segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17866: Estórias do Juvenal Amado (58): A minha avó Deolinda Sacadura, uma mulher do 5 de Outubro

Avó Deolina Sacadura

1. Em mensagem do dia 9 de Outubro de 2017, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), presta homenagem à sua avó Deolinda, uma mulher que viveu nos duros tempos da transição do século XIX para o século XX, que como tantas daquele tempo, criou um rancho de filhos, como se dizia então, muitas vezes sem a presença por perto dos maridos.


HISTÓRIAS DO JUVENAL AMADO

57 - UMA MULHER E O 5 OUTUBRO

Não basta olharmos para alguém para descortinarmos a sua história. Os afectos, os seus momentos maus, possivelmente julgamos ver sua felicidade ou tristeza, se elas forem genuínas e transparecerem como água pura e límpida.
Essas pessoas por vezes enchem-nos com as suas palavras e esvaziam-nos com os seus silêncios. A minha avó Deolinda era assim. Calma, segura, de saúde débil, para além das suas enfermidades guardava no seu corpo velho e curvado todo o saber de uma vida de luta. Mulher que a idade fez pequena em altura, mas só ela metia na ordem os nove filhos e filhas, que teve como única herança do meu avô. Todos se calavam quando ela falava, todos apertavam as mãos e na sua presença, todos escondiam as desavenças, os litígios nem que fosse só naquele momento.

O respeito que lhe deviam ditava as atitudes e não era gente fácil, porque não há famílias perfeitas e a dela também o não era. Criou-me até certa altura, uma vez que a minha irmã nasceu logo a seguir a mim, e lembro-me dela sempre com carinho. Recordo que me contava episódios da sua vida, falava sobre o meu avô lhe aparecer embrulhado num cobertor, depois de nada saber dele durante semanas e como ele desaparecia novamente para o sonho que lhe incendiava dias e as noites. Falava sobre a implantação da República e a sua esperança em novos tempos. Também ela foi uma heroína discreta da implantação da Republica.

Também me recordo da sua mágoa, quanto aos resultado dos vários falhanços, que desembocaram num regime triste, cinzento e sufocante. Não tinha sido para isto que tanto português tinha dado o seu sangue. Na sua casa juntava os netos, que com pouca coisa se entretinham. Autocarros construídos com as cadeiras das sala de fora, brincávamos com idas para a Nazaré ou até em voos mais largos viagens até Lisboa. Ela simplesmente gozava a nossa companhia, cozendo ou escrevendo algo quase encostado ao nariz tal, era a miopia de que padecia. Fazia-nos o lanche, fazia-nos desarmar o “autocarro” para comermos à volta da mesa o pão com manteiga polvilhado de açúcar, canela e café de cevada.

Eu fui criado por ela até aos cinco ou seis anos anos mas fui sempre estar com ela nos anos seguintes, sempre que podia e assim, beneficiei das suas histórias sobre o meu avô e companheiros na sua luta pela instauração da República. Falava-me da prima dela, Sara, a qual estava no grande retrato ao estilo 1900 na sala de jantar, emoldurado num belo caixilho em arte nova. Contava-me ela tinha morrido muito jovem de tuberculose e que tinha um problema pois não podia olhar para um relógio, que o parava logo. Não sei se era ela a brincar comigo, se tinha sido verdade, uma coisa era certa, ela era muito bonita mas eu não entrava na referida sala sozinho, por nada deste Mundo.

O retrato emoldurado da prima Sara

De manhã cedo apreciava a minha avó no seu ritual de molhar o pente em álcool e pentear os seus longos cabelos, que depois manipulava habilmente numa trança que de seguida enrolava na parte de trás da cabeça e prendia com longos ganchos de tartaruga. Sempre vestida de preto, só saía sozinha para tratar das galinhas e mesmo assim, o cão e eu fazíamos-lhe companhia pelo longo e escuro corredor que dava acesso ao pátio.

De vez enquanto passávamos pelo vizinho de baixo, que tinha combatido na 1.ª Grande Guerra. Eu tinha especial medo dele, pois quando estava mais atacado, escondia-se nos umbrais das portas acendendo fósforos e atirando com eles ao ar. Julgou eu hoje que ele na sua demência alcoolizada, fazia dos fósforos very-light e recriava na sua cabeça as situações por que passou. Morreu vítima dos gases, do vinho, do tabaco, do esquecimento e pobreza não só física como de espírito. Viu três netos serem mobilizados.


A minha avó Deolinda morreu depois de longa e penosa doença em 1973 quando eu estava na Guiné . A data nunca soube ao certo, uma vez que a minha mãe assim o entendeu e nunca me mandaram dizer. Talvez porque deixei de receber correio da minha mãe e da minha tia durante um período, eu tenha mais tarde relacionado com a altura da sua morte.

Quem a via, nada sabia da sua força, do seu conhecimento, da sua esmerada educação. Ela encheu-nos com as suas palavras e esvaziou-nos com o seu silêncio. Não me viu regressar, não conheceu a minha mulher nem filha, não assistiu a nada da minha vida, não viu em que homem me tornei, nem sabe do carinho que nós netos temos pela sua memória.

Neste 5 de Outubro, data que lhe era cara e nos ensinou a respeitar, lembrei-me dela das suas costas arqueadas, das suas pernas inchadas, dos seus óculos de lentes grossíssimas, mas acima de tudo recordei a sua sabedoria e prazer que tinha da sua companhia.

Um abraço
Juvenal Amado
____________

Nota do editor

Último poste da série de 13 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17763: Estórias do Juvenal Amado (56): Lisboa aqui tão perto... da "Ginjinha" do Rossio ao fórum Tivoli, onde fui assistir ao lançamento do novo livro do José Saúde, "AVC - Recuperação do guerreiro da liberdade"

Guiné 61/74 - P17865: Notas de leitura (1005): “AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade, Uma vitória no mundo dos silêncios”, por José Saúde, Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,

Temos aqui o testemunho de um confrade nosso cuja vida foi brutalmente flagelada por um AVC, tinha ele 55 anos. É uma narrativa de alguém que nunca aceitou desistir e que hoje, apesar de limitações, se sente autodeterminado, tem carro adaptado, convive, escreve, não pára de sonhar, quer ser útil.
É um testemunho muito sentido, minucioso, um confronto entre um inesperado pesadelo e a subida íngreme para a autonomia, apesar de tudo.
Este livro é um hino à vontade de viver.

Um abraço do
Mário


José Saúde e um AVC contado na primeira pessoa

Beja Santos

José Saúde

O livro intitula-se “AVC, Recuperação do Guerreiro da Liberdade, Uma vitória no mundo dos silêncios”, por José Saúde, Chiado Editora, 2017. A substância do testemunho é um AVC que deixou aos 55 anos o nosso confrade José Saúde entre a vida e a morte. É uma descrição detalhada, que não escusa o íntimo, desses momentos de descalabro em que não se sabe contabilizar o volume das perdas até à recuperação em que se reganha a dignidade e autonomia, graças a uma resiliência inabalável.

Tudo começou na madrugada de 27 de Julho de 2006. A vontade superou as marcas físicas e reversíveis, o acidentado tornou-se uma pessoa motivada, dispõe de um carro adaptado às suas deficiências, move-se a pé pelas ruas da cidade de Beja, e faz um apelo genuíno a quem sofreu de um abalo tão demolidor: “As nossas mazelas, sendo evidentes, não podem, tão-pouco devem, servir de obstáculos a uma vivência rica em experiências inolvidáveis. O nosso ego propõe-nos conquistas num território armadilhado mas incansavelmente superadas”.

O que ele testemunha é que se considera um homem livre, que rejeita o coitadinho, a despeito das sequelas a nível dos membros, superior e inferior, do lado direito. “A minha mão não mais mexeu e a perna mostrou sinais de vitalidade mas de acordo com a extensão do dano. O membro inferior superou o possível e permitiu-me, em certa ocasião, deixar a cadeira de rodas, depois a bengala, apetrechos que muito ajudaram a ultrapassar uma condição considerada deprimente”. Teve alta em 11 de Agosto de 2006, saiu do hospital em cadeira de rodas. Começou o processo da recuperação. Logo a fala, não conseguia emitir sons percetíveis, começou um trabalho insano. Fazia frequentemente análises clínicas. Vivia inquieto: que será feito de mim, qual o meu futuro, será que voltarei a conviver com os meus amigos, como será a minha reintegração no processo familiar, será que vou sair da cadeira de rodas?

E disserta sobre o AVC e depois a fisioterapia, o uso do standing frame, um aparelho que proporciona uma alternativa posicional a quem está sentado numa cadeira de rodas, aprendeu tarefas conducentes a uma maior autonomia, a fazer a sua higiene, a respeitar escrupulosamente os alertas. Passou a olhar para o mundo de modo diferente, aprendeu com as limitações físicas e a reconhecer como é bom saudar a vida com prazer. E faz novo apelo: “Lembro, para ajudar alguém que é portador de um acidente vascular cerebral, tem primeiramente que recolher informações concisas sobre a forma de como lidar com o prejuízo que nos subjuga”. Adaptar é a palavra de ordem, toda a casa, a adesão à fisioterapia, o ganhar paulatinamente, deixando a cadeira de rodas, contando com a bengala, ganhando lutas com as pedras da calçada, a dominar a ansiedade, e assim se chega ao que é hoje: “Tomo banho, desfaço a barba, visto-me e calço-me, abotoo os botões, faço máquinas de roupa, estendo-a e apanho-a, passo-a a ferro, tomo o meu café, almoço a janto, trabalho no meu computador, passeio, convivo com os amigos. Ajudas, só em caso de extrema necessidade. Abdico da faca pela inércia da mão direita. Em casos pontuais solicito auxílio".

Superou o desapontamento quando um médico lhe disse que não podia voltar a conduzir, lutou e obteve um atestado médico, abriu nova porta de liberdade. Conta histórias dos altos e baixos, caso das injeções de botox, havia promessas de melhorar os músculos afetados, José Saúde entendeu desistir do medicamento e escolheu ser internado no Centro de Medicina e Reabilitação do Sul, em S. Brás de Alportel, sentiu-se compensado.

Com o tempo, voltou à praia, apreciou sentir a aranha macia, retomou a vida social, retomou o gosto da escrita, em 2013 publicou um livro sobre as suas memórias da Guiné-Bissau, chamou à atenção para os “filhos do vento”, aqueles frutos de amores espúrios entre militares e mulheres guineenses. Sente hoje muito mais força anímica contratando pessoas. Continua vigilante: “Dissecando a doença que atormenta, e não entrando exclusivamente por saberes dos técnicos de saúde, o meu problema, embora estável, não é seguro. Assumo essa inevitável certeza”.

Também para ajudar os outros acidentados pelo AVC, recorda o papel da mente na recuperação, a descoberta das imensas capacidades que mantemos ocultas, como, pela inversa, não devemos ignorar as taxas de insucesso, um terço das pessoas que sofreram um AVC ficaram incapacitadas. Apelando a que ninguém desanime, lança-lhe uma consigna: “Tropece e erga-se de imediato”.

Para os leigos, explica que há dois tipos de AVC, o isquémico e o hemorrágico, quais os tratamentos e a recuperação, bem como as sequelas. Depois do AVC, muitas coisas mudam na vida e os cuidados para a alimentação ganham prioridade. Testemunhando na primeira pessoa explica como supera os engasgos, as vantagens da natação, a recuperação da afazia. Leva mais de dez anos depois do AVC, conseguiu a autodeterminação, integrou-se na vida familiar, com maior pujança, alinha, a título de aviso que há comportamentos que têm que mudar. O médico fisiatra de José Saúde compraz-se com a alegria de viver que ele transmite, a alegria como sistema de vida, como esquema tático, bola para a frente e fé em Deus, prognósticos só no fim do jogo e esse ainda vem longe.

Um muito bonito testemunho de quem saiu vitorioso do mundo dos silêncios.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17861: Notas de leitura (1004): “Casa dos Estudantes do Império, Subsídios para a História do seu período mais decisivo (1953 a 1961)”, por Hélder Martins; Editorial Caminho, 2017 (Mário Beja Santos)

domingo, 15 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17864: O nosso livro de visitas (194): António Fernando Rouqueiro Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)....Será possível saber do paradeiro da menina Helga dos Reis que eu e o cabo enfermeiro do meu pelotão ajudámos a vir ao mundo, em 6 de janeiro de 1971, na tabanca de Ponta Consolação (Nhinte) ? A estar viva, terá hoje 46 anos

1. Mensagem do nosso leitor e camarada António Ramalho:

Data: 15 de outubro de 2017 às 11:00

Assunto: Guiné 1969/1971

Caro camarada Luís Graça.

Na apresentação do livro  "As Mulheres e a Guerra Colonial", de Sofia Branco,  foi-me sugerido a consulta do seu blogue que apreciei, e onde está o seu endereço,  além de outros contactos.

Por sugestão da autora e sobre um tema que lhe apresentei, sugeriu-me que o contactasse.

Fiz parte da CCAV 2639 (independente de qualquer Batalhão, sob o comando do Com-Chefe) desde outubro de 1969 até setembro de 1971, na zona de Bula, Binar, Bissorã (Bissum), substituída pela 2748 (?),  comandada por Salgueiro Maia.  [O cap cav Salgueiro Maia foi comandante da CCAV 3420, Bula, 1971/73 (LG)]

Já fui convidado para lá voltar, o que recusei pois não quero presenciar a destruição de tudo aquilo que fizemos em prol das populações, nossos compatriotas na altura.

Além da parte operacional, fizemos o reordenamento das tabancas de Capunga, Pete e Ponta Consolação (Nhinte).

Nesta última assisti ao parto,  acompanhado pelo cabo enfermeiro do meu Pelotão.  no dia 6 de
janeiro de 1971, de uma menina que logo a baptizamos como Helga dos Reis.

A tabanca era chefiada por um cidadão chamado Eusébio. Esta menina terá hoje 46 anos, será possível saber do seu paradeiro, estará em Portugal?

Apresento-lhe os meus mais respeitosos cumprimentos.

António Fernando Rouqueiro Ramalho

2. Mensagem posterior do António Ramalho:

Nasci a 3 de Janeiro de 1948, em Vila Fernando, Elvas, mas não sou médico, se tem havido tempo teria sido agrónomo ou veterinário!  ( "O Mirante", semanário regional de Santarém, há anos que mantém esta "gralha" por inúmeras vezes tentei corrigi-la mas pelos vistos ainda se mantéa: não confundir a minha pessoa com um tal António Fernando Rouqueiro Ramalho, de 69 anos, também feitos em 3 de janeiro de 2017, médico, ex-diretor do Centro de Saúde de Azambuja).

Estive nas Contribuições e Impostos de passagem, era muito trabalho para pouco salário! Toda a minha vida estive ligado à indústria agro-alimentar, já na Guiné comíamos frangos com a "minha patente"!... Era a empresa guineense A.M. Correia de Paiva que os importava, lembram-se?

Estive na Guiné como Furriel Miliciano, distinto atirador de Cavalaria,com fraca pontaria!
Obrigado por me ter corrigido o nº da CCAV. do Salgueiro Maio, que foi meu instrutor em Santarém e quis o destino que nos fosse substituir à Guiné.

Envio então a foto que corresponde ao meu nome, muito mais bonita que a anterior!...
Um forte abraço para todos os que consultam o Blogue.

Se o tempo o permitir conto estar na Casa do Alentejo no próximo dia 21/10 [, na apresentação do livro do José Saúde].

3. Nota do editor:

Caro António Ramalho, vejo que és da terra do Mário Fitas. um dos membros séniores ds Tabanca Grande,

Por outro lado, constato que fomos contemporâneos na Guiné, com uma diferença de cinco meses... Eu cheguei à Guiné em finais de maio de 1969, integradao na CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12. E regressei a casa em março de 1971.

A Sofia Branco é nossa amiga, e contou com o apoio do nosso blogue  na elaboração do seu livro "As mulheres e a guerra colonial" (Lisboa, A Esfera do Livro, 2015).

Sobre a CCAV 2639 tínhamos até agora 13 referências e dois representantes na nossa Tabanca Grande, o Victor Garcia, ex-1º Cabo Atirador, e o Mário [Jorge Figueiredo] Lourenço, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista. [Esta companhia esteve adida ao BCAV 2868, Bula, 1969/70].

Seria interessante tu,  António Ramalho, pudesses (e quisesses) juntar-se a nós: somos, desde 2004,  uma Tabanca Grande, já com 755 amigos e camaradas da Guiné... A nossa única missão é partilhar memórias (e afetos) daquele tempo em que lá estivemos fazendo a guerra e... a paz.

Espero poder conhecer-te ao vivo, no próximo sábado, na Casa do Alentejo

______________

Nota do editor:

Último poste da série >  1 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17717: O nosso livro de visitas (193): Daniel dos Santos, nascido na Praia, Cabo Verde, autor de "Amílcar Cabral: um outro olhar" (Lisboa, Chiado Editora, 2014, 604 pp.)

Guiné 61/74 - P17863: Blogpoesia (533): "São verdes e negras..."; "Mais um pouco..." e "Língua materna", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


São verdes e negras…

São verdes as folhas que brotam da seiva da terra.
As capas e mantas que cobrem as serras e vales.
Os fundos imensos na obscuridade dos mares, coberta de limos e algas.
São negros os fumos das fábricas que devoram os ares.
A metralha mortífera que jorra dos castelos da força.
Os ditames tiranos das leis do dinheiro que manietam as almas e aprisionam os sonhos.
Secaram as fontes que jorravam amor do ventre da terra.
Soam gemidos e gritos pelos quadrantes do mundo, clamando justiça e paz.
Desfeita de dor, agoniza a esperança, aquele sopro divino aceso na alma dos povos.

Ouvindo Sibellius
Berlim, 13 de Outubro de 2017
6h3m
Jlmg

************

Mais um pouco...

Não me sai da cabeça este tema.
Não sei se já o li nem onde, nem de quem.
Vou segui-lo e ver onde me leva.
Pelo meu pé.
Mais um pouco e serei astro.
Sem ser estrela.
Diadema dum rei ou dum herói.
Serei mar ou só um rio.
Já fui pobre. Agora rico.
Vivi na sombra. Um deserdado.
Sempre acesa a minha chama.
Bem desperto. Muito atento.
Guardando o belo e o bom.
Na hora certa, a porta abriu.
A luz entrou.
Que mar azul.
Seara verde.
Jardim em flor.
Árvores com fruto.
Quase a cair.
Foi só colher.
Enchi os cestos.
Chamei amigos.
Ofereci ao mundo.
Nada sobrou.
Sejam doces e façam bem.
Mais um pouco e será tudo...

ouvindo Dulce Pontes
Berlim, 15 de Outubro de 2017
9h9m
Jlmg

************

Língua materna

Tinha tremas e acentos breves o falar doce que meus pais me deram.
Eram quentes as suas sílabas.
E as palavras que me diziam calaram tão fundo, nunca mais esqueci.
Brilhante a luz para um mundo lindo.
Há tanto ano,
Tinham calor,
Ainda hoje brilham.
Que suave o timbre da voz que tinham.
Tão bem diziam.
A melhor escola que me deu a vida.
Tudo aprendi.
Tudo me deu.
Nunca mais a esqueço.
Sou como sou.
Dela nasci.

Berlim, 9 de Outubro de 2017
8h5m
Jlmg
____________

Nota do editor

Último poste da série de 8 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17836: Blogpoesia (532): "Oração ao mar..."; "Levitação das pedras" e "Através das frestas...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17862: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (52): Das pequenas recordações dos vários quartéis a mais artística que ficou lá a "apodrecer", foi o memorial na ponte de Caium


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Ponte Caium > Abril de 2010 > Dois monumentos de homenagem aos bravos de Caium, constituídos por: (i) Memorial aos mortos da CCAÇ 3546 (1972/74): "Honra e Glória: Fur Mil Cardoso, 1º Cabo Torrão, Sold Gonçalves, Fernandes, Santos, Sold Ap Can [Apontador de Canhão s/r ]Silva. 3º Gr Comb, Fantasmas do Leste. Guiné- 72/74"; (ii) Pequeno oratório com a legenda "Nem só de pão vive o homem. Guiné, 1972-1974". A foto é do Eduardo Campos que por lá passou em Abril de 2010.

Na altura (em novembro de 2010), escrevemos  o seguinte:

 "É espantoso como, 37 anos depois, o memorial p.d. esteja ainda quase intacto (falta-lhe a cruz que o encimava) e em razoável estado de conservação... Noutros sítios, estes monumentos deixados pelas tropa portuguesa foram vandalizados ou pura e simplesmente destruídos. Hoje, pelo contrário, há uma tentativa para os recuperar. Estamos no nordeste, em pleno chão fula, próximo da fronteira com a Guiné-Conacri, a meio caminho entre Piche e Buruntuma".

Foto: © Eduardo Campos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Comentário de Antº Rosinha (*), a propósito do memorial aos mortos da CART 1525 (Bissorá, 1966/67), entretanto "canibalizado" em data recente (enter 2011 e 2017):

[António Rosinha, foto à esquerda, Angola, 1961

(i) beirão, tem acaba mais de 100 referência no nosso blogue, 

(ii) é um dos nossos 'mais velhos' e continua ativo, com maior ou menor regularidade, a participar no nosso blogue, como autor e comentador;

(iii) andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado;

(iv) fez o serviço militar em Angola, foi fur mil, em 1961/62;

(v) diz que foi 'colon' até 1974 e continua a considerar-se um impenitente 'reacionário';;

(vi) 'retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência';

(vii) o seu patrão, o dono da TECNIL, era o velho africanista Ramiro Sobral;

(viii) é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho'';

(ix) pelo seu bom senso, sensibilidade, perspicácia, cultura e memória africanistas, é merecedor do apreço e elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, fazendo gala de ser 'politicamente incorreto' e de 0chamar os bois pelos cornos';

(x) Ao Antº Rosinha poderá aplicar-se o provérbio africano, há tempos aqui citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado em baixo da árvore a fumar o seu cachimbo". ] (**)


Tenho que emitir a opinião daquilo que vi e senti e pressenti sobre o assunto.

Ou seja, porque ficou mais ou menos tudo intocado e abandonado, ou aproveitado para qualquer utilidade das poucas coisas que restaram da presença das tropas que foram da metrópole para as ex-colónias?

Não sei se sabem que todos os quarteis de Bissau foram aproveitados na integra, e com os mesmos nomes:Artilharia, Força Aérea, Engenharia, etc,

Em Gabu, Catió, Cufar e noutros lugares ou para quarteis ou para armazens ou para moranças, fez-s algum aproveitamento, deixando tudo intocado até o pau da bandeira foi aproveitado.

Apenas as estátuas foram derrubadas, e porque foi Luís Cabral a ordenar, caso contrário ainda hoje estariam lá com capim à volta e criar musgo e verdete.

Para mim, reacionário, quase tanto como muitos velhos régulos que foram fuzilados, a apatia e o negativismo e a decepção que aquela "vitória" do PAIGC trouxe à Guiné foi tão grande, que toda a gente ficou anos e anos de braços caídos sem energia para fazer qualquer coisa daquelas lembranças coloniais, ou ao menos faze-las desaparecer de vez.

Até porque para fazer qualquer coisa monumental ou não, era preciso "patacon" e para isso os suecos, os soviéticos e cubanos, ou mesmo alguns kamaradas lusos, para essas coisas não havia peditório.

A muito custo lá foram as estátuas para o forte de Cacheu, talvez alguem da velha metrópole terá aguentado os custos.

Em Luanda porque havia dinheiro, foi destruir e fazer à maneira do MPLA, não à vontade dos angolanos ou de outros partidos.

Das pequenas recordações dos vários quarteis a mais artística que ficou lá a "apodrecer", foi o memorial na ponte de Caium, que já mis que uma vez apareceu em foto neste blog. (***=
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 12 de outubro de 2017 >  Guiné 61/74 - P17856: (De) Caras (98): os três antigos bravos comandantes de pelotão da Companhia de Milícias nº 17, de apelido Camará, o Quebá, o Sitafá e o Bacai, recordados no memorial aos mortos da CART 1525, Bissorã, 1966/67 (Rogério Freire / Adrião Mateus)

(**) Último poste da série > 17 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17056: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (51): Pelo mundo, ninguém aprecia os nossos Generais, só os nossos Santos... (A propósito do bisavô materno do escritor e nosso camarada Antónioo Lobo Antunes, o gen José Joaquim Machado, 1847-1925)

(***) Vd. poste de  1 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7203: Memória dos lugares (108): A Ponte Caium e o monumento, construído por nós, e dedicado aos nossos mortos: Cardoso, Torrão, Gonçalves, Fernandes, Santos, Silva (Carlos Alexandre, radiotelefonista, natural de Peniche, 3º Gr Comb, CCAÇ 3546, 1972/74)

Vd. também  postes de:

3 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 – P9438: Memória dos lugares (173): Ponte Caium e o seu monumento, em ruínas (Pepito / Magalhães Ribeiro)

sábado, 14 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17861: Notas de leitura (1004): “Casa dos Estudantes do Império, Subsídios para a História do seu período mais decisivo (1953 a 1961)”, por Hélder Martins; Editorial Caminho, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,

Hélder Martins, fundador da FRELIMO, foi um estudante ultramarino que chegou a Lisboa em 1953 e a partir dessa data e até 1961 teve um papel ativíssimo na Casa dos Estudantes do Império (CEI).

Em seu entendimento, muito do que está escrito sobre a CEI mostra imprecisões e muito pouco rigor, em certos casos. Levou por diante, com vários apoios, ao levantamento da legislação, ouviu inúmeros participantes, recorreu a ajudas que passaram pela pesquisa dos boletins do Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa, e algo mais. O resultado é um testemunho resoluto, amável e desmistificador, porque numa associação de jovens há de tudo e tratar a CEI como uma casa de heróis é desumanizar-nos, protesta ele.

Obra indispensável para quem pretenda saber como é que a CEI foi uma grande escola do nacionalismo africano e serviu para consolidar a consciência anticolonial em muitos estudantes ultramarinos.

Um abraço do
Mário


A Casa dos Estudantes do Império

Beja Santos

De forma irregular mas persistente, estudantes ultramarinos, investigadores e jornalistas, recordam a importância e o significado que teve a Casa dos Estudantes do Império (CEI) na formação anticolonial e na forja das lutas de libertação, pois por aquele edifício passaram figuras como Amílcar Cabral, Vasco Cabral, Agostinho Neto, Lúcio Lara, Hélder Martins, Tomás Medeiros e Alda Espírito Santo.

Acaba de aparecer o testemunho de uma das figuras mais relevantes desse período Hélder Martins com “Casa dos Estudantes do Império, Subsídios para a História do seu período mais decisivo (1953 a 1961)”, Editorial Caminho, 2017.

Hélder Martins nasceu em Maputo, formou-se em Medicina em Lisboa em 1961. Foi um ativista estudantil na Comissão Pró-Associação da Faculdade de Medicina e na Casa dos Estudantes do Império. Incorporado no serviço militar obrigatório, na Marinha, desertou em Novembro de 1961, tendo ido para Tanganica, onde foi aceite na UDENAMO. Foi fundador da FRELIMO e participou na luta de libertação do seu país. No imediato pós-independência foi Ministro da Saúde durante cinco anos. Foi também funcionário sénior da OMS, docente em saúde pública em vários países.

Segundo o título, o seu testemunho centra-se no período que ele viveu intensamente e teve uma participação ativa. Observa que, salvo honrosas exceções, a grande maioria dos testemunhos e trabalhos de investigação histórica e jornalística que existem sobre a CEI, têm pouca informação factual e nem sempre as referências às fontes são rigorosas, têm sido detetadas grandes falhas. Escreve que o seu testemunho procurou incorporar o máximo de informação sobre esse período da vida da CEI, cingindo-se a factos e pondo de lado a fantasia e alguma carga mitológica sobre a convivência havida ao longo dos anos pelos estudantes das colónias.

Em primeiro lugar, refere que há claramente duas fases da vida estudantil colonial, a primeira que se estende dos anos 1940 até aos anos 1950 em que a maioria dos estudantes eram brancos, de um modo geral ligados ao Estado Novo, portanto alinhados com a ideologia política dominante. Basta ver as fotografias desde 1943 em diante. Dizia-se mesmo num boletim da Mocidade Portuguesa que a CEI era filha da Mocidade Portuguesa.

Ainda nos anos de 1940, e depois com maior preponderância nos anos 1950, começam a chegar estudantes negros e mulatos de Angola, S. Tomé, Cabo Verde e Guiné, tudo tinha a ver com o desenvolvimento económico angolano, com bolsas de estudo, etc. Naquele pós-guerra foi-se criando a consciência nacionalista, a PIDE desde 1946 que estava atenta às atividades políticas dos sócios da CEI, havia informações sobre Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade, Lúcio Lara, Alda Lara, Vasco Cabral, Alda e Julieta Espírito Santo, Francisco José Tenreiro, Hugo Azancot de Menezes, Marcelino dos Santos, entre outros.

Eduardo Mondlane teve uma curta passagem pela CEI, de Junho de 1950 a Junho de 1951, estava à espera de uma bolsa de estudo para os Estados Unidos, o que aliás veio a acontecer. Nos anos 1950, há prisões como a de Vasco Cabral, Lúcio Lara, Mário Pinto de Andrade e Marcelino dos Santos conseguem escapar à prisão, irão abandonar Portugal para o exílio. Neste período entra em funcionamento um Centro de Estudos Africanos, ali se reuniam num prédio da Rua Actor Vale Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto, Francisco José Tenreiro e Amílcar Cabral.

Quem chegava, encontrava o bálsamo do acolhimento e os que gostavam de fazer desporto eram incentivados a continuar. Mário Wilson e Juca foram duas importantes figuras de acolhimento. Formou-se a equipa de futebol de CEI onde jogaram, entre outros, Fernando Vaz, Marcelino dos Santos e Amílcar Cabral.

Uma das maiores lutas entre os estudantes e as entidades governamentais era a permanente exigência para que não houvesse comissões administrativas. Os estudantes ultramarinos juntaram-se aos metropolitanos na luta contra o Decreto-Lei n.º 40.900, de 12 de Dezembro de 1956, destinado a regulamentar o associativismo juvenil, o governo recuou, a CEI passou a ter uma comissão de estudantes, elegeu-se uma direção e a CEI foi reconhecida para a proteção e defesa dos interesses ultramarinos e para o estreitamento dos laços de solidariedade e camaradagem entre os estudantes ultramarinos e metropolitanos, Em ondas, chegam estudantes às revoadas, convivem na cantina da CEI, fazem reuniões, dispõem de uma farta biblioteca, publicam livros.

Hélder Martins é minucioso na composição dos corpos diretivos, no trabalho desenvolvido, na vida cultural que abarcava conferência sobre música e arte, espetáculos de teatro, saía regularmente um boletim, a vida participativa era enorme. A qualidade dos conferencistas era de primeira água: João de Freitas Branco, José-Augusto França, Jorge de Sena, Keil do Amaral, José Palla Carmo, Alexandre O’Neill.

Procura desfazer mitos: nunca se registara qualquer luta pelo poder dentro da CEI, soubera-se operar um espírito de solidariedade inquebrantável; e que era um puro mito dizer-se que a CEI era sinónimo de uma geração de heróis. Descreve taxativamente: “Houve de tudo: bons e maus estudantes, uns que tiraram os seus canudos no tempo mínimo e com boas notas, outros que conseguiram atingir o almejado canudo com notas menos boas e num tempo mais dilatado e ainda os que nunca tiraram curso nenhum. Não fomos diferentes dos outros. Na CEI houve sócios dedicados mas houve também sócios que participavam pouco. Há provas que havia muitos estudantes que tinham fraca participação. Isto faz parte da natureza humana”.

O que o autor mais exalta foi a CEI como centro de convívio salutar.

Em 1961, tudo vai mudar substancialmente, fogem às dezenas os estudantes e com o início da luta armada em Angola apertou-se mais a vigilância à CEI. Outro ponto que o autor destaca é a CEI como escola de nacionalismo africano e de consciência anticolonial bem como a influência que exerceram nas lutas de libertação nacional da diversas ex-colónias.

É uma obra que toca pela serenidade, pelo extremo cuidado na citação dos factos e na busca da legislação certa. Não sendo um mito da geração de heróis, o facto é que pela CEI passaram figuras determinantes de nacionalistas africanos e aquele espaço foi indispensável para consolidar a consciência anticolonial entre muitos daqueles estudantes ultramarinos.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 13 de Outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17858: Notas de leitura (1003): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17860: Ser solidário 206): "Uma escola em Timor" - Parte II: fotos do edifício, em construção, em Manati-Boibau, Liquiçá, Timor Leste... (Rui Chamusco, tabanca de Porto Dinheiro)

 



Timor > Montanhas de Liquiça > Escola de Boibau (em construção)


Foto (e legenda): © Rui Chamusco  (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça / Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo Rui Chamusco,  professor, amigo da Tabanca de Porto Dinheiro, Lourinhã, natuaral de Malpaca, Sabugal:


Data: 12 de outubro de 2017 às 22:25

Assunto: escola de Boibau

Projeto de Solidariedade em Timor Lorosa'e (*)

Acabadas de chegar, partilho com os amigos as últimas fotografias da construção da escola em Boebao ou Boibau ( montanhas de Liquiçá). 

Pouco a pouco a obra vai-se erguendo, com a ajuda de todos. Deus está connosco, e por isso a escola vai ser uma realidade. Continuamos a contar convosco. (**)

Rui Chamusco

2. Nota do editor:

Mais uma vez, aqui fica o IBAN da conta aberta na CGD - Caixa Geral de Depósitos, da agência do Sabugal, com destino à angariação de fundos para o Projeto de Solidariedade "Uma Escola em Timor Lorosa'e" e apadrinhamento de crianças em bairros pobres de Dili.

Como já foi explicado, esta conta está em nome RUI MANUEL FERNANDES CHAMUSCO, exclusivamente para este efeito. Portanto qualquer depositante de qualquer quantia deve mencionar o destino: escola ou apadrinhamento da criança [nomes do padrinho/madrinha e do afilhado(a)].

IBAN:PT50003507020002631576122

Outro dos entusiásticos apoiantes deste projeto é o nosso amigo e camarada João Crisóstomo, da diáspora lusitana nos EUA. É igualmente membro da Tabanca de Porto Dinheiro, Ribamar, Lourinhã
________


(**) Último poste da série > 10 outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17845: Ser solidário (205): Manifesto o meu apoio, apreço e afeto ao padre Joaquim Luís Batalha, dirigente da Fundação João XXIII - Casa do Oeste, com sede em Ribamar, Lourinhã... Desde 1990, que a Casa do Oeste tem uma ação cristã e humanitária, meritória e exemplar, na Guiné-Bissau (Luís Graça)

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17859: Agenda cultural (591): Casa do Alentejo, Lisboa, sábado, 21 de outubro, às 15h30: apresentação, pelo nosso editor Luís Graça, do livro do Zé Saúde, "AVC - Recuperação do Guerreiro da Liberdade". Atuação de: (i) Grupo Musical Os Alentejanos, de Serpa; e (ii) Grupo Coral Cantadores do Desassossego, de Beja.




Cartaz promocional do evento. Vd, aqui referências ao nosso camarada José Saúde, autor do livro "AVC- Recuperação do Guerreiro da Liberdade" (Lisboa, Chiado Editora, 2017).

Sobre a Casa do Alentejo, no Palácio Alverca, Rua Portas de Santo Antão, 58, Lisboa, ver aqui página no Facebook e sítio na Net

"HISTÓRIA  > A Casa do Alentejo representa e promove a Região Alentejo em Lisboa, apoiando, incentivando e dinamizando a cultura alentejana e lutando também pelo crescimento e sustentabilidade da região, estando sempre presente construtivamente em todas as discussões que digam respeito à mesma."

Sessão musical com os nossos já conhecidos Os Alentejanos, de Serpa e ainda o grupo coral Cantadores do Desassossego, de Beja. Gente fantástica, talentosa e solidária!... Entrada livre.
___________

Guiné 61/74 - P17858: Notas de leitura (1003): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (4) (Mário Beja Santos)


Hospital de Bolama já em ruínas, 
Fotografia retirado do Nô Pintcha, com a devida vénia


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,

O teor destas informações levam vitríolo e marreta, é um descasca pessegueiro do governador à administração de circunscrição. As lutas truculentas entre frações republicanas faziam-se sentir na colónia, de acordo com este documento estava manifestamente paralisada. 

Começava também um despique entre as agências de Bolama e Bissau, esta última via crescer o volume de negócios, ao Porto afluíam cada vez mais navios, por aqui se fazia o comércio, cada vez mais reduzido em Bolama. 

É nisto que o gerente de Bolama se sente inspirado para propor um planeamento estratégico que metia caminhos de ferro em articulação com a África Ocidental francesa. Era moda na época, esta paixão pelos transportes e comunicações, a Escola Superior Colonial dedicará ao assunto a maior atenção na sua revista de 1922, como já aqui se escreveu. Mas o definhamento de Bolama, a despeito de alguns balões de oxigénio, como o tráfego aéreo, será inexorável.

Um abraço do
Mário




Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (4)

Beja Santos

A I Guerra Mundial deixara marcas profundas na vida guineense. No relatório de Bolama referente aos dois últimos anos da guerra, escrevia o gerente do BNU:

“A carestia de vida é espantosa; a alimentação custa o quíntuplo dos tempos normais e é escassa para os europeus; o vestuário na mesma proporção; o pessoal indígena faz-se pagar muito mais caro. A vida em Bolama está, em todos os sentidos, muito difícil”.

E o relato retoma a dura apreciação crítica, não poupa o descalabro administrativo:

“A justiça é toda interina: magistrados e funcionários; o juiz substituto em exercício é um capitão reformado mau pagador, jogador e de uma moral muito duvidosa, Theotonio Maria da Nóbrega Pinto Pizarro; o conservador do registo predial também é um curioso. Havendo faltas graves praticadas nos serviços judiciais, o governo na metrópole nomeou um juiz para proceder a uma inspeção extraordinária a todos os serviços judiciais da província e propor as providências que julgar convenientes a fim de que seja aqui melhorada a administração da justiça. A maior parte dos funcionários públicos, tais como o diretor da fazenda, o diretor dos correios, subdiretor da fazenda, alguns administradores de circunscrição, etc, estão desligados do exercício dos seus cargos, correm sindicâncias aos seus atos”.

Em 25 de Janeiro de 1918, Bolama informa Lisboa:

“Os indígenas de Canhambaque renderam-se pela fome. Vieram os régulos a Bolama prestar vassalagem, parecendo estar terminada esta guerra”. Alguém, na administração em Lisboa, escreve a lápis: muito folgamos com a notícia.



As informações sobre a colónia, constantes do relatório de 1918 e 1919 atingem o nível de franqueza inaudito, é percetível de que em Lisboa se pretende aclarar a situação da divisões nos partidos republicanos, extrair o máximo de informações. O gerente de Bolama é fustigador:  

“Nesta parte do relatório cumpre-me dar informações sobre a colónia. Elas estão dadas pelos meus antecessores e só há que ampliá-las ligeiramente e atualizá-las. Os erros apontados por eles e a mesma incompetência governativa persistem. Sucedem-se os governadores e o que se vê feito é nada para o que havia a fazer; a administração não melhora; a imoralidade campeia indecorosamente. Os prometimentos do governo da metrópole de entregar à administração da colónia a coloniais experimentados não passam de vãs promessas; mais alto do que essa necessidade, levantam-se os heróis das revoluções, das sedições e os amigos políticos. Poderão nada conhecer da colónia, não importa, isso não obsta a que surjam como governadores, que venham cheios de projetos inexequíveis e que cada dia mais provas deem da sua inabilidade administrativa.

No exercício a que se refere este relatório, três governadores administram uma colónia; o primeiro, homem gasto, miserável, um cretino que nada fez; o segundo, interino sendo capaz talvez de fazer qualquer coisa, não o fez, porque ocupando o lugar por algumas dezenas de dias, até a chegada do efetivo, assim entendeu que devia proceder; o terceiro, muito novo, desconhecendo todas as nossas colónias, nada sabendo das estrangeiras, ignorando a legislação colonial, fraco de espírito, irresoluto, sem ponderação, sem um plano de governo definido, mudando de opinião quantas vezes lhe indicarem, nada tem feito a não ser aumentar excessivamente as despesas com o funcionalismo (…) Quando não se põe contar com a persistência de opinião do primeiro mandante da colónia, o que dizer dos seus julgados, com quem tem de lidar todo aquele que precise para as suas explorações ou para o seu comércio? Há exceções, mas são raras e essas desaparecem, pois ou são afastadas ou afastam-se voluntariamente, para dar lugar à incompetência.

A Carta Orgânica, panaceia apregoada pelos coloniais da metrópole para todos os males da Guiné, primeiro posta em execução, depois suspensa, depois e agora em vigor, mas já alterada e em vias de sofrer ainda mais projetadas alterações, nada veio melhorar as condições da província; a repetida descentralização passa desapercebida, e talvez seja um bem a sua não-existência. O principal corpo consultivo e deliberativo da colónia, o Conselho do Governo não está à altura da sua missão, os seus membros na quase totalidade são os primeiros a dizer que nada se importam com “aquilo”, que não devia existir; outros que não estão para se incomodarem e que votam tudo, e ainda outros têm em sessão uma opinião e fora dela outra! Esse corpo não devia existir numa colónia atrasada como esta e para onde, com raras exceções, vem parar o refugo do funcionalismo; só serve e servirá para entravar a ação do governador quando ele seja um verdadeiro governador e para sancionar a incompetência ou encobrir a responsabilidade de quem não tenha envergadura para o ser.
Foi feita uma nova divisão administrativa da colónia. Criaram-se novas circunscrições com os correspondentes administradores, secretários e chefes de posto. O pessoal novo para preenchimento de tantos lugares foi recrutado sem escrúpulo algum. É certo também que a maior parte do ano passou em descanso em Bolama e Bissau com todos os vencimentos. Chegada a ocasião do arrolamento e cobrança do imposto de palhota, tudo foi para os seus lugares a fim de terem direito às grossas gratificações sobre a cobrança.

Devendo este pessoal administrativo ser escrupulosamente escolhido dado o seu constante contacto com o gentio, que tem de ser civilizado, e sendo de absoluta necessidade a sua larga permanência nos seus lugares para se inteirarem dos usos e costumes gentílicos, para dirigirem a construção de estrada e a execução de outros melhoramentos, em cada circunscrição, fácil será avaliar o que seja o progresso dessas circunscrições quando o pessoal andou de passeio os meses que não foram da cobrança do imposto. É por isso que as estradas continuam por fazer, os rios e canais se vão obstruindo com os restos de arvoredo e que com pequenas exceções nada se faz de útil pelo interior da província”.

Dá informações de caráter económico, nomeadamente sobre a mancarra e o coconote, e esclarece que não há indústrias, menciona uma exceção, a da Companhia Agrícola e Fabril que uma fábrica de óleos em Bubaque mas cujos resultados têm sido nulos.

Já despontou a rivalidade entre as agências de Bolama e Bissau, é o momento propício para o gerente de Bolama querer mostrar a Lisboa que o futuro está em Bolama e daqui para o interior da província. É um documento espantoso que iremos seguidamente apreciar.

(Continua)
____________

Notas do editor CV:

Poste anterior de 6 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17828: Notas de leitura (1001): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17838: Notas de leitura (1002): “A Última Viúva de África”, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2017 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17857: Parabéns a você (1328): Mário Ferreira de Oliveira, ex-1.º Cabo Condutor de Máquinas Reformado, Marinha (Guiné, 1961/63)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 12 de Outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17854: Parabéns a você (1327): Cátia Félix, Amiga Grã-Tabanqueira

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17856: (De) Caras (96): os três antigos bravos comandantes de pelotão da Companhia de Milícias nº 17, de apelido Camará, o Quebá, o Sitafá e o Bacai, recordados no memorial aos mortos da CART 1525, Bissorã, 1966/67 (Rogério Freire / Adrião Mateus)


Foto nº 1 B


Foto nº 1 A



Foto nº 1 

Guiné > Região do Óio > Bissorã > CART 1525 > Galeria de Fotos >   "Os três Comandantes dos Pelotões de Milícia de Bissorã: Bacai Camará,  alferes de 2ª Linha Quebá Camará e Sitafá Camará  [, junto a armamento capturado ao inimigo em 3 de fevereiro de 1967 em Conjogude]


Foto (e legenda) : © Adrião Mateus  (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].(Cortesia do sítio da CART 1525 > Galeria de Fotos, de que é administrador o nosso grã-tabanqueiro Rogério Freire)



1. Comentário do nosso camarada Rogério Freire (ex-alf mil, MA, CART 1525, "Os Falcõe", Bissorã, 1966/67) ao poste P17853 (*):

(...) O Quebá e o Citafá Camará eram comandantes de pelotão da milícia. Eram irmãos e ambos foram promovidos a alferes [de 2ª linha] durante a nossa Comissão. O Quebá veio com um prémio a Portugal.

O Quebá foi ferido com gravidade em combate por duas vezes durante a nossa comissão: a primeira em 5 de dezembro de 1966 na Operação Bissilão, ao Biambi; e e na segunda vez em 9 de junho de 1967 na Operação Bizarma, ao Tiligi.

Foram dois heróis a quem entregávamos as nossas vidas quando íamos para o mato ...e foram muitos milhares de portugueses que, ao longo do tempo em que eles estiveram ao serviço das NT, a eles se entregavam durante a noite pelas bolanhas fora a caminho do objetivo.

Triste ... Triste mesmo é que eu li no Diário de Notícias uns meses depois da saída das NT da Guiné (1974 ou 1975) que, tanto o Quebá como o Citafá, tinham sido fuzilados pelo PAIGC ... abandonados à sua sorte pela forma infeliz com que a descolonização foi efectuada.

Caro amigo ... sugiro uma visita ao nosso Historial (não sei se haverá outros documentos tão completos disponíveis na Internet) publicado no nosso site em www.cart1525.com. Lá encontrarás muita informação. Páginas 109/110 nº 4 - Valorização das Forças Nativas.

Quanto ao [José] Ramos ...

Pág. 35/36 do Historial: 7. Operação FURÃO II, QUERÉ, 21MAI66

RESULTADOS 
Memorial da CART 1525,
em Bissorã (*)

- Foram feitos 10 mortos confirmados ao IN, entre os quais se conta um natural de São Tomé, José Ramos, responsável pela base de BANCOLENE, o qual foi trazido para Bissorã. (...) (**)

2. Informação adicional que encontramos na legenda da foto nº 0015, do Adrião Mateus (ex-fur mil mec auto), publicada em CART 1525 > Galeria de Fotos:


(...) "Os 3 Comandantes dos Pelotões de Milícia de Bissorã: Bacai Camará,  alferes de 2ª Linha Quebá Camará e Sitafá Camará.

"Os dois últimos foram premiados com o prémio 'Governador da Guiné' por terem prestado serviços de extraordinária valia às nossas tropas, com exceptional valor e coragem com brilhantes actuações em combate, reveladores da sua alta determinação e patriotismo. Foram condecorados e vieram a Portugal em inícios de 1968 conhecer a capital da que consideravam a sua Pátria.

"Depois do 25 de Abril estes valorosos militares portugueses que consideravam Portugal a sua Pátria foram abandonados pelo governo português e foram assassinados pelas tropas do PAIGC, durante a governação do Presidente da Guiné Bissau Luís Cabral, sem qualquer julgamento ou meio de defesa, perante um pelotão de fuzilamento Cremos que os seus restos mortais foram depositados numa vala comum em Mansoa". (..)


3. Excerto do Historial da CART 1525, pág. 109/110 (com a devia vénia):

(...) VALORIZAÇÃO DAS FORÇAS  NATIVAS

(...) Aquando da nossa chegada a esta vila, viemos encontrar dois pelotões da Companhia de Milícia nº 17 e uma Companhia de Polícia Administrativa, constituída a 4 pelotões. A actividade destas forças era bem diversa e, assim, enquanto que a Milícia era empenhada em operações, encabeçando as colunas, à Polícia Administrativa era atribuído um papel secundário, saindo para o mato apenas integrada em colunas-auto, para colaborar nas picagens de estrada.

Dependia a Milícia da CCAÇ 1419, para todos os efeitos, ao passo que a Polícia Administrativa, como o nome indica, disciplinar e administrativamente estava subordinada à Administração, podendo contudo dispor-se dela operacionalmente, sempre que as circunstâncias o exigissem. Assim, desde a chegada da nossa CART até cerca do 10º mês de comissão, altura em que a CCAÇ  1419 foi para Mansabá, apenas podia haver um conhecimento relativo da verdadeira situação dessas forças nativas e das dificuldades ou problemas que poderiam ter.

Passou então o comando militar de Bissorã para a CART 1525 e, consequentemente, a dependência das referidas forças. A constituição das mesmas não foi alterada, não só por que vinha do antecedente, mas também porque, salvo algumas e poucas excepções, se provou que estava correcta. A Milícia continuou assim com Quebá Camará, no comando do pelotão nº 157 e Bacai Camará comandando o nº 158, estando a cargo de Citafá Camará e Landim Camará as funções de guias e informadores da NT.

(...) Mas, à medida que o tempo foi decorrendo, começaram a surgir outros problemas, da mais variada ordem. Estes, uma vez apresentados ao Comandante da CART 1525, mereceram sempre a melhor atenção e respeito, tentando dar-lhe a devida solução, dentro das suas possibilidades.

Os guias Citafá Camará e Landim Camará acusavam o peso dos anos e não podiam manter o mesmo ritmo em que até aí tinham sido utilizados e a Milícia, a começar nos seus comandantes, não tinha ainda visto premiado o seu valor, quer individual, quer colectivamente.

As numerosas operações que se seguiram reforçaram mais profundamente, no Comandante da CART [1525], o real mérito que as forças nativas possuíam e do qual já se tinha algum conhecimento. Com base nos relatórios dessas operaçõe surgiram as primeiras citações e o primeiro objectivo foi conseguido,  a promoção a alferes de 2ª linha de Quebá Camará e de Citafá Camará, na realidade, dentre todos, os mais merecedores, por tantos e tão relevantes serviços prestados. 

Estas duas promoções, que há muito haviam sido prometidas, mas sem que efectivamente se concretizassem, causaram natural júbilo, não só aos galardoados, mas também aos seus subordinados e à maioria da população nativa que muito os estima. 

Posteriormente foi ainda proposto, também para ser promovido a alferes de 2ª linha, o outro comandante de pelotão de Milícia, Bacai Camará. Seguiram-se propostas de Cruzes de Guerra para dois comandantes de secção de Milícia, Bacar Camará e Bajeba Jana e para o comandante de pelotão de Polícia Administrativa, Pedro Sambajuma. A culminar foram ainda propostas para o Prémio do Governador da Guiné,  deslocação à Metrópole os já referidos Quebá Camará e Citafá Camará.

 (...) Não foram, contudo, descurados outros problemas que se nos apresentavam, pelo que surgiram bastantes oportunidades de se ajudarem os elementos das forças nativas, conseguindo-se coberturas de zinco para as casas de alguns deles, emprestando-lhes dinheiro e arranjando-lhes alguns géneros alimentícios, nas alturas mais difíceis. Os processos para a concessão de subsídios aos feridos e incapacitados seguiram o seu curso normal, aguardando apenas o deferimento superior e aos mortos a nossa homenagem foi prestada com a inscrição do seu nome no monumento de reconhecimento a Bissorã, por nós erigido.

Quando se abandonou Bissorã e para mostrar o nosso incontestável reconhecimento e apreço pelas forças da Milícia local, foi por nós elaborada [uma] proposta de louvor que, mais tarde, veio a ser considerada pelos Comandos Superiores" (...)
____________



(**)  Último poste da série > 15 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17770: (De) Caras (97): O AVC na primeira pessoa e o processo de recuperação e reintegração (José Saúde)

Guiné 61/74 - P17855: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (8): 6.º Dia: Bissau, Safim, Nhacra, Jugudul, Bambadinca, Bafatá e Gabu (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)


1. Continuação da publicação das "Memórias Revividas" com a recente visita do nosso camarada António Acílio Azevedo (ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72, Bula e da CCAÇ 17, Binar, 1973/74) à Guiné-Bissau, trabalho que relata os momentos mais importantes dessa jornada de saudade àquele país irmão.

AS MINHAS MEMÓRIAS, REVIVIDAS COM A VISITA QUE EFECTUEI À GUINÉ-BISSAU ENTRE OS DIAS 30 DE MARÇO E 7 DE ABRIL DE 2017

AS DESLOCAÇÕES PELO INTERIOR DA GUINÉ-BISSAU (8)

6.º DIA – DIA 04 DE ABRIL 2017: BISSAU, SAFIM, NHACRA, JUGUDUL, BAMBADINCA, BAFATÁ E GABU:

Depois de mais uma noite bem dormida, apesar do calor, e de um bom pequeno-almoço, que todas as manhãs já encontrávamos preparado na nossa habitual mesa, eis-nos preparados para mais uma etapa, entrando no jeep e deste vez com destino a terras do leste da Guiné.

Sempre bem conduzidos pelo motorista Armando, eis-nos sentados na nossa habitual viatura saindo, mais uma vez, em direcção a Safim, localidade onde, num posto de abastecimento da Galp, enchíamos o depósito de gasóleo, cujo preço que penso já atrás ter referido, era de 635 francos guineenses por litro, a que correspondem 98 cêntimos de euro.

Abastecimento concluído, divergimos em Safim, em direcção a Nhacra, pequena vila situada no sector da região administrativa de Oio e local onde, na época da nossa “estadia” por terras da Guiné se sediavam os antigos emissores da rádio da antiga Emissora Nacional, de Portugal, e onde também se sediava o quartel defensor não só daquele posto emissor, bem como da própria Vila, mas sobretudo funcionando como guarda avançada de defesa da Cidade de Bissau.

Foto 78 - Nhacra (Guiné-Bissau): Curiosa foto com o pequeno hospital em fundo (cor rosa), com os doentes na “sala de espera” exterior ao edifício e a placa informativa dessa Unidade de Saúde, colocada ao lado da estrada que segue para Mansoa. Em segundo plano, distinguem-se as duas antenas dos emissores/receptores das comunicações 
Foto: Com a devida vénia a http://www.flickriver.com

Daqui continuámos a nossa marcha, passando primeiro por Jugudul, localidade onde, num posto também da Galp Energia, parámos para encher de água o respectivo depósito da viatura e em cuja loja entrámos para tomarmos uma bebida fresca, já que o calor se começava a sentir e ainda tínhamos algumas dezenas de quilómetros para percorrer até chegarmos à cidade de Bafatá, que também tinha conhecido no ano de 1974.

Encaminhámo-nos para Bambadinca, até atingirmos Bafatá, passando pelo caminho por várias bolanhas onde se cultiva o arroz, uma das principais fontes de alimentação do povo guineense, ao que parece insuficiente, pois vimos em várias feiras/mercados locais, vendas em sacos desse produto, importado da América do Norte e de outros Países.

Ainda em Jugudul, aproveitei também para tirar uma foto ao antigo quartel militar, por sinal, ainda em razoáveis condições de conservação, mas que, soubemos depois, se justificavam pelo facto de parte do espaço ter sido ocupado por uma pequena empresa ligada à área das bebidas, que aí instalou uma destilaria, mas da qual fiquei sem saber o nome. De qualquer forma, uma louvável iniciativa de aproveitar um espaço que, sem isso, cairia no abandono e na ruína como muitos outros edifícios, não só militares, que vimos por toda a Guiné que visitámos.
Não posso deixar de salientar a boa estrada em que circulávamos, toda ela bastante bem asfaltada, em terreno plano e com extensas retas.

Seguindo a nossa viagem, chegámos, cerca de 50 quilómetros depois à vila de Bambadinca, centro estratégico durante o tempo da guerra colonial, também localizada junto às margens do Rio Geba, povoação que depois se foi gradualmente desenvolvendo e onde, nos dias de hoje, também deparamos nas ruas com diversos estabelecimentos comerciais onde, além de produtos agrícolas da região, se vêm à venda sacos com artigos tão diferentes como o arroz e o adubo, mas também se comercializam em pequenas bancadas, outros produtos como a gasolina e óleo destinados às motos e motorizadas, conforme se mostra numa das fotos seguintes, situação idêntica à que já havíamos deparado noutras localidades, como em Susana, no norte da Guiné, junto à fronteira com o Senegal e a que já havia feito referência atrás.

Foto 79 - Jugudul (Guiné-Bissau): As instalações do antigo quartel, actualmente transformadas numa pequena destilaria, explorada, ao que parece, por pequenos empresários locais.
Foto: © A. Marques Lopes. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Ultrapassada a localidade de Jugudul, continuámos a nossa viagem em direcção a Bambadinca, sediada a caminho do nosso primeiro destino, que era Bafatá. Que dizer sobre Bambadinca, onde estava instalada uma nossa companhia militar durante a guerra colonial?!
Que é actualmente uma povoação onde ainda se vê algum pequeno comércio tradicional, mas onde a maior parte do piso dos seus arruamentos são em terra e com muitas covas e muito degradadas, mais parecendo estar em sintonia com o que tivemos oportunidade de ver em muitas outras localidades que visitámos.

Era uma zona em que as nossas tropas colocadas nesta povoação bem como em Xime e em Galomaro, ao ocuparem essas posições estratégicas, tinham por principal missão o controlo dos movimentos das tropas do PAIGC de norte para o sul do território e vice-versa.

Foto 80 - Bambadinca (Guiné-Bissau): Aspecto actual de uma das suas ruas, com o antigo edifício dos CTT, a meio da foto
Foto: © Jaime Machado (2015). Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Foto 81 - Bambadinca (Guiné-Bissau): Espaços comerciais numa rua da localidade, onde, em bancada avançada, lá se vê a venda de óleos e gasolinas, para as motoretas e dentro das lojas, arroz em sacos
Foto: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Passadas estas localidades, continuámos a nossa viagem, utilizando uma estrada, sempre em terreno plano e bem asfaltada, marginada por bolanhas onde os naturais cultivam o arroz e aproximando-nos de Bafatá, cidade que tinha conhecido em Julho/Agosto de 1974, período em que acompanhei, por indicação do Comandante de Batalhão de Bula, o Major Dick Daring e outros quadros do PAIGC em acções de cariz psicológico, que tinham por intenção a aproximação e o contacto com as populações das localidades sediadas em três dos sectores da Guiné (creio que os sectores 2, 3 e 5) e de que o Comandante Dick Daring, era o responsável.

Vencidos esses cerca de 120 quilómetros, numa viagem calma e segura, chegámos a Bafatá, terra natal de Amílcar Cabral, fundador do PAIGC, cerca das 11 horas da manhã, cidade que nos recebeu também com tempo quente, mas que, em minha opinião, me decepcionou de imediato, já que aquilo que eu estava a ver, se apresentava muito pior e nada parecido com a que eu tive a oportunidade de conhecer em 1974.

Uma breve passagem de jeep pelas duas principais ruas de Bafatá, deu-me logo para perceber que esta cidade, outrora tão bonita e acolhedora e até com certo ar cosmopolita, está agora muito mais suja e pior conservada, realidades que me entristeceram bastante, principalmente ao olhar a antiga bela avenida que, do centro da cidade, conduz ao Rio Geba e que agora se encontra muito mal cuidada, o mesmo acontecendo com o bonito jardim que existia junto àquele rio que corria no final dessa avenida.

De louvar o aspecto cuidado em que ainda se encontra a elegante Igreja da cidade, localizada sensivelmente a meio e à direita dessa avenida que desemboca no Rio Geba, bem como o bem conservado edifício do hospital, construído um pouco mais acima e do lado esquerdo, para quem desce em direcção ao rio.

Dos antigos e bons restaurantes que ali existiam, resta o “Ponto de Encontro”, situado na Rua Porto e propriedade do casal D. Célia e José Dinis, portugueses das Caldas da Rainha e local onde depois saboreamos um bom almoço de carne de gazela, que com gosto nos prepararam, tendo-nos ainda afirmado que, embora gostem muito de Bafatá, têm muitas saudades de Portugal, onde têm as duas filhas a residir.
Como curiosidade, e porque o vimos chegar conduzindo um carro pesado de instrução, ficamos a saber que o Senhor José Dinis, é também proprietário de uma Escola de Condução, única que existe no interior da Guiné.
Foi muito agradável este “ponto de encontro” com o casal Dinis, porque se para nós foi muito bom termos este convívio em terras do interior guineense, com pessoas nossas conterrâneas, que ali labutam e vivem, para eles, ficámos convictos da enorme alegria que sentiram em contactar e falar connosco, porque segundo nos afirmaram só ali restam três Portugueses Continentais.

Como ainda faltavam cerca de duas horas para o almoço, decidimos dar primeiro uma saltada a Gabu, que dali dista 52 quilómetros, a fim de visitarmos esta cidade do interior leste.

Foto 82 - Bafatá (Guiné-Bissau) – Bela imagem da avenida, creio que dos anos 70 e que ligava a zona central da cidade ao Rio Geba e actualmente bem mais degradada do que a foto mostra. A meio, e à esquerda da avenida, vê-se a bonita Igreja da cidade.
Foto: © Humberto Reis (2006). Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Foto 83 - Bafatá (Guiné-Bissau): A mesma avenida, com uma foto actual e que foi tirada ao lado da Igreja e em sentido inverso, vendo-se, em comparação com a imagem anterior, a total falta de asfalto naquela avenida
Foto: Com a devida vénia a TV Televisão de Moçambique

Foto 84 - Bafatá (Guiné-Bissau): Busto de Amílcar Cabral, erigido na sua terra natal, num largo junto ao Rio Geba

Foto 85 - Bafatá (Guiné-Bissau): Mercado da cidade, no largo onde existe o busto de Amílcar Cabral e junto ao Rio Geba
Foto: Com a devida vénia a Wikipédia

Foto 86 - Bafatá (Guiné-Bissau): Memorial a Amílcar Cabral, militante do PAIGC e fundador da nacionalidade e erguido numa praça do centro da cidade, situada no topo norte da avenida que desce até ao Rio Geba

Foto 87 - Bafatá (Guiné-Bissau): Hospital da cidade, localizado na avenida de acesso ao Rio Geba

Foto 88 - Bafatá (Guiné-Bissau): Os colegas Monteiro e Cancela, com o casal Célia e José Dinis, portugueses das Caldas da Rainha e proprietários do Restaurante “Ponte de Encontro”, onde almoçámos

A rápida deslocação de ida e volta à cidade de Gabú (ex-Nova Lamego), situada 52 quilómetros para o leste de Bafatá e a cerca de 30 quilómetros da fronteira com a Guiné-Conakry, foi percorrida em estrada asfaltada e de óptimo piso com longas rectas, a última das quais, antes de Gabu, com 20 quilómetros de extensão, conforme pudemos confirmar no regresso através do conta-quilómetros do jeep, deu bem para apreciar toda a paisagem envolvente, recheada de grandes manchas de vegetação verde.

Gabú, é um importante centro económico desta região leste do País, que se aproveita do facto de se encontrar muito próximo da fronteira de Guiné-Conakry, para trazer até ela muitos comerciantes desse País vizinho.
A sua população constituída, maioritariamente por elementos da etnia fula, com fortes raízes ligadas ao islamismo, possui uma população que deve actualmente rondar os 16.000 habitantes.
Embora no tempo da guerra colonial lhe tivesse sido imposta a designação de Nova Lamego, logo após a independência, voltou a designar-se Gabú, tendo nos dias de hoje, retomado o primado na importância das cidades do leste da Guiné-Bissau, em detrimento de outras localidades, como Bafatá, que durante a guerra colonial exerceu essa primazia, sendo no momento actual o centro nevrálgico de toda a movimentação comercial da Guiné-Bissau, logo a seguir à capital, Bissau.
Foi para nós extraordinário ver o enorme mercado de rua que é exercido nas principais artérias de Gabú, onde se expõe e vende de tudo (só não vi automóveis à venda), que atinge alguns quilómetros de extensão, e onde, em por vezes, em improvisadas tendas, são comercializados todos os tipos de produtos e mercadorias, que vão desde pequenos adereços locais, até a motorizadas, passando pela comercialização de arroz, fruta e produtos hortícolas.

Que mais dizer, apenas que é simplesmente espectacular, ver o número elevado de pessoas, que marca presença neste tipo de actividade comercial, quer sejam eles vendedores ou simples compradores.
Gostei de ver e sentir todo o pulsar desta cidade, principalmente na vertente comercial que vimos estar em marcha nesta simpática e acolhedora urbe, sendo difícil admitir que outra qualquer cidade da Guiné-Bissau, possua a pujança que vimos existir em Gabú.

Regressámos pouco depois a Bafatá, onde conforme combinado com o Casal Célia e José Dinis, proprietários do Restaurante “Ponto de Encontro”, nos esperava o almoço.

Foto 89 - Gabu (Guiné-Bissau): Uma das ruas da principal cidade do leste do País, que se enche de vendedores ambulantes, nos dias de feira
Foto: © João Graça. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Foto 90 - Gabu (Guiné-Bissau): Panorâmica de uma rua desta cidade, em dia de feira. Reparem no elevado número de tendas que marginam a rua
Foto: © João Graça. Luís Graça & Camaradas da Guiné

Foto 91 - Gabu (Guiné-Bissau): A confusão nas ruas da cidade, em dia de feira
Com a devida vénia a VOA

Foto 92 - Gabu (Guiné-Bissau): Rua da cidade, onde se vêm 2 prédios da era colonial, num dos quais existe uma agência do Banco da África Ocidental, já com multibanco.
Foto: © João Graça – Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Foto 93 - Gabu (Guiné-Bissau): Venda ambulante de pão. Vimos isto em quase toda a Guiné
Com a devida vénia a mapio.net

Fotos: © A. Acílio Azevedo, excepto as cujos autores e proveniência foram devidamente indicados

(Continua)
____________

Nota do editor CV

Último poste da série de 10 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17844: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (7): 5.º Dia: Bissau, Safim, Bula, Binar e Bissorã (continuação) (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)