**).

Ambos não viviam muito longe um do outro, o Batista na Maia, e o Rodrigues na Régua. O Batista era membro da nossa Tabanca Grande e participou, pelo menos, num dos nossos encontros anuais, na Ortigosa, Monte Real, em 2010. Também pertencia à Tabanca de Matosinhos onde foi sempre muito acarinhado.


Guiné-Bissau > Região de Bissau > Saltinho > Rio do Corubal, margem direita > 1 de março de 2008 > Foto tirada a grande distância, da ponte do Saltinho... Neste rio (o único verdadeiro rio da Guiné, na opinião de Amílcar Cabral), morreram afogados 46 militares portugueses das CCAÇ 1790 e CCAÇ 2405, além de um civil guineense, no dia 6 de Fevereiro de 1969, na travessia de jangada, junto ao Cheche, na sequência da evacuação de Madina do Boé (Op Mabecos Bravios). Poucos corpos foram então recuperados. Em março de 1974, terá chegado até aqui, exausto, um fugido do Boé, o nosso camarada José António Almeida Rodrigues (1950-2016)... Uma odisseia de 9 noites e 9 dias que, noutro país qualquer que não Portugal, daria um grande filme... Infelizmente este país trata mal (sempre tratou mal) os seus filhos e as suas memórias... LG

Foto (e legenda):  © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.


2. Está na altura de reparar uma injustiça: a de resgatar o bom nome e a memória do Rodrigues que as NT (e até alguns camaradas do seu batalhão) chegaram a dar como "desertor".

O Rodrigues passa, a título póstumo,  a integrar a nossa Tabanca Grande, de acordo com a proposta do seu conterrâneo, camarada e amigo, José Manuel Lopes. É um ato de elementar justiça e a nossa maneira de homenagear um dos nossos, que muito sofreu em vida, na guerra e depois no regresso a casa. 

Pelas pesquisas que fizemos, a verdade é que não há resgisto do seu nome, pelo menos no Arquivo Amílcar Cabral (*), como prisioneiro e muito menos como desertor.  O que sabemos, por conversas com o Batista e com o Zé Manel Lopes, é o que o Rodrigues, rebelde, insubmisso, indisciplinado, causava problemas também  aos seus carcereiros, e não apenas aos seus superiores hierárquicos (quando estava em Cancolim). Na melhor oportunidade, quando a vigilância dos guardas do PAIGC abrandou, ele conseguiu fugir, de canoa, de noite, escondendo-se de dia, ao longo das margens do Rio Corubal, entre a região do Boé e o Saltinho...

O Zé Manel Lopes, que mais do que camarada para com ele, foi amigo e irmão, ajudou-o  a sair da miséria e do abandono em que vivia na Régua (até pelo menos ao ano de 2011) (***), já aqui nos contou a história do Rodrigues, uma história de infortúnio e de coragem.

Consultados os nossos editores e colaboradores permanentes, não há objeções a que o nome do Rodrigues passe agora a figurar, sob o nº 713 (****), na lista alfabética dos membros da Tabanca Grande. Tendo morrido há pouco tempo, vai diretamente para a lista dos que "da lei da morte já se libertaram". Compete-nos a nós, que ainda andamos por cá, lembrá-lo e honrar a sua memória.

Que a terra da tua terra, Zé Rodrigues, ao menos, te seja leve!...
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15905: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (18): "Prisioneiros de guerra": Duarte Dias Fortunato, António Teixeira, em 1971 (e depois mais seis, por ordem alfabética: António da Silva Batista, Jacinto Gomes, José António Almeida Rodrigues, Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, Manuel Vidal e Virgílio Silva Vilar)

(**) Vd, postes de;:

26 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15903: (De)caras (39): Nove noites e nove dias em fuga, do Boé ao Saltinho, a "odisseia" do José António Almeida Rodrigues, sold at inf, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, Cancolim, 1972/74 (Depoimentos de José Manuel Lopes e Luís Dias)

25 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15901: (De)caras (37): Homenagem ao José António Almeida Rodrigues (1950-2016), ex-sold at inf, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872 (Cancolim, 1972/74)... Nove noites e nove dias, em fuga, escondendo-se de dia no mato, por vezes vendo e sentindo as tropas IN que o procuravam e, de noite, descendo o rio Corubal até encontrar o nosso quartel do Saltinho... Desertor ? Louco ? Herói ? Proponho a sua integração, a título póstumo, na nossa Tabanca Grande (José Manuel Lopes, Régua)

24 de março de  2016 > Guiné 63/74 - P15896: In Memoriam (248): Morreu também, ontem, o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), natural da Régua... Era sold at inf, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872 (Cancolim, 192/74)... Foi companheiro de infortúnio, no cativeiro, em Conacri e no Boé, do nosso António da Silva Batista (1950-2016)... Fugiu dos seus captores, em março de 1974, andou 9 dias ao longo das margens do Rio Corubal até chegar ao Saltinho... Teve uma vida de miséria, mas também conheceu a compaixão humana, a solidariedade e a camaradagem... É aqui evocado pelo José Manuel Lopes.

terça-feira, 29 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15911: (Ex)citações (306): A propósito da última troca de prisioneiros, em Aldeia Formosa, no dia 14 de setembro de 1974....Prisioneiros, não, "retidos pelo IN"...

Guiné > Bissau > HM 241 > 14 de setembro de 1974 >
Os últimos prisioneiros portugueses. 
Foto de Duarte Dias Fortunato
I. Os sete camaradas nossos que foram trocados por 35 militantes ou simpatisantes do PAIGC, presos pelas NT, não eram, segundo as autoridades militares portugueses da época, "prisioneiros de guerra"...  

Essa figura jurídica não existia... Não podia haver "prisioneiros de guerra" pela simples razão de que, para o regime de Salazar (e de Caetano),  Portugal não estava em guerra contra nenhum país estrangeiro. Tinha uma "guerra de subversão", nas suas províncias ultramarinas, apoiada por algumas potências estrangeiras, mas limitava-se a responder, para manter a paz e a ordem, contra os que, internamente, alimentavam essa guerra (*)...

Nessa medida, a Convenção de Genebra não se aplicava (ou não tinha que se aplicar, do ponto de vista legal) no TO da Guiné (e noutros teatros de operações, Angola e Moçambique)... Militar português capturado pelos nossos inimigos internos era classificado como "retido pelo IN"... Elemento subversivo ("terrorista")  capturado pelas NT devia ser tratado como um vulgar "preso de delito comum" (e entregue depois à PIDE/DGS, para obtenção de informações relevantes pata a "segurança interna")... Era, grosso modo, essa a  "doutrina vigente"...


II. Eis o que se escreve, sobre o tema Prisioneiros, no portal Guerra Colonial (1961-1974), desenvolvido pela A25A - Associação 25 de Abril... (Reproduzimos um excerto com a devida vénia):

(...) O facto de o regime português não reconhecer que se travava uma guerra nas suas colónias e de não atribuir o estatuto de beligerantes aos movimentos de libertação impedia que os militares portugueses tivessem a qualidade de prisioneiros de guerra, quando eram capturados.  Este assunto foi tratado, em 1967, em nota circular do Estado-Maior do Exército com o título: «Militares portugueses na posse do IN e elementos terroristas capturados», a qual estabelecia a seguinte doutrina:

"1. Tem vindo a verificar-se que os diversos partidos emancipalistas desenvolvem as mais variadas manobras no sentido de passarem a ser considerados como "beligerantes", oficializando assim a luta que se trava no Ultramar.

2. Um dos processos mais frequentemente usados tem sido o de solicitar para os terroristas capturados pelas nossas tropas as regalias que a Convenção de Genebra concede aos "prisioneiros de guerra". Por outro lado, e com o mesmo objetivo, esses partidos começaram a usar para com os militares portugueses em seu poder a designação de "prisioneiros de guerra", ao mesmo tempo que os seus órgãos de propaganda afirmam que lhes serão concedidas as garantias da mesma Convenção, como contrapartida.
Indivíduo suspeito, preso dpelas
NT.  Barro, 1968.
Foto de A. Marques Lopes (2005)

3. A fim de neutralizar esta manobra do inimigo, S. Ex.ª o ministro da Defesa Nacional, por despacho de 28 de junho de 1967, determinou que passassem apenas a ser usadas as designações que se seguem quer para elementos terroristas, quer para militares nacionais:

a. Terroristas caídos em poder das nossas tropas:

1) Ação - captura
2) Situação - sob prisão
3) Designação - preso

b. Militares portugueses em poder de elementos terroristas:

1) Ação - retenção
2) Situação - situação de retido
3) Designação individual - «retido pelo inimigo».

Assinava o general Sá Viana Rebelo, vice-chefe do Estado-Maior do Exército.  Curiosamente, esta circular era complementada com normas relativas ao «Procedimento a tomar no caso de ser retido», onde se afirmava no ponto d):  «Quando interrogado, o militar português apenas deve fornecer os dados a que é obrigado pela Convenção de Genebra: nome completo, posto, número e data do nascimento».

Capa da revista do Expresso, 29/11/1997

E acrescenta o  portal Guerra Colonial (1961-1974):

 (...) Embora seja pouco conhecido o número de militares portugueses prisioneiros, é possível adiantar os seguintes números e locais de prisão:

Na Guiné-Conacri, até 1970:  oficiais 1 (alferes); sargentos 2 (um sargento-piloto da Força Aérea e um furriel miliciano do Exército) ; cabos 4; soldados 15. Total 22.

Estes militares estiveram presos nos quartéis de Alfa Yaya e de Kindia, devendo-se-Ihes acrescentar um outro que foi colocado em Argel. Um soldado prisioneiro morreu em Conacri, tendo a sua morte sido comunicada diretamente à família por Carlos Correia, membro do Bureau Político do PAIGC, juntamente com uma fotografia do funeral. Ao todo, entre os que as Forças Armadas Portuguesas consideraram desertores e retidos, foram capturados e estiveram presos na Guiné cerca de 45 militares portugueses, dos quais três eram oficiais. (...)




Pormenor de um documento redigido pelo punho do próprio Amílcar Cabral, com a lista dos prisioneiros (sic) que se encontravam, nos últimos meses de 1971 na prisão do PAIGC em Conacri, conhecida por "Montanha". Na altura eram seis , dos quais dois pportugueses, ambos "prisioneiros de guerra" (sic): o António Teixeira (entrado em 21/1/71) e o Duarte Dias Fortunato (24/2/71)... O Fortunato (capturado em Piche, em 22/2/1971) tem a palavra "desertor" riscada; o Amílcar Cabral escreveu por cima "prisioneiro" (a azul) e acrescentou (a lapiseira preta) "de guerra"... O mesmo se passa com o Teixeira: primeiro era simples "prisioneiro" e depois passou a ser "prisioneiro de guerra"... O Amílcar Cabral utilizava habilmente uns e outros, os prisioneiros de guerra e os desertores, para fins de propaganda diferentes e interlocutores diferentes: Igreja Católia / Vaticano, Cruz Vermelha Internacional, "países amigos", etc... 

Fonte: Cortesia da Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral



III. O nosso amigo e grã-tabanqueiro Luís Vaz Gonçalves acompanhou o seu falecido pai, coronel do CEM Henrique Gonçalves Vaz na sua última comissão em África, no TO da Guiné, onde foi o último Chefe do Estado-Maior do CTIG (do QG),  sobre o Comando do General Bettencourt Rodrigues.  Já aqui nos descreveu como, quando e onde foi feita a troca dos últimos  'prisioneiros', antes da transferência da soberania (**):


(...) Depois do 25 de Abril, sobre o comando do então brigadeiro Fabião, e em articulação com outros oficiais do Estado –Maior, implementaram os dispositivos de retração para acantonarem e retirarem deste Teatro de Operações os milhares de militares portugueses presentes nesta Província, tendo só abandonado a Guiné, no último voo com tropas Portuguesas, no dia 14 de outubro de 1974 na companhia do brigadeiro Fabião. Como tal, e ao realizar a biografia do meu falecido pai, coronel de cavalaria e do Estado/Maior, li muitos documentos classificados, do seu arquivo pessoal, e poderei acrescentar algumas informações sobre a troca dos últimos prisioneiros de guerra, com o PAIGC.

Mantivemos 35 prisioneiros (guerrilheiros do PAIGC) na ilha das Galinhas até à véspera do reconhecimento da Independência da República da Guiné-Bissau por parte do Governo Português. Pelo lado do PAIGC, mantinham 7 prisioneiros (4 soldados e 3 primeiros cabos, do nosso Exército), um dos quais era o soldado António Baptista, que tinha sido dado como morto em 17 de Abril de 1972, numa emboscada em Madina-Buco, onde as nossas tropas sofreram 1 desaparecido e 10 mortos, 6 dos quais queimados na explosão da viatura em que seguiam.

A troca destes sete prisioneiros na posse do PAIGC (retidos no Boé) por 35 guerrilheiros do PAIGC (retidos pelas nossas tropas na ilha das Galinhas) , foi feita segundo o estipulado pelo Acordo de Argel, e foi marcada para o dia 9 de setembro, em Aldeia Formosa, no entanto o PAIGC não compareceu nessa data como estava combinado, só no dia 14 de setembro a troca se realizou. Estiveram presentes nesse ato pelas nossas tropas, o major de inf Tito Capela (Chefe da 2ª Rep do QG), o major de art Aragão, o capitão-tenente Patrício, o capitão de inf Manarte e o furriel miliciano Elias (da 2ª Rep/QG/CTIG).  Por parte do PAIGC, estiveram presentes os seguintes elementos; Manuel dos Santos (Subsecretário Informação/Turismo da GB), Carmen Pereira (Membro do Conselho de Estado/GB) e Iafai Camará (Comandante do Aquartelamento de Aldeia Formosa).


Imediatamente após a troca, foi feita a identificação (os soldados: António Teixeira, Jacinto Gomes, António da Silva Batista, Manuel Ferreira Vidal;  e os primeiros cabos: Duarte Dias Fortunato, Virgílio da Silva Vilar e Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho), tendo os prisioneiros e a comitiva regressado de avião a Bissau. Ficaram instalados no Hospital Militar de Bissau, e no dia seguinte, dia 15 de Setembro de 1974, seguiram por via área para Lisboa." (...).

Portanto, essa troca de prisioneiros não foi feita em Bafatá, como parece sugerir o depoimento de Duarte Dias Fortunato ("Desaparecido em combate", revista da GNR, "Pela lei e pela grei", abril de 2000),  mas sim em Aldeia Formosa, tendo depois os 7 portugueses sido levados de avião até Bissau, onde foram observados no HM 241, antes de embarcarem no dia seguinte para a metrópole.

Andamos a tentar localizá-los.  Um deles, pelo menos, já faleceu, ainda recentemente, o nosso grã-tabanqueiro António da Silva Batista (1950-2016) [, foto à esquerda]

__________________

Notas do editor:

(*)  Últino poste da série > 22 dce março de 2016 > Guiné 63/74 - P15888: (Ex)citações (305): A nossa Força Aérea viveu alguns dias de grande confusão com o aparecimento dos mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493)

(**) Vd. poste de 11 de dezembro de 2011 >  Guiné 63/74 - P9180: Troca dos últimos prisioneiros: 35 guerrilheiros do PAIGC e 7 militares portugueses (Parte II) (Luís Gonçalves Vaz)

sábado, 26 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15905: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (18): "Prisioneiros de guerra": Duarte Dias Fortunato, António Teixeira, em 1971 (e depois mais seis, por ordem alfabética: António da Silva Batista, Jacinto Gomes, José António Almeida Rodrigues, Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, Manuel Vidal e Virgílio Silva Vilar)


Quadro - Lista dos prisioneiros que se encontravam, nos últimos meses de 1971,  na prisão do PAIGC em Conacri, conhecida por "Montanha". Dados obtidos a partir de documento manuscrito, da autoria  de Amílcar Cabral.  Fonte:  Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral



1. No Arquivo Amílcar Cabral (*), não se encontra nenhuma referência ao José António de Almeida Rodrigues (1950-2016)  nem ao António da Silva Batista (1950-2016), por estranha coincidência, camaradas do mesmo batalhão (BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), embora de companhias diferentes (o Batista, da CCAÇ 3490, Saltinho; o Rodrigues, da CCAÇ 3489, Cancolim). e companheiros de cativeiro (Conacri, Boé,  Boké), que vão morrer, no mesmo dia, e ambos com 66 anos, um na Régua, outro em Matosinhos..
.

 Há, no entanto,  fotos e documentos a relativos outros "prisioneiros de guerra" que estiveram com eles, na "Montanha", entre 1972 d 1974, a prisão do PAIGC em Conacri, e depois no campo do Boé: é  do caso do António Teixeira, da Lixa, Felgueiras; e do Duarte Dias Fortunato, de Pombal...

Estes nossos dois camaradas, os dois primeiros a serem apanhados e levados para Conacri, depois da Op Mar Verde (22/11/1970), constam de uma lista, manuscrita (com a letra do Amílcar Cabral!) em que se discriminam os seis prisioneiros, do PAIGC, que estão na "Montanha", em 1971 (em data posterior a agosto de 1971),  por nome, data de entrada, proveniência, acusação, data de saída e observações...

Sendo a lista do 2º semestre de 1971, ainda não poderiam constar os nomes do António da Silva Batista e do José António Almeida Rodrigues, capturados em abril e junho de 1972, respetivamente... Mas o que é interessante é o tipo de "acusação"... Há portugueses (2) e guineenses (4)... Não sabemos se, uns e outros, estavam misturados ou separados...

Sabemos que, depois do assassinato do Amílcar Cabral, em 20/1/1973, os 8 prisioneiros portugueses detidos na "Montanha" foram levados para a região do Boé Ocidental,  num "campo" junto ao Rio Corubal... donde iria fugir, de canoa, em 7/3/1974, o José António de Almeida Rodrigues, sold at inf, CCAÇ 3489 (Cancolim, 1972/74). Ao fim de nove noites e nove dias, conseguiu chegar ao Saltinho, devendo ter percorrido não mais do que 50 quilómetros,  pelo rio, segundo as nossas estimativas.

Dos guineenses da lista de prisioneiros, guerrilheiros do PAIGCum é "desertor", outro acusado é de "homicídio", um terceiro de "furto", e o último de ter "contacto com o inimigo"...

Os portugueses, ambos "prisioneiros de guerra" (sic), são o António Teixeira (entrado em 21/1/71) e o Duarte Dias Fortunato (24/2/71)... O Fortunato tem a palavra "desertor" riscada; o Amílcar Cabral escreveu por cima "prisioneiro" (a azul) e acrescentou (a lapiseira preta) "de guerra"... O mesmo se passa com o Teixeira: primeiro era simples "prisioneiro" e depois passou a ser "prisioneiro de guerra"...

As proveniências são diversas, não se percebendo bem se PAIGC disporia de diversos "campos de detenção  temporária" (ou prisões, mesmo que precárias), antes de os prisioneiros chegaram à "Montanha", em Conacri.... Ou se o termo proveniência tem a ver com o local de detenção ou aprisionamento no caso dos portugueses. Há referências a Ziguinchor (no Senegal), Norte, Madina do Boé, Boé Oriental...

O Amílcar Cabral utilizava habilmente uns e outros, os prisioneiros de guerra e os desertores, para fins de propaganda diferentes e interlocutores diferentes: Igreja Católia / Vaticano, Cruz Vermelha Internacional, "países amigos", etc....

Recorde-se aqui, mais umas vez, os nomes dos últimos prisioneiros de guerra que foram entregues, em 14 de setembro de 1974 pelo PAIGC às NT (**):

(i) o nosso "morto-vivo" António da Silva Batista (1950-2016), da Maia;

(ii) Manuel Vidal, de Castelo de Neiva;

(iii) Duarte Dias Fortunato, de Pombal;  [ex-1º cabo at art, CART 3332, 1972/74; capturado no subsetor de Piche, em 22/2/1971, na sequência de emboscada no decurso da Acção Mabecos]; (**)

(iv) António Teixeira, da Lixa, Felgueiras;

(v) Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, do Porto;

(vi) Virgílio Silva Vilar, de vila da Feira;

e (vii) Jacinto Gomes, de Viseu.

Como escreveu algures o Manuel Carvalho, o José António Almeida Rodrigues foi um homem de grande coragem física, ao arriscar, com sucesso, a fuga... Se ele fosse considerado "desertor", nunca teria ido parar à "Montanha" nem muito menos ao "campo do Boé"... E muito menos ainda teria necessidade de fugir aos seus captores... Noutro país, a sua história, a sua fuga, daria um filme...




Documento manuscrito, pelo punho de Amílcar Cabral, com a lista dos prisioneiros que se encontravam, nos últimos meses de 1971 na prisão do PAIGC em Conacri, conhecida por "Montanha". Cortesia da Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral


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Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 07062.034.017
Título: Registo dos prisioneiros na "Montanha"
Assunto: Registo dos prisioneiros na "Montanha" [prisão do PAIGC em Conakry].
Data: 1971
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Arquivo Amílcar Cabral
05.Organização Militar
Justiça Militar

Citação:
(1971), "Registo dos prisioneiros na "Montanha"", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40241 (2016-3-26)



(Foto reproduzida por Beja Santos no seu poste P14454, de 10 de abril de 2015. A fonte provável é o artigo "Desaparecido em combate", de Duarte Dias Fortunato, publicado na revista da GNR, "Pela lei e pela grei", nº de abril de  2000 (*) [Na altura, o Fortunato era soldado de infantaria da GNR e prestava serviço no Posto Territorial de Quiaios, na Figueira de Foz]


... E o António da Silva Batista (1950-2016), nesta foto,  deve o primeiro da direita, de bigode e de patilhas. Falta aqui o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), que conseguiu fugir do "campo de detenção" do Boé, do PAIGC, junto à margem esquerda do Rio Corubal, na parte ocidental da região do Boé, situado algures entre Gobige, Guileje e Madina do Boé, junto à fronteira, segundo as nossas estimativas.  

O "campo de detenção", pelas descrições do Batista e do Rodrigues, só podia ser na região de Tombali, junto ao rio Corubal e à fronteira (sul) com a Guiné-Conacri (por razões de segurança e logísticas), ou seja, em zona considerada "libertada", segundo a terminologia do PAIGC, mas sujeita aos bombardeamentos da aviação portuguesa.  

Depois da fuga do Rodrigues, em 7 de março de 1974, os prisioneiros foram levados para o outro lado da fronteira, já na República da Guiné, segundo o depoimento do Duarte Dias Fortunato, em 2000. Foi aí que  receberam a notícia do 25 de abril de 1974 (**). 

_______________

Notas do editor:


(**) Vd. postes de 


(...) Ao fim de dois anos, começaram a chegar mais prisioneiros [, à "Montanha", em Conacri]: uns capturados no posto de sentinela, outros que saíam do quartel para irem à caça e eram caçados. No final éramos oito. 

Um certo dia, mandaram-nos sair da prisão, fomos metidos num camião do PAIGC, ao fim de três dias chegámos a Madina de Boé [, ou à região ocidental do Boé]. Percebemos que estávamos a mudar para um prisão improvisada mas com muita segurança e ali permanecemos alguns meses. Aqui sofremos muito com a nossa aviação, que atacava frequentemente o local. Houve depois uma fuga [,em 7 de março de 1974, a do José António de Almeida Rodrigues,] e os prisioneiros foram deslocados para o lado da fronteira da Guiné Conacri. Quando chegámos a um local, junto de um grande rio, cujo nome nunca soube [, talvez rio Kogon, não longe da base de Kandiafara, província de Boké], ali acampámos. Construíram uma prisão de madeira onde ficámos instalados alguns meses.[até setembro de 1974...].


Certo dia pela manhã, apareceram alguns guardas com os rádios junto aos ouvidos e gritavam com júbilo “Tuga, tuga, Marcelo caiu. Independência, independência”. Através da rádio demos conta que em Portugal tinha havido um golpe de Estado.

No dia 11 de setembro, entregaram-nos vestuário dizendo-nos que no dia seguinte seguíamos em direção a Bafatá, a fim de sermos entregues por troca com outros prisioneiros. Ao fim de três dias chegámos a Bafatá. Embarcámos de seguida num avião militar, onde recebemos os primeiros cuidados médicos. (...) 

Guiné 63/74 - P15902: (De)Caras (39): homenagem ao saudoso grã-tabanqueiro António da Silva Batista (1950-2016), ao infortunado António Ferreira (1950-1972) e aos demais camaradas mortos no Quirafo, em 17/4/1972: republicação do conto do Mário Migueis da Silva (pseudónimo, "Leão da Mata") "O morto-vivo" (, originalmente publicado no JN, de 28/9/1985)


A fatídica GMC,,, Ainda lá estava em 2006! (*)
Foto de Paulo e João Santiago
O Morto-Vivo





Um conto
 de Mário Migueis 
Ferreira da Silva (*)

(Esposende)

JN, 28/9/1985 








O Mário Migueis da Silva, ex-fur mil rec Inf, Bissau,Bambadinca e Saltinho (1970/72), bancário reformado, cartunista, artista plástico,  com morança em Esposende, viveu de muito perto a tragédia do Quirafo; este conto que ele mandou para um concurso literário do JN, em 1985, é também uma forma de exorcisar fantasmas e de render a devida homenagem aos mortos e aos vivos da CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74), a que ele esteve adido. 

No conto, o Batista é o Alfredo, de seu nome próprio, com a especialidade de transmissões. O António Batista, aprisionado pelo PAIGC, na sequência da emboscada do Quirafo, em 17/4/1972,  era sold at inf.,  e a sua identidade foi trocada um outro camaarada morto, o António Azevedo. Outro camarada que morreu foi 1º cabo trms, António Ferreira, tendo deixado uma viúva, a Cidália, e uma filha órfã, que ele nunca chegou a conhecer. Com a ajuda da nossa amiga Cátia Félix, a família Ferreira conseguiu fazer o luto, ao fim de 40 anos, num processo que, na altura,  nos emocionou a todos. (*)

Justifica-se a republicação deste conto que retrata ou reconstitui, muito  bem, o clima de tragédia que se viveu, no quartel do Saltinho,  nesse já longínquo dia 17/4/1972, uma segunda feira, quinze dias depois da Páscoa....  

Nesta semana, em que os cristãos de todo o mundo, celebram um dos mistérios da sua fé, a morte e ressurreição de Cristo, este conto  é inspirador... Trata-se além disso de uma semana em que morreram, no mesmo dia, dois camaradas nossos que foram companheiros de cativeiro durante quase dois anos... Pertenciam ao mesmo batalhão (BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), e não  estavam distantes, um do outro; um no Saltinho, na CCAÇ 3490; outro em Cancolim, na CCAÇ 3489. Estamos a referirmo-nos, respetivamente,  ao António da Silva Batista (1950-2016) e ao José António Almeida Rodrigues (1950-2016). O facto de terem morrido no dia,  ambos com 66 anos, não deixa de ser um estranha coincidência, daquelas que estatísticamente são explicáveis, mas que humanamente são difíceis de compreender e de aceitar (**).



"António Ferreira" > Homenagem do nosso camarada Mário Migueis 

ao 1.º Cabo TRMS António Ferreira,
 morto durante a emboscado do Quirafo  > 
Acrílico: © Mário Migueis da Silva (2010). 
Todos os direitos reservadosnda


Nunca é de mais recordar os nossos camaradas da CCAÇ 3490, com sede no Saltinho, mortos no Quirafo, naquele dia fatídico de 17 de Abril de 1972:

Alferes Miliciano Armandino Silva Ribeiro - Magueija / Lamego
Furriel Miliciano Francisco de Oliveira Santos - Ovar
1.º Cabo Sérgio da Costa Pinto Rebelo - Vila Chã de São Roque / Oliveira de Azemeis
1.º Cabo António Ferreira [da Cunha] - Cedofeita / Porto
Soldado Bernardino Ramos de Oliveira - Pedroso / V. N. Gaia
Soldado António Marques Pereira - Fátima / Ourém
Soldado António de Moura Moreira - S. Cosme / Gondomar
Soldado Zózimo de Azevedo - Alpendurada / Marco de Canaveses
Soldado António Oliveira Azevedo - Moreira / Maia [Originalmente dado como "desaparecido em combate", confundido com o António da Silva Batista, que foi dado como morto,. e que também era de Moreira, Maia]
Milícia Demba Jau - Cossé / Bafatá
Milícia Adulai Bari - Pate Gibel / Bafatá
Trabalhador Serifo Baldé - Saltinho / Bafatá




Oito da manhã. De uma calma e radiosa segunda-feira, convidando a um bem disposto espreguiçar. Ora escorrendo, sonolento, ora escorregando, brincalhão, em pequenas e ridentes cataratas, o rio Corubal espelhava o já abrasador sol daquele dia.

Ainda com a última bucha do pequeno-almoço na boca, os piras do segundo pelotão chegavam e iam ocupando as duas viaturas, que, roncando, aguardavam o sinal de partida. Através de umas seteiras do seu abrigo, o olhar inquieto do furriel Simões esperava alguém. E, quando o soldado Batista se aproximou, baixou-se instintivamente, procurando esconder a sua envergonhada condição de observador furtivo.

Dobrado sob o peso do grande rádio de transmissões que lhe cobria todo o magro dorso, o Batista subiu, com certo esforço para uma das viaturas. Mentalmente, recordava a cena da noite anterior no posto de rádio:

Recorte do JN, 28/9/1985
 — Um minuto ou mais é a mesma coisa! A rendição do posto tem que ser feita à hora exacta e não é admitido quaisquer desculpas. Amanhã, vais tu com o grupo do Quirafo.

O furriel Simões parecia adivinhar-lhe os pensamentos. Na verdade, tinha sido estúpido ao castigá-lo tão duramente. Era necessário disciplinar os homens, é certo... mas o Batista até nem era mau rapaz. Era educado, respeitador... Bastaria tê-lo admoestado, talvez... Mas, enfim, agora nada havia a fazer.

Às cavalitas da velha GMC da frente, o alferes lançou um rápido olhar à retaguarda e deu ordem para avançar. O condutor não se fez rogado: pisando o acelerador com alegria, logo deixou para trás o arame farpado do aquartelamento, seguido de perto pelo burrinho, que, gingando e pulando a cada cova, não queria ficar para trás.

Do lado de cá das espessas núvens de pó, o Simões magicava. Aquele aspecto guerreiro dos homens, armados da cabeça aos pés, deixava-o, desta vez, preocupado. Arrependido da decisão que tomara em relação ao Batista, começou, de repente, a recear que o destino lhe reservasse alguma partida. Aquela picada que andavam a desmatar, lá prós lados de Boé, poderia, em sua opinião, ser um bico-de-obra dos graúdos.
— E se, por azar, acontecesse alguma coisa? E se caíssem numa emboscada? E o Batista?!... E se o Batista ficasse gravemente ferido ou até morto?...

A ideia de tal peso na consciência passou a assustá-lo e não pôde deixar de continuar a preocupar-se.
— Só estarei sossegado quando todos regressarem sãos e salvos.

Tentando dominar todo aquele pessimismo de circunstância, puxou de mais um cigarro. Mas foram nervosas aquelas chupaças profundas com que, cabisbaixo, se dirigiu para a messe. Escrevia para a família, quando ouviu o primeiro rebentamento. Estremecendo, distinguiu perfeitamente, na direcção do Quirafo, o matraquear contínuo das armas automáticas e os rebentamentos que se sucederam, galopantes.

Quando deixou de os ouvir, correu para fora. Apurou o ouvido, mas nada mais escutou.
—  Tudo tão rápido! Um minuto ou dois, no máximo... Que se teria passado?!... Emboscada?... Haverá baixas? Mortos?!...

A imagem sombria e triste do Batista passou-lhe diante dos olhos. Aturdido, sacudiu a cabeça, como quem quer acordar de um sonho mau. Já os grupos de intervenção partiam em direcção a Madina, quando o Simões correu para o posto de transmissões. Depois daquele tremendo choque eléctrico, que lhe percorrera o corpo todo, atormentavam-no agora a incerteza, o medo... Não queria acreditar no que lhe estava a acontecer.

Entraram em contacto com o destacamento de Madina, mas as primeiras notícias concretas trouxe-as, porém, um nativo, vinte minutos mais tarde. Viera correndo, a corta-mato, para avisar a tropa do Saltinho.
—  Morreram muitos! Prá'i vinte! Morreu tudo queimado!...

Simões sentiu-se desfalecer. Gemeu um "Meu Deus" e quis agarrar-se a alguém para não cair. As pernas, porém, dobraram-se-lhe pelos joelhos e tombou pesadamente no chão.

Visivelmente traumatizado no espírito, mas ileso no corpo, chegaria, pouco depois, o condutor da primeira viatura, que o acaso poupara a tão trágico fim. Nervosíssimo, deambulando de um lado para o outro, parecia não sentir-se ainda em segurança. Respondia, no entanto, a cada pergunta, a cada súplica.
—  Os que iam comigo morreram todos. Além de mim, o único que saiu vivo da picada foi o Batista. Vi-o correr, todo ensanguentado, pelo mato...

Quando o Simões recobrou a consciência e soube que o Batista, afinal, não estava morto, ganhou novo alento. Mas não almoçou. Nem jantou.
—  Onde estará o rapaz?! Por que não apareceu ainda? Serão os ferimentos tão graves que o impeçam de chegar ao Saltinho ou, pelo menos, a Madina, que fica a dois passos apenas do local da emboscada?!...

Às duas da manhã, só, num canto da messe, continuava a esperar que o Batista aparecesse ou desse sinal de vida. Lá fora, aparentemente indiferentes a toda aquela tragédia, os cangalheiros trabalhavam. O Simões, esse, desesperava. Cada martelada parecia querer rebentar-lhe os tímpanos e o sistema nervoso.

JN, 18/9/1974.. O Batista visitando a sua própria campa...
Mas controlou-se. E ele, que nunca fora muito de ir à missa, começou antão a rezar todas as orações que aprendera em criança. E entre cada oração, a súplica constante:
—  Ó Minha Nossa Senhora, fazei com que ele apareça! Não permitais que eu viva com tamanho remorso o resto da minha vida!...

E prometeu ir a Fátima, a pé.

Alvoreceu. Com o apoio de helicópteros, começaram as buscas, palmo a palmo, tentando localizar o homem. O Simões que nelas participava activamente, não se cansava nem se esquecia de orar em silêncio, renovando vezes sem conta a sua promessa de ir a Fátima. Mas o pobre do Batista não havia de aparecer. Nunca mais!... Nem vivo, nem morto...

Vinte meses após tão fatídico dia, o Simões descia a escada do avião que o trazia definitivamente para a metrópole. O seu semblante, carregado e tristonho, recordava agora, com mais intensidade ainda o desventurado Batista que, por sua culpa, morrera tão brutalmente. À sua volta, a companhia inteira cantava, gritava, dançava...
- Podia estar aqui agora, rindo e cantando como os outros!... Talvez com os pais, velhinhos, a esperá-lo lá no fundo!...

Ao imaginar a ternura daquele abraço impossível, duas grossas lágrimas lhe rolaram pela face. E sentiu, de novo, aquele tremendo nó seco na garganta, que lhe comprimia a alma.

Já depois da independência, quando, um dia, lhe perguntaram, lá no escritório onde trabalhava, se já tinha lido a história do "gajo que tinha sido dado como morto na Guiné e que acabava de regressar", arrepiou-se todo.
Inquieto, cheio de pressentimentos, não esperou pelo intervalo do almoço. Desculpou-se e correu a comprar o jornal:

"MORTO-VIVO DEPÔS FLORES NA SUA CAMPA",

Ainda na primeira página, a fotografia de um moço de bigodito. Curvado sobre uma campa. E na campa, uma lápide onde podia ler-se distintamente:

"À MEMÓRIA DE ALFREDO COSTA BATISTA.
FALECEU EM COMBATE NA PROVÍNCIA DA GUINÉ EM 17/4/72"

Dias depois, o Simões enfiou o seu velho camuflado da tropa e, terço na mão, soriso nos lábios, começou a caminhar em direcção a Fátima.

Fim

LEÃO DA MATA (***)

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12 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13724: Fotos à procura de... uma legenda (39): Cátia Félix e a sua amiga Cidália Ferreira, viúva do António Ferreira, 1º cabo trms, CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), morto em 17 de Abril de 1972 na emboscada do Quirafo 

18 de abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4207: In Memoriam (20): Para o António Ferreira e demais camaradas mortos no Quirafo (Juvenal Amado)

sexta-feira, 25 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15899: Recortes de imprensa (79): Uma "histórica" entrevista dada, em 18/9/1974, pelo António da Silva Batista (1950-2016) ao extinto "Comércio do Porto", quando regressou ao "mundo dos vivos" (Mário Miguéis da Silva, ex-fur mil rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72; vive hoje em Esposende)


Comércio do Porto















PS - O António voltou a reatar o namora com a sua "Lola" (Maria da Glória, de Santa Cruz do Bispo, Matosinho), casaram e tiveram duas filhas. Vd. aqui texto do José Teixeira (*)

Recorte de imprensa (**), com a entrevista "histórica" que o nosso camarada António da Silva Batista (1950-2016) deu ao extinto "Comércio do Porto" aquando do seu regresso a casa, ou seja, ao "mundo 
dos vivos"... O seu caso, insólito, também foi tratado pelo "Jornal de Notícias" (JN), do Porto.  Foi este jornal que publicou, na sua edição de 18 de setembro de 1974, a foto mostrando o soldado António da Silva Batista a visitar a sua própria campa, depois do regresso do cativeiro... O título da notícia do jornal era: "Morto-vivo depôs flores na sua campa". Na lápide podia ler-se: "À memória de António da Silva Batista. Faleceu em combate na província da Guiné em 17-4-1972". (***)

Foi o Mário Migueis da Silva (ex-fur mil rec Inf, Bissau,Bambadinca e Saltinho, 1970/72) quem em 22/4/2009,  nos mandou este recorte de imprensa, com a reportagem feita pelo "Comércio do Porto". 


JN, 28/971985


O Mário Migueis da Silva, que estava no Saltinho e assistiu  de perto à tragédia do Quirafo, escreveu também um conto,  baseado neste acontecimento. Foi publicado no JN do dia 28 de setembro de 1985. Mais tarde, foi republicado no nosso blogue,  com a devida autorização da direção daquele jornal. Pode ser relido aqui (****).  

Foi a sua forma de homenagear este nosso querido camarada, o António da Silva Batista,  que acaba de  nos deixar para sempre, ficando todavia connosco a sua memória, a sua humildade, o seu sorriso tímido, a sua camaradagem,  e a sua passagem também pelas nossas vidas e pelas nossas tabancas.


Tabanca de Matosinhos > 2009 > O Batista e o Mário Migueis que, juntamente com o Paulo Santiago, muito contribuíram para o deslindar da verdade dos factos relativamente à trágica emboscada do Quirafo, um topónimo de trágica memória...

Em 17 de julho de 2007 ainda andávamos todos à procura do Batista: o Paulo Santiago, o Álvaro Basto, o J. Casimiro Carvalho... O Batista seria depois, logo a seguir, localizado pelo Álvaro Basto, através da lista telefónica... Encontraram-se na Maia, em 21/7/2007, eles os dois, mais o Paulo Santiago e o João Santiago... O Batista, que trabalhou no aeroporto de Pedras Rubras, estava reformado, e era membro da nossa Tabanca Grande.

Foto: © Álvaro Basto (2009). Todos os direitos reservados.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  24 de março de 2016 >  Guiné 63/74 - P15897: In Memoriam (249): "No Dia da Minha Morte"... A história de amor que o António da Silva Batista (1950-2016) gostaria que eu vos contasse no dia da sua morte... (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos)

(**) Último poste da série > 4 de janeiro de  2016 > Guiné 63/74 - P15578: Recortes de imprensa (78): Vicente Batalha, de alf mil cav, CCAV 1483 (CTIG, 1965/67) a cap mil, cmdt do Departamento de Fotografia e Cinema 3011 (Angola, 1972/74)

(***) Vd. poste de 23 de março de  2016 > Guiné 63/74 - P15894: In Memoriam (247): António da Silva Batista (1950-2016)... A segunda morte (esta definitiva!) de um camarada a quem carinhosamente chamávamos o "morto-vivo do Quirafo". O funeral é amanhã, às 15h45, na igreja de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos

quinta-feira, 24 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15897: In Memoriam (249): "No Dia da Minha Morte"... A história de amor que o António da Silva Batista (1950-2016) gostaria que eu vos contasse no dia da sua morte... (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos)






Recorte de jornal: O Comércio do Porto, 18 de setembro de 1974. Gentileza do Mário Miguéis (que nos mandou, em 22/4/2009,  o recorte completo com a reportagem). Este prestigiado jornal diário do Porto deixou de se publicar. Na foto acima, o "morto-vivo" António da Silva Batitsa (1950-2016), na sua terra, Maia,  prestando declarações ao repórter.  O texto da reportagem é de Helena Policarpo, e as fotos de Amadeu Botelho. A nossa gratidão a todos. Este também é um pedacinho da nossa história.


1. Mensagem do José Teixeira, um dos régulo da Tabanca de Matosinhos que tanto acarinhou o António da Silva Batista, no dia da sua morte "verdadeira (já que ele "morreu duas vezes"):

Texto com memórias que recolhi ontem, no velório do corpo do nosso infortunado camarada Batista, com valor histórico e afetivo, não lhe dei título e não sei se deva ser publicado, dado o seu conteúdo, mas vocês, editores, se entenderem que pode ser,  tudo bem!... Acho que o Batista iria gostar de "relembrar" esta história ou gostaria de a ouvir no dia da sua morte, contada por um amigo e camarada da Guiné... É uma bela história de amor que merece ser partilhada com os demais amigos e camaradas da Guiné, onde o Batista morreu uma vez e nasceu outra vez para a vida. (JT):

 - Sou eu! Não se assuste! Sou eu mesmo!
António da Silva Batista, sold at inf,
foto da caderneta militar

Foi assim que o António Batista se dirigiu à Camilinha, uma amiga da namorada que ele tinha deixado na Metrópole, mais propriamente em Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, quando embarcou para a Guiné.
- Ó rapaz, não podes ser tu! Eu fui ao teu funeral! - respondeu-lhe a Camilinha, com o coração aos saltos.
- Sou eu mesmo e quero pedir-lhe um favor...
...

- Ele teve um “funeral” como nunca houvera em Crestins, Maia, ai se teve! - disse-me a Camilinha.

Toda a freguesia saiu para o acompanhar ao Cemitério de Moreira da Maia e fizeram-lhe uma campa bem linda. A mãe, coitadinha, não falhou nem um dia na sua visita à campa do filho, até ao dia em que ele lhe apareceu em casa.
- Era uma dor, ver a pobre mulher, magrinha, ela foi sempre muito magrinha, descalça, a fazer aquele caminho e olhe que ainda é longe! - disse um velhinho, que estava ao lado, velho amigo da família do António Batista.
- Pois ele chegou ao pé e a mim assim de surpresa e disse-me:
- "Camilinha! Vim falar consigo, porque sei que você é muito amiga da Lola e eu sei que ela gosta muito de si. Queria pedir-lhe para ir lá dentro e peça-lhe para ela vir consigo cá fora, mas não diga que sou eu que estou aqui".
Ele já devia saber que a Lola lhe guardou respeito enquanto ele esteve na Guiné, foi ao dito funeral quando foi dado como morto e entregaram o corpo à família, em julho de 1972. Depois de fazer o luto que ele lhe mereceu, partiu para outra. À data do seu regresso, em setembro de 1974, a Lola namorava para outro rapaz e estava em vias de casamento.

E continuou a Camilinha:
- Como ele me pediu, fui junto da Lola que estava sentada fora da porta ao sol, descalça, a conversar com umas amigas - era uma tarde de Setembro e estava um lindo dia de sol - e disse à Lola:
- "Anda comigo que está ali uma pessoa que quer falar contigo".
Ela calçou os chinelos e seguiu-me. Quando encarou com ele, ficou muda a olhar, a olhar,  e passados uns segundos correram um para o outro e ficaram ali abraçados. Foi lindo vê-los abraçados, se foi!

E prosseguindo:
- Foi um dia muito lindo, sabe! Ela tinha outro namorado, mas desfez o namoro e voltou para o “morto vivo”. É por este nome que toda a gente o conhece.... Ó Lola, como se chamava o teu marido?...  É que eu nunca sabia o nome dele - rematou a Camilinha -, sempre o conheci pelo “morto vivo”!...
- Chama-se António! António Batista!" - respondeu a Lola, ao meu lado.

A filha do António Batista ouvia em silêncio. As lágrimas teimavam em deslizar pela face, neste dia em que o António Batista faleceu de verdade, depois de um ano de intenso sofrimento.

José Teixeira
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Nota do editor:

Vd. os dois poste anteriores desta série >

24 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15896: In Memoriam (248): Morreu também, ontem, o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), natural da Régua... Foi companheiro de infortúnio, no cativeiro, em Conacri e no Boé, do nosso António da Silva Batista (1950-2016)... Fugiu dos seus captores, em março de 1974, andou 9 dias ao longo das margens do Rio Corubal até chegar ao Saltinho... Teve uma vida de miséria, mas também conheceu a compaixão humana, a solidariedade e a camaradagem... É aqui evocado pelo José Manuel Lopes.

23 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15894: In Memoriam (247): António da Silva Batista (1950-2016)... A segunda morte (esta definitiva!) de um camarada a quem carinhosamente chamávamos o "morto-vivo do Quirafo". O funeral é amanhã, às 15h45, na igreja de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos